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EuPTCVHe1647-21602012000200009

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National varietyEu
Year2012
SourceScielo

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Cuidados Continuados em Saúde Mental: Reflexão sobre Respostas para Pessoas Cuidados Continuados em Saúde Mental: Reflexão sobre Respostas para Pessoas A evolução dos modelos de cuidados continuados para a saúde mental, reflete a multiplicidade de variáveis que influenciaram estes projetos e as características das respostas surgidas em cada contexto. As condicionantes resultam da história e cultura de cada região e das motivações que desencadearam os processos, na maior parte das situações tendo como primeiro objetivo o encerramento das instituições psiquiátricas em resposta a uma maior consciencialização e defesa dos direitos humanos das pessoas em desvantagem social. Mas igualmente outros aspetos essenciais da organização dos serviços de saúde e sociais, como, o económico numa lógica de melhor custo'beneficio dos serviços prestados, a disponibilidade e formação dos técnicos, a conceção sobre o papel dos cuidados continuados na continuidade de cuidados, contribuíram para a mudança de perspetiva em relação aos serviços a disponibilizar para as pessoas com doença mental grave (DMG) e suas famílias. Deste modo não se pode falar de uma história de cuidados continuados para a saúde mental, mas de várias histórias que se revelam diferentes de país para país e em alguns países, de região para região.

Por outro lado, podemos afirmar que a evolução de respostas em cuidados continuados de saúde mental acompanhou a evolução do pensamento técnico- científico em relação à conceção da pessoa com DMG. Da referência ancestral ao louco, transitou-se para uma conceção de doente, e finalmente para a do cidadão com doença psiquiátrica ou mental, a quem se reconhece o direito pleno de exercício da cidadania. Para esta transição contribuíram muito os processos de desinstitucionalização que ocorreram em vários países europeus, largamente influenciados pelas perspetivas "revolucionárias" de Basaglia em Trieste (Itália).

As primeiras respostas nesta área foram criadas essencialmente para promover a desinstitucionalização, numa perspetiva de transição das estruturas asilares para a comunidade, onde por via das características desta população, existia uma componente terapêutica acentuada. As respostas residenciais com o seu ambiente doméstico, ainda que nesta fase inicial se destinassem predominantemente a pessoas com internamentos hospitalares muito prolongados e suposto menor potencial de reabilitação, foram referidas como promotoras da melhoria da qualidade de vida e aumento da satisfação dos residentes (Girolamo et al., 2007; Thornicroft, Bebbington, & Leff, 2005).

Progressivamente foi-se assistindo a uma maior autonomização destas estruturas de reabilitação em saúde mental, relativamente aos serviços de saúde, procurando adaptar-se as respostas a diferentes necessidades. As primeiras unidades residenciais comunitárias surgem com o objetivo de estimular a autonomia e capacidade de decisão dos residentes, aumentar o potencial de adaptação da pessoa com DMG a diferentes contextos e facilitar a sua integração social. Mas foi ocupando maior destaque o apoio residencial, como alternativa eficaz na promoção da autonomia, iniciativa e integração social das pessoas em processo reabilitativo.

Convém salientar, que a desinstitucionalização obriga a cuidadosa ponderação quanto ao seu impacto nas pessoas que têm de transitar para outro ambiente e estrutura. Não obstante a sua intenção beneficente, estes processos têm custos psicológicos para a pessoa envolvida, o que significa que devem ser cuidadosamente preparados para minimizar as dificuldades e sofrimento que podem resultar nesta transição (Farhall, Trauer, Newton, & Cheung, 2003; Friedrich, Hellingsworth, Hradek, Friedrich, & Culp, 1999).

