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EuPTCVHe1647-21602014000100008

EuPTCVHe1647-21602014000100008

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN1647-2160
Year2014
Issue0001
Article number00008

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Carga mental e carga psíquica em profissionais de enfermagem

Introdução O trabalho tanto pode ser uma atividade extremamente enriquecedora para o individuo como constituir uma fonte de stresse, que gradualmente o desgasta (Sagehomme, 1997). As instituições de saúde constituem ambientes de trabalho particularmente stressantes. Quando as exigências laborais são percebidas pelo sujeito como excedentes aos recursos que tem para lidar com as mesmas, emerge o stress que pode conduzir à desmotivação, absentismo, angústia, baixo desempenho, e quebra de produtividade. O nível de stress será tanto maior quanto mais elevado for o desequilíbrio entre a perceção dos indivíduos e as caraterísticas objetivas do ambiente de trabalho (Serra, 2007).

Consideram-se como fontes de stresse ocupacional, os fatores intrínsecos da profissão, o desenvolvimento da própria atividade profissional, as relações no trabalho, a estrutura e o clima organizacional, a progressão na carreira e a interface trabalho-família. Os enfermeiros vivenciam situações de stresse muito intensas, provenientes de conflitos de equipa, da sobrecarga de trabalho, da insegurança, da falta de autonomia, de conflitos de autoridade e, em grande parte, da atenção e dos cuidados que têm que disponibilizar continuamente aos doentes. São afetados por transtornos psicológicos superiores aos dos médicos e da população em geral, e quando em stresse, também se envolvem no consumo exagerado de álcool, tabaco e drogas ilícitas ou psicofármacos (Serra, 2007).

O stress ocupacional constitui um problema de saúde pública, sendo responsável por elevados custos diretos e indiretos. Tendo em conta o seu impacto na saúde, qualidade de vida e economia torna-se indispensável intervir na sua gestão.

Carga Mental Fazer trabalhar a nossa massa cinzenta é uma atividade mental, que por sua vez origina carga mental. Esta pode estar relacionada com as tarefas que qualificamos de intelectuais, mas qualquer tarefa, mesmo a de maior esforço físico, implica carga mental. Independentemente do interesse ou da motivação, da natureza física ou intelectual da tarefa, existe uma carga mental ligada ao trabalho. Tudo o que vai perturbar o desenvolvimento de uma atividade de trabalho aumentará a nossa carga mental, mesmo que essa atividade seja aparentemente física (Magalhães, Riboldi & Dall'Agnol, 2009).

A carga mental é um conceito que se utiliza para referir tensões induzidas numa pessoa pelas exigências do trabalho mental, tais como o processamento de informação relacionado com o conhecimento, a memorização, a procura de soluções em determinados momentos e a relação entre as exigências do trabalho e as capacidades mentais de que dispõe para fazer frente a tais exigências. Está relacionada com as tarefas que implicam fundamentalmente processos cognitivos e aspetos afetivos, tais como, a concentração, a atenção, a memorização, a coordenação de ideias e a tomada de decisão. São tarefas que requerem uma certa intensidade e esforço mental, mas necessárias para um bom desempenho profissional (Arquer, 2004).

Nas situações de trabalho, são diversos os fatores que contribuem para a carga de trabalho mental e que exercem pressões sobre a pessoa que o desempenha (Arquer, 2004). Alguns autores debruçaram-se sobre estes fatores, agrupando-os em fatores inerentes à tarefa, como a informação, decisão/indecisão, incerteza, imprecisão e pressão de tempo e fatores Inerentes à organização do trabalho, como a comunicação, interrupções, ambiguidade de funções, tomada de decisão, satisfação profissional, carga e ritmo de trabalho (Sapata, 2012).

