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EuPTCVHe1647-21602014000100020

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National varietyEu
Year2014
SourceScielo

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Literacia em saúde mental de adolescentes: Um estudo exploratório

Introdução Os pilares da saúde mental fundam-se nos primeiros anos de vida. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que cerca de 20% das crianças e adolescentes sejam afetados por problemas de saúde mental com expressão antes dos 18 anos de idade (World Health Organization, 2000), e que destas, cerca de metade desenvolve uma perturbação psiquiátrica com reflexo na idade adulta, implicando diminuição da qualidade de vida e aumento do consumo de cuidados. Contudo, na maioria destas situações os adolescentes não recebem a ajuda adequada, ou recebem-na com muito atraso (Kelly, Jorm & Wright, 2007).

A ansiedade, a depressão, o risco de suicídio e outros comportamentos de risco constituem as problemáticas com prevalência mais significativa, começando também a tornar-se mais frequentes as patologias aditivas, requerendo novas formas de intervenção ao nível da avaliação e tratamento (Coordenação Nacional para a Saúde Mental/Administração Central do Sistema de Saúde, 2011).

O atendimento de adolescentes com perturbações psiquiátricas apresenta caraterísticas particulares. As questões relacionadas com o desenvolvimento têm um papel determinante nessa etapa do ciclo vital, onde experiências particularmente desestabilizadoras poderão determinar sofrimento psíquico e o surgimento de perturbações psiquiátricas cujo agudizar se deve, entre outros fatores, a estereótipos que conduzem à ausência de comportamentos de procura de ajuda profissional (Loureiro, Mateus e Mendes, 2009).

Reconhecendo que a prevalência de problemas de saúde mental na adolescência é significativa e que as atitudes estigmatizantes fazem prevalecer uma visão preconceituosa das doenças e dos doentes fortemente enraizada cultural e socialmente (Loureiro et al., 2012); que as atitudes relativas a estes problemas são adquiridas precocemente desenvolvendo-se de forma gradual e consolidando-se na idade adulta (Wahl, 2002); e que a escola é um contexto privilegiado de acesso aos adolescentes, tem-se assistido nos últimos anos a uma preocupação crescente com a promoção da literacia em saúde mental enquanto pré-requisito para um reconhecimento precoce e intervenção atempada nas perturbações mentais (Scott & Chur-Hansen, 2008), através da educação e sensibilização para a saúde mental e do combate ao estigma.

Jorm et al. (1997) introduziram o conceito de ‘literacia em saúde mental' e definiram-no como conhecimento e crenças sobre as perturbações mentais que ajudam o seu reconhecimento, gestão e prevenção.

Os estudos têm demonstrado que os níveis de literacia em saúde mental são baixos, independentemente da população considerada. As pessoas têm dificuldade em identificar corretamente as perturbações mentais, têm baixa compreensão dos fatores causais, crenças erradas sobre a efetividade do tratamento, são relutantes em procurar ajuda profissional e não sabem como ajudar os outros (Jorm, Wright & Morgan, 2007).

Este estudo tem como objetivo explorar os conhecimentos dos adolescentes relativamente a três problemas de saúde mental, depressão, ansiedade e abuso de álcool, bem como compreender a tipologia de ações e a importância atribuída à ajuda profissional, centrando-se nas componentes do reconhecimento da doença e comportamentos de procura de ajuda.

Metodologia Trata-se de um estudo exploratório de abordagem qualitativa. Foi utilizado o focus group como método de recolha de informação, por ser particularmente adequada quando se pretende aprofundar informação sobre um conceito, um problema ou experiências (Krueger & Casey, 2009), mas também para explorar as perceções e vivências de cada um dos participantes.

O focus group privilegia a observação e o registo de experiências e reações dos indivíduos participantes, que não seriam possíveis de captar por outros métodos (Galego e Gomes, 2005). Para além disso, permite criar espaço para a dinâmica de grupo, possibilitando que os participantes se expressem numa discussão flexível, usando as suas próprias palavras e de acordo com as suas prioridades.

