Qualidade de Vida e Saúde Mental em Consumidores de Drogas: Que Relação?
Qualidade de Vida e Saúde Mental em Consumidores de Drogas: Que Relação?
INTRODUÇÃO
A reflexão e aprofundamento dos estudos relacionados com a qualidade dos
cuidados de saúde tiveram particular contributo, com os estudos iniciados no
final do século passado, sobre a efetividade do papel dos profissionais nos
resultados em saúde obtidos pelas pessoas. Procura-se aprofundar o conhecimento
sobre alguns fatores que efetivamente se relacionam com a forma como as pessoas
vivem o seu dia-a-dia. Estes dados, relacionados com a saúde das pessoas, podem
ser avaliados através da relação entre alguns determinantes e a qualidade de
vida (QV) (Doran D., 2011).
Ao direcionarmos a nossa atenção aos consumidores de drogas, deparamos com uma
população caracterizada por aspetos particulares, por dificuldades na sua
vivência social e familiar, por sofrimento emocional e com uma forma de vida
geradora de "inquietação de consciências" na população não consumidora, e que
por tudo isto, requer mais pesquisa sobre a forma como percecionam a sua vida
para além dos indicadores mais tradicionais como a abstinência e o abandono de
determinados comportamentos (Escudeiro, Lamachã, Freitas, & Silva, 2006).
A população consumidora de drogas que recorre aos serviços de assistência
especializada apresenta características que se foram alterando. Apresentam-se
mais velhos, com mais e diferentes necessidades em saúde (Cook, Epperson, &
al., 2005; Beynon, McVeigh, & Roe, 2007; Roe & Beynon, 2010). Estudos
longitudinais demonstram uma natureza crónica desta doença (Torrens, 2008;
Conway, Levy, & Vanyukov, 2010; Nyamathi, Nandy, Greengold, & al.,
2010).
A principal substância consumida por esta população (em Portugal) continua a
ser a heroína (maioritariamente numa perspetiva de policonsumos) e a resposta
terapêutica mais desenvolvida é uma abordagem psicossocial, de matriz
multidisciplinar, conjuntamente com a intervenção medicamentosa com cloridrato
de metadona (IDT, 2012).
O envelhecimento desta população traz consigo a preocupação com as suas
morbilidades e comorbilidades, que sabemos ser superior à população em geral
(Roe & Beynon, 2010) e com os seus problemas sociais. Os fatores
determinantes encontrados, para as necessidades em saúde nas faixas etárias
mais elevadas são: o policonsumo, as comorbilidades e os fatores relacionados
com o envelhecimento. Estes condicionam também as intervenções dos técnicos de
saúde (Seabra & Sá, 2011).
As comorbilidades físicas e psíquicas (presentes em 70% da população) são
responsáveis pelo aumento das incapacidades associadas ao consumo de drogas
(Machado & Klein, 2005; Almeida & Vieira, 2005; Nyamathi, Shoptaw,
Cohen, & al., 2010) e consequentemente pela diminuição da sua QV.
Na literatura, verificamos que ao estarem integrados nos centros de tratamento
e nos programas medicamentosos, os doentes melhoram a sua QV (Pacheco, Murcho,
& Jesus, 2005; Astal, Salvany, Buenaventura, Tato, & Torrens, 2008;
Murcho & Pereira, 2011; IDT, 2012). Mas, definir QV não é tarefa simples. O
conceito é ambíguo, lato, volúvel e difere de cultura para cultura, de época
para época, de pessoa para pessoa e até num mesmo individuo se modifica com o
decorrer do tempo (Leal, 2008).
O constructo teórico dos instrumentos de avaliação da qualidade de vida provém
maioritariamente do referencial teórico da organização mundial de saúde
(WHOQOL, 1995). No entanto, têm sido desenvolvidas escalas de avaliação de QV
agregando indivíduos que apresentem o mesmo diagnóstico médico, como estratégia
para a comparabilidade.
Uma particularidade nesta população, quando se faz a reflexão sobre alguns
indicadores, é que nem sempre a redução dos consumos corresponde a mais QV. As
melhorias podem ser significativas apenas depois de algum tempo e para muitos,
os consumos não interferem na sua QV (Ashton, 2003).
