A importância da quantificação da reserva cognitiva
Introdução
O fenómeno do envelhecimento demográfico em Portugal tem ocorrido em todo o
país, com 19,1% da população com mais de 65 anos (Instituto Nacional de
Estatística, 2011). O risco de doença, incapacidade e morte aumenta com a idade
e as previsões sobre a projeção da mortalidade causada por doenças de carácter
neurodegenerativo nas próximas décadas indicam um aumento marcado do número de
casos, sendo as demências nas suas diversas manifestações as que mais afetarão
as pessoas em idade mais avançada (Prince et al., 2013). A Doença de Alzheimer
(DA) é uma desordem neurodegenerativa crónica, acompanhada por disfunção
cerebral complexa, manifestando-se clinicamente por um declínio cognitivo e
funcional, com progressão gradual e por frequentes perturbações psicológicas e
do comportamento (Jalbert, Daiello, & Lapane, 2008).
O construto da Reserva Cognitiva (RC) é definido como a capacidade de ativação
progressiva das redes neuronais em resposta das necessidades crescentes e
define a capacidade do cérebro adulto minimizar as manifestações clínicas de um
processo neurodegenerativo (Stern, 2013). As pessoas experienciam desafios
intelectuais ao longo da vida que contribuem para acumular Reserva, o que
permite que as competências cognitivas se mantenham em idades mais tardias
(Staff, Murray, Deary, & Whalley, 2004). A RC está concebida como uma
construção dinâmica e o seu estado deve-se um conjunto de fatores, que incluem
os fatores genéticos (Lee, 2007), os fatores socioeconómicos (Bisckel, &
Cooper, 1994), escolaridade (Stern, 2006; Sobral & Paúl, 2013a), o tipo de
trabalho que desempenhamos ao longo da vida (Qui et al., 2003) e participação
em atividades de lazer (Sobral & Paúl, 2013a, 2013b). Nos fatores
associados com os benefícios cognitivos durante a idade adulta, incluem-se a
atividade física (Larson et al., 2006), o compromisso social (Scarmeas &
Stern, 2003) e intelectual (Valenzuela, & Sachdev, 2006). O conceito de RC
é muito complexo, o que leva ao aparecimento de diferentes propostas de
avaliação. Nos últimos anos, investigadores têm elaborado questionários e
escalas que procuram avaliar a RC através da participação em diferentes
atividades de lazer a nível cognitivo, físico e social (Sobral, Pestana, &
Paúl, 2014).
Os objetivos deste estudo foram: (a) Comparar o desempenho da RC (avaliada com
QRC) de um grupo de doentes com Doença de Alzheimer (DA) e de um grupo de
pessoas adultas em idade avançada saudáveis (controlo); (b) Realizar a
avaliação cognitiva e funcional de doentes com DA e de pessoas em idade
avançada saudáveis com diferentes níveis de RC; (c) Identificar as variáveis
preditoras de RC.
Método
Participantes
O estudo incluiu um grupo de 50 doentes, acompanhados em consulta externa, com
o diagnóstico de DA, recrutados no Hospital de Magalhães Lemos (HML), num
serviço de psicogeriatria. Este estudo faz parte de um projeto de investigação
intitulado "A pessoa com demência e a sua RC" e a sua realização foi autorizada
pelo Conselho de Administração do HML. O Serviço de Psicogeriatria (SPG)
acompanha doentes com demência, usando uma abordagem multidisciplinar para o
diagnóstico e intervenção na demência. Todos os doentes preenchiam os critérios
do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 5ª edição (DSM-5)
(American Psychiatric Association, 2013) e do Alzheimer´s Association and the
Nacional Institute on Aging (McKhann et al., 2011). Nenhum doente sofria de
doença grave e todos mantinham normais ou corrigidas condições de audição e
visão. O grupo de controlo foi formado por 30 pessoas, com mais de 65 anos,
seleccionados entre os cuidadores/familiares de doentes do SPG, saudáveis, sem
défices cognitivos e sem antecedentes de doença neurológica. Foi adotado como
critério de exclusão ter doença psiquiátrica aguda. Foram cumpridos todos os
princípios éticos, tendo todos os participantes ou seu representante legal
assinado o consentimento informado.