Sendo este um estudo preliminar de um estudo mas amplo de construção e validação de um instrumento de avaliação da literacia em saúde mental em adolescentes, recorreu-se ao método de focus group, na medida em que pode ser utilizado como técnica de pesquisa exploratória para o levantamento de dados preliminares sobre determinado objeto de pesquisa, sendo um instrumento fundamental na criação de questionários, permitindo que, através dos investigadores, se possam ouvir o que as pessoas têm a dizer acerca da área a investigar (Galego e Gomes, 2005).

Participantes O estudo integra-se num projeto mais abrangente de educação e sensibilização para a saúde mental: um programa de intervenção escolar para adolescentes e jovens, projeto financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e autorizado pela Direção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular do Ministério da Educação do Governo Português. Foi solicitado o consentimento prévio aos encarregados de educação e aos participantes, antes do início de cada sessão.

Neste estudo participaram 23 adolescentes, estudantes do ensino secundário público em três escolas da região centro, com frequência do ao 12º ano. As idades variaram entre 12 e 17 anos (M= 14.91 e DP= 1.73), sendo 16 (69.6%) do género feminino e 7 (30.4%) do género masculino. Todos os participantes eram solteiros e de nacionalidade portuguesa.

Os pais tinham habilitações literárias compreendidas entre o ciclo e o mestrado, tendo a grande maioria habilitações entre o ciclo e o ensino secundário. Relativamente à situação profissional, 78.3% dos pais e 78.3% das mães encontravam-se empregados.

Procedimento Foram realizados três focus group em escolas secundárias sendo uma situada em zona urbana, outra em zona rural e uma terceira em zona suburbana. Esta opção metodológica justifica-se pelo facto de existir evidência científica de que fatores como o estigma assumem um papel fundamental na ausência de comportamentos de procura de ajuda, sobretudo em populações rurais (Scott & Chur-Hansen, 2008).

As sessões tiveram uma duração de 70 minutos e decorreram durante os meses de Maio e Junho de 2013, em espaço e tempo cedidos para o efeito pelos diretores das escolas. No início de cada sessão os participantes foram informados sobre os objetivos do estudo, os limites de confidencialidade, e o direito de, em qualquer momento, poderem retirar-se. De seguida assinaram um termo de consentimento e preencheram um questionário demográfico de caraterização. Foi ainda solicitada autorização para audiogravar as sessões.

As entrevistas foram orientadas por um guião estruturado, elaborado a partir da revisão da literatura atual, contendo os temas chave a serem explorados, sendo projetado para melhorar a interação do grupo. A sequência dos temas foi ordenada, primeiramente por questões gerais e, em seguida, por questões específicas, permitindo que os elementos essenciais surgissem de forma natural (Borges e Santos, 2005).

Foram formuladas quatro questões gerais relacionadas com a literacia em saúde mental nas componentes do reconhecimento da doença mental, comportamentos de procura de ajuda, incluindo barreiras e facilitadores: - Que pensamentos, palavras ou imagens associam à doença mental? - Se estiverem preocupados com o facto de terem um problema de saúde mental, quem procurarão para falar sobre isso? - Que fatores consideram importantes para vos levar a procurar ajuda profissional? - Quais os fatores que consideram poder constituir impedimento para procurar ajuda profissional? As questões específicas integravam um conjunto de pistas que, pelo seu pormenor, permitiam aprofundar as questões ou melhorar a sua explanação.

Para explorar a dimensão ‘reconhecimento da doença mental', para além do guião, foram utilizadas vinhetas clínicas retratando três problemas de saúde mental: depressão, ansiedade e abuso de álcool.

A primeira questão era introdutória sendo projetada para envolver os participantes no tema. As restantes três questões eram as fundamentais visando explorar as componentes da literacia em saúde mental em estudo. As sessões foram moderadas pelo investigador principal.

As entrevistas foram transcritas e sujeitas a análise qualitativa de conteúdo com o programa Nvivo9. O método de análise, centrado em procedimentos fechados, incluiu categorias pré definidas anteriormente à análise propriamente dita, associadas ao quadro empírico a partir do qual se formularam as questões da entrevista.