Carga Psíquica A enfermagem é considerada uma profissão carregada de fortes emoções, pela natureza do seu trabalho. Implica cuidar de pessoas doentes ou em situações de saúde particularmente penosas, deparando-se os enfermeiros frequentemente com situações de inquietação, sofrimento, degradação e morte. Estas situações podem desencadear emoções ou sentimentos de natureza psíquica ou afetiva, intervindo na carga de trabalho, tornando este doloroso (Serra, 2007).

São, sobretudo os sentimentos e emoções desagradáveis que podem ter consequências nefastas no organismo, tais como a fadiga, a irritabilidade, a instabilidade de caráter, a depressão e as somatizações. Outras consequências ainda se podem manifestar, tais como a dificuldade em realizar convenientemente as tarefas, a degradação da qualidade dos cuidados, o absentismo e abandono da profissão. Sobre o efeito emocional, é mais provável a ocorrência de erros, comportamentos inadequados e dificuldade de planificação do trabalho. A emotividade e a sensibilidade não diminuem propriamente com a experiência, pois quem é que se mantém indiferente perante um doente em fase de agonia, com dor ou perante a morte? Existe um limite além do qual as emoções e sentimentos se acumulam e provocam desequilíbrios na saúde, ou no próprio trabalho (Gestal, 2009; Ribeiro, 2004; Sapata, 2012).

A carga psíquica do trabalho de Enfermagem é influenciada por fatores específicos da profissão, com uma elevada implicação emocional e por fatores relacionados com a organização do trabalho, comuns a outras profissões (Frasquilho, 2005). Alguns autores consideram que na base destes fatores de risco estão o contacto contínuo com os doentes e família, em especial como o sofrimento e morte, as relações entre colegas e superiores hierárquicos, a valorização social da profissão, a necessidade de tomar decisões e o nível de responsabilidade, as qualificações profissionais, a valorização pessoal e a necessidade de reconhecimento, bem como o ambiente e a organização do trabalho, a carga de trabalho e os horários irregulares. (Puerto, Soler, Montesinos & Cortés, 2011) Considera-se que a carga mental e a carga psíquica estão presentes no desempenho da nossa atividade profissional, podendo-se afirmar que todos temos um limite além do qual as emoções e sentimentos se acumulam e começam a provocar desequilíbrios na nossa saúde e no nosso trabalho.

Material e Métodos Tratou-se de um estudo transversal ou de prevalência, cujo objetivo foi analisar os fatores que contribuem para a carga mental e psíquica em profissionais de enfermagem e identificar sinais de stresse profissional. A população foi constituída pelos profissionais de enfermagem a exercer funções em duas unidades de internamento hospitalar, um Centro Hospitalar (CH) e um Hospital Oncológico (HO). A amostra foi constituída por todos os enfermeiros que exerciam funções nos Serviços de Medicina e Cirurgia de internamento de adultos de ambos os hospitais, perfazendo um total de 359 elementos, dos quais 191 pertenciam ao CH (53%) e 168 ao HO (47%).

A recolha de informação foi processada através de um questionário elaborado com base num validado (Fiestas, 1995; Estryn-Behar 1999), utilizando alguns indicadores de acordo com a realidade portuguesa. Para o tratamento e análise dos dados obtidos foi utilizado o programa informático de Estatística Package of the Social Science (SPSS 19.0) e o programa informático Microsoft Excel.

Resultados e Discussão As caraterísticas sociodemográficas da nossa amostra apontam para uma amostra predominantemente do sexo feminino, em ambas as instituições, com valores de 81.6% no HO e 83.3% no CH. (Figura_1) O estado civil de solteiro também predomina em ambas as instituições, com valores que se situam entre os 55.3% no HO e 54.5% no CH (Figura_2).

Trata-se de uma população predominantemente jovem, atendendo a que 68.9% dos enfermeiros do CH e 57.4% do HO se situam na classe etária dos 21 aos 30 anos, com uma média de idades, respetivamente de 29 e 25 anos. Os profissionais em estudo são maioritariamente licenciados (Figura_3 e Figura_4).

