Anticoagulação oral nos muito idosos e seus determinantes clínicos
INTRODUÇÃO
A introdução da anticoagulação deve ser criteriosa, principalmente no idoso,
tendo em conta os riscos e os benefícios da terapêutica. As principais
indicações para anticoagulação oral são a presença de fibrilação auricular,
doença valvular cardíaca ou tromboembolismo venoso (embolia pulmonar ou
trombose venosa profunda).1,2 Para a profilaxia do tromboembolismo venoso,
apesar da heparina de baixo peso molecular ser a opção mais válida, a
anticoagulação oral pode ser considerada em diversas situações, nomeadamente
artroplastia da anca ou do joelho, cirurgia de correcção de uma fractura da
anca ou após um traumatismo major ou dano à medula espinal.2
No caso da fibrilação auricular, a escala CHA2DS2VASc ajuda a estratificar os
doentes consoante o seu risco trombótico, sendo recomendada a anticoagulação
sempre que a pontuação seja superior a um. Assim, dado que a idade acima de 74
anos é cotada nesta escala com dois pontos, qualquer idoso nesta faixa etária
com fibrilhação auricular terá indicação para ser anticoagulado.3 No entanto,
pesa também o risco hemorrágico, motivo de preocupação para o médico, o qual
depende essencialmente da intensidade da anticoagulação e das características
individuais do doente, nomeadamente da sua idade.2 Assim, a idade surge
simultaneamente como um factor de risco trombótico e hemorrágico.
Os antagonistas da vitamina K aumentam o risco de hemorragia major em 0,3 a
0,5% ao ano e aumentam o risco de hemorragia cerebral em cerca de 0,2% ao ano,
quando comparados com a ausência de tratamento anticoagulante.2 Alguns estudos
mostram um aumento do risco hemorrágico em idosos com mais de 80 anos. No
entanto, a intensidade da anticoagulação é um factor de risco mais importante
do que a própria idade.2 Para ajudar o clínico na difícil decisão de
anticoagular um doente, surgiram escalas de risco hemorrágico como o
HEMORR2HAGES2 ou, no caso da fibrilhação auricular, o HAS-BLED.4
A frequência da anticoagulação não está ainda bem caracterizada na literatura.
Um estudo finlandês, que envolveu 182091 habitantes, concluiu que a frequência
de anticoagulação era de 0,69% para a população estudada, subindo para os 4,38%
nos homens entre 75 e 79 anos e para 4,27% nas mulheres entre os 80 e 84 anos
de idade; a média de idade dos doentes anticoagulados foi de 69 anos e a
indicação mais frequente foi a fibrilação auricular (38%), seguida da trombose
venosa profunda (15%) e da embolia pulmonar (8%).5
Um estudo sueco retrospectivo integrou registos electrónicos de 75146
indivíduos, concluindo que a frequência de anticoagulação era de 0,67%, sendo
maior no homem (0,78%) do que na mulher (0,58%); a média de idades da população
anticoagulada foi de 72 anos; a faixa etária dos 75 aos 84 anos tinha uma
frequência de 4,54%. A principal indicação encontrada foi a fibrilação
auricular (41,6%), seguida da doença cerebrovascular (18,9%), trombose venosa
profunda (18,9%) e prótese valvular cardíaca (17,6%).6
Em Portugal não há estudos disponíveis nesta matéria, conhecendo-se apenas os
dados relativos às vendas de medicamentos fornecidos pelo Observatório do
Medicamento e Produtos de Saúde. Em Portugal Continental, no ano de 2003, foram
vendidas 3,53 doses diárias definidas por 1000 habitantes por dia de
antagonistas da vitamina K, sendo 0,55 doses de acenocumarol e 2,98 doses de
varfarina.7
OBJECTIVOS
O objectivo principal deste estudo foi determinar a frequência de
anticoagulação e estudar a sua associação com aspectos clínicos da população de
utentes com 80 ou mais anos de idade, inscritos na Unidade de Saúde Familiar
(USF) Saúde em Família, Maia, Portugal.
Foram definidos como objectivos secundários os seguintes: determinar quais os
anticoagulantes orais usados (varfarina ou acenocumarol); avaliar a presença de
contra-indicações para instituição de terapêutica anticoagulante (hepatopatia,
alcoolismo, alterações cognitivas, úlcera péptica, insuficiência renal,
perturbações hemorrágicas, tensão arterial não controlada); determinar os
fármacos antiagregantes usados; caracterizar o subgrupo de doentes com
fibrilação auricular quanto à pontuação nas escalas CHA2DS2VASc e HAS-BLED e
analisar a prescrição antitrombótica respectiva.