Podemos definir QV como a perceção única e pessoal, marcada por muitos fatores
interrelacionados, como a situação socioeconómica, o clima político, os fatores
ambientais, a habitação, a educação, o emprego, entre outros. Os cuidados de
saúde não podem alterar os fatores que contribuem para a qualidade de vida, mas
estes inevitavelmente afetam o estado de saúde (WHOQOL, 1995). QV relacionada
com a saúde é um subconjunto dos aspetos de QV, relacionados na existência
individual, com o domínio da saúde.
Quando aprofundamos a definição de Saúde Mental (SM), encontramos outro
conceito subjetivo. Relaciona-se com a QV cognitiva, emocional e com a ausência
de doença mental. Inclui a capacidade para apreciar a vida e proporciona um
equilíbrio entre as atividades e os esforços para atingir a resiliência
psicológica (Sá, 2010).
Ao analisarmos o sentido dos conceitos QV e SM (enquanto conceito com duas
dimensões, incluindo o bem estar) percebemos a necessidades de serem incluídos
na funcionalidade de cada pessoa, numa variedade de áreas como a sua saúde
física, qualidade de auto manutenção, qualidade do desempenho das suas
atividades, estado intelectual, atividade social, atitudes com o mundo e com
ele próprio e estado emocional (Doran D., 2011).
Alguns estudos, têm contribuído para conhecimento da relação entre a SM e a QV
em consumidores de droga, embora, poucos estudos apresentem a intensidade dessa
relação, o aprofundamento da relação entre diferentes domínios dessa mesma
relação e normalmente os consumidores são avaliados no momento da admissão, não
ponderando nos estudos, o tempo de permanência nesses programas como um fator
estabilizador para estes dois estados. (Escudeiro, Lamachã, Freitas, &
Silva, 2006; Astal, Salvany, Buenaventura, Tato, & Torrens, 2008; Torrens,
2008).
É na sequência desta reflexão, que surge o presente trabalho que tem como
objetivos, analisar a relação entre a QV e a SM de pessoas dependentes de
opiáceos, integradas num programa de manutenção com metadona, aprofundar a
relação entre diferentes dimensões destes dois conceitos, verificar se os
valores encontrados nesta população diferem de outras populações estudadas.
Como pergunta de investigação: Qual a relação entre a SM e a QV em pessoas
dependentes de opiáceos, integradas em programa de manutenção com metadona?
METODOLOGIA
Tipo de Estudo
Para dar resposta aos objetivos deste trabalho, desenvolvemos um estudo
quantitativo, de tipo descritivo, transversal e correlacional.
Participantes
Utilizou-se uma amostra probabilística aleatória sistemática, realizada durante
o atendimento nos programas medicamentosos. A amostragem decorria a partir do
momento em que o investigador estivesse presente numa abordagem n+2 ou seja,
era apenas solicitada a participação a todos os utentes que se apresentassem
nesta sequência.
Foram participantes os que reuniam os seguintes critérios:
a) Maioridade.
b) Integrado em programa de manutenção opiácea com metadona, há pelo menos 1
mês.
A amostra foi constituída por 180 utentes que aceitaram participar, em 3 locais
diferentes de atendimento (Equipas de Tratamento), na região de Lisboa e Vale
do Tejo.
Instrumentos
a) Questionário de Identificação ' Permitiu a obtenção de dados
sociodemográficos, dados clínicos e comportamentais, relacionados com o consumo
de drogas.
Optamos por instrumentos adequados à população e já testados e validados para a
população portuguesa, com o objetivo da comparação de dados (Torrens, 2008).
· MHI-5 _(Mental_Health_Inventory_5) (Ribeiro J. P., 2001)
O MHI5 é um questionário de autorresposta, desenvolvido para investigação
epidemiológica, visando avaliar a Saúde Mental numa perspetiva que incluí
dimensões positivas e negativas. O MIH5 avalia a ansiedade, a depressão, a
perda de controlo emocional /comportamental e bem-estar psicológico, com
utilização já efetivada com populações dependentes de drogas (Cotralha, 2007;
Nyamathi, Nandy, Greengold, & al., 2010). Apresenta 5 itens (agrupados em 2
dimensões, distress e bem estar) sendo os sujeitos convidados a assinalarem o
seu estado numa escala de Likert de 6 pontos. A cotação da escala é obtida pelo
somatório dos itens (2 itens com a cotação invertida). Níveis mais elevados no
somatório correspondem a melhor saúde mental (5-30). Está validado para a
população portuguesa (Ribeiro J. P., 2011).
