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EuPTCVHe1647-21602014000100016

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National varietyEu
Year2014
SourceScielo

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Formação e desenvolvimento de competências de estudantes de enfermagem em contexto de ensino clínico em saúde mental e psiquiatria

Introdução A formação e desenvolvimento humano constituem um processo constante de apropriação e transformação de saberes, onde os contextos envolventes assumem um papel preponderante.

Considerando a natureza do exercício profissional dos enfermeiros e respetivas trajetórias de formação, percebe-se que estas segundas envolvam uma forte componente prática, principalmente no que à formação inicial diz respeito. A formação em contexto da prática, constitui um elemento fundamental no desenvolvimento das aprendizagens e competências dos estudantes de enfermagem, sendo que, também aqui, a ecologia envolvente se constitui como elemento fundamental no processo de aprendizagem, até porque, como referem Alarcão e Rua (2005), as trajetórias de formação em enfermagem ganham sentido, se perspetivadas numa lógica de cruzamentos disciplinares de saberes interpessoais, interprofissionais e interinstitucionais, pois constituem momentos de aproximação à vida profissional.

A formação em contexto clínico tem sido foco de intenso debate e consistentemente reconhecida na literatura como uma fase crucial no percurso formativo dos estudantes, por um lado, pelas aprendizagens que proporciona, facilitadoras da aquisição e consolidação de conhecimento e promotoras da socialização à profissão e da formação da identidade profissional, por outro lado, pela complexidade de que se reveste, quer pela natureza complexa dos contextos e das práticas, quer pelos atores envolvidos no processo (Charleston & Hapell, 2005; Abreu, 2007; Silva, Pires & Vilela, 2011).

Das nossas experiências profissionais, percecionamos que esta complexidade se acentua quando o ensino clínico se desenrola em contexto de saúde mental e psiquiatria [SMP], pois admitimos, tal como Markstrom e colaboradores (2009), que os estudantes, nomeadamente numa fase mais inicial, partilham de conceções estigmatizantes que poderão influenciar as suas aprendizagens, o desenvolvimento de competências e, futuramente, a prestação de cuidados enquanto enfermeiros. À luz de Hapell e Gaskin (2013) acrescentamos ainda que estas conceções são suscetíveis de influenciar as opções profissionais, pois como revela a revisão sistemática realizada por estes autores, no âmbito da investigação sobre as atitudes dos estudantes em contexto de formação em enfermagem em saúde mental, tem mostrado consistentemente que esta é uma das áreas menos preferenciais da enfermagem para uma potencial carreira profissional. No entanto, como sugerem os estudos de Hapell e colaboradores (2008; 2011), o aumento da componente de experiência clínica em SMP, é suscetível de produzir atitudes mais positivas em relação às pessoas com doença mental.

Moir e Abraham (1996) e Charleston e Hapell (2005) apontam para diferenças essenciais entre os contextos de saúde em geral e os de saúde mental em particular. Estes autores apontam ainda que o ambiente geral de saúde é normalmente mais estruturado, com tarefas específicas orientadas, principalmente, para a pessoa com necessidades de cuidados físicos, nos quais os estudantes têm mais facilidade de se concentrar em tarefas definidas e na aquisição de competências clínicas específicas, sendo que a natureza das suas intervenções envolve todos os domínios, no entanto, salientamos a forte componente de execução de procedimentos, com reflexo na aquisição de competências no âmbito das habilidades instrumentais.

Por sua vez, a área da saúde mental sugere contextos frequentemente contrastantes com os ambientes mais familiares, mais conhecidos, dos hospitais gerais, onde o papel do enfermeiro de psiquiatria é, geralmente, muito menos incidente sobre intervenções do domínio instrumental e muito mais sobre o desenvolvimento de uma relação terapêutica, interpessoal, com os clientes, o que exige do estudante o desenvolvimento de competências neste domínio, o que, regra geral, estes consideram difíceis de se desenvolver, pois apelam a um desenvolvimento pessoal, ético e moral, que se desenrolam a par do crescimento humano, e não com a prática reiterada de qualquer procedimento específico (Charleston & Hapell, 2005).

Os mesmos autores referem ainda que o ambiente em SMP é muito menos estruturado, com uma maior dependência da abordagem multidisciplinar, onde a própria natureza do papel da enfermagem pode ser perturbador para os estudantes, exigindo que estes sejam obrigados a ajustar-se ao fato de que muitos clientes são admitidos numa base involuntária e, portanto, são mais propensos a serem hostis aos cuidados.

