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EuPTCVHe1647-21602015000100015

EuPTCVHe1647-21602015000100015

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN1647-2160
Year2015
Issue0001
Article number00015

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Comorbidades em usuários de um serviço de saúde mental

Introdução No bojo da Reforma Psiquiátrica Brasileira, surge a necessidade de novos serviços de saúde mental desinstitucionalizados, substituindo o modelo hospitalocêntrico, destinados a pessoas com transtornos mentais. Através de forte movimento social é criado, em 1986, o primeiro Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) no Brasil, iniciativa esta que se consolidou e espalhou por todo o país como modelo assistencial à saúde mental (Brasil, 2004). A Portaria nº336/02 de 19 de Fevereiro regulamenta este serviço e o divide em: CAPS I (atende um território de até 70.000 habitantes); CAPS II (atende a um território de até 200.000 habitantes); CAPS III (atende a um território de mais de 200.000 habitantes e possui horário de funcionamento 24 horas); CAPS ad (destinando ao tratamento de álcool e droga) e; CAPS infantil. O CAPS oferece atendimento ambulatorial diário a pessoas que sofrem de transtornos mentais severos e persistentes por meio da reabilitação psicossocial (Brasil, 2004).

Acredita-se hoje em cuidado biopsicossocial em saúde mental, pois trata-se de um campo de fronteiras, englobando conhecimentos das áreas biológicas, humanas, sociais e até das artes. Segundo Saraceno, Asioli e Tognoni (2001), os objetivos gerais da intervenção em saúde mental devem ser: 1. levar o usuário a adquirir consciência a respeito dos seus problemas: pessoais, familiares, de trabalho, econômicos, sociais e culturais; 2. desenvolver a autonomia afetiva- material-social do usuário; 3. aumentar a incorporação do usuário na vida de relação social e política. Para cuidar da pessoa nesta perspectiva do processo saúde-doença mental, é salutar perceber a ocorrência de comorbidades. Tivemos como objetivo deste estudo investigar a ocorrência de comorbidades psiquiátricas e físicas nos usuários de um Centro de Atenção Psicossocial.

O termo comorbidade foi introduzido em medicina com a seguinte definição: "qualquer entidade adicional distinta que existiu ou pode acontecer durante o curso clínico de um paciente que tem a doença índice em estudo" (Fortin, Lapointe, Hudon, Vanasse, Ntetu & Maltais, 2004). Doença índice entendida como a principal ou primária. A comorbidade psiquiátrica é a ocorrência simultânea de dois ou mais transtornos mentais na mesma pessoa.  a comorbidade física em doentes mentais, ocorre quando coexistência de patologias físicas e mentais (Kaplan, Sadock & Gregg, 2007; Louzã Neto, Motta, Wang & Elkis, 2007; Organização Mundial de Saúde, 1993). Acredita-se que a presença de comorbidades tem repercussões na prática clínica, na identificação, nos cuidados gerais e específicos, na família ou cuidadores, nos gestores de saúde e na reabilitação dos usuários, uma vez que estes pacientes são cada vez mais prevalentes nos serviços de saúde .

Sabe-se que a presença de comorbidades nos usuários de saúde mental é bastante considerável. Este fato causa uma elevação na taxa de mortalidade nestes pacientes e na maneira com que se implicam em seu tratamento, como por exemplo o uso de medicamentos que causam outras queixas ou a desatenção dos profissionais de saúde com outros sintomas apresentados, o que pode agravar o quadro psiquiátrico (Gomes, 2012).

Devido a maior prevalência de comorbidades, os profissionais precisam estar atentos a esta demanda, que vai além do cuidado básico em saúde mental.

Metodologia Trata-se de uma pesquisa quantitativa e qualitativa, em que foram realizadas entrevistas cuidadosas tendo como norte o instrumental da enfermagem em saúde mental: comunicação terapêutica, relacionamento interpessoal profissional, medidas terapêuticas, dentre outros (Taylor, 1992; Townsend, 2002).

Esta pesquisa ocorreu em dois anos e foram entrevistados quinze (15) usuários de um CAPS-II da cidade de São Paulo - Brasil. Estes usuários, sujeitos da pesquisa, foram escolhidos juntamente com a equipe de profissionais do serviço, através de conversas e reuniões. Foram incluídos os usuários que apresentaram interesse, tiveram disponibilidade e condições gerais e clínicas para participar. os usuários que não se interessaram e não tiveram disponibilidade de participar, foram excluídos da pesquisa.

