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EuPTCVHe2182-51732012000300010

EuPTCVHe2182-51732012000300010

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN2182-5173
Year2012
Issue0003
Article number00010

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A comunicação na consulta: Uma proposta prática para o seu aperfeiçoamento contínuo

Introdução Etimologicamente, a palavra comunicar deriva do latim comunicare que significa «partilhar alguma coisa com alguém», «pôr em comum», «tornar comum».1 As competências de comunicação interpessoal são basilares em toda a prática clínica, em especial nas especialidades intensamente relacionais, como é o caso da Medicina Geral e Familiar (MGF). É através da comunicação que se exploram e valorizam sintomas, emoções, sentimentos e preocupações, que se identificam e modelam expectativas, que se dão explicações, que se lida com motivações, que se acordam planos terapêuticos, isto é, que se constrói um clima terapêutico e uma relação profissional de ajuda. Relação e comunicação são entidades distintas mas indissociáveis, sendo que a relação se constrói e manifesta, em grande parte, pela comunicação.

Neste trabalho os autores procuraram distinguir e isolar, tanto quanto possível, o processo comunicacional dos aspectos relacionais e das fases, passos e conteúdo das consultas.

A comunicação é um processo complexo que se concretiza por uma trama de comportamentos verbais e não verbais, num dado contexto. Segundo Watzlawick e Bateson, todo o comportamento é uma forma de comunicação.2-4 Médico, doente e contexto são componentes indissociáveis que determinam o processo e os resultados da comunicação. Para os fins pretendidos, este artigo focaliza-se nas competências e nos comportamentos de comunicação do médico, os quais, sendo basicamente inatos, podem ser treinados e continuamente aperfeiçoados. As fragilidades e os percalços da comunicação interpessoal médico-doente são tantos e tão variados que os médicos não podem ficar-se pelo inato. Por isso, o treino sistemático e contínuo destas competências deve integrar a formação de todos os médicos.5-7 Na bibliografia seleccionada abundam as afirmações sobre a importância da comunicação médico-doente para obter bons resultados em saúde.8-11 Porém, a investigação sobre a efectividade da comunicação é relativamente escassa, uma vez que é difícil medir os resultados decorrentes do processo de comunicação em si mesmo.12 No entanto, os autores são unânimes a presumirem que a comunicação tem consequências no resultado dos cuidados, incluindo na redução da má-prática e da conflitualidade na consulta e nos serviços de saúde.9,13 Na bibliografia sobre comunicação médico-doente é frequente os textos amalgamarem aspectos tão diversos como: estrutura e duração da consulta; processo decisional; relação médico-doente; e estratégias de envolvimento, entre outros. Várias escalas e grelhas de avaliação da consulta ou entrevista clínica em MGF como, por exemplo, as de Pendleton e a MAAS-Global, entre outras, embora úteis, misturam aspectos distintos, tais como: estruturação da consulta; competências comunicacionais; competências relacionais; competências técnico-clínicas (inclui colheita da história clínica); processos de raciocínio e de decisão; competências transacionais; competências de apoio à mudança comportamental; e registos clínicos, entre outros.14-16 Os autores estão conscientes da complexidade da consulta e da estreita interligação de todos os aspectos e processos atrás enunciados. Mesmo assim, procuraram dissecar e isolar, tanto quanto possível, a componente comunicacional da consulta e as competências práticas que ela envolve.

Em Portugal, no âmbito dos cuidados de saúde primários e da MGF, é justo destacar os artigos pioneiros de João Gabriel Rodrigues e de Pedro Oliveira e Silva, publicados na Revista Portuguesa de Clínica Geral, e a obra basilar de José Mendes Nunes.17-22 Em termos de investigação, é de assinalar o projecto de investigação em curso sobre «Comunicação em Cuidados de Saúde Primários na prática da Medicina Geral e Familiar e na prática da Farmácia Comunitária», envolvendo investigadores da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa e da Coordenação do Internato de MGF da Zona Sul.