MÉTODOS
Foi realizado um estudo observacional analítico transversal, na população de
utentes inscritos na USF Saúde em Família (Agrupamento de Centros de Saúde
Grande Porto IV – Maia) no ano de 2011, com 80 ou mais anos de idade (N=609
utentes). Através da aplicação informática Random®, foi seleccionada uma
amostra aleatória simples de 266 utentes. Esta dimensão amostral foi calculada
com base na frequência de anticoagulação encontrada num estudo observacional
sueco, na faixa etária dos 75 aos 84 anos (4,54%),6 para um nível de
significância de 5% e erro amostral admitido de 2,5%.
Foi revisto o processo clínico electrónico de cada utente através do Sistema de
Apoio ao Médico (SAM) e recolhida informação relativa às seguintes variáveis:
idade, sexo, últimos valores de tensão arterial e de índice de massa corporal
(IMC), fibrilação auricular/flutter auricular (K78), embolia pulmonar ou
trombose venosa profunda (K93), prótese valvular mecânica (K83) e prótese de
anca ou joelho (A89), cardiopatia isquémica (K74, K76), enfarte agudo do
miocárdio (K75), insuficiência cardíaca (K77), hipertensão arterial (K86, K87),
acidente isquémico transitório (K89), acidente vascular cerebral (K90, K91),
doença arterial periférica (K92) e diabetes mellitus (T89, T90). A obesidade
foi considerada se registo de IMC superior a 30 kg/m2. As patologias em estudo
foram consideradas se estivessem registadas no campo dos «Problemas» ou nos
«Antecedentes» do processo clínico. A fibrilação auricular foi também
considerada se existisse registo da sua presença em electrocardiograma no campo
dos meios complementares de diagnóstico. Foi usada a Classificação
Internacional de Cuidados Primários – 2.a edição8 (ICPC-2) para registo das
patologias.
O utente foi considerado anticoagulado se tivesse prescrição prévia de
anticoagulantes orais (varfarina ou acenocumarol) no receituário electrónico
entre 2008 e 2011, ou se estivesse registada a sua condição de anticoagulado no
campo das «Observações» do processo clínico informatizado. Foi também registada
a prescrição de antiagregantes plaquetários (ácido acetilsalicílico,
clopidogrel, triflusal, ticlopidina ou dipiridamol).
Como contra-indicações para anticoagulação foram ainda pesquisadas no processo
clínico os seguintes diagnósticos: úlcera péptica (D86), doença hepática (D97),
alcoolismo (P15), alterações cognitivas (P28, P70, P85, N99), insuficiência
renal (U99) e perturbações hemorrágicas (A10, D14, D15, D16, F75, H05, R24,
U06).
No subgrupo dos doentes com fibrilação auricular as variáveis estudadas
permitiram ainda o cálculo da pontuação das escalas CHA2DS2VASc – escala de
risco trombótico que contempla insuficiência cardíaca, hipertensão arterial,
idade acima de 74 anos, diabetes mellitus, acidente vascular cerebral ou
acidente isquémico transitório prévios, doença vascular periférica, idade entre
65 e 74 anos, sexo feminino; e HAS-BLED – escala de risco hemorrágico que
contempla hipertensão arterial, idade acima de 64 anos, acidente vascular
cerebral prévio, perturbações hemorrágicas, alcoolismo, função renal ou
hepáticas anormais. O INR lábil e o uso de medicação concomitante entraram para
o cálculo desta pontuação como zero, visto não terem sido recolhidos esses
dados na amostra estudada.
A análise dos dados foi realizada com recurso ao programa informático Microsoft
Excel 2010®, sendo as variáveis categóricas apresentadas em número absoluto e
percentagem e as variáveis numéricas em média e desvio-padrão. A análise
bivariada foi efectuada com base nos testes estatísticos t de student para
comparação de variáveis contínuas, nomeadamente a idade, e Qui-quadrado e Teste
de Fisher para comparação de variáveis categóricas.
A realização deste estudo teve parecer favorável da Comissão de Ética para a
Saúde da Administração Regional da Saúde do Norte, tendo sido aprovado pelo
ACES Grande Porto IV – Maia e pelos elementos da USF Saúde em Família.