Os resultados qualitativos são apresentados como resumos descritivos no âmbito das componentes do estudo: reconhecimento, comportamentos de procura de ajuda (incluindo barreiras e facilitadores).

Análise dos Resultados De seguida apresentaremos os resultados considerando o sistema de categorias emergente das narrativas dos participantes. Serão analisadas as categorias de primeira e segunda geração.

Reconhecimento da doença mental Os enunciados dos participantes na análise às três vinhetas apresentadas (depressão, ansiedade, abuso de álcool) traduzem o recurso ao uso de rótulos adequados como por exemplo ‘tem uma depressão', ‘sofre de ansiedade'; ‘tem problemas com álcool', mas também a utilização inadequada de rótulos como ‘estado de espírito passageiro', ‘esgotamento', ‘vício' e ‘stress'que, pela sua conotação, são inibidores dos comportamentos de procura de ajuda.

Ao longo do discurso dos participantes vão surgindo enunciados relativos a outros problemas de saúde mental como ‘esquizofrenia', ‘baixa autoestima', ‘distúrbio alimentar'; relativos a caraterísticas de personalidade e problemas comportamentais (e.g. ‘falta de confiança', ‘problemas de adaptação', ‘bulling'); e ainda a outros problemas de saúde tais como ‘cancro' e ‘doença do sistema nervoso', que são considerados pelos adolescentes como perturbações mentais ou erroneamente identificados nas vinhetas apresentadas. Esta diversidade de respostas representa uma lacuna importante, colocando ênfase na falta de conhecimentos relativamente a estas questões.

Comportamentos de Procura de Ajuda Na dimensão ‘comportamentos de procura de ajuda' foram exploradas três categorias: ‘recursos e opções de ajuda', ‘barreiras' e ‘facilitadores'.

   Recursos e opções de ajuda.

A primeira categoria integra as opções dos adolescentes em termos de procura de ajuda e a identificação dos recursos disponíveis. Os adolescentes identificam sete subcategorias sendo a sua maioria referidas de forma transversal na literatura: amigos, familiares próximos, especialistas, médico de família, professores, grupos de autoajuda, bruxa. Destas, duas foram repetidamente retratadas dentro de uma estrutura hierárquica evidenciando uma clara preferência dos adolescentes pelas ajudas informais, traduzida numa maior intenção de procurar ajuda na família e nos amigos do que em fontes formais (ajuda profissional), tal como ilustram as seguintes expressões: Na nossa geração, as primeiras pessoas a quem se vai recorrer é aos amigos mais próximos e depois à família; Podemos procurar ajuda junto de alguém que tenha passado pela mesma situação, por exemplo, grupos de autoajuda.

As ajudas formais são também consideradas úteis como podemos verificar através da verbalização de uma participante: Primeiro procuraria um psicólogo e depois, se fosse caso disso, um psiquiatra ( ) os enfermeiros especializados também poderiam ajudar. Contudo, o reduzido número de referências em cada uma das subcategorias mostra uma baixa intenção de procurar ajuda de especialistas.

Outra participante refere: Inicialmente falaria com os pais ou os amigos e através dos conselhos deles, procuraria uma ajuda mais específica, como por exemplo um psicólogo. Esta narrativa demonstra uma preferência inicial por fontes de ajuda informais mas reconhece também a importância de, em sequência, procurar ajuda profissional. Em ambas as situações anteriores os participantes considerem ser menos útil consultar o médico do que outros profissionais de saúde.

Ao longo do discurso verbalizado pelos participantes, surgem enunciados relativos a outros tipos de opções de ajuda. Refere um participante:Podemos procurar alguém que nos ouvir e compreender, mesmo sem ser técnico ( ) alguém que não nos julgar. Outro participante residente em zona rural refere: pessoas que poderão ir à bruxa ou à cartomante ( ) pessoas que têm crenças e acreditam que isso resolve. Estes dois exemplos enfatizam a falta de conhecimento e compreensão das perturbações com desvalorização da importância da ajuda profissional, bem como a existência de crenças que são inibidoras dos comportamentos de procura de ajuda profissional.