A comunicação, a relação médico-doente e o processo de consulta estão intimamente interrelacionados. Porém, é útil individualizar e distinguir estas entidades, para melhor estabelecer modelos e métodos de treino das respectivas competências. Por isso, os autores procuraram encontrar uma forma prática e simples de treinar competências comunicacionais, decompondo-as em comportamentos passíveis de ser observados, consciencializados, modificados e aperfeiçoados no seu dia-a-dia profissional.

Processo Os autores adoptaram o ciclo observacional reflexivo ilustrado na Figura_1.

Este ciclo combina a prática reflexiva com o estudo de literatura e de notas de cursos sobre comunicação. A reiteração deste percurso estruturado permitiu aos autores identificar problemas e dificuldades na comunicação durante as suas consultas de MGF em 2009 e 2010. A obra e os ensinamentos de José Mendes Nunes, designadamente o livro Comunicação em Contexto Clínico, constituíram o alicerce básico deste trabalho.21 Partindo deste alicerce, os autores procederam a uma pesquisa e selecção bibliográfica utilizando como critério-guia o da demonstração de associações entre comportamentos e estilos de comunicação e resultados medidos em termos de satisfação dos doentes, de adesão aos planos terapêuticos, de prevenção e controlo de doenças ou de seus factores de risco, ou de resolução de problemas de saúde.

A prática durante as consultas, a análise de videogravações, a reflexão e discussão entre si e com outros observadores médicos permitiram a focalização progressiva em competências de comunicação e sua decomposição em comportamentos elementares. O passo seguinte foi o de sintetizar as referidas habilidades comportamentais em «artes», sistematizando-as de modo a conferirem suficiente sentido, coerência e elegância ao modelo teórico-prático em construção.

A escolha da palavra «artes» deveu-se a três razões: a) à influência inspiradora de Robert Henri, para quem «arte» é «quando expressamos com empenho, cuidado e imaginação o vibrar do nosso viver em relação com os outros e com o mundo. Seja pela beleza de uma voz, de uma pintura, da palavra, de um acto profissional…»;23 b) ao significado da palavra enquanto «aplicação do saber à obtenção de resultados práticos, sobretudo quando aliado ao engenho»;1 c) à tradição milenar que integra ciência e arte no espírito e na prática da Medicina.

O teste, re-teste, reflexão e discussão em sucessivas ocasiões proporcionaram a descoberta de novos aspectos e detalhes que levaram ao reajustamento do modelo, o qual permanece aberto a um aperfeiçoamento contínuo (Figura_1).

Modelo proposto O percurso reiterado do ciclo representado na Figura_1, em ocasiões diversas ao longo de 2009 e 2010, permitiu identificar 55 atitudes e comportamentos, os quais foram agrupados tendo em conta as suas afinidades funcionais no processo da comunicação. Dessa sistematização decorreram as artes descritas na Figura_2 e no Quadro_I.

Os pilares centrais da comunicação médico-doente Todas as «artes» individualizadas e descritas neste artigo podem considerar-se essenciais na comunicação médico-doente. Porém, quatro delas parecem funcionar como pilares centrais para a efectividade de todo o processo. São elas: ouvir; perguntar, imaginar-se no lugar do outro e confirmar e reformular.

Interpelar, ouvir, perguntar, ouvir a resposta, imaginar-se o outro, interpretar, partilhar as interpretações, voltar a perguntar para confirmar a sintonia de entendimentos, voltar a ouvir, reformular, devolver o resultado desse processo, e assim sucessivamente, formam como que um núcleo ou core central, um coração, que anima a vida de todo o processo da comunicação (Figura 2).

Saberes e capacidades essenciais O Quadro_I sistematiza o modelo proposto pelos autores para treinar capacidades de comunicação na consulta.

1. Arte de começar A arte de começar focaliza-se no reconhecimento do doente e da sua singularidade humana. Este reconhecimento, quer visual, quer simbólico (tratar pelo nome, utilizar um título profissional) é uma necessidade humana básica.