Daqui resulta que o processo de formação em contexto da SMP exige um conjunto de dispositivos que permitam ao estudante o desenvolvimento da criatividade, da comunicação terapêutica, da sua sensibilidade para o cuidar, de escuta, de empatia, e da capacidade de relacionamento interpessoal com o cliente, equipa pluridisciplinar, família e comunidade e, fundamentalmente, o desenvolvimento de capacidades crítico-reflexivas e de pensamento crítico, que lhes permitam a integração dos saberes. Para que se atinja este desiderato, o ensino clínico em SMP requer ser integral, interdisciplinar, pautado em referenciais que permitam a assimilação de competências que assegurem uma ação holística e solidária, que contemple a integralidade do ser humano, promovendo todo o seu sentido de humanidade.

A formação de estudantes, logo profissionais reflexivos, orientadas para estes preceitos, requer uma supervisão sistemática e de qualidade, fundamental no processo de construção do seu conhecimento pessoal e profissional, no desenvolvimento das capacidades crítico-reflexivas, éticas, morais e humanas, e na consolidação da identidade profissional, essenciais no processo de aquisição das competências conducentes à prática de cuidados de excelência.

Neste sentido, tal como Schön (1983), entendemos que a formação reflexiva deve contemplar situações onde o estudante possa praticar sob a supervisão de um profissional competente que, simultaneamente orientador, conselheiro (coach) e companheiro, lhe faz a integração e ajuda a compreender a realidade, que pelo seu carácter desconhecido, se lhe apresenta, inicialmente, sob a forma de caos (mess), tendo em linha de conta a ecologia das situações.

Os benefícios da supervisão no âmbito da SMP revestem-se duma importância crucial, na medida em que fornecem aos estudantes os instrumentos necessários que os ajudam a lidar com as sentimentos e emoções que tendem a refletir atitudes negativas em relação às pessoas com doença mental. Neste sentido, é fundamental que esta supervisão seja feita por profissionais com preparação adequada, sendo primordial o afastamento das práticas tradicionais, onde o processo de acompanhamento dos estudantes não passe por uma questão de boa vontade, mas sendo encarada com o profissionalismo e formação que se lhe exige, pois como é referido na literatura, a qualidade do supervisor é determinante para a qualidade da supervisão e das experiências de aprendizagem dos estudantes (Charleston & Hapell, 2005; Myall, Levett-Jones & Lathlean, 2008; Ordem dos Enfermeiros, 2010; Silva et al., 2011). Por sua vez, de acordo com Sá-Chaves (2000, p. 103) também nós entendemos que quem forma e ensina profissionais para a saúde deve refletir construtivamente a complexidade dos saberes científicos, em função dos aprendentes e das situações que, nos contextos reais da praxis profissional se lhe apresentam e deve fazê-lo de forma não standard.

Sendo fundamental o papel da supervisão no sucesso das aprendizagens dos estudantes, outros fatores e condições devem ser tidos em conta no desenvolvimento do ensino clínico, devendo ser consideradas, por um lado, o objetivo da formação, o contexto de aprendizagem, por outro lado, as competências profissionais do supervisor/tutor, que garantam à pessoa cuidados de enfermagem de qualidade e que favoreçam as aprendizagens dos estudantes; neste sentido, é fundamental a articulação contínua entre a escola e os contextos da prática (Silva et al., 2011; Ordem dos Enfermeiros, 2012).

O estudo tem como objetivo conhecer as perspetivas dos estudantes sobre o ensino clínico em contexto de saúde mental e psiquiatria e as competências desenvolvidas no decurso do mesmo.

Metodologia Considerando a natureza e objetivos do estudo, este é de cariz exploratório, de natureza quantitativa.

A população em estudo compreendeu os estudantes do ano do Curso de Licenciatura em Enfermagem da Escola Superior de Enfermagem do Porto [ESEP], em ensino clínico de SMP, sendo a amostra não probabilística intencional, composta por 48 estudantes (92,3% da população em estudo).

O instrumento de recolha de dados consistiu numquestionário de autorrealização constituído por:dados sociodemográficos e a escalaAdaptive Competency Profile ' ACP, de Kolb (1984), validada em Portugal por Abreu, em 1995. A escala é constituída por 20 itens utilizando uma escala de concordância de estrutura do tipo Likert (7 opções), que varia desde baixo nível (1) a alto nível (7),referentes ao desenvolvimento de competências adaptativas de ação (5 itens), relação (5 itens), experimentação (5 itens) e conceptualização (5 itens), dando indicação do estilo de aprendizagem preponderante dos estudantes num determinado contexto. A pontuação obtida em cada subescala pode variar entre 5 e 35, considerando-se quanto maior o scoreobtido, maior é o desenvolvimento da competência no contexto estudado, caraterizando o estilo de aprendizagem preponderante destes estudantes.