No estudo de validação para a população portuguesa, foi obtido um Alfa de
Cronbach de 0.80.
· Escala_de_avaliação_da_qualidade_de_vida_nos_consumidores_de
substâncias_em_programa_de_substituição_com_metadona (Pacheco, Murcho, &
Jesus, 2005)
O questionário apoia-se na perceção de QV tal como é definida pela Organização
Mundial de Saúde (OMS). É um instrumento que perspetiva a saúde envolvendo as
dimensões afetivas e cognitivas. Relaciona-se com os aportes positivos da
promoção da saúde e da prevenção da doença, englobando a saúde física, mental,
social e a satisfação das necessidades humanas (Pacheco, Murcho, & Jesus,
2005).
É composto por duas subescalas. A subescala relativa aos "fatores da situação
sócio familiar e económica" e aos "fatores da situação satisfação pessoal". É
constituído por 21 itens em que os sujeitos atribuem a concordância numa escala
Likert de 4 pontos. Valores mais elevados correspondem a melhor QV (21-84).
No estudo de validação para a população portuguesa em 2005 (n=236), foi obtido
um Alfa de Cronbach de 0.88 e num estudo mais recente (n=308) 0.93 (Murcho
& Pereira, 2011). Estudos com idêntica população e metodologia.
Procedimentos
Atendendo ao funcionamento das próprias equipas, a aplicação dos questionários
a todos os doentes que aceitavam participar e a quem eram explicados os
objetivos do estudo, foi realizada pelo investigador. Isto permitiu a ausência
de não respostas. Aos doentes era dada garantida de confidencialidade e pedido
que assinassem o consentimento informado.
O estudo teve parecer positivo da Comissão de Ética do Instituto de Ciências da
Saúde da Universidade Católica Portuguesa. Obtivemos a autorização dos autores
para a utilização dos instrumentos de avaliação. O acesso ao campo foi
autorizado pelo Concelho Diretivo do Instituto da Droga e Toxicodependência,
I.P.
Os dados referentes a cada escala e subescala foram calculados seguindo as
recomendações dos autores. De seguida, elaboramos uma base de dados e
introduzimos todos os dados para tratamento estatístico (SPSS 19).
Procedimento Estatístico
Determinamos a utilização de estatística não paramétrica pois as variáveis em
estudo são ordinais e os dados apresentaram-se com uma curva não normal com o
teste Kolmogorov-Smirnov (Marôco, 2011). Por se tratar de um estudo
correlacional, calculamos o coeficiente de correlação de Spearmam. Consideramos
estatisticamente significativos os testes que tinham articulado um valor de
p≤0.05.
ANÁLISE DOS RESULTADOS
A amostra obtida para análise ficou constituída por 180 pessoas (60 em cada
equipa).
Caraterização da amostra (dados mais relevantes):
Ø Género masculino n= 132 (73.3%); Género feminino n= 48 (26.7%).
Ø Média de idades 41.06 (dp= 7,58), com um intervalo 24-68.
Ø Escolaridade: 3 (1.7%) ≤4ºano; 25 (13,95%) completaram o 4ºano; 63 (35%)
completaram 6ºano; 58 (32,2%) completaram o 9º ano; 26 (14.4%) completaram o
12º ano; 5 (2.8%) completaram o ensino superior.
Ø Estado civil: Solteiro 100 (55.6%); casados 18 (10%); União de facto 36
(20%); Divorciado 22 (12.2%); viúvo 4 (2.2%).
Ø Filhos: Sim 95 (52.8%); Não 85 (47.2%).
Ø Situação laboral: Empregado 55 (30.6%); desempregado 87 (48.3%); Trabalho
esporádico 17 (9.4%); Reformado 17 (9.4%); Formação subsidiada 4 (2.2%).
Ø Consumos: Hipóteses múltiplas - 25 (13.9%) consome heroína; 46 (25.6%)
consome estimulantes; 52 (28.9%) cannabis; 55 (30.6%) álcool; 33 (18.3%)
benzodiazepinas.