As primeiras residências de cuidados continuados respondiam a uma necessidade de encerramento dos hospitais psiquiátricos, e respetiva desinstitucionalização das pessoas internadas, dirigindo-se a pessoas com necessidades relativamente homogéneas para quem a simples mudança de condições representava um avanço considerável. Gradativamente, assistiu-se a uma mudança na população atendida (mais jovem), com necessidades heterogéneas e maior capacidade reivindicativa, que em vários países culminou na organização de grupos de utentes e familiares com maior poder de exigência no acesso à habitação e emprego apoiados.

A tendência atual na organização de cuidados continuados em saúde mental traduz-se num modelo misto, que inclui as dimensões saúde e social, procurando responder a diferentes exigências de cuidados, organizados em rede e promotores de aquisição de competências para a vida na comunidade.

Neste âmbito, alguns aspetos comuns às diferentes experiências internacionais têm sido frequentemente referidos: ·      Consenso quanto à importância das intervenções na comunidade para uma evolução mais favorável da pessoa com DMG (Sylvestre, Nelson, Sabloff, & Peddle, 2007); ·      Programas com ênfase na funcionalidade pessoal e social sustentada numa rede de serviços de apoio (Maria e Sousa, 2000; Nelson, Hall, & Walsh- Bowers, 1998; Nelson, & Peddle, 2005; Sylvestre et al., 2007); ·      Cuidados baseados numa perspetiva de evolução gradual para a maior autonomia possível; ·      Respostas que pressupõem transição progressiva para residências com maior autonomia (continuum residencial) ou outras mudanças semelhantes são desestabilizadoras e não se traduzem em ganhos de competências ou satisfação dos utilizadores (Marcelino et al., 2004; Maria e Sousa, 2000; Nelson, Aubry, & Hutchinson, 2010); ·      Residências de grande lotação assim como ambientes restritivos ou demasiado protegidos diminuem a iniciativa, promovem a dependência e autonomia e diminuem a satisfação dos residentes (Macpherson, Shepherd, & Edwards, 2011; Maria e Sousa, 2000; Mcinerney, Finnerty, Avalos, & Walsh, 2010; Nelson, & Peddle, 2005; Nelson et al., 2010; Piat, Wallace, Wohl, Minc, & Hatton, 2002; Sylvestre et al., 2007).

·      Preferência dos utilizadores por alojamentos com maior autonomia e maior privacidade (Macpherson et al., 2011; Nelson, & Peddle, 2005; Nelson et al., 2010; Sylvestre et al., 2007).

As dificuldades surgem em relação a: ·      Características e número de profissionais em cada dispositivo residencial, muito diversificado e dependendo da origem das respostas (sectores da saúde ou social, público ou privado, lucrativo ou não lucrativo...); ·      Diferentes metodologias e seleção de variáveis utilizadas na avaliação do impacto dos programas nos utentes, que não permite uma comparação dos modelos de reabilitação e respostas utilizados ainda que todos os resultados sejam animadores: o   Melhor adesão aos tratamentos; o   Estabilização da sintomatologia positiva e melhoria da negativa; o   Assunção do papel nas atividades de vida diária; o   Maior iniciativa social e autonomia; o   Melhoria nas relações interpessoais; As avaliações salientam sempre o maior risco das respostas residenciais, o risco de transinstitucionalização. Ou seja, o risco de repetição de práticas e ambientes não promotores de um processo de reabilitação e integração da pessoa, representando apenas uma mudança de uma "instituição" para outra "instituição".

Este risco pode ser combatido através de medidas organizacionais e de controlo de qualidade, nomeadamente com o enquadramento claro em princípios que orientem os envolvidos nestas respostas, na definição dos serviços prestados, na seleção de profissionais, acompanhamento, formação e valorização dos mesmos, na participação efetiva dos utentes na tomada de decisão e na criação de oportunidades para a sua integração na comunidade, numa avaliação periódica dos resultados obtidos.