Instrumentos
Os dados sociodemográficos (idade, sexo, estado civil, nacionalidade, condição
profissional) foram recolhidos através de uma entrevista estruturada e foram
fornecidos pelos doentes com DA ou/e pelos cuidadores e pelas pessoas saudáveis
do grupo de controlo.
O Questionário da Reserva Cognitiva (QRC) (Rami et al., 2011) foi usado para
avaliar a RC. Sobral, Pestana, & Paul (2014) validaram para a população
portuguesa este instrumento, que consideraram ser um instrumento adequado para
a avaliação da RC na população portuguesa. Na validação do questionário, a
dimensão subjacente ao QRC foi analisada através da análise factorial das
componentes principais (AFCP), enquanto que a consistência interna foi dada
pelo alfa de Cronbach. A AFCP com rotação varimax adaptou-se bem aos dados
conforme os bons indicadores da qualidade do ajustamento obtidos quer pelo
Goodness of fit índex = 0,99, como pelo Root Mean Square Residual= 0,048, os
quais se baseiam na matriz das correlações residuais. A existência de um valor
próprio>1(critério de Kaiser) e a maior inclinação do scree plot mostraram a
existência de uma única dimensão no QRC. As respostas foram consistentes, pois
existe uma boa correlação entre os itens, conforme medida de adequação amostral
Keiser-Meyer-Olkin=0,761 e teste de esfericidade de Bartlett=204,159; df = 28;
p<0,01. O QRC com 8 itens (1.Escolaridade; 2. Escolaridade dos pais; 3. Cursos
de formação; 4. Ocupação laboral; 5. Formação musical; 6. Línguas (mantém uma
conversa); 7. Atividade de leitura; 8. Jogos intelectuais (xadrez, puzzles,
palavras cruzadas)) mostrou uma boa consistência interna (Alfa de
Cronbach=0,795). A grande proximidade entre os valores dos alfas com e sem um
qualquer item, mostrou que o QRC não dependente de nenhum em especial,
demostrando que todas as questões pertencentes ao RC são relevantes.
Mini Mental State Examination (MMSE) (Folstein et al., 1975) é constituído por
30 questões e é uma escala de avaliação das capacidades cognitivas, como a
orientação, memória, cálculo, atenção, linguagem e capacidade visuo-
construtiva. O máximo de pontos que a pessoa poderá obter são 30. A versão
usada foi adaptada e validada para a população portuguesa por Guerreiro (1998).
O MMSE é extremamente fácil de aplicar e a sua administração ronda
aproximadamente 10 a 15 minutos. Neste estudo foram utilizados os valores de
corte normativos ajustadas ao nível de escolaridade para a população
portuguesa. Os pontos de corte para o diagnóstico de demência foram os
seguintes: abaixo de 27 para >11 anos de escolaridade, ≤22 para 1-11 anos de
escolaridade e ≤15 para os analfabetos. O Clinical Dementia Rating (CDR)
(Hughes, Berg, Danziger, Coben, & Martin, 1982) avalia o grau de
deterioração, tendo sido usada a tradução e adaptação de Garret et al.
(2008).Os domínios avaliados incluem: memória, orientação, juízo e resolução de
problemas, atividades na comunidade, atividades em casa, passatempos e cuidado
pessoal. O nível do grau de severidade da demência é avaliado de acordo com as
seguintes categorias: 0 (sem demência); 0,5 (demência questionável); 1
(demência ligeira); 2 (demência moderada); e 3 (demência grave).