Em ambas as Instituições, os profissionais apresentam uma experiência profissional predominante inferior a 10 anos. O regime de horário mais praticado é o horário por turnos de 35 horas semanais, com 64% no HO e 56.8% no CH (Figura_5 e Figura_6). A acumulação do exercício profissional noutra Instituição foi referenciada por 38.6% dos enfermeiros que trabalham no CH e por 30.1% do HO.

Em termos de carga mental, constatou-se que o índice de carga mental atingiu valores percentuais elevados, apresentando um valor mais elevado no Centro Hospitalar quando comparado com o Hospital Oncológico. Este é considerado alto para 51.5% dos enfermeiros no HO e para 67.4% dos enfermeiros no CH e médio para 45.6% e 32.6% dos enfermeiros, respetivamente no HO e CH.. o índice de carga psíquica predominante é o índice médio, com 68.0% dos enfermeiros no HO e 65.9% no CH. O mesmo é considerado alto apenas para 9.7% no HO e 7.6% no CH (Figura_7 e Figura_8).

A avaliação inferencial revela diferenças significativas para os índices de carga psíquica no CH (p <0.05) e altamente significativas no HO (p <0.001), permitindo inferir que o índice de carga psíquica é maior nos enfermeiros que trabalham em Oncologia. Evidenciaram-se também diferenças estatisticamente significativas para o desenvolvimento de carga mental em ambos os sexos (p<0.05) e para a carga psíquica no sexo feminino (p<0.01). Estes resultados são concordantes com um estudo realizado, que refere um nível de carga psíquica elevado nas mulheres, com risco aumentado de fadiga emocional de cerca de sete vezes (OR= 6.9) (Cuenca, 2003).

O tempo de exercício profissional mostra evidência estatística para o desenvolvimento de carga mental em todas as classes etárias (p<0.05), sendo esta mais manifesta na classe dos 20 aos 30 anos e com idade superior a 51 anos (p<0.05). para a carga psíquica, essa evidência observa-se na classe etária entre os 20 e os 40 anos (p<0.05). Observou-se também relação entre o tempo de exercício profissional e a carga mental (p<0.01) e psíquica p<0.05) nos enfermeiros que exercem a profissão à menos de dez anos. Os inquiridos com mais de vinte e um anos de experiência profissional, apresentam-se diferenças significativas para o desenvolvimento de carga psíquica (p<0.01) e mental (p<0.05).

A prevalência de carga mental e psíquica no grupo dos 0-10 anos de experiencia profissional pode estar relacionada com a inexperiência profissional, a fase de adaptação à vida profissional, as caraterísticas inerentes da profissão, a integração no serviço e na instituição, a insegurança no trabalho e falta de autonomia profissional. No grupo com mais de vinte e um anos de experiência profissional, a maior prevalência de carga psíquica poderá estar relacionada com uma maior participação na tomada de decisão, o nível de responsabilidade exigido, a necessidade de valorização pessoal e reconhecimento, os horários irregulares e o confronto diário com o sofrimento e a morte.

Observa-se ainda relação entre o regime dehorário praticado e a prevalência de carga psíquica, com mais evidencia para o trabalho por turnos de 35 horas semanais (p<0.01). A acumulação do exercício profissional apresenta maior predisposição para o desenvolvimento de carga mental e psíquica (p <0.05), podendo considerar-se que o trabalho por turnos constitui um risco acrescido de carga psíquica e a acumulação de funções um risco acrescido de carga mental e psíquica. Alguns autores referem que os enfermeiros que trabalham por turnos estão mais predispostos à fadiga e desgaste, com implicações no seu bem-estar e segurança (Sapata, 2012).

São diversos os fatores que contribuem para a carga de trabalho mental e que exercem pressões sobre a pessoa que o desempenha. Na nossa amostra foram identificados alguns destes fatores contributivos de carga mental, sendo os mais referenciados as interrupções (68% no HO e 82% no CH) e sua interferência no trabalho, respetivamente com 33% e 39%, a sobrecarga de trabalho, com 45% no HO e 13% no CH e o ritmo rápido de trabalho, respetivamente com 64% e 62%.

