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EuPTCVHe1647-21602014000100017

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National varietyEu
Year2014
SourceScielo

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A intervenção psicoterapêutica em enfermagem de saúde mental: Conceitos e desafios

Introdução A intervenção psicoterapêutica pode ser definida, de acordo com aquela que é, para a American Psychological Association, a mais consistente definição do conceito, como the informed and intentional aplication of clinical methods and interpersonal stances derived from established psychological principles for the purpose of assisting people to modify their behaviors, cognitions, emotions, and/or other personal characteristics in directions that the participants deem desirable" (Norcross in Zeig & Munion, 1990, p. 218-220). Apesar desta definição parecer apontar, sobretudo, para a Psicologia, dada a referência realizada aos psychological principles, existe em Portugal um Regulamento que refere, tacitamente, que o enfermeiro especialista em Enfermagem de Saúde Mental tem a competência de prestar cuidados de âmbito psicoterapêutico, socioterapêutico, psicossocial e psicoeducacional (Regulamento n. º 129/2011, p. 8672).

É precisamente a partir deste facto que foi sentida a necessidade de elaborar o presente artigo, sendo que este procura oferecer uma análise teórica acerca da realização de intervenções psicoterapêuticas por parte dos enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria (ESMP). Portanto, procurar-se-á apresentar alguns dados relativos a esta temática e compreender os desafios que ainda subsistem, em Portugal, para a realização efetiva de intervenções psicoterapêuticas por parte dos enfermeiros especialistas em ESMP, visando dar resposta à seguinte questão de partida: o que pode ser feito, em Portugal, para promover e advogar pela realização efetiva de intervenções psicoterapêuticas, enquanto intervenção autónoma de Enfermagem, por parte dos enfermeiros especialistas em ESMP? Analisando a situação atual, verifica-se que apesar de o Regulamento acima citado, publicado em Diário da República, referir a possibilidade de os enfermeiros prestarem cuidados de âmbito psicoterapêutico, podendo daí depreender-se que têm a competência de realizar intervenções psicoterapêuticas junto das pessoas que apresentem essa necessidade (mediante avaliação prévia), não foi encontrado na literatura consultada qualquer modelo de intervenção psicoterapêutica desenvolvido por enfermeiros e para enfermeiros, embora fosse possível verificar a existência de dois modelos de cuidados criados por enfermeiros (Barker & Buchanan-Barker, 2005; Wheeler, 2011). No entanto, estes parecem tratar-se mais de modelos orientadores do cuidar em ESMP do que, propriamente, de modelos de operacionalização da realização de intervenções psicoterapêuticas.

Na base da elaboração deste artigo foi assumida a concetualização de Enfermagem a partir da conjugação de três diferentes definições: como o study of caring in the human health experience (Newman, Sime, & Corcoran-Perry, 1991, p.

3); como facilitating transitions to enhance a sense of well-being (Meleis & Trangenstein, 1994, p. 257); e como a health care discipline and healing profession, both an art and science, which facilitates and empowers human beings in envisioning and fulfilling health and healing in living and dying through the development, refinement and aplication of nursing knowledge for practice (Roy, 1984, p. E33), sendo definido facilitating humanization, meaning, choice, quality of life and healing in living and dying (Roy, 1984, p. E33) como o foco central unificador da disciplina de Enfermagem. Dentro desta concetualização de Enfermagem, o papel do enfermeiro especialista em ESMP parece estar, de acordo com Peplau (1991), centrado na qualidade da relação interpessoal entre o enfermeiro e o cliente, sendo que essa mesma relação atravessa quatro estádios de desenvolvimento: fase de orientação; fase de identificação; fase de exploração; fase de resolução.

A interligação entre os conceitos acima definidos parece essencial para se compreender a pertinência e a importância da realização de intervenções psicoterapêuticas por parte dos enfermeiros especialistas em ESMP. Assim, e tendo por base a definição concetual apresentada, o capítulo seguinte será dedicado a apresentar uma contextualização teórica para a(s) possível/possíveis resposta(s) a dar à questão de partida apresentada.