Uma discussão habitual, interessante, que influencia as características das respostas em cuidados continuados na saúde mental, tem sido a ausência de consenso em torno da operacionalização do próprio conceito subjacente. As residências para a reabilitação da pessoa com DMG devem ser locais de tratamento, ou locais de habitação de onde se parte para programas de reabilitação e para os cuidados de saúde em geral (Marcelino et al., 2004; Santone et al., 2005). A experiência pessoal, profissional dos técnicos de saúde condiciona o posicionamento em relação ao que pensam ser a melhor solução para os seus utentes, mas o erro básico residirá exatamente nesta suposição baseada na experiência se não lhe for acrescentado o desejo e aspiração das pessoas a quem se destinam estas respostas.

Alguns Exemplos A reforma psiquiátrica Italiana, modelo relevante neste âmbito e que decorre desde 1978, tem ela própria sido heterogénea. Surgiram variadas estruturas residenciais, com diferenças consideráveis na composição das equipas e mesmo na conceptualização dos processos de intervenção. As avaliações realizadas em 2005 (Girolamo et al., 2005, Santone et al., 2005) tornaram evidente entre outros aspetos, que residências com programas e funcionamento muito restritivo não satisfaziam os residentes, e que algumas atividades como reuniões periódicas onde participavam profissionais e utentes eram sentidas como muito positivas, melhorando a sensação de participação na decisão e as relações interpessoais.

Como noutros contextos, a transição entre residências não é vista como positiva, por não ser fácil a transição de capacidades/competências adquiridas, para outro contexto.

Uma das dificuldades apontadas no projeto Italiano (Girolamo et al., 2005, Santone et al., 2005) relaciona-se com a ausência de caracterização da população atendida, em relação às suas necessidades e autonomia, e na seleção da residência que melhor se adequaria ao perfil da pessoa. A heterogeneidade de necessidades dos grupos presentes em cada residência tem dificultado a implementação de atividades comuns e mesmo a seleção dos profissionais com o perfil mais indicado para cada local. A maior parte das residências em Itália têm capacidade até 10 residentes e 75% têm equipas em funções 24h, com predominância de enfermeiros e monitores/auxiliares.

Em Inglaterra a exemplo de outros países com processos posteriores, os residentes manifestaram satisfação pelo aumento da autonomia, e 40%, ao fim de 1 ano Thornicroft et al., 2005), sentiam mudanças positivas desde que tinham deixado o hospital. Durante este período não existiram grandes alterações psicopatológicas, exceto na tendência para um comportamento social menos propenso a agir com base em ideias bizarras.

Na avaliação desenvolvida cinco anos após a desinstitucionalização (Mcinerney et al., 2010), os resultados mostraram melhoria significativa no nível de interesse, de atividade e competências na comunidade. No entanto, apesar da expectativa de que melhores condições de vida na comunidade pudessem resultar em melhoria evidente nas pessoas, tal não foi muito evidente neste estudo. Os longos períodos de internamento com processos de reabilitação, conjugado com o facto de algumas destas respostas residenciais se terem transformado em novas "instituições" na comunidade sem programas adequados de reabilitação, contribuíram para esses resultados. O nível de interesse que tinha subido durante o primeiro ano, para descer nos cinco anos seguintes, parece poder dever-se a um investimento inicial da equipa, que não teve continuidade.

Tornou-se evidente a necessidade de formação contínua e do reforço da motivação do pessoal envolvido nos projetos, para que uma verdadeira mudança ocorra nas pessoas em processo de reabilitação.

A experiência Andaluza tem igualmente sido relevante na compreensão dos ganhos em saúde e em reabilitação psicossocial, decorrentes da desinstitucionalização de pessoas com DMG (Marcelino et al., 2004; Lopez, Laviana, Lopez, & Tirado, 2007; Marcelino, 2009).