Para a avaliação funcional foi usado o Índice Barthel e o Índice de Lawton e
Brody. O Índice Barthel (Mahoney & Barthel,1965) é uma medida que avalia o
nível de dependência da pessoa, relativamente à realização de 10 atividades
básicas de vida diária. Os resultados variam de 0 a 100% em grau de dependência
na realização das diferentes atividades. O Índice de Lawton e Brody (Lawton
& Brody, 1969) foi usado para avaliar as atividades instrumentais de vida
diária e valoriza a capacidade da realização de utensílios habituais e
atividades sociais, através de 8 itens: cuidar da casa, lavar a roupa, prepara
as refeições, ir às compras, usar o telefone, usar os transportes, usar o
dinheiro e ser responsável pela toma da medicação. Neste índice pontuamos se a
pessoa consegue realizar a tarefa e pontua-se 8 pontos quando a pessoa é
completamente independente e com mais de 20 pontos quando necessita de muita
ajuda para a realização de tarefas. O Índice de Graffar (Graffar, 1996) foi o
instrumento utilizado para a caracterização social. Este índice tem cinco
categorias de I (classe alta), II classe (média alta), III (classe média), IV
(classe média baixa) e V (classe baixa). A Classificação Portuguesa das
Profissões 2010 (INE, 2011) foi usada para classificar os participantes de
acordo com a ocupação laboral.
Desenho e Procedimento
Este estudo foi transversal e os dados recolhidos incluíram dados
sociodemográficos (idade, sexo, estado civil, condição profissional), variáveis
relacionadas com a RC (nível de escolaridade, ocupação ao longo da vida e
participação em atividades de lazer) e variáveis clínicas. Os doentes foram
submetidos a uma primeira avaliação com o MMSE e CDR com o objetivo de
recrutamento e, num segundo momento, todos os participantes foram sujeitos a
uma entrevista na qual se recolheram dados sociodemográficos e a uma avaliação
do nível social (Índice de Graffar), uma avaliação funcional (Índice de Barthel
e o Índice de Lawton e Brody), uma avaliação neuropsicológica (MMSE e CDR) e
avaliação da RC (QRC).
Este estudo explorou os dados através da estatística descritiva. Em termos
inferenciais, na relação entre variáveis métricas e categóricas com duas ou
mais categorias usou-se os testes t de Student e F de Snedecor do One-Way
Anova; a relação entre variáveis categóricas sempre que não existiam efeitos
interativos, recorreu aos modelos das tabelas de contingência através dos
testes do Qui-Quadrado de Pearson, ou do rácio da verosimilhança (LR),
consoante o tipo e o número de categorias das variáveis; a relação entre
variáveis categóricas com efeitos interativos recorreu-se aos modelos de
regressão logística. O suporte utlizado para a análise de dados foi o programa
IBM SPSS Statistics 22 e foi seguido o manual de Pestana e Gageiro (2008).
Resultados
A média de idade dos 50 doentes com DA foi de 77,54 anos (DP=4,82 anos; idades
entre 61-91 anos) e dos anos de escolaridade foi de 5,68, enquanto os 30
participantes do grupo de controlo apresentaram uma média de idade de 75,90
anos (DP=5,05 anos; idades entre66-87 anos) e uma média de anos de escolaridade
de 4,90. No Quadro_1 apresenta-se a caracterização sociodemográfica da amostra
de doentes com DA e de pessoas adultas em idade avançada saudáveis (controlo).
Não existiam diferenças significativas entre os grupos, segundo a idade,
conforme teste F do One-Way Anova = 2,091, df = (1;78), sig = 0,152. Não se
encontraram diferenças significativas entre grupos relativamente aos anos de
escolaridade (teste F do One-Way Anova = 0,671, df = (1;78), sig = 0,415) e
especificamente, analisando os participantes analfabetos também não se
encontraram diferenças significativas entre grupos, conforme teste F do One-Way
Anova = 0,310, df=(1;8), sig = 0,593. No grupo "DA", a maioria dos pacientes
eram trabalhadores não qualificados (58%). Os trabalhadores não se distinguiam
na profissão ao longo da vida entre grupos. A maioria dos pacientes era da
classe III, classe média (46 %) e da IV, classe média baixa (46%). Não existiam
diferenças significativas entre grupos, segundo as classes sociais, conforme
teste do rácio da verosimilhança (LR) = 4,907, df=3, sig = 0,179.