Por isso, pode ser tão importante utilizar o nome pelo qual o doente gosta de ser tratado, olhar directamente, sorrir, apertar a mão, quando e onde este gesto seja socialmente aceite e desejável. O contacto visual, juntamente com a expressão facial e o contacto físico, são determinantes para garantir um bom começo da comunicação. Alguns estudos mostram que estes «primeiros segundos» podem determinar o tipo de comunicação e o resultado final da consulta.12,20,22 2. Arte de olhar/ver e «ler» A observação clínica começa desde o primeiro segundo. Tal requer uma quietude atenta à linguagem não verbal (linguagem do corpo: aparência, postura, gestos, expressão facial) e à linguagem para-verbal (timbre, entoação, ritmo, vocalizações não verbais). Estas linguagens podem dizer muito sem recurso às palavras e podem modelar, confirmar ou contradizer o significado formal destas.

São muitas vezes os elementos visuais que contribuem para formar uma primeira impressão de uma pessoa, naquele momento, seja ela «certa» ou «errada». Desta forma, se estivermos atentos às várias linguagens do doente, reduzimos a possibilidade de perda de informação.24-26 3. Arte de ouvir Todos necessitamos de ser escutados e compreendidos e, sentindo-nos escutados, temos menos necessidade de «falar, falar, falar» para prender a atenção do outro e ficamos mais disponíveis para depois o escutar.

A escuta activa e reflexiva, sem juízos de valor, leva a que o doente sinta que existe interesse genuíno no que ele está a dizer e que tem espaço para exprimir os seus sentimentos, angústias, inquietações, dúvidas e dificuldades. Vários estudos demonstraram que, se o doente se sentir ouvido, o seu grau de satisfação com a consulta aumenta.9, 25, 27-29 O tempo médio que alguns autores mediram em cuidados de saúde primários ao fim do qual os médicos interrompem o discurso inicial dos doentes foi de 18 a 23,1 segundos. E, quando o médico não interrompe, a exposição inicial do doente não ultrapassa a duração média de 30 segundos. O que significa que para poupar 7-12 segundos no início da consulta o médico pode estar a prejudicar a eficácia da comunicação e a aumentar, no final da consulta, o « agora» que pode fazer voltar a consulta ao início.20, 21, 27, 30-32 Além disso, respeitar os silêncios que surgem naturalmente durante a consulta, sem tentar preenchê-los imediatamente, pode constituir uma oportunidade para o doente reorganizar a sua agenda, formular e colocar dúvidas e para o médico identificar aspectos que ficaram por esclarecer, reequacionar as hipóteses diagnósticas, etc.

4. Arte de conduzir a comunicação Conduzir significa «mover-se com» e exige um processo cibernético, que pressupõe atenção, acção e retroacção. Esta pode ser positiva (sinais de incitamento à continuação da comunicação) ou negativa (interrupção). Conduzir a comunicação implica buscar um equilíbrio sensato entre deixar o doente falar à vontade e interrompê-lo para influenciar o curso da comunicação. Esta interrupção, quando feita, deve sê-lo no sentido do enfoque nos objectivos essenciais da consulta. O preconceito de que, em geral, os doentes «falam muito» associado à impaciência e à pressa do médico leva este, frequentemente, a interromper inadequadamente o doente. Com este comportamento pode perder informações preciosas e causar o insucesso da consulta. Assim, a interrupção deve ser a excepção, nunca a regra. Vários estudos têm evidenciado este comportamento impulsivo descrito a propósito da «arte de ouvir». De igual modo, é indispensável saber detectar quando o doente está a divagar e a perder- se em elementos e factos acessórios e, de forma serena, afável e firme, resumir o essencial e reenfocar a atenção nos problemas que parecem ser a fonte de preocupações e angústias do doente. Logo a seguir, é indispensável fazer perguntas adequadas para reorientar o doente na exposição da sua situação e problemas, bem como das suas crenças, explicações, receios e expectativas.