RESULTADOS
Foram avaliados os registos de 266 utentes, sendo que 238 (89,5%) eram
utilizadores da consulta, ou seja, tiveram pelo menos uma consulta presencial
com o seu médico de família desde a sua inscrição na USF Saúde em Família.
Os dados demográficos foram apurados em todos os utentes. Os valores de tensão
arterial foram apurados em apenas 201 utentes e os valores de IMC em 158
utentes. Os restantes utentes que não tinham estes registos não foram excluídos
do estudo, visto apresentarem dados relativos a todos os outros parâmetros. A
análise descritiva dos dados obtidos na amostra encontra-se apresentada no
Quadro_I.
A frequência de anticoagulação foi de 6,8% [IC95%: (3,7-9,8)] no total da
amostra e de 7,6% [IC95%: (4,2-10,9)] se considerados apenas os utilizadores da
consulta.
Foram identificados 77 (32,4%) doentes medicados com antiagregantes
plaquetários. No quadro_II encontram-se resumidas as frequências por fármacos
antitrombóticos usados, destacando-se a varfarina no grupo dos anticoagulantes
e o ácido acetilsalicílico nos antiagregantes.
Nos Quadros_III e IV encontram-se os resultados da análise dos factores
associados à anticoagulação. Destacam-se com valores estatisticamente
significativos os diagnósticos de fibrilação/flutter auricular, embolia
pulmonar, doença arterial periférica, insuficiência cardíaca e enfarte agudo do
miocárdio.
Estudou-se a relação entre anticoagulação e problemas de saúde que constituem
contra-indicações para a sua implementação. Os resultados encontram-se no
Quadro_V e nenhuma diferença apresentou significância estatística.
Dos 31 utentes com fibrilhação auricular, 14 (45,2%) estavam anticoagulados, 11
(35,5%) estavam antiagregados, três (9,7%) estavam anticoagulados e
antiagregados, e três (9,7%) não tinham terapêutica antitrombótica prescrita.
Foram calculados o risco trombótico e o risco hemorrágico pela pontuação das
escalas CHA2DS2VASc e HAS-BLED, respectivamente, para os utentes com fibrilação
auricular – Quadro_VI. Os três utentes com esta arritmia e sem qualquer
terapêutica antitrombótica apresentavam pontuações de risco trombótico entre
três e oito sendo que a respectiva pontuação na escala de risco hemorrágico foi
de um.
DISCUSSÃO
A frequência de anticoagulação por nós obtida situou-se nos 6,8% para o total
da amostra e nos 7,6% entre os utilizadores da consulta, valores superiores aos
encontrados noutros estudos – 4,5% num estudo sueco retrospectivo entre utentes
na faixa etária dos 75 aos 84 anos6 e 4,4% nos homens entre 75 e 79 anos e 4,3%
nas mulheres entre os 80 e 84 anos de idade de um estudo finlandês.5
Esta elevada frequência de anticoagulação obtida no nosso estudo pode em parte
dever-se à metodologia utilizada – foram considerados como anticoagulados os
indivíduos em cujo processo clínico constava a prescrição de um anticoagulante
oral em qualquer momento entre 2008 e 2011, pelo que poderão ter sido incluídos
utentes nos quais a anticoagulação tenha entretanto sido suspensa, nomeadamente
se houve desenvolvimento de novos factores de risco para hemorragia ou
interrupção da necessidade da mesma – frequente no caso da profilaxia de
tromboembolismo.
Por outro lado, reconhecemos que alguns utentes poderão estar anticoagulados e
não terem sido classificados como tal, na medida em que a anticoagulação pode
nunca ter sido prescrita ou registada pelo médico de família.
Os utentes do sexo masculino apresentaram maior frequência de anticoagulação
(9,2%) que os do sexo feminino (6,8%). Esta diferença não foi estatisticamente
significativa, o que poderá dever-se a um erro tipo II pois diferenças
efectivas entre os dois sexos foram observadas em dois outros estudos
suecos.6,9 O facto da fibrilação auricular ter sido o principal motivo de
hipocoagulação no presente estudo poderá explicar a maior frequência de
hipocoagulação no sexo masculino, pois esta patologia foi mais frequente em
homens (15,5%) que em mulheres (9,9%).
