Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

EuPTCVHe2182-51732012000100005

EuPTCVHe2182-51732012000100005

National varietyEu
Year2012
SourceScielo

Javascript seems to be turned off, or there was a communication error. Turn on Javascript for more display options.

Derivação e validação de um modelo preditivo do perímetro abdominal

Introdução As doenças cardiovasculares constituem a principal causa de morte em Portugal, tendo em 2009 sido responsáveis, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística, por 31,9% das mortes.1 Nos últimos anos o excesso de peso/ obesidade tem ganho especial importância como factor de risco cardiovascular, estimando-se que este factor de risco possa ser responsável por até 7% dos gastos em saúde.2 Tradicionalmente usado como marcador de risco cardiovascular, o índice de massa corporal (IMC) tem sido criticado por reflectir tanto o tecido adiposo como a massa magra.3 A evidência actual sugere que as complicações vasculares encontradas no utente obeso estão mais relacionadas com a localização do tecido adiposo do que com o seu total corporal, tendo-se encontrado uma forte relação entre a adiposidade intra-abdominal e o risco cardiovascular.4 A visão tradicional do tecido adiposo visceral como simples depósito de energia tem sido substituída pela de um verdadeiro órgão endócrino com efeitos autócrinos, parácrinos e sistémicos.5 Foram identificadas diversas substâncias segregadas pelo tecido adiposo visceral que podem explicar a frequente associação deste com outros factores de risco, como por exemplo o angiotensinogénio, as angiotensinas I e II, e a hipertensão arterial, ou a resistina e a resistência à insulina, entre outras.5 O reconhecimento da associação do excesso de obesidade abdominal com o risco cardiovascular e metabólico6,7 levou à sua inclusão na determinação do risco cardiovascular global nas normas de orientação clínica da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC), que sugere para a sua avaliação a medição do perímetro abdominal (PA).8 A inclusão desta variável na avaliação do risco cardiovascular parece ganhar ainda maior importância se for tida em conta a altura do indivíduo.6,7,9,10 A medição antropométrica da obesidade abdominal é simples, barata e acessível, estando fortemente correlacionada com as medidas radiológicas usadas para a sua determinação, como por exemplo a tomografia computorizada, a ressonância magnética ou a absorsiometria radiológica de dupla energia.4,6,8,10 Para alcançar o PA desejado, o utente deve ser aconselhado a adoptar estilos de vida saudáveis, especialmente no que diz respeito a uma dieta equilibrada e à prática regular de exercício físico.8,11 As metas preconizadas para o PA são diferentes consoante o género do utente, no entanto não têm em conta outras características, como por exemplo a idade ou estatura, que comprovadamente influenciam o PA.4,12 Assim, este estudo teve como objectivos determinar a influência que o IMC, a idade, a altura, a massa corporal e o género têm sobre o PA através da derivação e validação de um modelo preditor do PA com aplicabilidade na prática clínica que permita uma intervenção personalizada visando a sua redução.

MÉTODOS Estudo observacional, transversal e analítico, realizado na Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados (UCSP) Quinta da Lomba e Unidade Saúde Familiar (USF) Eça, pertencentes ao Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) Arco Ribeirinho, e na USF Cuidados de Saúde Integrados (CSI), pertencente ao ACES Seixal-Sesimbra.

A recolha dos dados decorreu em dois períodos: o primeiro, realizado na USF Eça e na USF CSI entre Maio e Julho de 2009, visou a elaboração do modelo preditivo e sua validação interna; o segundo período, realizado na UCSP Quinta da Lomba entre Fevereiro e Abril de 2010, teve como intuito a validação externa do modelo.

O estudo teve como população alvo os utentes com 20 ou mais anos de idade das instituições acima referidas. Foi colhida uma amostra de conveniência referente aos utentes que frequentaram a consulta de Saúde do Adulto nos períodos de recolha dos dados.

Os utentes foram caracterizados quanto a: idade (anos), género (categorizado em masculino e feminino), altura (centímetros), massa corporal (kg) e PA (centímetro, medido com fita métrica numa linha paralela ao solo, passando pelos pontos médios situados entre o bordo inferior da última costela e o bordo superior da crista ilíaca antero-superior).8 Com base nos dados recolhidos foi calculada a variável IMC (kg/m2) através da equação: IMC (kg / m2) = Massa corporal (kg) / altura2 (m) A avaliação das variáveis antropométricas foi efectuada por avaliação única com os instrumentos de medida disponíveis nos consultórios de cada médico. A recolha dos dados foi realizada durante o tempo de consulta pelos médicos que aceitaram participar no estudo.