No grupo de doentes com DA, 52% dos doentes sofriam de uma demência num estadio
ligeiro (CDR=1), 28% de uma demência num estadio moderado (CDR=2) e 20% de uma
demência num estadio grave (CDR=3). O grupo de doentes com DA obteve uma
pontuação média no MMSE de 17,44, com um desvio padrão de 4,669. Enquanto, que
o grupo de controlo obteve uma média no MMSE de 27,30, com um desvio padrão de
12,42. Os doentes com DA têm 2,397 vezes pontuação menos elevada MMSE do que os
participantes do grupo de controlo e com 95% de confiança têm pontuações
inferiores no MMSE entre 1,52 vezes a 3,769 vezes, tendo estes resultados sido
obtidos pelo modelo de regressão logística (testes do Qui-Quadrado
significativos para p = 0,05: -2LL, da diferença do rácio da verosimilhança e
de Wald), que para um corte de 0,5 tem uma especificidade de 96%, sensibilidade
de 86,7%, classifica 92,5% dos casos. O pseudo R Square de McFadden = 0,78 (ie,
o MMSE permite redução da incerteza na diferenciação dos grupos em 78%).
Os pacientes com DA têm 1,236 vezes menos pontuação (ou 23,6% menos) no Índice
de Barthel do que os participantes do grupo de controlo e com 95% de confiança
têm pontuações inferiores entre 1,05 vezes a 1,45 vezes (ou entre 5% a 45%). A
elevada amplitude do intervalo mostra a grande associação entre as variáveis,
tendo estes resultados foram obtidos pelo modelo de regressão logística (testes
do Qui-Quadrado significativos para p = 0,05: -2LL, da diferença do rácio da
verosimilhança e de Wald), que para um cut value=0,5 tem uma especificidade de
58%, sensibilidade de 96,7%, classifica bem 72,5% dos casos. O pseudo R Square
de McFadden = 0,303. Os participantes do grupo DA têm 0,375 vezes mais
pontuação (ou 62,5% mais) no Índice de Lawton do que os participantes do grupo
de controlo e com 95% de confiança têm mais pontuação entre 0,21 vezes a 0,67
vezes (ou mais 33% a 79%). Os resultados foram obtidos pelo modelo de regressão
logística (testes do Qui-Quadrado significativos para p = 0,05: -2LL, da
diferença do rácio da verosimilhança e de Wald), que para um corte de 0,5 tem
uma especificidade de 94%, sensibilidade de 96,7%, classifica bem 95% dos
casos. O pseudo R Square de McFadden = 0,938.
Relativamente ao grupo de doentes com DA existe uma associação linear negativa
(R de Pearson= -0,400) e estatisticamente significativa entre o QRC e o MMSE, e
entre o QRC e o Índice de Graffar (r=-0,321). Relativamente ao grupo de
controlo existia uma associação linear negativa (R de Pearson=-,350) e
estatisticamente significativa entre o QRC e o Índice de Graffar. No Quadro_2
apresentam-se as médias obtidas no MMSE, Índice de Barthel e do Índice de
Lawton nos diferentes níveis de RC para os participantes com DA e para os
controlos. Salienta-se que no grupo de doentes com DA aqueles que mantinham
níveis de RC mais elevados obtiveram pontuações mais elevadas no MMSE, com uma
diferença significativa entre as pontuações no MMSE dos pacientes com um nível
de RC baixo e os pacientes com um nível de RC médio ou alto.
