Tratamento da hipertensão acima dos 80 anos
CLUBE DE LEITURA
Tratamento da hipertensão acima dos 80 anos
Alexandra Machado
Interna de Medicina Geral e Familiar, USF Lagoa, ULS - Matosinhos
Beckett N, Peters R, Tuomilehto J, Swift C, Sever P, Potter J, et al; for the
HYVET Study Group. Immediate and late benefits of treating very elderly people
with hypertension: results from active treatment extension do Hypertension in
the Very Elderly randomised controlled trial. BMJ 2012 Jan 4; 344: d7541. doi:
10.1136/bmj.d7541.
Introdução
A hipertensão é um factor de risco de morbimortalidade nos doentes muito idoso.
No entanto, antes dos resultados do estudo HYVET (Hypertension in the Very
Elderly Trial), havia incerteza quanto aos riscos e benefícios associados ao
tratamento destes doentes com hipertensão. Este estudo foi suspenso devido à
clara evidência da redução na mortalidade com tratamento activo. Apesar de um
curto período de seguimento (média de 2,1 anos), a mortalidade global foi
reduzida em 21% (IC 95% 4-35%; p=0,019) e os eventos cardiovasculares
(mortalidade cardiovascular, enfarte do miocárdio não-fatal, acidente vascular
cerebral (AVC) não-fatal e insuficiência cardíaca não-fatal) em 34% (IC 95% 18-
47%; p<0,001). Não houve evidência de efeitos adversos do tratamento, nem
sinais de deterioração da função cognitiva ou aumento de fracturas.
A extensão do seguimento deste ensaio foi autorizada de forma a obter mais
informação acerca dos benefícios a curto prazo do tratamento da hipertensão
nesta faixa etária, assim como providenciar mais dados acerca da sua segurança.
Metodologia
O estudo HYVET consistiu no ensaio randomizado, duplo-cego e controlado com
placebo em 195 centros em 13 países da Europa Ocidental e Oriental, China,
Australásia e Tunísia.
Os participantes tinham idade igual ou superior a 80 anos e valores sustentados
de pressão arterial sistólica iguais ou superiores a 160 mmHg durante uma
primeira fase 2 meses sujeitos a toma de placebo. O ensaio foi suspenso devido
à significativa redução na mortalidade global dos participantes em tratamento
activo.
Foram convidados para uma extensão de 1 ano deste ensaio participantes
pertencentes aos ramos de tratamento activo ou placebo. No estudo HYVET os
passos do tratamento eram indapamida SR 1,5 mg (passo I), depois indapamida SR
mais perindopril 2 mg (passo II), e finalmente indapamida SR mais perindopril 4
mg (passo III) (ou os passos correspondentes com placebo). No início da
extensão do ensaio, todos os participantes foram reiniciados no passo I. A
titulação da medicação foi encorajada no sentido de atingir uma pressão
arterial sistólica alvo abaixo de 150 mmHg e pressão diastólica abaixo de 80
mmHg. Na extensão do ensaio foi permitido o uso adicional de outros agentes
antihipertensores caso o valor alvo de pressão arterial não tivesse sido
atingido.
Os outcomes avaliados foram todos os AVC (fatais e não-fatais, mas não
incluindo os AIT), mortalidade global, mortalidade cardiovascular e mortalidade
cardíaca. Os eventos foram classificados em cardiovasculares e não-
cardiovasculares. A mortalidade cardíaca incluiu enfarte do miocárdio fatal,
insuficiência cardíaca fatal e morte súbita. Os eventos cardiovasculares
consistiram na mortalidade cardiovascular, enfarte do miocárdio não-fatal, AVC
não-fatal e insuficiência cardíaca não-fatal.
Resultados
Participaram na extensão deste ensaio 1712 pessoas (91% dos participantes no
ensaio HYVET), com taxas de participação semelhantes para aqueles em tratamento
activo ou em placebo.
Comparando os participantes que entraram na extensão do ensaio com aqueles que
não entraram, os primeiros eram significativamente mais novos (1,5 anos), com
pressão arterial média e índice de massa corporal mais baixos e menor
prevalência de hipotensão ortostática, diabetes mellitus e tabagismo. A média
global de pressão arterial após 6 meses de tratamento foi de 146/76 mmHg, e a
maioria dos participantes necessitou da combinação de indapamida SR e
perindopril na dosagem de 2 ou 4 mg; o uso de medicação adicional foi
necessário numa pequena percentagem dos participantes (0,9%).
Após o reinício de todos os participantes ao passo I da medicação, não se
verificaram diferenças entre aqueles que estavam previamente em tratamento
activo ou em placebo relativamente à distribuição pelos vários passos da
medicação e à pressão arterial média atingida.