Revisão da Literatura Em Portugal, considera-se que as intervenções autónomas de Enfermagem são as acções realizadas pelos enfermeiros, sob a sua única e exclusiva iniciativa e responsabilidade, de acordo com as respectivas qualificações profissionais, seja na prestação de cuidados, na gestão, no ensino, na formação ou na assessoria, com os contributos na investigação em enfermagem (Decreto-Lei n.º 161/96, p. 2961). Analisando esta frase, presente em Diário da República, pode considerar-se que uma intervenção de Enfermagem apenas se assume verdadeiramente como autónoma quando, na sua base, está a realização de investigação em Enfermagem.

No caso das intervenções psicoterapêuticas potencialmente realizáveis por enfermeiros, descritas na Classificação das Intervenções de Enfermagem, como são exemplos a reestruturação cognitiva e a modificação do comportamento (Bulechek, Butcher, & Dochterman, 2010), verificam-se dois aspetos importantes: a) não foi encontrado na literatura qualquer modelo de intervenção que permita operacionalizar, de forma sistematizada, estas intervenções psicoterapêuticas; b) em ambos os casos, os conhecimentos que estão na base da realização deste tipo de intervenções são do âmbito da Psicologia e/ou da Psiquiatria, não tendo sido encontrada na literatura qualquer investigação em Enfermagem que suporte as intervenções psicoterapêuticas supracitadas. Apesar disso, foi possível encontrar alguma investigação em Enfermagem (e.g., Newbold, 1996) em que foram utilizadas as técnicas de reestruturação cognitiva e/ou de modificação do comportamento, porém, sempre numa lógica de avaliação da sua efetividade em casos concretos e utilizando a reestruturação cognitiva e a modificação do comportamento sem evidência concreta da sua metodologia de operacionalização e tendo como base, sobretudo, os princípios gerais da Terapia Cognitiva (Beck & Alford, 2009) e da Terapia Comportamental (Skinner, Solomon, & Lindsley, 1953).

Na prática clínica, em Portugal, verifica-se que a realização de intervenções psicoterapêuticas por parte dos enfermeiros especialistas em ESMP se apresenta algo aquém do que seria expectável e daquelas que são as reais necessidades em cuidados das pessoas, embora esta afirmação careça de evidência científica que possibilite a sua exploração. Ainda assim, parece haver alguma relação entre este aparente défice e o facto de os enfermeiros não se sentirem seguros na realização de intervenções psicoterapêuticas, dada a ausência de modelos que permitam a sua clara operacionalização, à exceção de alguns casos, como as técnicas de relaxamento, cujas metodologias de operacionalização estão claramente definidas (Payne, 2002).

A somar a esta realidade, verifica-se que os enfermeiros que procurem incrementar os seus conhecimentos e competências para a realização de intervenções psicoterapêuticas, por exemplo, através da realização de formação em Psicoterapia numa sociedade científica com oferta formativa na área, nem sempre conseguem aceder ao curso que desejariam realizar ou, noutros casos, conseguem aceder aos cursos mas não nas mesmas condições disponibilizadas a profissionais de saúde de áreas afins. Assim, a título de exemplo, na Sociedade Portuguesa de Psicoterapias Breves (2012), o acesso ao Curso de Psicoterapeutas está apenas disponível, de forma direta, a quem tiver realizado uma Licenciatura de cinco anos ou Mestrado Integrado em Psicologia com área de Curso e estágio na área de Psicologia Clínica (portanto, a psicólogos clínicos), e a licenciados em Medicina com especialidade em Psiquiatria ou Pedopsiquiatria (portanto, a médicos psiquiatras ou pedopsiquiatras). No caso dos enfermeiros especialistas em ESMP que queiram realizar o Curso de Psicoterapeutas, estes necessitam, previamente, de realizar o Curso de Técnicos de Aconselhamento (com uma duração de dois anos) e, posteriormente, ingressar no Curso de Psicoterapeutas (com uma duração de cinco anos), totalizando sete anos de formação na área de estudo.