A coleta de dados foi iniciada com a construção do relacionamento interpessoal profissional respeitando o tempo, a disponibilidade e o interesse do usuário (Taylor, 1992; Townsend, 2002; Saraceno, Asioli & Tognoni, 2001). Durante os encontros aplicou-se um instrumento que avalia questões objetivas e subjetivas divido em campos onde é possível: investigar e listar possíveis patologias e alterações do processo saúde-doença e saúde-doença mental; descrever histórica de adoecimento psiquiátrico e físico; registrar condições clínicas gerais: queixas, sintomas e sinais de injúria ou alterações significativas; registrar o uso de medicamentos para tratamento; registrar o apoio familiar ou de rede social no cuidado da saúde física e mental do usuário, dentre outras questões. Além da entrevista com os usuários foram realizadas conversas com os profissionais do serviço, a fim de completar as informações necessárias.

Esta pesquisa foi aprovada nos Comitês de Ética da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo e da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, conforme CAAE: 24675013.0.0000.5392.

Neste artigo daremos destaque para as questões objetivas avaliadas ao longo das entrevistas.

Resultados De acordo com os dados coletados, 86,6% dos entrevistados possuíam como diagnóstico médico a esquizofrenia. Está informação era esperada pois o campo de pesquisa se trava de um CAPS-II, serviço que oferece atendimento a pacientes com transtornos mentais severos e persistentes.

As alterações físicas que mais se destacaram entre os sujeitos foram: a) sobrepeso: 46,6% dos sujeitos apresentavam Índice de Massa Corporal (IMC) > 25,0 e < 30, segundo índices e pontos de corte para adultos entre 20 anos e < 60 anos pelo Ministério da Saúde, Brasil (2006); b) medida da circunferência da cintura (CC) elevada: 73,3% dos entrevistados apresentavam aumento desta medida, considerou-se como ponto de corte: 94 cm para o sexo masculino e 80 cm para o sexo feminino (Ferreira, Valente, Gonçalves-Sila & Sichieri, 2006).

Na avaliação clínica feita observaram-se sinais, sintomas e queixas, que foram: obstipação, tontura, desconforto respiratório, acatisia, tremor, cefaleia. O tabagismo foi citado por 40% dos usuários e o uso de álcool foi observado em alguns sujeitos.

Foi analisado o uso de psicofármacos e percebeu-se que 100% dos sujeitos faziam uso destes medicamentos. Os antipsicóticos e anticolinérgicos/ antiparkinsonianos foram os que mais apareceram.

Em relação ao apoio social e familiar, todos possuem o CAPS como uma rede de apoio e a maioria dos sujeitos podem contar com o apoio de familiares.

Os resultados encontrados foram apresentados na figura a seguir (Figura_1) onde estão esquematizadas as alterações encontradas e as categorias que estas compuseram. Nesta figura está demonstrado também a implicação dos psicofármacos junto a outras alterações, como a obesidade abdominal e o sobrepeso.

Discussão Para uma melhor análise dos dados coletados, foram agrupadas informações similares e mais relevantes e estão apresentadas em três categorias: distúrbios do peso e metabólico junto ao transtorno mental; psicofármacos e seus efeitos colaterais e; álcool e tabaco.

Distúrbios do Peso e Metabólicos junto ao Transtorno Mental Dieta hipercalórica e estilo de vida sedentário é visto em todas as populações nos dias de hoje e em pacientes psiquiátricos merece uma atenção maior devido a alta taxa de mortalidade desta população em relação a população em geral (Sampaio & Caetano, 2006; Gomes, 2012). O sobrepeso e obesidade abdominal acomete estes indivíduos, que  geralmente consomem uma dieta rica em gorduras, pobre em fibras e praticam menos exercício físico. O aumento da ingestão de alimentos calóricos, ricos em carboidratos pode ser explicado devido a seu efeito ansiolítico pela redução de níveis hormonais (Gomes, 2012).

Uma epidemia de obesidade é observada na população atual e existe uma alta prevalência em pacientes com transtornos mental. O ganho de peso leva a outras complicações clínicas e comorbidades, como a síndrome metabólica, hipertensão, cardiopatias (Gomes, 2012). A síndrome metabólica consiste em pelo menos três das alterações: obesidade abdominal, triglicerídeos elevados, elevação da pressão arterial e resistência a insulina (Gomes, 2012).

Outra alteração importante foi a obesidade abdominal (aumento da CC) a qual é utilizada pois aponta a gordura visceral do sujeito e é considerada como fator de risco para diversas morbidades, principalmente hipertensão, diabetes, dislipidemia e síndrome metabólica (Olinto, Nácul, Dias-da-Costa, Gigante, Menezes & Macedo, 2006). Os usuários estão sujeitos a desenvolver (ou possuem) a síndrome metabólica. Esta doença tem grande relação com os antipsicóticos, pois estes podem aumentar o peso e trazer outros efeitos adversos, conforme figura (Figura_1) apresentada em Resultados, demonstrando a implicação dos psicofármacos no distúrbio do peso e metabólicos.