No decurso deste ano de ensaio, 47 participantes morreram (11 das mortes foram
consideradas de causa cardiovascular) e 44 saíram do seguimento.
Relativamente aos outcomes avaliados, não se verificaram diferenças entre
aqueles que estavam previamente em tratamento activo ou em placebo
relativamente a AVC, insuficiência cardíaca ou eventos cardiovasculares; já em
relação a mortalidade global e à mortalidade cardiovascular, foram
significativamente menores no grupo previamente em tratamento activo. As taxas
de AVC e mortalidade global foram mais baixas na extensão do HYVET do que
durante esse ensaio.
Não foram reportados efeitos adversos da medicação usada.
Discussão
A ausência de diferenças na incidência de insuficiência cardíaca e AVC entre os
participantes previamente em tratamento activo e aqueles em placebo sugere que
podem ser atingidos benefícios precoces com o tratamento e controlo da
hipertensão em muito idosos.
Mesmo neste grupo etário é apropriada a prevenção de eventos cardiovasculares
adversos, como forma de diminuição da morbilidade e manutenção da independência
e qualidade de vida. No estudo HYVET a maioria dos participantes não tinham
doença cardiovascular estabelecida, pelo que os resultados obtidos são
aplicáveis à prevenção de eventos cardiovasculares em pessoas livres de doença
cardiovascular, e reforçam a ideia de que idosos acima dos 80 anos de idade
devem ser regularmente rastreados tendo em vista o tratamento de pressão
arterial acima de 160 mmHg, uma vez que terão benefício na sua detecção
precoce.
Os resultados não esclarecem se valores mais reduzidos de pressão arterial
seriam mais eficazes neste grupo etário.
Dado que a taxa de eventos foi menor na extensão do que no ensaio HYVET, é
sublinhada é importância da terapêutica anti-hipertensora sustentada.
Como limitações este estudo apresenta a comparação entre os resultados do
ensaio HYVET e a sua extensão, sendo que os participantes num e noutro não
foram os mesmos, tendo sido excluídos aqueles que não se encontravam em estudo
duplo-cego, o que levou a que, no início da extensão do ensaio, os dois grupos
(previamente em tratamento activo e previamente em placebo) não fosse
equivalentes em relação aos valores de pressão arterial. O estudo teve uma
curta duração de seguimento e, dado o pequeno número de eventos observados,
deverá ser tomada caução nas conclusões dele retiradas.
Conclusão
Os resultados apoiam o tratamento anti-hipertensor de adultos acima dos 80 anos
de idade com pressão arterial acima dos 160 mmHg, que não apresentem défice
cognitivo ou sejam considerados frágeis. Será necessária mais investigação para
definir se a redução da pressão arterial abaixo de 150/80 mmHg nesta faixa
etária é benéfica.
Assim, são observáveis benefícios nesta prática no espaço de 12 meses na
redução de AVC e insuficiência cardíaca, com o uso de um regime terapêutico
específico (indapamida SR ± perindopril 2 ou 4 mg).
Comentário
Em Portugal a esperança média de vida é neste momento de cerca de 79 anos,1 o
que significa que que teremos uma faixa crescente da população acima dos 80
anos e a exigir cuidados médicos específicos.
Relativamente ao tratamento da hipertensão, particularmente em pessoas muito
idosas sem doença cardiovascular conhecida, é cada vez mais consistente a
evidência de que se obtém benefício a curto prazo em termos de comorbilidade e
qualidade de vida,2,3,4,5 embora ainda esteja por esclarecer qual o valor de
pressão arterial mínimo ao qual devemos estar atentos para evitar eventuais
eventos adversos da terapêutica anti-hipertensora. O National Institute for
Health and Clinical Excellence, na sua guideline de 2011 para a orientação do
tratamento da hipertensão em adultos, já tem em conta o estudo descrito e
preconiza o tratamento de adultos hipertensos acima dos 80 anos de idade, com
valores-alvo a atingir abaixo de 150/90 mmHg, e utilizando qualquer uma das
classes de anti-hipertensores (tendo em conta as eventuais comorbilidades).6
Também a European Society of Cardiology e a European Society of Hypertension
apresentam nas suas guidelines de 2007 indicações semelhantes, com o alerta de
que deverá ser efectuada a medição da pressão arterial em posição ortostática
pelo risco acrescido de hipotensão postural nos muito idosos.7
Esta extensão do ensaio HYVET veio confirmar aquilo que este já apontava.
É importante pensar que mesmo em doentes na sua década de final de vida os
benefícios do tratamento deste factor de risco cardiovascular podem fazer a
diferença mesmo num curto espaço de tempo, minimizando o aparecimento de novas,
e potencialmente graves, limitações e situações de dependência.