Internacionalmente, as perspetivas apontam para a importância da realização de intervenções psicoterapêuticas por parte dos enfermeiros. Assim, de acordo com um position document da Horatio: European Psychiatric Nurses (2012), assinado por Martin Ward, devem ser evitados os monopólios profissionais no que concerne à prestação de cuidados de âmbito psicoterapêutico, sendo que: a) os enfermeiros especialistas em ESMP, devidamente formados, devem ser incorporados nos serviços de Saúde Mental, especialmente naqueles em que existam patologias mentais significativas e complexas que requeiram uma abordagem combinada de âmbito psicoterapêutico e psicofarmacológico; b) os enfermeiros que não realizem Psicoterapias mas que apoiem as pessoas que são alvo das mesmas, devem ser formados de modo a complementar o trabalho do psicoterapeuta.

Para dar resposta às dificuldades supracitadas, parece essencial a criação de um modelo de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem. Na pesquisa realizada foi possível encontrar dois modelos, The Tidal Model (Barker & Buchanan- Barker, 2005) e The Relationship-Based Model for Psychiatric Nursing Practice (Wheeler, 2011) que, ainda assim, parecem assumir-se mais como modelos orientadores do cuidar em ESMP do que como modelos de operacionalização da intervenção psicoterapêutica em Enfermagem. No primeiro caso, trata-se de uma abordagem filosófica à descoberta da Saúde Mental e de uma abordagem ao recovery não se tratando, contudo, de um sistema rígido, facto que lhe retira alguma facilidade de operacionalização. Quanto ao segundo modelo referido, este trata-se de uma síntese de investigação e de teoria nas áreas da neurobiologia, ligação, desenvolvimento infantil e trauma tratando-se, portanto de um modelo que, com base nos metaparadigmas da Enfermagem e na assunção da importância da relação terapêutica, assenta numa interpretação psicodinâmica e biopsicológica da patologia mental e norteia as opções psicoterapêuticas que podem ser tomadas para dar resposta à situação da pessoa doente. No entanto, trata-se de um modelo que orienta o cuidar mas não a intervenção psicoterapêutica, visto que sugere estratégias de intervenção de acordo com o contexto patológico, mas não operacionaliza essas mesmas estratégias de intervenção.

Com base na contextualização teórica (e empírica) apresentada, parece existir a necessidade de desenvolver e avaliar um modelo de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem, como forma de permitir a realização efetiva de intervenções psicoterapêuticas, enquanto intervenção autónoma de Enfermagem, por parte dos enfermeiros especialistas em ESMP. Assim, o capítulo seguinte destinar-se-á a aprofundar esta possível solução para dar resposta à questão de partida inicialmente formulada.

Análise Tendo em linha de conta os factos apresentados no capítulo anterior, o desenvolvimento e avaliação de um modelo de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem parece ser uma possível solução para permitir que os enfermeiros especialistas em ESMP realizem, efetivamente, intervenções psicoterapêuticas enquanto intervenção autónoma de Enfermagem. Na base deste modelo de intervenção terá, necessariamente, que estar presente conhecimento de Enfermagem (desenvolvido por enfermeiros), como forma de consolidar a vertente autónoma do modelo de intervenção a criar. Assim, considera-se que como pilar do modelo deverá estar a relação de ajuda profissional em Enfermagem, matéria amplamente trabalhada por teóricos da disciplina (Chalifour, 2008; Lazure, 1994; Phaneuf, 2005). Porém, e seguindo a perspetiva de Chalifour (2008), a relação de ajuda profissional deve ser considerada como uma atitude subjacente à realização de qualquer intervenção de âmbito psicoterapêutico, e não como uma estratégia terapêutica per si.