No que releva para os procedimentos envolvidos na realização do estudo, resta salientar que foi pedida autorização ao presidente do conselho técnico científico da ESEP para realização do estudo. Foi explicado aos estudantes o objetivo do estudo, os procedimentos e pedida a sua colaboração no preenchimento do questionário.A participação foi anónima e voluntária. O questionário foi aplicado a todos os estudantes a frequentarem o ensino clínico de SMP. A recolha dos dados foi efetuada no período de 13 de fevereiro a 30 de abril 2013. O procedimento para a análise dos dados obtidos através dos questionários envolveu a estatística descritiva simples, com a respetiva análise de frequências absolutas e medidas de tendência central.

Resultados Participaram no estudo 48 estudantes (92,3%) de uma população de 52, maioritariamente do sexo feminino (87,5%, n=42), com idades compreendidas entre os 20 e os 39 anos (M=22,9 DP= 3,9). Dos participantes, 12,5% frequentaram outro curso, previamente ao curso de enfermagem. A questão vocacional ainda emerge como a principal motivação para a escolha do curso de enfermagem (42,6%), seguindo-se o interesse na área da saúde (34,44%) e a experiência de ter contatado com enfermagem enquanto recetores de cuidados (22,96%).

Estes estudantes destacam como mais-valia da realização dos ensinos clínicos a perceção do mundo real: o confronto com a realidade (38,2%); a experiência adquirida (25,5%); a preparação para o futuro (21,5%); o desenvolvimento e aperfeiçoamento dos saberes, entre os quais, conciliar teoria e prática (6,4%), treino de competências (4,2%), identificar lacunas (2,1%) e maior investimento no estudo (2,1%).

Quando se avaliam os ensinos clínicos, o que é referido pelos estudantes como o mais impactante nas suas vivências é, precisamente, a sua primeira experiência de contato com a realidade, ou seja, o primeiro ensino clínico. Os participantes deste estudo, maioritariamente, iniciaram a sua formação, em contexto da prática, em âmbito hospitalar (60,5%), sendo a cirurgia o contexto de aprendizagem por onde se iniciaram o maior número de participantes (29,1%), seguindo-se os ensinos clínicos de saúde familiar (22,8%), medicina (18,8%), enfermagem comunitária (16,7%) e parentalidade e gravidez (12,6%).

Sendo o primeiro ensino clínico referido como o mais impactante, os estudantes destacam como aspetos positivos a satisfação obtida com a realização das atividades de natureza clínica (33,2%), onde a componente relacional adquire primazia (21%); seguindo-se os fatores associados ao processo ensino- aprendizagem (28,4%), com destaque para a orientação (14,3%); nos fatores associados ao local de estágio (18,8%) a integração é tida como um fator a destacar (12,2%). Nos ganhos pessoais (17,6%) a autonomia (4,4%) é um dos fatores mais salientados (Quadro_1).

Os aspetos negativos que os estudantes destacam no primeiro ensino clínico são os associados ao processo ensino-aprendizagem (61,6%), onde o regime tutorial é o mais apontado (24%) salientando os estudantes, neste item, as dificuldades no planeamento dos cuidados. Para além do regime tutorial são apontados aspetos inerentes ao planeamento/acompanhamento clínico por parte dos docentes (19,8%), evidenciando-se neste item a referência ao pouco acompanhamento por parte dos mesmos (10,2%). Um aspeto transversal ao processo de ensino-aprendizagem que também é destacado refere-se ao processo de avaliação (9,8%). Outro fator relevante para estes estudantes são as dificuldades associadas aos serviços onde os ensinos clínicos se realizam (24%), com as condicionantes do espaço físico (9,6%) a ser o item mais destacado. As competências pessoais também são percecionadas como fatores negativos (14,4%), destacando-se as dificuldades de interação com os colegas, a falta de iniciativa e o medo de magoar os doentes (4,8%) (Quadro_2).

Ao analisarmos as competências desenvolvidas nos primeiros ensinos clínicos, podemos observar que são as competências de experimentação as que mais se desenvolvem nesta fase de aprendizagem dos participantes (26,55), seguindo-se as de relação (26,25), as de ação (24,9) e as de conceptualização (24,48). Kolb (1984) nos seus estudos conclui que profissões como a engenharia e a medicina desenvolvem estilos convergentes que resultam da ênfase dada às competências de experimentação, fundamentalmente ligadas à maior apetência para a conceptualização abstrata e para a experimentação ativa. Demarca-se por uma maior capacidade de resolução de problemas, tomada de decisão e aplicação prática de ideias. No que concerne ao ensino clínico de SMP, a competência que os estudantes desenvolvem mais, nesta fase da sua aprendizagem, é a competência de relação, com valor médio de (29,26), seguindo-se as competências deexperimentação (28,57)e, com um pouco menos de visibilidade, as de ação (26,47) e conceptualização (26,05) ( Quadro_3). Constata-se que os participantes, no decurso do ensino clínico em contexto de SMP, desenvolvem estilos de aprendizagem divergente, que resultam da ênfase dada às competências de relação e que são caraterísticas das profissões humanistas.