A modalidade de registo no SAM não nos permite afirmar taxativamente que
determinado factor constituiu o motivo da anticoagulação do utente, apenas o
podemos inferir a partir da sua coexistência, limitação igualmente inerente à
metodologia usada no estudo (estudo transversal). De referir ainda que a
indicação para anticoagulação «uso de prótese valvular cardíaca» não é passível
de codificação directa pelo ICPC-2. Assim sendo, utilizámos por aproximação o
código K83 – doença valvular cardíaca, que inclui outras alterações valvulares
que não necessariamente protésicas. Assim, a existência de válvula mecânica,
que neste estudo foi o motivo provável de anticoagulação de um utente, pode não
corresponder à indicação para o início desta terapêutica. Existem ainda outros
possíveis motivos para a realização de anticoagulação, como por exemplo a
existência de coagulopatias que optámos por não incluir no estudo, dada a sua
reduzida prevalência comparativamente às patologias estudadas e ao facto da sua
codificação não ser possível com recurso à ICPC-2.
A associação estatisticamente significativa entre anticoagulação e fibrilação/
flutter auricular e embolia pulmonar é concordante com a bibliografia: num
trabalho recente realizado nos Estados Unidos da América, a nível hospitalar, a
principal indicação para anticoagulação foi a fibrilação auricular (46%)
seguida do tromboembolismo (34%) e só depois a existência de uma válvula
mecânica (14%);11 num outro estudo realizado em França, também de cariz
hospitalar, mas já numa população seleccionada de indivíduos com 70 ou mais
anos, a principal indicação foi fibrilação auricular (69%) seguida do
tromboembolismo (28%);12 num estudo finlandês, a principal indicação foi
igualmente a existência de fibrilação auricular (38%) e a segunda indicação
mais frequente tratou-se da trombose venosa profunda (15%).5
Existem outros trabalhos que apresentam resultados diferentes: a indicação mais
comum num estudo realizado na Suécia foi o AVC9 e, num estudo escocês10, entre
os utentes anticoagulados de todas as idades seguidos pelo seu médico de
família, 34% iniciaram terapêutica anticoagulante por apresentar válvula
protésica; o tromboembolismo levou à anticoagulação de 13% dos utentes e a
fibrilação auricular foi a indicação para anticoagulação em apenas 9% dos
doentes.
No estudo finlandês já citado verificou-se que os motivos que levaram ao início
da terapêutica anticoagulante variaram consoante a idade, tendo os utentes mais
novos a trombose venosa profunda como principal indicação (utentes estes com
uma idade média de 65,8 anos). Por outro lado, sabe-se que a prevalência de
fibrilação auricular aumenta com a idade,3 o que pode explicar parcialmente a
existência de mais doentes anticoagulados por fibrilação auricular no nosso
estudo.
Dos 31 utentes com fibrilação auricular, 17 (54,8%) estão antiagregados, 14
(45,2%) estão antiacoagulados e três (9,7%) não têm terapêutica antitrombótica
prescrita. Admitimos que possa haver utentes classificados como não
anticoagulados/antiagregados e que podiam na realidade estar a realizar esta
terapêutica sem que tal se encontre assinalado no processo clínico, pelos
motivos já apresentados. No que diz respeito à antiagregação, acresce ainda o
facto de alguns destes fármacos não serem comparticipados, o que pode
contribuir para ausências de registo da sua prescrição.
Entre os utentes com fibrilação auricular, dois apresentam alterações
cognitivas e cinco apresentam valores tensionais iguais ou superiores a 140/90
mmHg. Estas condições podem eventualmente ter sido consideradas como contra-
indicação relativa à anticoagulação, pois estes utentes encontravam-se
antiagregados.
A idade avançada é por vezes apresentada como argumento para a utilização de
terapêutica antiagregante em detrimento da anticoagulante.12 No entanto, há
estudos que mostram que, com o avançar dos anos, a eficácia relativa da
primeira modalidade terapêutica para a prevenção de acidente vascular cerebral
diminui, mantendo-se inalterada para a segunda.3 Acresce ainda o facto de
alguns estudos, entre eles o estudo WASPO,13 realizado igualmente numa
população de 75 octogenários com fibrilação auricular, terem verificado um
maior número de eventos adversos (nomeadamente hemorragia grave) com o uso de
ácido acetilsalicílico (33%) comparativamente à varfarina (6%). De referir
ainda o estudo ACTIVE W,14 realizado numa população de 6706 utentes com mais de
74 anos com fibrilação auricular, que mostrou que o ramo da investigação com
terapia anticoagulante foi superior à combinação de clopidogrel e ácido
acetilsalicílico na prevenção de eventos vasculares, sem diferenças
estatisticamente significativas no que diz respeito a eventos hemorrágicos.