Os dados, depois de recolhidos e codificados, foram transferidos para uma matriz inserida na aplicação informática Microsoft Excel® 2003.13 O tratamento dos dados foi efectuado com recurso aos softwares 2.9.2.14 e SPSS® 15.0 para Windows (SPSS Inc., Chicago IL).15 A primeira amostra, colhida na USF Eça e USF CSI, foi dividida em dois grupos de forma aleatória através da geração de uma sequência de números aleatórios: dois terços foram utilizados para a elaboração do modelo preditivo; um terço para a sua validação interna. A homogeneidade destas duas amostras foi testada através dos testes Symbol">c 2 de Pearson para as variáveis categóricas e t de Student para duas amostras independentes para as variáveis contínuas. Para a tomada de decisão adoptou-se o nível de significância de 5%.

A importância das variáveis estudadas foi determinada através do modelo de regressão linear múltipla, método stepwise, com probabilidade de entrada de 5% e saída de 10%.

As validades interna e externa foram avaliadas pela percentagem de utentes das amostras de validação cujo perímetro abdominal medido se encontrava dentro do intervalo de confiança de 95% predito pelo modelo. As validades foram comparadas através do teste Symbol">c 2 para comparação de proporções.

RESULTADOS Análise Descritiva A primeira amostra, compreendendo os grupos para elaboração do modelo preditivo e validação interna, contabilizou um total de 493 utentes. As características desta amostra podem ser consultadas no Quadro_I.

Após a aleatorização destes utentes foram obtidos dois grupos: o primeiro, que teve como intuito a elaboração do modelo preditivo, foi composto por 329 elementos; o segundo, destinado à validação interna do modelo obtido, foi constituído por 164 utentes. As características destes dois grupos estão descritas no Quadro_II.

A amostra de modelação apresentou uma idade média de 58,4 ± 17,1 anos, com idades compreendidas entre os 20 e os 95 anos. Foi observada uma altura média de 161,7 ± 9,4cm com um mínimo de 135cm e um máximo de 185cm. Os elementos desta amostra tinham um peso médio de 72,0 ± 14,0kg variando entre os 40kg e os 126kg. O IMC médio foi de 27,6 ± 4,5kg/m2, com um mínimo de 17,8 kg/m2 e um máximo de 42,2kg/m2. A maioria dos participantes era do género feminino (66,3%).

A amostra de validação interna apresentou uma idade média de 56,2 ± 17,2 anos, com idades compreendidas entre os 20 e os 91 anos. Foi observada uma altura média de 162,5 ± 9,6cm com um mínimo de 144cm e um máximo de 187cm. Os elementos desta amostra tinham um peso médio de 71,4 ± 14,4kg variando entre os 40kg e os 119kg. O IMC médio foi de 27,0 ± 4,6kg/m2, com um mínimo de 16,2 kg/ m2 e um máximo de 44,0kg/m2. A maioria dos participantes era do género feminino (60,4%).

Não foram encontradas diferenças significativas entre as amostras de modelação e de validação interna pelo que estas foram consideradas homogéneas (Quadro II).

A segunda amostra, destinada à validação externa do modelo, foi constituída por 240 utentes. Esta apresentou uma idade média de 60,8 ± 14,7 anos, com idades compreendidas entre os 21 e os 93 anos. Foi observada uma altura média de 161,5 ± 8,5cm com um mínimo de 142cm e um máximo de 188cm. Os elementos desta amostra tinham um peso médio de 71,0 ± 13,8kg variando entre os 43kg e os 118kg. O IMC médio foi de 27,2 ± 4,7kg/m2, com um mínimo de 17,2 kg/m2 e um máximo de 42,7kg/m2. A maioria dos participantes era do género feminino (61,2%). A comparação com a amostra de modelação não revelou diferenças significativas (Quadro_III).