Considerando que, ao longo do tempo, tem havido uma tendência para a convergência das abordagens psicoterapêuticas (e.g., atualmente a Terapia Cognitiva e a Terapia Comportamental têm vindo a ser substituídas por uma abordagem mais inclusiva ' a Terapia Cognitivo-Comportamental), o modelo de intervenção psicoterapêutica a desenvolver deverá ser tão inclusivo quanto possível, tanto ao nível da intervenção como ao nível dos contextos, sendo crucial a sua aplicabilidade nos contextos tradicionais da prática clínica. Ao nível do potencial terapêutico, não se espera que o modelo permita dar resposta direta a diagnósticos médicos, mas sim a diagnósticos de Enfermagem a definir (elaborados de acordo com a linguagem classificada da Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem®), embora seja possível que, consequentemente, haja também ganhos ao nível dos diagnósticos médicos. Desta forma, poderá tornar-se possível obter indicadores de resultado em Enfermagem mais positivos, em particular ao nível das Modificações positivas no estado dos diagnósticos de enfermagem (reais) (Ordem dos Enfermeiros, 2007), sendo este facto de extrema importância considerando o momento atual, em que o Ministério da Saúde do Governo de Portugal tem vindo a considerar os indicadores em Saúde como uma prioridade estratégica para o futuro do Serviço Nacional de Saúde.

Os principais objetivos do desenvolvimento de um modelo de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem são, portanto, os seguintes: estabelecer a operacionalização de uma metodologia de intervenção comum, assente na relação de ajuda profissional; uniformizar a linguagem a utilizar nas diferentes intervenções psicoterapêuticas; clarificar a especificidade da intervenção psicoterapêutica em Enfermagem; estimular o desenvolvimento de modelos de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem; contribuir para a melhoria das respostas de âmbito psicoterapêutico em Saúde. Assim, o modelo de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem a desenvolver deverá obedecer aos seguintes critérios: a) ser suficientemente abrangente para ser aplicado em diferentes settings; b) ser consistente com os modelos existentes, mas não dependente de nenhum modelo em específico; c) ser sensível às diferentes necessidades das pessoas, ou seja, dar resposta a um número considerável de diagnósticos de Enfermagem; d) ter como matriz a relação de ajuda profissional, e por veículo de ação a relação terapêutica.

Finalmente, importa clarificar que o modelo de intervenção psicoterapêutica a desenvolver deve comportar dois níveis. O primeiro nível deverá consistir numa árvore de decisão que permita aos enfermeiros especialistas em ESMP decidir, de acordo com as necessidades apresentadas pelo cliente, sobre qual a melhor abordagem psicoterapêutica a adotar, devendo haver duas opções de intervenção possíveis: a) baseada na Psicoterapia Psicodinâmica, caso o problema da pessoa esteja nos processos mentais inconscientes; b) baseada na Terapia Cognitivo- Comportamental, caso o problema da pessoa resida na disfuncionalidade dos seus pensamentos, emoções e/ou comportamentos. O segundo nível deverá consistir numa forma clara de operacionalização destas duas tipologias de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem.

Conclusão Em Portugal, urge criar condições para que os enfermeiros especialistas em ESMP possam realizar, efetivamente, intervenções psicoterapêuticas, assumindo-se estas como intervenções autónomas de Enfermagem, com um corpo de conhecimento próprio (ainda que apoiado noutras disciplinas científicas), e com uma metodologia de operacionalização bem sistematizada. Nesse sentido, uma possível solução parece residir no desenvolvimento de um modelo de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem que tenha na sua base estrutural a relação de ajuda profissional em Enfermagem, atitude consistentemente trabalhada por alguns teóricos de Enfermagem.

Apesar de a solução proposta estar fundamentada em factos e evidências que a suportam, importa ressalvar que não foram encontradas na literatura experiências similares realizadas, quer nacional quer internacionalmente, pelo que existe alguma imprevisibilidade nos resultados que poderão ser obtidos.

Portanto, após o desenvolvimento do modelo, torna-se essencial avaliá-lo de forma rigorosa, tanto ao nível dos resultados como dos processos (de modo a ser possível clarificar os mecanismos causais e identificar os fatores contextuais associados com as variações nos resultados).

A proposta apresentada assenta naquele que é assumido como o foco da ação do enfermeiro especialista em ESMP: a qualidade da relação interpessoal estabelecida entre o enfermeiro e o cliente (Peplau, 1991). Para além disso, caso o modelo de intervenção psicoterapêutico a desenvolver apresente resultados positivos, pode afirmar-se que este auxiliará significativamente o enfermeiro especialista em ESMP a cumprir uma das principais missões da Enfermagem: facilitating transitions to enhance a sense of well-being (Meleis & Trangenstein, 1994, p. 257).


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