Ø Sem consumos: 52 utentes (28.9% do total da amostra) não têm consumos.
Ø Comorbilidades: HIV+ 45 (25%); HCV 106 (58.9%); Com pelo menos uma
perturbação mental 43 (23.9%); Doenças físicas (exceto infeções víricas) 80
(44.4%).
Ø Sem comorbilidades: 27 (15%).
Ø Média de idade de início de consumos: 18.2 (dp= 5,5)
Ø Média de anos de consumo: 16.7 (dp= 7.6).
Ø Média de tempo de programa: 52,8 meses (dp= 43,3)
Ø Dose de metadona: 74,1 mg (dp= 41,1)
Análise dos Instrumentos
No que se refere a análise dos instrumentos (quadro_1), podemos considerar que
no nosso estudo demonstraram uma boa consistência interna (Marôco, 2011).
Qualidade de Vida
Analisando o quadro_2, que reporta para a análise descritiva da nossa amostra,
verificamos que a mediana encontrada foi 67 numa escala com intervalo de 21-84.
O fator com mais peso no valor total foi QV situação sociofamiliar e económica,
com uma mediana de 37 podendo ter um intervalo de 11-44 e com menos peso o
fator QV fatores de satisfação pessoal, com 29,5 podendo ter um intervalo de
10-40.
Na análise do quadro_3, verificamos que 95% da amostra apresenta valores a
partir dos quais a QV é boa. O ponto de corte na escala total é 42. Na
subescala fatores da situação sócio familiar e económica o ponto de corte é 22
e na subescala fatores de satisfação pessoal é 20.
Saúde Mental
Para a variável SM e ainda reportando à análise descritiva da nossa amostra,
verificamos que a mediana encontrada foi 19, numa escala com intervalo de 5-30
(maior valor, melhor SM). O fator com mais peso no valor total foi SM Distress,
com uma mediana de 13 podendo ter um intervalo de 3-18 e com menos peso o fator
SM bem-estar, com 6 podendo ter um intervalo de 2-12 (quadro_4)
Na análise do quadro_5, verificamos que 55,6% da amostra apresenta valores de
bem-estar psicológico. O ponto de corte na escala total é fixado nos 52%.
Seguidamente estes dados foram agrupados, distinguindo pela média de idades
(41) a amostra em 2 grupos (quadro_6) O valor de QV é mais elevado nos que têm
a idade <41 embora estatisticamente não significativa (U=0.605; p≥0.05) e o
valor de SM é igualmente mais elevado nos <41 embora estatisticamente não
significativa (U=0.125; p≥0.05)
Realizamos a avaliação da correlação entre a QV e SM (quadro_7) e encontrou-se
uma correlação positiva em que podemos afirmar com um grau de confiança de 99%,
que há relação significativa entre estas 2 variáveis.
O resultado obtido nesta análise, indica que quanto maior a SM, maior é a QV
nas pessoas consumidoras de drogas, em programa de metadona. Têm uma associação
linear moderada r2= 0.116 (11,6 % da variação da QV é explicada pela Saúde
Mental).
No quadro_8 avaliamos a relação entre as diferentes subescalas da QV e as
subescalas da SM. Os dados confirmam que a correlação interna entre as
subescalas de cada instrumento é forte. No que se refere a relação entre as
subescalas dos dois instrumentos, a correlação mais forte é entre a subescala
QV-Satisfação pessoal e a MHI5 ' Bem-estar psicológico.
Na relação da subescala MHI5 distress com as subescalas da QV, verifica-se que
há maior relação com a subescala situação sócio familiar e económica do que com
a subescala bem-estar.
DISCUSSÃO DE RESULTADOS
Dos dados que emergiram desta análise, destaca-se claramente a percentagem de
utentes que apresentaram bons níveis de QV. Esta análise, que deve ter em
consideração que sua interpretação parte de um instrumento específico para
avaliar a QV em utentes em programa de metadona, tem obrigatoriamente que ser
olhada comparativamente a outras amostras semelhantes e avaliadas com o mesmo
instrumento. A comparação com a QV percecionada e mensurada com outros
instrumentos parece-nos igualmente pertinente.