Psicofármacos e seus Efeitos Colaterais Os psicofármacos mais utilizados foram os antipsicóticos e os antiparkinsonianos/anticolinérgicos seguido dos ansiolíticos. Os antipsicóticos causam efeitos extrapiramidais como efeito colateral mais frequente. Esses efeitos aumentam com elevadas doses de antipsicóticos. Dentre os principais tipos de efeitos extrapiramidais estão: acatisia e síndrome parkinsonóide, os quais foram citados pelos sujeitos entrevistados. Esta síndrome é caracterizada por tremor fino, rigidez muscular, marcha em bloco e para o tratamento é utilizado um medicamento anticolinérgico, fármaco em uso pela metade dos sujeitos entrevistados (Louzã Neto, Motta, Wang & Elkis, 2007).

O ganho de peso é um efeito colateral dos antipsicóticos de primeira e segunda geração e é comumente visto em pacientes com transtorno mental (Louzã Neto, Motta, Wang & Elkis, 2007). Os ansiolíticos apresentam como efeito colateral a sonolência, cansaço e redução da atenção, porém também podem ocorrer ganho de peso.

Outros sintomas apresentados pelos sujeitos podem ser relacionados a efeitos colaterais de medicamentos, como por exemplo a obstipação e tontura.

Álcool e Tabaco O tabagismo e o etilismo foram citados por alguns sujeitos. A dependência de nicotina apresenta alta prevalência em pacientes com transtornos psiquiátricos, o que pode interferir no humor, ansiedade e a cognição. O tabagismo pode também interferir no mecanismo de ação de medicamentos, especialmente, os psicotrópicos (Malbergier & Oliveira, 2005).

Em sua maioria, pacientes esquizofrênicos (maioria dos sujeitos entrevistados) fazem uso do tabaco. Esta substância está relacionada a diminuição dos efeitos extrapiramidais causados pelos antipsicóticos, este efeito é provavelmente relacionado com a ação da nicotina no sistema dopaminérgico (Malbergier & Oliveira, 2005).

O uso de álcool pode trazer sinais e sintomas que podem confundir com os dos transtornos mentais, como alucinações, ansiedade e depressão. O tratamento costuma ser mais difícil com esta comorbidade devido a dificuldade de permanecer em abstinência e também devido as interações com os psicofármacos (Alves, Kessler & Ratto, 2004).

Conclusões Em suma, observamos que a comorbidade está presente em todos os pacientes entrevistados, mesmo que de forma discreta, com apenas sinais e sintomas. Sabe- se que são altas as taxas de comorbidades em pessoas com transtorno mental (Júnior & Cordás, 2002). Estes pacientes possuem expectativa de vida baixa devido ao diagnóstico principal do transtorno mental e ainda apresentam maior predisposição para desenvolver outras doenças.

As comorbidades apresentadas neste trabalho (obesidade, obesidade abdominal, tabagismo e etilismo) podem ser justificadas devido à vários fatores como estilo de vida, medicamentos e o próprio transtorno mental. O uso de medicamento por longos períodos e altas doses aumentam a chance de desenvolver efeitos colaterais e, consequentemente, comorbidades.

A prática de atividade física e a alimentação saudável, são ações de difícil investimento para estes usuários. O incentivo à promoção da saúde para estes pacientes deve ser maior, devido também a sua maior taxa de morbi-mortalidade.

Incentivo à pratica de exercícios físicos, dieta saudável e acesso a conhecimentos sobre saúde e doença devem ser feitos por todos os profissionais que trabalham na área de saúde mental.

Implicações para a Prática Clínica Para o cuidado de pacientes psiquiátricos é primordial o conhecimento a fundo do histórico de saúde e das condições de vida deles  para que se possa desenvolver um planejamento terapêutico adequado, visando não o transtorno mental, mas sim o paciente como um todo. Juntos, usuário e equipe de saúde, são capazes de planejar cuidados pensando na integralidade do indivíduo, estipulando ações que contemplem o biopsicossocial.

Os resultados deste estudo e a literatura utilizada apontam a prevalência de comorbidades em pacientes psiquiátricos. O conhecimento destas doenças é importante para o planejamento de um projeto terapêutico efetivo.

O cuidado e a prevenção são atividades do trabalho dos profissionais da saúde mental e podem estar diretamente relacionados à algumas comorbidades apresentadas pelos usuários. Por isto da importância do estudo sobre comorbidades em usuários de serviços de saúde mental.


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