No Quadro_3 apresentam-se os dados de todos os itens obtidos no QRC. Apenas foi
encontrada uma diferença significativa entre os dois grupos no item atividade
de leitura (p=0,016).
A Figura_1 mostra os padrões de MMSE obtidos pelos doentes com DA para os
diferentes níveis de RC e ao longo dos diferentes estadio de demência. Todos os
participantes com uma RC mais alta obtiveram valores mais elevados de MMSE. O
grupo de doentes com DA num estadio ligeiro e com um nível baixo de RC (igual
ou menor que 6 pontos no QRC) obteve uma média de 19,83 no MMSE, enquanto que
aqueles num estadio moderado e com um nível baixo de RC obtiveram uma média de
15,33 no MMSE e os doentes num estadio grave e com um nível baixo de RC
obtiveram uma média de 11,75 no MMSE. O grupo de doentes com DA num nível
médio/alto de RC (mais ou igual a 7 pontos no QRC) e num estadio ligeiro obteve
uma média de 20,75 no MMSE, os doentes com um nível de RC médio/alto e um
estadiamento moderado obtiveram uma média de 19,50 no MMSE e ainda os doentes
com um nível de RC médio/alto e num estadio de demência grave obtiveram uma
média de 16,00. Os doentes com níveis mais elevados de RC obtiveram pontuações
mais elevadas nos testes cognitivos relativamente aos doentes níveis mais
baixos de RC.
A Figura_2 mostra os padrões de MMSE obtidos pelos participantes do grupo de
controlo para diferentes níveis de RC. O grupo de controlo com "alto/médio
nível de RC" obteve as pontuações mais elevadas no MMSE do que os participantes
saudáveis com "baixo nível de RC". As pessoas do grupo de controlo com níveis
mais elevados de RC obtiveram pontuações mais elevadas nos testes cognitivos
relativamente aos participantes do mesmo grupo com níveis mais baixos de RC. A
análise de variância (ANOVA) não mostrou diferenças significativas no QRC nas
pontuações entre grupos, conforme o teste F do One-Way ANOVA=0,233, df=(1,78),
sig=0,631.Os resultados da regressão logística mostraram que a pontuação dos
doentes com DA no QRC foi influenciada significativamente pela escolaridade, de
acordo com teste rácio da verosimilhança (LR) (p<0.000) e pela ocupação (LR,
p<0.000), variáveis preditoras dos níveis de RC. O mesmo ocorreu nos
participantes saudáveis em que os resultados da regressão logística mostraram
que a pontuação dos participantes do grupo de controlo no QRC foi influenciada
significativamente pela escolaridade, de acordo com o LR (p<0.000) e pela
ocupação (LR, p<0.000). Os resultados da regressão logística de todos os
participantes (doentes e controlo) evidenciaram que a pontuação no QRC foi
influenciada significativamente pela escolaridade (LR, Qui-quadrado=49,461,
df=17, sig=0,000) e ocupação (LR, Qui-quadrado=46,005, df=17, sig=0,000).
Discussão
Como esperávamos os doentes obtiveram piores resultados nas provas cognitivas e
nas provas funcionais comparativamente com os participantes saudáveis
pertencentes ao grupo de controlo, o que vem de encontro aos critérios para o
diagnóstico de DA, que enfatizam o declínio cognitivo e funcional que é
característico nesta síndrome demencial (Mckhann et al., 2011; Albert et al.,
2011; Jack et al., 2011). O nosso primeiro objetivo foi comparar o desempenho
da RC de um grupo de doentes com DA e de um grupo de pessoas em idade avançada
saudáveis e neste estudo não se encontraram diferenças significativas entre os
dois grupos, apenas se encontrou uma diferença significativa no item atividade
de leitura. O QRC demonstrou ser capaz de quantificar o nível da RC tanto em
doentes com DA em curso como em pessoas com idade avançada saudáveis, o que vem
no mesmo sentido do estudo desenvolvido por Rami e colegas (2011) que concluiu
que QRC era um questionário útil para avaliar o grau de RC em pessoas saudáveis
e em o doentes com DA num estadio inicial.