Modelo de Regressão Linear Foram introduzidas no modelo as variáveis idade, género, altura, massa corporal, PA e IMC. Exceptuando a variável massa corporal, todas as variáveis introduzidas no modelo foram significativas, tendo-se obtido o seguinte modelo preditivo do PA: PA = 2,019*IMC + 0,211*(Idade - 20) + 0,327*Altura - 1,951*Género - 21,031 em que Género é uma variável dicotómica que toma o valor 0 se masculino e 1 se feminino.

A variável massa corporal foi excluída do modelo por apresentar elevada colinearidade com as variáveis altura e IMC (Tolerância = 0,011; Factor de Inflação da Variância = 92,96).

Foram verificados os pressupostos teóricos de aplicabilidade do modelo (normalidade, homocedasticidade, inexistência de correlação serial, inexistência de multicolinearidade e ausência de observações influentes). O modelo mostrou ter um R2 de 0,772 e um erro-padrão de 5,71cm, como se descreve em maior detalhe no Quadro_IV. A variável mais importante para a determinação do PA foi o IMC com um R2 de 0,641 indicando que, por cada unidade de aumento do IMC, o PA aumenta em média 2,019cm. O modelo mostrou também que a variável altura é um preditor independente do PA, aumentando este 0,327cm por cada centímetro de altura. O modelo mostrou ainda que o PA aumenta com a idade, estimando um incremento de 0,211cm por cada ano. Por fim verificou-se que o género feminino apresenta em média um PA inferior ao do género masculino em cerca de 1,951cm.

Validades Interna e Externa A aplicação do modelo à amostra de validade interna mostrou que 152 casos (92,7%; IC95%: 88,7% - 96,7%) foram correctamente preditos pelo modelo. O mesmo modelo aplicado à amostra de validação externa previu correctamente o PA de 225 casos (93,8%; IC95%: 90,7% - 96,8%), não diferindo estas percentagens de forma significativa (Symbol">c 2Pearson(1) = 0,178; p = 0,67).

DISCUSSÃO Os resultados deste estudo mostraram que as variáveis IMC, género, idade e altura de um utente podem ser incluídas num modelo preditivo que permite estimar com precisão o seu PA.

Neste estudo o IMC foi a variável com maior influência na determinação do PA, ou seja, quanto maior o IMC do utente maior deverá ser o seu PA. Este resultado está de acordo com outros estudos que encontraram uma forte correlação entre o IMC e o PA.4,12,16 As correlações encontradas, tanto no nosso estudo como noutros anteriormente publicados, não são perfeitas, o que pode ser explicado, por um lado, por o IMC não representar apenas a massa gorda,3 por outro, por ser necessário ter em conta outras variáveis que influenciam o valor do PA.

Um aspecto interessante deste estudo foi o ter mostrado que a altura do utente tem influência no PA. De facto, é concebível que uma pessoa mais alta apresente um maior PA sem que este esteja, necessariamente, associado a maior obesidade visceral. Esta relação foi demonstrada por Heymsfield e colaboradores, ou seja, indivíduos mais altos apresentam perímetros abdominais superiores quando comparados com indivíduos com estaturas inferiores, e que esta relação se torna ainda mais evidente após ajustamento para outras variáveis.17 Schneider e colaboradores consideram que o estabelecimento de um ponto de corte para o PA sem ter em conta a altura do indivíduo pode subestimar a quantidade relativa de adiposidade abdominal em indivíduos de baixa estatura e sobrestimar nos indivíduos mais altos.7 Como solução para este problema, vários estudos têm apontado a determinação da razão entre o PA e a altura (waist-to-height ratio, WHtR) como um melhor indicador de risco cardiovascular que o IMC ou que o PA isoladamente.4,6,7,18 Este problema foi tido em conta nas normas de orientação clínica da ESC, que recomenda que a avaliação do PA tenha em atenção a altura do utente na determinação do risco cardiovascular.8 Neste estudo verificou-se que o género influencia o PA, isto é, para o mesmo IMC, altura e idade, um homem apresenta em média mais 1,951cm de PA. A existência desta diferença está de acordo com as recomendações da ESC8 que recomenda valores diferentes de PA consoante o género, devendo os utentes ser aconselhados a reduzir o seu peso caso o PA seja 102cm no género masculino ou 88cm no género feminino. No entanto, verifica-se que a diferença entre estes dois valores é de 14cm ao passo que no nosso modelo a diferença é de apenas cerca de 2cm. Uma possível explicação para esta discrepância relaciona-se com a inclusão da altura no modelo. De facto, o género masculino apresenta, em média, na idade adulta, uma altura superior ao género feminino, um efeito incluído no modelo proposto. Se tivermos como referência as curvas de crescimento da Direcção-Geral da Saúde,19 verificamos que o percentil 50 aos 20 anos no género masculino é 177cm para a estatura e 23,0kg/m2 para o IMC, ao passo que no género feminino é 163cm e 21,8kg/m2 respectivamente. Se estas diferenças de 14cm na estatura e de 1,2kg/m2 no IMC forem aplicadas no modelo verifica-se uma diferença média de PA de 2,019 * 1,2 + 0,327 * 14 = 7,0cm entre os dois géneros. Ou seja, em conjunto, as diferenças de altura, IMC e género representariam uma diferença média de 7,0 + 1,95 = 8,95cm. Estes resultados mostram que é mais difícil alcançar o objectivo preconizado pelas normas das ESC no género feminino no que diz respeito ao PA.