Os esforços empreendidos pela Fundación Andaluza para la Integración Social del Enfermo Mental (FAISEM) tomam como objetivo primordial, favorecer a permanência e participação ativa na vida social das pessoas com DMG, tendo as estruturas comunitárias criado resposta para um conjunto de necessidades básicas da vida quotidiana dos seus utentes, como a habitação, manutenção de cuidados básicos da vida diária (higiene, medicação, organização da vida diária, etc.) e relações interpessoais significativas. Segundo a FAISEM, estes objetivos cumprem-se através da garantia aos utentes de alojamentos estáveis, com sistemas de apoio flexíveis, mas sem excluir a necessidade de intervenções complementares da Saúde, responsável pelos projetos de reabilitação psicossocial.

As estruturas residenciais são asseguradas predominantemente por monitores, sem formação profissional específica e com o estatuto de "tarefeiros", que dão suporte e desenvolvem com os residentes um plano de reabilitação individual, Programa Individualizado de Atención Residencial (PIAR), elaborado em estreita colaboração com os serviços de saúde mental. As respostas residenciais da FAISEM dão continuidade a um Plan Individualizado de Tratamiento (PIT), para o qual contribuem múltiplos parceiros (família, utente, serviços de saúde) e que inclui além do programa residencial, um programa ocupacional e laboral e outros de âmbito social relevantes para a reabilitação da pessoa. Os programas têm por princípios orientadores basilares o respeito pelos direitos de cidadania, a autonomia e participação, a ocupação e o emprego.

No Canadá, a experiência de desinstitucionalização ocorre desde os anos 60.

Atualmente, em Ontario, a tendência de criação de residências tem sido no sentido de estruturas de apoio, que mantenham os princípios de cidadania e autonomia dos residentes, percebendo esta resposta como um meio de inserção na comunidade, onde estratégias como o case management ou o assertive community tratement são apontados como metodologias eficazes para atingir aquele objetivo (George et al., 2005; Nelson, & Peddle, 2005; Sylvestre et al., 2007).

Em Montreal foi desenvolvida uma experiência semelhante à da Andaluzia, de cariz eminentemente residencial, para pessoas com DMG, que não tinham sido capazes de viver noutras soluções residenciais. Mas neste caso os profissionais tiveram formação específica ou tinham experiência profissional prévia para a função que exerciam. Esta experiência apresentou resultados preliminares animadores (Piat et al., 2002).

Quanto às instalações, vários estudos assinalam a limpeza, conforto e mobiliário como os aspetos mais relevantes indicados pelos residentes, que interferem com o seu bem-estar (Nelson, & Peddle, 2005). A privacidade é das principais preocupações dos utentes, o que determina maior satisfação com residências com menor número de residentes. No entanto, é referida a sensação de solidão e isolamento pelos que habitam sozinhos, o que levou os utilizadores a sugerirem a existência de apartamentos com espaços comuns (Nelson, & Peddle, 2005). As residências com menos residentes estão associadas a menor ansiedade, menor passividade, menor distanciamento dos outros, a uma maior consideração positiva do envolvimento social e a maior autonomia (Nelson, & Peddle, 2005).

CONCLUSÃO A reforma da saúde mental em Portugal responde essencialmente a uma exigência de saúde pública, mas representa igualmente um passo civilizacional na valorização do respeito pelos direitos humanos. Numa época em que os problemas económicos acentuam a visibilidade dos problemas de saúde mental e a dificuldade de resposta dos serviços a este fenómeno, torna-se indispensável caminhar para modelos integrados e adaptados a novas exigências clinicas, transformadas por força das representações socioculturais contemporâneas.

Representações que impõem à pessoa com doença mental, como a outra qualquer pessoa, a necessidade e o desejo de exercício da cidadania que provam a sua participação e existência na comunidade. Os projetos de cuidados continuados devem responder a estas necessidades, desviando o foco de atenção do doente para a pessoa, valorizando a sua autonomia e integração na comunidade. O não investimento neste tipo de alternativa representa um retrocesso na reforma da saúde mental, condena-nos a um futuro de maior desigualdade e à manutenção do estigma e descriminação, de ausência de oportunidade e de menor capacidade de resposta dos serviços de saúde às pessoas com doença mental grave.


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