Se concordamos que os consumidores de drogas têm uma QV e uma SM, inferior a
população em geral, são relevantes estes dados que corroboram que os programas
de metadona melhoram a qualidade de vida dos utentes
(Faggiano, Vigna-Taglianti, & al., 2008; Go, Dykeman, Santos, &
Muxlow, 2011; OEDT, 2012).
Os utentes apresentam em média 16,7 anos de consumo e apresentam uma média de
4,4 anos de permanência nos programas. Se relacionarmos estes dados, com a dose
média do fármaco prescrito, que está de acordo com as guidelines internacionais
(Faggiano, Vigna-Taglianti, & al., 2008), podemos considerar que estes
programas longos, na perspetiva crónica da doença, e a prescrição adequada,
contribuem para uma boa SM e uma melhor QV.
A amostra caracteriza-se por ter uma média de idades superior à população
abrangida pelas unidades especializadas, a nível nacional, em que a média se
fixou nos últimos dados disponíveis nos 39 anos (IDT, 2012). Tem valores
significativos de desemprego (48.3%), de comorbilidades (85%) e de policonsumos
(71,1%).
Há evidência que menor QV e menor SM associam-se às recaídas e manutenção de
consumos (Almeida & Vieira, 2005; Torrens, 2008; Go, Dykeman, Santos, &
Muxlow, 2011). Neste estudo e atendendo ao primeiro objetivo, os valores
positivos encontrados, devem ser ainda analisados, relacionando com a
percentagem de 28.9% de utentes que não consome, o que reforça os dados
positivos extraídos. Podemos colocar a hipótese que os que não consomem
contribuem para os bons resultados. Outra evidência, é a percentagem superior
dos que têm QV positiva, comparando com a percentagem dos que não consomem, e
que reflete que muitos que consomem auto percecionam uma boa qualidade de vida.
Podemos colocar a hipótese que a capacidade de gerir o impacto dos consumos
pode ser mediada por outras variáveis.
Observamos valores mais elevados na QV e na SM na população mais jovem, o que
vem de acordo com a literatura (Wilson, Macintosh, & Getty, 2007)embora, a
diferença não tenha significância estatística.
Consideramos que os dados poderão corroborar outros estudos que têm demostrado
o efeito positivo e modelador da SM na perceção da QV da população em geral e
em particular nos consumidores de droga (Cotralha, 2007).
Destacamos como contributo para o conhecimento deste fenómeno, o que emerge do
segundo objetivo. A dimensão da satisfação pessoal na construção do
autoconceito de QV relaciona-se positivamente com o bem-estar psicológico e a
relação significativa entre o distress e a situação sócio familiar e económica,
indica esta, como um fator de aumento do distress.
Da análise dos dados face ao terceiro objetivo deste estudo, os valores obtidos
de SM e QV são significativamente superiores aos avaliados em populações de
consumidores de heroína antes da entrada num qualquer programa (Astal, Salvany,
Buenaventura, Tato, & Torrens, 2008) e superior a populações já em programa
de metadona (Murcho & Pereira, 2011).
Os dados obtidos no estudo corroboram achados anteriores. No que se refere a
utilização deste instrumento de avaliação da QV, a consistência interna no
nosso estudo (α= 0.88) foi inferior à encontrada por um dos autores num estudo
desenvolvido em 2011 na região do Algarve (α= 0.93), com 308 utentes (Murcho
& Pereira, 2011). A média obtida no nosso estudo M= 64.58 (Sd=11,41) é
superior a encontrada no referido estudo M= 61,11 (Sd=12,97). Encontramos uma
diferença nos valores obtidos nas subescalas: Situação sociofamiliar e
económica na nossa amostra M= 35,62 e no estudo referido M= 32,46; Satisfação
pessoal, no nosso estudo M= 28,95 e no estudo referido 28,59. Em toda a escala
assim como nas subescalas, a amostra situa-se em média acima do ponto de corte.
Destaca-se nestes dados, que a situação sociofamiliar e económica melhor
percecionada na nossa amostra pode ser fator determinante para encontrarmos
melhores resultados em todas as subescalas.
