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EuPTCVHe1647-21602015000100014

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National varietyEu
Year2015
SourceScielo

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Saúde mental numa população não clínica de jovens adultos: Da psicopatologia ao bem-estar

Introdução Até pouco tempo, a saúde e o bem-estar encontravam-se relacionados com a ausência de doença (Lamers, Westerhof, Bohlmeijer, Klooster & Keyes, 2011) e a saúde mental permanecia indefinida e não mensurável (Keyes, 2007). Esta leitura concetual tem vindo a ser transformada com os contributos trazidos às ciências da saúde pela psicologia positiva (Matos et al., 2010). Deste modo, a investigação na área tem demonstrado que a saúde mental não inclui apenas a ausência de doença mental, mas também a presença de algo positivo, designado de saúde mental positiva (Keyes, 2002; 2007). Assim, inúmeros autores definem a saúde mental positiva como uma síndrome de sintomas de sentimentos e funcionamento positivos, operacionalizada através de medidas de bem-estar, no qual o indivíduo realiza as suas próprias capacidades, lida com o stress normal da vida, trabalha de forma produtiva (Keyes, 2002; 2007) e frutífera (WHO, 2005), estabelece relações positivas com outros indivíduos (Keyes, 2002; 2007) e é capaz de dar um contributo a si ou à sua comunidade (WHO, 2005). Esta definição assenta em três componentes principais, o bem-estar emocional (BEE), o bem-estar psicológico (BEP) e o bem-estar social (BESo) que, em conjunto, compõem a definição de saúde mental positiva (Lamers et al., 2011). Assim, os indivíduos podem caraterizados como languishing (ausência de saúde mental positiva), saúde mental moderada e flourishing (saúde mental positiva) (Keyes, 2002). Neste sentido, este estudo apresenta como objetivo geral a caraterização da saúde mental de uma população jovem, focada na análise dos níveis de psicopatologia, bem como nos níveis de saúde mental positiva.

Metodologia Neste estudo participaram 157 indivíduos, 79 de sexo feminino e 78 do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 18 e os 30 anos de idade, residentes na ilha de São Miguel, nos Açores. Os instrumentos de recolha de dados foram: o questionário sociodemográfico construído para o efeito; a Versão Portuguesa da Escala de Bem-estar mental de Warwick-Edinburgh (WEMWBS); a Escala Continuum de Saúde Mental ' versão reduzida (Adultos) (MHC-SF) e a Escala de Ansiedade, Depressão e Stress (EADS-21). No que respeita ao procedimento realizado, primeiramente procedeu-se ao pedido de autorização aos autores dos instrumentos supracitados. Após as respetivas autorizações, o projeto desta investigação foi submetido à comissão de ética da Universidade Fernando Pessoa. O seu parecer positivo conduziu ao início da recolha de dados, sendo contatadas algumas juntas de freguesia do Concelho de Ponta Delgada, nos Açores, por forma a identificarem os grupos juvenis das mesmas, bem como os respetivos responsáveis. Posteriormente foram apresentados os objetivos do estudo bem como os procedimentos éticos inerentes, visando proteger os possíveis participantes. A análise dos resultados foi realizada com recurso ao programa estatístico SPSS (versão 22).

Resultados No que respeita à caraterização da saúde mental dos participantes relativamente à doença mental e à saúde mental positiva constatou-se que os participantes apresentaram níveis relativamente baixos de psicopatologia (depressão, ansiedade e stress) e níveis relativamente elevados de saúde mental positiva, tendo em conta as pontuações mínimas e máximas possíveis dos instrumentos (cf.

Tabela_1).