Os resultados deste estudo mostraram ainda que o PA tem tendência a aumentar com a idade, ou seja, utentes mais idosos apresentam tendencialmente maior PA.

De facto, de acordo com este modelo, o PA aumenta cerca de 1cm a cada 5 anos, relação esta que é independente do género, altura ou IMC do indivíduo. Assim, é de esperar que seja mais difícil atingir os objectivos para o PA no utente mais idoso. Esta relação ganha ainda maior importância se tivermos em conta que a própria idade é considerada um factor de risco independente para o risco cardiovascular. De acordo com as normas de ESC, o risco está aumentado no homem a partir dos 55 anos, e na mulher a partir dos 65 anos.8 Estes resultados parecem indicar a existência de um mecanismo subjacente que justifique o aumento concomitante do perímetro abdominal com a idade. Uma possível explicação para este fenómeno poderá estar relacionada com a sarcopenia associada à idade, ou seja, a redução da massa muscular esquelética que ocorre mesmo no idoso saudável.20,21 Este fenómeno parece ter natureza multifactorial, estando relacionado com alterações na enervação central e periférica, modificações hormonais e inflamatórias com efeitos catabólicos a nível muscular, e reduções na ingesta calórica e proteica, que se revelam mais pronunciados no género masculino.21 A diminuição da massa muscular esquelética induz uma diminuição da taxa metabólica basal, que no adulto jovem pode ser responsável por 60 a 80% do gasto energético diário.22 Apesar de ocorrer redução da ingesta calórica com a idade, esta é desproporcionada relativamente à perda muscular, resultando em aumento da massa gorda corporal22 onde se inclui o tecido adiposo visceral associado ao aumento do PA. Este mecanismo reforça a importância da modificação dos estilos de vida, nomeadamente uma alimentação correcta e prática regular de exercício físico, na redução do risco cardiovascular associado à idade.

De todas as variáveis com potencial influência no PA avaliadas neste estudo, a única passível de ser intervencionada é o IMC, através da modificação da massa corporal. Os resultados deste estudo mostraram que o conhecimento das características do utente pode ser utilizado para estimar o PA. O modelo mostrou ter excelente validade interna e externa, deixando antever a sua potencial aplicabilidade em contexto clínico através da individualização do plano terapêutico, mais concretamente no estabelecimento de metas de redução ponderal com vista a reduzir o risco cardiovascular.

Devem ser reconhecidas algumas limitações deste estudo. Trata-se de uma amostra de conveniência pelo que a generalização dos resultados deve ser feita com cautela. Optámos por uma amostra de conveniência por se tratar de uma primeira abordagem a esta linha de investigação em que tivemos a intenção de verificar se seria possível prever o PA com base no conhecimento de algumas características do utente. Reconhecemos também que o estudo não considerou outras variáveis com potencial explicativo do PA, como por exemplo a raça,8,17 estado de saúde17 ou o consumo de álcool. A variabilidade do modelo poderá ter sido influenciada pelos diferentes instrumentos de medida disponíveis em cada consultório médico bem como pela medição única das variáveis em estudo.

Em conclusão, este estudo mostrou que é possível prever o PA com base no conhecimento das características individuais do utente. A utilização deste tipo de modelos na prática clínica poderá facilitar o aconselhamento objectivo e individualizado e em última instância resultar numa melhor abordagem da redução ponderal e consequente redução do risco cardiovascular.


Download text