Relativamente ao segundo objetivo, realizar uma avaliação cognitiva e funcional
de doentes com DA e participantes saudáveis com diferentes níveis de RC,
verificou-se que todos os participantes com uma RC mais alta obtiveram melhores
resultados na avaliação cognitiva. No grupo de doentes com DA aqueles que
mantinham níveis de RC mais elevados obtiveram pontuações mais elevadas no
MMSE, com uma diferença significativa entre as pontuações no MMSE dos pacientes
com um nível de RC baixo e os pacientes com um nível de RC médio ou alto. As
pessoas com DA com um nível baixo de RC obtiveram piores resultados no MMSE do
que aquelas pessoas também com DA num mesmo estadiamento de demência, mas com
um nível médio/alto de RC. Neste estudo, com o uso do QRC, permitu confirmar
que os beneficios da RC após o inicio de uma demência neurodegenerativa de
acordo com estudos anteriores (Sobral & Paúl, 2013a).
Quanto ao último objetivo, identificar as variáveis preditoras de RC, as
pessoas com DA e as pessoas em idade avançada saudáveis apresentaram pontuações
no QRC que foram influenciadas pela escolaridade e pela ocupação ao longo da
vida, o que vem confirmar que a escolaridade e ocupação são fatores que
contribuem para RC, o que corrobora os estudos anteriormente realizados (Sobral
& Paúl, 2013a, 2014, Stern, 2006, Qui et al., 2003).
Conclusões
Neste estudo os doentes com DA evidenciaram um declínio cognitivo e funcional,
com a obtenção de resultados nas provas cognitivas e funcionais inferiores
comparativamente com os resultados obtidos pelos participantes saudáveis. Os
doentes com DA e as pessoas saudáveis com níveis mais elevados de RC obtiveram
pontuações mais elevadas nos testes cognitivos relativamente aos participantes
com níveis mais baixos de RC. Os doentes com DA com níveis mais elevados de RC
obtiveram níveis superiores do desempenho cognitivo comparativamente com o
desempenho de doentes num mesmo estadio de demência, mas com níveis mais baixos
de RC. O QRC é um instrumento que possibilitou a quantificação do nível da RC
tanto em doentes com DA como em pessoas com idade avançada saudáveis.
As pessoas com níveis de RC mais elevados poderão evidenciar sintomatologia de
demência, em situação de início de doença, mais tarde do que as pessoas com
níveis de RC mais baixos. As variáveis de RC como a escolaridade e a ocupação
têm um papel fulcral no aparecimento de sintomatologia no curso de uma demência
neurodegenerativa. Sendo a escolaridade e a ocupação ao longo da vida
preditoras dos níveis de RC, consideramos importante investir na melhoria do
nível de escolaridade em Portugal e a implementação de mudanças nos estilos de
vida das pessoas em todas as idades, que incluam a manutenção de uma vida
ativa. A principal limitação deste estudo foi o tamanho da amostra ser pequeno
e o facto de alguns testes usados não se encontrarem validados para a população
portuguesa. Em futuros estudos o uso de amostras maiores será necessário para
resolver esta limitação.
Implicações para a Prática Clínica
A RC não é fixa e continua a evoluir ao longo da vida. Ao constatarmos os
benefícios da RC, nomeadamente, da escolaridade, da ocupação e da participação
em atividades de lazer na vida adulta, concordamos que esta deverá ser avaliada
e quantificada de uma forma sistemática na prática clínica através de um
questionário como o QRC. Acreditamos que a intervenção precoce junto de pessoas
com demência deve passar pelo investimento na reabilitação cognitiva, de forma
a proporcionar uma evolução benigna da doença, assim como consideramos de
grande interesse a continuação da pesquisa sobre RC.