Relativamente aos estados de saúde mental positiva, verificou-se que a maioria dos indivíduos se encontrava em flourishing (58.6%), evidenciando, assim, saúde mental positiva, seguindo-se os indivíduos com saúde mental moderada (38.2%) e os indivíduos em languishing (3.2%). Foram também analisadas as diferenças na saúde mental positiva e nos níveis de doença mental de acordo com variáveis sociodemográficas. No que respeita à idade, constataram-se diferenças significativas, ao nível da ansiedade, (t (155) = -2.22, p = .03), do bem-estar mental em geral, (t (155) = -2.78, p = .006), do BESo, (t (155) = -3.38, p = .001), e do BEP, (t (155) = -2.62, p = .01), verificando-se que os jovens entre os 26 e os 30 anos de idade pontuam mais elevado nestas dimensões. Também ao nível do estado de flourishing (t (155) = 2.36, p =.02) se verificou que os jovens entre os 18 e os 25 anos de idade apresentaram níveis mais elevados de saúde mental positiva. Quanto ao sexo, identificaram-se diferenças significativas entre o sexo masculino e o sexo feminino ao nível da depressão, (t (155) = -2.23, p =.03), da ansiedade, (t (155) = -2.69, p =.008), do stress, (t (155) = -2.996, p =.003), e do BEE, (t (155) = 2.29, p =.02), verificando-se que o sexo feminino pontua mais elevado na ansiedade, depressão e stress, ao passo que os homens apresentam níveis mais elevados de BEE. No que concerne ao estado civil, foram encontradas diferenças significativas entre os indivíduos solteiros e os indivíduos casados ao nível da depressão, (t (153) = -3.18, p =.002), ansiedade, (t (153) = -3.82, p =.000), stress, (t (153) = -2.69, p =.008) e BESo, (t (153) = -2.97, p =.003), sendo os indivíduos casados quem apresenta níveis mais elevados nestas dimensões. No respeitante às habilitações académicas, encontraram-se diferenças significativas ao nível da depressão, (F (2.150) = 3.66, p =.028), sendo que o Teste Post-Hoc de Gabriel revelou que os alunos do ensino básico relatavam níveis mais elevados de depressão do que os indivíduos com licenciatura. Quanto à descendência, os indivíduos com filhos relataram níveis significativamente superiores de depressão, (t (155) = 3.68, p =.000), ansiedade, (t (155) = 4.10, p =.000), e stress, (t (155) = 3.71, p =.000), em relação aos indivíduos que não têm filhos. E os indivíduos sem filhos revelam níveis significativamente superiores de languishing (t (155) = - 2.46, p =.02). Relativamente ao desejo em sair da ilha, os indivíduos que não desejam sair da mesma relataram níveis significativamente superiores de depressão, (t (154) = -1.95, p =.05), de ansiedade, (t (154) = -2.08, p = .04), de BESo, (t (154) = -3.94, p = .000), e de languishing (t (154) = -2.42, p = .02) do que os indivíduos que pretendem sair. No que respeita à participação em atividades não remuneradas, como voluntariado, os indivíduos que não participam nas mesmas relataram níveis significativamente superiores de depressão, (t (152) = -3.34, p =.003), ansiedade, (t (152) = -3.46, p =.001), e stress, (t (152) = -3.01, p =.003), do que os indivíduos que participam. Quanto à utilização da rede de cuidados de saúde, constataram-se diferenças relativamente aos indivíduos que frequentam e os indivíduos que não frequentam a mesma, ao nível da depressão, (t (154) = -3.60, p =.000), ansiedade, (t (154) = -3.32, p =.001), stress, (t (154) = -3.02, p =.003), e BESo, (t (154) = - 3.61, p =.000). Foram os indivíduos que não frequentam as redes de cuidados de saúde que apresentaram níveis mais elevados de depressão, ansiedade, stress e BESo. Por fim, no que concerne ao acompanhamento psicológico no passado ou atualmente, à satisfação com a rede de cuidados de saúde, à situação profissional e ao concelho de residência, não foram encontradas diferenças significativas em nenhuma das variáveis consideradas.

Discussão O presente estudo teve como objetivo geral caraterizar a saúde mental de jovens adultos relativamente à saúde mental, numa perspetiva positiva e psicopatológica. Foi possível verificar que os participantes apresentam baixos níveis de psicopatologia e níveis elevados de saúde mental positiva, sendo que a maioria dos participantes se encontra em flourishing, seguindo-se os indivíduos com saúde mental moderada e, por fim, os indivíduos com languishing, sendo estes resultados também verificados por Keyes e colaboradores (2012), constatando-se ainda, tal como no presente estudo, que a psicopatologia mais frequentemente referida era a depressão. Foram encontradas diferenças na saúde mental positiva e nos níveis de doença mental de acordo com variáveis sociodemográficas. Deste modo, pudemos constatar que são as mulheres que apresentam níveis mais elevados de psicopatologia (depressão, ansiedade e stress), o vai de encontro à literatura (Hamilton & Meston, 2013). Estes valores de ansiedade, depressão e stress são também mais elevados nos indivíduos com filhos podendo este fato dever-se à reorganização familiar inerente à parentalidade (Widarsson et al., 2012). No entanto, a associação entre parentalidade e saúde mental é complexa e depende fortemente de fatores contextuais (Rimehaug & Wallander, 2010).Em relação ao estado civil, os indivíduos casados relatam também níveis mais elevados de depressão, ansiedade e stress, o que segundo Bischoff (2004) se pode dever ao facto de esta se encontrar associada a conflitos conjugais e à diminuição da satisfação conjugal. Os indivíduos que não pretendem sair da ilha também manifestam níveis mais elevados de depressão e ansiedade, o que não seria espectável, uma vez que a migração influencia de forma negativa a saúde mental (Familiar, Borges, Orozco & Medina-Mora, 2011). Consideramos assim pertinente aprofundar o estudo deste fenómeno. Os indivíduos que não participam em atividades não remuneradas também expressam níveis mais elevados de depressão, ansiedade e stress, resultado compreensível que as atividades de voluntariado geram cognições e afetos positivos que evitam a depressão e promovem o altruísmo (Musick & Wilson, 2003). Contrariamente ao verificado na literatura (Keyes, 2007) os indivíduos que não frequentam a rede de cuidados de saúde são os que relatam níveis mais elevados de depressão, ansiedade e stress, podendo este resultado dever-se ao facto de os participantes, tendo em conta as pontuações mínimas e máximas possíveis do instrumento utilizado, apresentarem níveis relativamente baixos de depressão. Os indivíduos com o ensino básico revelam níveis mais elevados de depressão, o que vai de encontro ao estudo de Molina et al., (2012), que defendem que a baixa escolaridade, entre outros fatores, pode estar associada a níveis mais elevados de depressão, devido às condições de vida e ao maior número de stressores ambientais. Os jovens mais velhos também relatam níveis mais elevados de depressão sendo que Bayram e Bilgel (2008) referem que a transição para a idade adulta representa um período de risco para o aparecimento de ansiedade. No que concerne aos níveis de bem-estar mental em geral (WEMWBS), os jovens mais velhos expressam níveis superiores.