Barreiras.

Neste estudo o estigma e alguns fatores associados às caraterísticas do profissional de saúde surgem ao longo das narrativas como as barreira mais importantes na procura de ajuda profissional para problemas de saúde mental.

As perceções estigmatizantes estão presentes de forma transversal embora sejam mais evidentes no discurso dos participantes residentes em zona rural. Os dois excertos seguintes são um exemplo. Diz uma participante: Se precisasse e tivesse que procurar ajuda, teria algum receio do que os outros poderão pensar ( ) na sociedade onde estamos inseridos, se eu chegar hoje à escola e disser que tenho um problema mental, vou ser considerada como louca. Outra participante elabora e antecipa a reação estigmatizante dos amigos: Eu teria medo da reação dos meus amigos, do seu afastamento, de falarem mal de nós por sermos diferentes, e acrescenta: também teria receio de encontrar alguém conhecido que divulgar ( ) preferia que ninguém soubesse.

Embora de forma menos vivenciada, os adolescentes residentes em zona urbana também fazem referência ao estigma como podemos verificar pela narrativa de uma participante: Os estereótipos e preconceito que acabam por estar associados às doenças mentais podem dificultar a procura de ajuda ( ) por essa razão, muitas vezes, numa fase inicial, a pessoa pode querer lidar com a situação e resolvê-la sozinha.

As barreiras relacionadas com o estigma verificam-se sobretudo aquando da procura de ajuda profissional e, na sua maioria, são preocupações com o que os outros poderão pensar, incluindo a própria fonte de ajuda. Fatores associados às caraterísticas do profissional de saúde como ‘preocupações de confidencialidade',‘confiança', ‘personalidade',‘profissionalismo' entre outros, impregnam as narrativas dos participantes, independentemente da sua origem. Os dois excertos seguintes permitem-nos perceber algumas das suas preocupações. Diz um participante: O profissional de saúde com quem vamos falar pode, por exemplo, ser antipático, fazer juízos de valor sobre o nosso problema ou divulgá-lo a outras pessoas ( ),Gostava que fosse alguém em quem eu pudesse confiar, que conseguisse criar afinidade, fosse compreensivo mas que também fosse ao mesmo tempo direto, uma pessoa aberta mas direta, que dissesse o que está a acontecer.

   Facilitadores.

Nesta categoria analisamos os fatores que os adolescentes consideram como facilitadores da procurar ajuda. São identificadas quatro subcategorias: ‘acompanhamento', ‘apoio social', ‘consciência e aceitação do problema', ‘experiência prévia positiva'.

Os participantes consideram o ‘acompanhamento' e a ‘experiência prévia positiva' como os dois principais facilitadores, no sentido em que são mais vezes referenciados. A este propósito diz-nos um participante: As pessoas não querem ajuda porque têm vergonha mas gostam que alguém os acompanhe ( ) eu gostava de ser acompanhado por amigos mais próximos ou familiares, a pessoa sente-se bem ao dessas pessoas.

Outro participante elabora e enfatiza a preferência pelo acompanhamento dos pares em detrimento de outras pessoas, como por exemplo os pais. Diz-nos: Na adolescência os pais não nos compreendem, dizem que é uma fase ( ) preferia ir com um amigo da minha idade. Nós também achamos que os pais não estão do nosso lado.

A ‘experiência prévia positiva' emerge enquanto facilitador em duas vertentes: a vivência própria e o conhecimento de outras pessoas. Uma participante refere: se eu tivesse um problema de saúde mental e precisasse de ajuda, inicialmente gostaria de falar com alguém que tenha tido uma boa experiência. Outros participantes reforçam a ideia e acrescentam os aspetos da motivação que advém do conhecimento de situações e experiências positivas: Se eu visse que uma pessoa que passou pelo que eu estou a passar, conseguiu ultrapassar e hoje estava bem estava feliz (...) então era sinal que eu também iria conseguir e dar-me-ia força para ir ( .) é a prova de que é possível.