A escala CHA2DS2VASc ajuda a estratificar os doentes com fibrilação auricular
de acordo com o seu risco trombótico.3 Os utentes com esta arritmia incluídos
no nosso estudo, apenas pelo facto de apresentarem idade superior a 79 anos,
somam uma pontuação igual ou superior a dois, estando por isso recomendada a
instituição de anticoagulação.
Três participantes com fibrilação auricular não se encontravam sob qualquer
terapêutica antitrombótica. Estes utentes apresentavam pontuações no score
CHA2DS2VASc entre três e oito; a pontuação obtida por estes mesmos utentes na
escala HAS-BLED (escala de risco hemorrágico) é igual a um em todos eles.
Assim, de acordo com as mais recentes orientações sobre fibrilação auricular da
Sociedade Europeia de Cardiologia, mesmo estes utentes teriam eventualmente
indicação para realizar terapêutica anticoagulante. De referir, no entanto, que
a pontuação da escala HAS-BLED foi calculada sem ter em conta o uso
concomitante de outras medicações nem com os valores de INR lábeis, o que
poderia elevar esta pontuação. No entanto, o valor máximo que poderia ser
atingido, caso estes dois parâmetros não contemplados estivessem presentes,
seria de três, precisamente o limite a partir do qual se considera haver risco
hemorrágico e ser necessária uma vigilância mais apertada após a iniciação de
terapêutica antitrombótica, não contraindicando no entanto a sua instituição.3
De realçar que muitas vezes o doente individual não se enquadra nos parâmetros
definidos pelas orientações e por isso a ponderação entre o risco e o benefício
da melhor opção terapêutica para cada doente cabe ao seu médico, estando este
na posição privilegiada de conhecer o contexto específico de cada um dos seus
utentes. É necessário ter em conta as preferências do próprio utente e saber se
se encontram reunidas condições para um cumprimento adequado da terapêutica e
controlo do INR, factores que poderão igualmente ser a justificação para estes
três utentes não estarem anticoagulados ou para outros 17 com fibrilação
auricular estarem apenas antiagregados.
Para além das limitações já referidas, gostaríamos de salientar que, da amostra
seleccionada, apenas 238 indivíduos (89,5%) apresentavam registos no seu
processo clínico. Dada a idade avançada dos sujeitos estudados, alguns destes
utentes residem em lares, tendo acompanhamento médico nestas instituições, não
fazendo uso dos serviços prestados na USF. A razão pela qual estes utentes se
encontram institucionalizados pode eventualmente associar-se ao facto de
apresentarem maior número de comorbilidades, pelo que a prevalência de
determinadas patologias por nós apresentada pode estar subestimada, dada a
ausência de registos no processo clínico da USF. Além disso, mesmo entre os
utilizadores, admitimos que a codificação de patologias e o registo de
medicação antitrombótica em curso possam estar subestimados. Por fim, o facto
de o estudo ter sido conduzido apenas numa Unidade de Saúde pode limitar a
generalização dos resultados.
Em conclusão, a frequência de anticoagulação entre os utentes muito idosos
desta unidade de saúde é elevada. A fibrilação auricular é o motivo provável da
anticoagulação da maioria dos utentes. Grande parte dos indivíduos com esta
arritmia encontrava-se sob terapêutica antitrombótica, mas a percentagem de
utentes anticoagulados foi menor do que a esperada, de acordo com a ponderação
das pontuações de risco trombótico e hemorrágico. A existência de alterações
cognitivas, mau controlo tensional ou a própria preferência do utente podem ter
contribuído para esse facto.
Com o aumento progressivo da esperança média de vida e consequente aumento do
número de utentes a cargo do médico de família com indicação para
anticoagulação, é recomendável a elaboração de estratégias para uma abordagem
sistematizada ao tratamento anticoagulante, maximizando a adesão às orientações
de anticoagulação pelos prestadores de Cuidados de Saúde Primários, sem nunca
esquecer o dever de adequação de qualquer procedimento às necessidades do
utente individual.
No futuro, a introdução de novos fármacos anticoagulantes no mercado, com
diferente perfil de segurança, comodidade e eficácia poderá substituir o
arsenal medicamentoso actualmente disponível e revolucionar esta área
terapêutica.