Relativamente aos níveis de BEE, o sexo masculino relata níveis mais elevados, o que vai de encontro à literatura (Keyes, 2002) sendo o género um importante preditor de BEE (Haring, Stock & Okun, 1984). Quanto aos níveis de BESo, os jovens mais velhos manifestam níveis mais elevados, sendo que o aumento da idade pode influenciar o aumento de algumas facetas do BESo (Keyes, 1998). Os indivíduos que não desejam sair da ilha também apresentam níveis mais elevados, podendo estar associado o facto de se sentirem integrados e confortáveis com a sua realidade social (Keyes, 1998). Os indivíduos que não frequentam as redes de cuidados de saúde também relatam níveis mais elevados de BESo. Ainda se verificou que os indivíduos casados apresentam níveis mais elevados de BESo, o que vai de encontro à literatura (Shapiro & Keyes, 2008). Quanto aos níveis de BEP, os jovens mais velhos relatam níveis mais elevados, o que vai de encontro ao estudo de Keyes, Shmotkin & Ryff (2002, citados por Siqueira & Padovam, 2008), que constataram que o BEP tende a aumentar com a idade.

Por fim, no que concerne aos estados de saúde mental positiva, os jovens com menos idade apresentam níveis mais elevados de flourishing, corroborando o estudo de Matos et al. (2010). Os indivíduos sem filhos apresentam níveis mais elevados de languishing, o que comprova que a ausência de doença mental não implica a presença de saúde mental positiva/bem-estar (Keyes, et al., 2012).

Por fim, os indivíduos que não desejam sair da ilha apresentam níveis mais elevados de languishing, corroborando a perspetiva de Keyes (2002) de que a ausência de saúde mental positiva aumenta a probabilidade de uma perturbação mental.

Conclusão A saúde mental para além da presença ou ausência de doença mental envolve ainda aspetos emocionais, psicológicos e sociais, que permitem observar a saúde como um estado completo. Com este estudo verificou-se que as mulheres, os indivíduos casados, com filhos, com o ensino básico, que não desejam sair da ilha, que não praticam atividades não remuneradas e não frequentam a rede de cuidados de saúde apresentaram níveis mais elevados de depressão, ansiedade e stress. Por seu turno, os níveis de depressão são também mais elevados nos indivíduos com o ensino básico e os de ansiedade surgem em jovens mais velhos. No que respeita aos níveis de bem-estar mental em geral, os jovens mais velhos são quem apresenta níveis mais elevados. No que concerne ao BEE, o género masculino é o que apresenta níveis mais elevados. Quanto ao BEP, os jovens mais velhos são quem relata níveis mais elevados. Por fim, os jovens mais velhos, os indivíduos casados, com mais do que um filho, que não desejam sair da ilha e que não frequentam a rede de cuidados de saúde são quem apresenta níveis mais elevados de BESo. Quanto aos estados de saúde mental positiva, os jovens mais velhos manifestam níveis mais elevados de flourishing (saúde mental positiva), sendo que os indivíduos sem filhos e que não querem sair da ilha revelam níveis mais elevados de languishing (ausência de saúde mental positiva). No entanto, a maioria dos participantes encontra-se em flourishing, enquanto a minoria se encontra em languishing. Em suma, apesar da maioria desta população se encontrar em flourishing, uma percentagem considerável dos participantes encontra-se com saúde mental moderada, seguindo-se os indivíduos em languishing, apresentando, assim, maior probabilidade de desenvolvimento de uma perturbação mental como a depressão (Keyes, 2002). Para além disso, uma das perturbações mais frequentemente relatada pelos participantes consiste na depressão, emergindo a importância de intervenção nesta área.

Implicações para a Prática Clínica A realização deste estudo afigura-se pertinente na área da saúde mental, fornecendo importantes contributos para a compreensão da saúde mental numa perspetiva holística e positiva, que permitirá o aprimoramento das estratégias de intervenção psicológica.


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