Outra participante acrescenta: Às vezes associamos as doenças mentais a coisas más e dolorosas mas se tivermos uma pessoa que passou por isso e conseguiu superar, vai sempre motivar, se os outros conseguiram nós também vamos conseguir.

Uma participante com antecedentes de problemas de saúde mental diz-nos: Eu tive que ir à psicóloga porque não andava bem. A primeira vez não queria ir, foi a minha mãe que me obrigou ( ) mas depois até gostei de falar com ela.

Agora não custa nada ir e falar dos meus problemas. Nesta narrativa é a própria vivência que se constitui como fator facilitador.

Do discurso verbalizado pelos participantes emergem enunciados relativos a outros facilitadores como o ‘apoio social' e a ‘consciência e aceitação do problema'. Os dois excertos seguintes traduzem-no de forma clara. Refere uma participante: Gostava de me sentir apoiado pelos meus amigos, pelo menos aqueles em quem mais confio, e acrescenta: ( ) é também importante ter o apoio dos pais e até dos professores. Outra participante, contrapondo e realçando a importância da aceitação do problema refere: Eu acho que se não houver uma aceitação própria da nossa parte e dizer ‘eu não estou bem', é muito difícil mesmo com o apoio do pai ou da mãe ou dos amigos. Diz-nos ainda outra participante: Eu posso achar que numa fase inicial, sozinha vou conseguir lidar e resolver a situação. Mais tarde irei perceber que não vou conseguir porque é totalmente impossível a uma pessoa que está com distúrbios psicológicos lidar com uma situação deste calibre sozinha. Então vou ter que interiorizar que tenho que procurar ajuda. Este excerto introduz uma variável fundamental na facilitação dos comportamentos de procura de ajuda, a consciência da gravidade do problema e não da sua existência.

Discussão dos Resultados De seguida serão discutidos os resultados mais proeminentes colocando-os no contexto de revisões e estudos prévios relacionados.

Dos resultados do estudo sobressai a dificuldade dos adolescentes para reconhecer as perturbações mentais bem como para identificar os seus sintomas chave, traduzindo-se pelo recurso frequente ao uso de rótulos inadequados, que pela sua conotação, são inibidores dos comportamentos de procura de ajuda profissional. Este dado é sustentado por Wright, Jorm, Harris & McGorry (2007) que nos referem que o reconhecimento e o uso de rótulos adequados é o preditor mais frequentemente associado com a procura de ajuda e tratamento pelos adolescentes.

Estudos recentes (Leighton, 2009; Olsson & Kennedy, 2010) têm centrado a sua atenção sobre se os adolescentes têm o conhecimento suficiente para identificar corretamente a doença mental em si próprios ou nos seus pares. As conclusões destes estudos mostram que o nível de reconhecimento das doenças mentais e dos seus sintomas é baixo. Para além disso, o uso inadequado de rótulos, além de traduzir a dificuldade de reconhecimento das perturbações, pode estar relacionado com o estigma e ser um dos fatores associados com a recusa na procura de ajuda (Rose, Thornicroft, Pinfold & Kassam, 2007).

Vários estudos sobre comportamentos de procura de ajuda identificam dois tipos de fontes de ajuda utilizadas, as formais (profissionais) e as informais, como por exemplo os amigos e a família (Rosa, Loureiro e Sousa, 2014). Os adolescentes a experienciar problemas de saúde mental deveriam aceder a profissionais e serviços preparados para dar respostas ajustadas e eficazes.

Porém, a realidade é outra. Como se verifica neste estudo, os adolescentes desvalorizam as ajudas profissionais e mostram maior intenção de procurar ajuda junto do grupo de pares e noutras fontes informais como a família, os professores e os grupos de autoajuda. Estes resultados relacionam-se de forma consistente com as conclusões de estudos anteriores que revelam que as fontes de ajuda informais são preferidas às fontes formais em todas as idades, e em ambos os géneros (Cotton, Wright, Harris, Jorm & McGorry, 2006).