Alguns autores referem que a sobrecarga de trabalho e a escassez de pessoal são fatores que mais tensão e stresse produzem no pessoal de Enfermagem. As interrupções dos atos realizados pelos enfermeiros, nomeadamente chamadas telefónicas, perguntas de familiares e utentes, são uma constante no dia-a-dia, que obrigam a retomar o ato inicial, sendo responsáveis por uma maior complexidade na memorização das atividades e à necessidade de uma reprogramação mental. Um estudo efetuado cita que 44.0% dos enfermeiros são interrompidos frequentemente e 37.0% têm que reorganizar o trabalho planeado, do qual 26.0% referem sensação de sobrecarga de trabalho (Magalhães, Riboldi & Dall'Agnol, 2009; Sapata, 2012).

Os fatores de carga psíquica que mais contribuíram para o índice de carga psíquica foram as caraterísticas inerentes aos doentes submetidos a cuidados (87% no HO e 77% no CH), as repercussões do trabalho na vida privada (72% no HO e 61% no CH), a não valorização e progressão na carreira (60% no HO e 54% no CH) e a falta de tempo para falar com utentes e familiares (38% no HO e 41% no CH).

Alguns sinais de stresse foram referenciados pelos profissionais do HO, nomeadamente aumento de fadiga (77.7%), o medo de cometer erros (68.9%), a dificuldade de concentração (67.0%), as perturbações do sono (61.2%) e a irritabilidade fácil (55.3%). Relativamente aos enfermeiros do CH assumem maior relevância percentual o aumento de fadiga, (75.0%), a dificuldade de concentração (56.8%), as perturbações do sono (56.1%), a irritabilidade fácil (53.8%), as falhas de memória (50.8%) e o medo de cometer erros (47.7%).

A análise estatística dos sinais de stresse com os índices de carga mental evidencia diferenças estatisticamente significativas para a dificuldade de concentração, perturbações do sono e falhas de memória (p<0.05) e altamente significativas para o aumento da fadiga e medo de cometer erros (p<0.01).

Relativamente à carga psíquica, verificaram-se diferenças estatisticamente significativas para o medo de cometer erros e perturbações do sono (p<0.05) e altamente significativas para as falhas de memória e irritabilidade fácil (p<0.01). Estes resultados permitem confirmar a nossa hipótese, constatando a existência de relação entre os índices de carga mental e psíquica e a presença de alguns sinais de stresse.

Estudos referem que os fatores maioritariamente causadores de stresse são a sobrecarga de trabalho, a falta de tempo para realizar todas as tarefas, as condições de trabalho, o espaço físico, a falta de tempo para os doentes e o receio de cometer erros (Puerto, Soler, Montesinos, & Cortés, 2011). Outros autores identificaram ainda a sobrecarga de trabalho, o contato com a morte e o cuidar de doentes graves (Vázquez, Varela, García & Fernández, 2001).

Conclusões As conclusões do estudo evidenciam: em ambas as instituições observou-se um índice elevado de carga mental e índice médio de carga psíquica; o sexo feminino apresenta risco aumentado de desenvolver carga psíquica; maior prevalência de carga mental no grupo etário dos 21-30 anos e nos profissionais com mais de 51 anos; maior prevalência de carga psíquica nos profissionais com idades compreendidas entre os 21-40 anos de idade; os profissionais com menor experiencia profissional apresentam risco acrescido de desenvolver carga mental; os profissionais com mais de 21 anos de experiencia profissional apresentam risco aumentado de desenvolver carga psíquica; os enfermeiros que trabalham por turnos apresentam maior prevalência de carga psíquica, enquanto os que acumulam funções apresentam maior prevalência de carga mental e psíquica.


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