Discussão dos Resultados O primeiro ensino clínico é considerado marcante para estes estudantes, verificando-se que a satisfação alcançada na realização das suas atividades em contexto da prática constitui o principal aspeto positivo que estes identificam no decurso do mesmo; por sua vez, os fatores associados ao ensino-aprendizagem emergem como o segundo aspeto mais positivo, neste período formativo. No entanto, quando nos reportamos aos aspetos que os estudantes percecionam como negativos, verifica-se que emergem do principal aspeto negativo, fatores relacionados com aquele que acima foi identificado como o segundo aspeto mais positivo, alguns destes inerentes ao planeamento e acompanhamento clínico por parte dos docentes. Neste sentido, entendemos de suma importância continuarmos a desenvolver estudos que nos façam compreender melhor este aspeto de forma a alterar áreas que são percecionadas como menos positivas neste processo.

Relativamente às competências, verificamos que estes estudantes desenvolvem mais a competência de experimentação nos primeiros ensinos clínicos, o que pode estar relacionado com a necessidade de colocarem em prática processos assistenciais de natureza técnicamais complexos, movendo-se assim entre a reflexão e a prática, exigindo por parte destes, pensamento crítico.

No ensino clínico de SMP verifica-se maior desenvolvimento na competência de natureza relacional, o que pode justificar-se pelo facto desta área da saúde ser, por excelência, do domínio da relação, ou seja, existe uma valorização da vertente afetiva e relacional do cuidar. A competência menos desenvolvida é a de conceptualização, traduzindo menor investimento na reflexão sobre as práticas, resultado que nos deve indicar maior necessidade de trabalhar estas áreas.

Conclusões O ensino clínico emerge como um período de transição no desenvolvimento de competências tidas como essenciais à profissão. Entre as principais razões que motivam a escolha do curso de enfermagem, os estudantes que integraram este estudo referem as questões vocacionais, o interesse pela área da saúde e a experiência de ter contatado com enfermagem enquanto recetores de cuidados, razões congruentes com as apontadas por Canário (2005).

Os contextos da prática constituem‑se como locais privilegiados de contacto com a realidade profissional, permitindo aos estudantes prepararem-se para o futuro através das experiências que vão adquirindo, desenvolvendo e aperfeiçoando saberes, bem como tomando consciência das zonas de não saber que ainda vão estando presentes no seu percurso pré-profissional.

O ensino clínico que mais impacto tem no desenvolvimento das vivências destes estudantes é o primeiro, independentemente de ser realizado em contexto hospitalar ou comunitário, destacando-se como fator positivo a satisfação obtida com a realização das atividades relacionais com o utente e, como fator negativo, os aspetos associados ao processo ensino-aprendizagem (regime tutorial, acompanhamento pelos docentes e avaliação), alertando-nos para eventuais décalages num processo que se pretende crítico e reflexivo.

Desta forma, entendemos ser crucial o papel do professor que supervisiona o estágio, que este desenvolve as suas atividades no âmbito da formação e, concomitantemente, no campo da prática pré-profissional dos futuros enfermeiros, gerindo e articulando, diferenças, eventuais conflitos e saberes, aproximando as realidades da escola ao campo clínico. Por sua vez, é também o impulsionador de uma prática reflexiva e o suporte do estudante num continuumde experiências emocionalmente intensas. Este é, sem dúvida, um papel complexo, que exige deste capacidade de adaptação e decisão, frente aos desafios e incertezas com que se confronta nos processos supervisivos.

Por todas estas razões, entendemos que a qualidadeda formação em enfermagem é influenciada por múltiplos fatores, sendo fundamental uma boa articulação com os atores da prática onde se realizam os ensinos clínicos, de forma a minimizar o impacto de fatores menos positivos e a desenvolver nos estudantes habilidades e partilha de competências integradoras de cuidados técnico-científicos avançados, aumentando a satisfação de todos os envolvidos neste processo.

Não obstante a relevância do estudo, entendemos que este encerra uma limitação que nos remete para a impossibilidade de generalização dos resultados a outras situações, devendo-se essencialmente ao número limitado de participantes.

Consideramos também, que a entrevista deveria ter sido associada ao questionário, potencializando a recolha de dados e uma melhor compreensão dos fatores referenciados como negativos. Deixamos como sugestão a replicação do estudo com as limitações retificadas.


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