Outro dado relevante e que reforça as conclusões do estudo de Jorm et al.

(2007) resulta da desvalorização do papel do médico relativamente a outros profissionais de saúde, ainda que todos sejam considerados úteis.

Estudos realizados com populações de adolescentes identificam dois tipos de barreiras na procura de ajuda: as logísticas e as pessoais (Rosa et al., 2014).

Neste estudo, as barreiras pessoais como o estigma e as preocupações sobre os profissionais de saúde, associadas aos constrangimentos de confidencialidade e à confiança, surgem como as principais barreiras na procura de ajuda para problemas de saúde mental.

O estigma assume-se como uma barreira importante sobretudo em populações rurais. Este resultado é consistente com as conclusões de outros estudos anteriores, de que o estigma é um fator determinante e contribui para a relutância de muitos adolescentes em procurar ajuda (Rose et al., 2007), afetando mais a busca de ajuda em populações rurais do que urbanas (Scott & Chur-Hansen, 2008).

Uma grande preocupação para muitos dos participantes é a confiança no profissional de saúde e a confidencialidade da informação. Esta preocupação foi identificada em estudos anteriores que concluíram que os adolescentes apresentam maior intenção de procurar ajuda em fontes confiáveis (Rickwood, Dean & Wilson, 2007) e confidenciais (Scott & Chur-Hansen, 2008). As preocupações com a confidencialidade e confiança podem também estar relacionadas com o estigma. Neste caso, o medo da violação de sigilo decorre da vergonha de que a família e os amigos descubram que o adolescente procurou ajuda (Gulliver, Griffiths & Christensen, 2010).

O estudo explorou também os facilitadores percebidos na procura de ajuda.

Os participantes consideram o ‘acompanhamento' e a ‘experiência prévia positiva' como os dois principais facilitadores. Este resultado reforça as conclusões de outros estudos prévios. Numa revisão sistemática da literatura realizada por Gulliver et al. (2010), três estudos examinam os facilitadores e todos mencionam as experiências prévias positivas, sendo também o tema para o qual foi relatado o maior número de facilitadores individuais.

O acompanhamento é um fator facilitador que assume uma grande importância no nosso estudo apesar de não ser referido de forma isolada em estudos prévios.

Podemos no entanto entendê-lo como parte integrante do apoio social. Esta variável, que também emergiu no nosso estudo, é referenciada de forma reiterada na literatura, em estudos como o de Sheffield, Fiorenza & Sofronoff (2004) ou o de Gulliver et al.(2010).

Conclusões Este estudo permite concluir que os adolescentes demonstram dificuldades significativas no reconhecimento das perturbações mentais e na identificação dos seus sintomas chave, traduzindo-se, na prática, por comportamentos de procura de ajuda desajustados das necessidades, com desvalorização das ajudas profissionais e preferência por fontes informais como o grupo de pares ou a família.

Os resultados da análise revelam que os adolescentes comungam de uma visão que assenta tanto no saber médico da doença como no saber popular, onde o recurso a rótulos inadequados é frequente, traduzindo um desconhecimento efetivo da doença e das suas implicações.

Para além das dificuldades de reconhecimento, fatores como o estigma, a falta de confiança nos profissionais de saúde e os constrangimentos de confidencialidade, constituem barreiras no acesso à ajuda profissional. Pelo contrário, também alguma evidência de que o apoio social e as experiências prévias positivas, enquanto fator promotor da literacia em saúde mental, podem reduzir o estigma, sendo facilitadores da procura de ajuda neste grupo etário.

Assim, como implicações, surge a necessidade de criar programas para promover a literacia em saúde mental, por um lado, aumentando os conhecimentos sobre os próprios sintomas e a compreensão dos conceitos associados à saúde mental, por outro, minimizando os constrangimentos associados ao estigma e outras barreiras na procura de ajuda. No entanto, barreiras e facilitadores podem variar entre os diferentes pontos do processo de procura de ajuda. É necessária investigação mais avançada sobre estes fatores e como eles operam em cada nível do processo de procura de ajuda.


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