Comparamos as outras variáveis em estudo para encontrar eventuais respostas aos
valores superiores encontrados na nossa amostra. Os utentes da nossa amostra
são mais velhos (M=41,06 versus 36,27), Obtivemos a participação igualmente
dominante do género masculino embora em menor percentagem (73,3% versus 77,9%);
uma menor percentagem de solteiros (55.6% versus 57,5%) e maior de casados/
união de facto (30% versus 29,2%); Uma igual percentagem nos utentes que têm
filhos (52%); Uma maior percentagem de utentes com o 9º ano (32,2% versus
30,7%); Maior percentagem de desempregados (48.3% versus 41%); Menor tempo de
programa (4,4 anos versus 5,6); Maior idade para o início dos consumos de
substâncias (18,2 anos versus 15).
O contributo dos programas de metadona para a SM e a QV, deve ser refletido
ainda noutra perspetiva. Encontramos uma população que maioritariamente
reconhece melhor QV, quando comparada com a percentagem que reconhece uma boa
SM. Noutros estudos, a estabilização nos programas, revela mais contributo na
melhoria da SM e escassas melhorias na QV, mas por influência de outras
variáveis (Xiao, Wu, Luo, & Wei, 2010).
Podemos igualmente reconhecer a importância destes programas quando temos
evidência que a população consumidora de substâncias, tem menor SM que a
população em geral (Cotralha, 2007) e também porque os doentes com indicação
para este tipo de programas, têm eles mesmo à partida, condições físicas mais
precárias e mais comorbilidades psiquiátrica (Escudeiro, Lamachã, Freitas,
& Silva, 2006).
CONCLUSÃO
Neste estudo, analisamos a relação entre a QV, a SM e os fatores estruturais
dos próprios utentes. É um contributo para a perceção destes resultados em
saúde, na população consumidora de drogas, até pela sua amostra aleatória que
reforça a fiabilidade, ao contrário de outras amostras por conveniência.
Os resultados deste estudo apontam para o reforço da conceção de parte da
comunidade científica e dos intervenientes nos cuidados de saúde com esta
população, que os utentes incluídos nestes programas melhoram a sua QV, a sua
SM, autonomizam-se, e finalmente, a maioria cria condições para perspetivar a
sua vida futura com mais satisfação e maior concretização dos seus objetivos.
Esta afirmação relaciona-se com alguns indicadores sociodemográficos e clínicos
(emprego, ausência de consumos, tempo de integração num programa terapêutico) e
com os valores obtidos principalmente ao nível da QV.
A reestruturação que estes programas permitem às pessoas, torna possível que a
maioria da amostra apresente resultados significativos em termos da sua
perceção de QV, até porque o instrumento usado avalia a mudança face à sua QV
anterior à entrada no programa. A evolução registada permite a avaliação
subjacente de um contributo importante deste tipo de programas na melhoria da
QV.
Os dados reforçam que a satisfação pessoal tem uma relação significativa com a
sensação de bem-estar e que o distress está associado à situação sócio
familiar.
A aproximação dos resultados em termos de SM, à população não consumidora e a
consequente manifestação de uma QV satisfatória, permite suportar a conceção do
seu contributo para essa mesma QV. Permite estimular a reflexão sobre os
fatores de resiliência relacionados com uma boa QV. A resiliência e a adaptação
social devem ser ponderadas com os dados obtidos: baixa escolaridade, alta taxa
de desemprego, comorbilidades, policonsumos.
Outro aspeto a necessitar de aprofundamento é o facto que esta amostra que
apresenta melhores resultados em termos de QV é mais velha que a amostra
assumida como comparativa, que encontramos noutro estudo. Será a idade um fator
protetor? Este dado deve ser melhor aprofundado, até pelo envelhecimento da
população consumidora que acede aos centros de atendimento.
Mais investigação é requerida para aprofundar o contributo das intervenções dos
profissionais na obtenção destes resultados, assim como a influência das
variáveis estruturais das próprias unidades de saúde. Sugere-se a realização de
um estudo semelhante com consumidores de drogas, integrados em programas de
tratamento, sem a prescrição de opiáceos de manutenção.
Uma última reflexão prende-se com o momento social económico e político que o
país atravessa, em que o desemprego atinge proporções muito acentuadas. Sabemos
que na população em estudo (que apresentou mais 7% de desemprego que o outro
estudo que serviu para comparação, embora noutra região do país e há dois anos
atrás) este dado é preocupante, pela desorganização que provoca na QV e na SM e
pela dificuldade acrescida que esta população tem para regressar ao mercado de
trabalho.