Neste processo são úteis o parafrasear e a técnica do assinalamento.

Parafrasear consiste em utilizar as mesmas palavras e expressões ou termos idênticos aos que o doente usou para sublinhar ideias essenciais ou pontos críticos, o que por um lado valida que o médico ouviu atentamente o paciente e, por outro lado, pode ajudar a conduzir a consulta. A técnica de assinalamento corresponde a um feedback que põe em evidência ou mostra ao doente emoções ou comportamentos que este expressou, abrindo oportunidades ao aprofundamento das motivações, dos conflitos e das áreas de tensão psicossocial.

5. Arte de perguntar Saber perguntar é um dos pilares centrais da comunicação. Sem perguntar, não é possível conhecer nem compreender o doente nem os seus problemas de saúde e respectivas circunstâncias e determinantes. Perguntar pela «agenda» completa do doente, logo no início da consulta, poupa tempo e aumenta a efectividade.32 Por outro lado, é da sabedoria popular que «perguntar não ofende» e «faz pensar».

Mas, saber perguntar é uma das artes mais difíceis e está intimamente ligada ao saber calar, ao saber ouvir, ao saber reformular e... ao abster-se de induzir o que se quer ouvir, de julgar ou de censurar. É um exercício de inteligência, de perspicácia, de humildade, de auto-disciplina e de respeito pelo doente. Entre as capacidades que integram esta arte incluem-se o saber fazer perguntas abertas sem induzir a resposta, o saber perguntar oferecendo opções claras para ajudar o doente a responder (exemplos: dor como se fosse um aperto constante ou uma pontada, ou uma moinha, ou uma dor que vai e volta). Por vezes é adequado responder ao doente com uma pergunta, sobretudo quando houver indícios que a pergunta do doente tem um medo ou uma preocupação subjacente («porque é que me pergunta isso?»). De igual modo, é crucial pedir feedback ao doente sobre o que está a apreender da comunicação, sobre a clareza da explicação, se o que é proposto faz sentido, se é claro, se é exequível para ele, entre outros aspectos. Perguntar e compreender vão a par-e-passo no processo de comunicação.

6. Arte de se imaginar no lugar do outro A compreensão ou a aproximação à compreensão dos pontos de vista e do modo de ver do doente requerem ainda outras competências além do saber perguntar. Um obstáculo major à comunicação é a ausência de compreensão. Por isso, é tão importante a atitude/comportamento da empatia. Isto é, o procurar ver-se mentalmente na situação do doente e, se possível, transmitir ao doente, de vários modos, esta atitude. Um modo de o conseguir é, por exemplo, colocando a si próprio perguntas como: se eu estivesse nesta situação, como reagiria? o que sentiria? o que pensaria? como gostaria de ser compreendido? o que gostaria que me fizessem/ou que não fizessem? o que faria? E, sempre que apropriado, comunicar ao doente, com sinceridade, o resultado deste processo reflexivo imagético.

7. Arte de sintonizar Para que ocorra comunicação é necessário que o médico e o doente emitam e recebam no mesmo «comprimento de onda» as mensagens que trocam entre si. Isto é, que descodifiquem do mesmo modo as palavras e as expressões que usam. Sendo o médico o profissional, é a ele que cabe assegurar-se que esta sintonia existe. Para isso, tal como foi referido, o médico deve manter-se atento ao doente e à comunicação com ele, ponderar cada palavra que usa e qual o significado que ela possa ter para o doente. De igual modo, deve assegurar-se que compreende os significados das palavras e das expressões que o doente utiliza.

É crucial que exista esse entendimento comum do significado das mensagens trocadas entre médico e doente. Pedro Oliveira e Silvarefere a palavra harmonia para ilustrar esta arte, a qual envolve a genuína demonstração de autenticidade e interesse pelo outro.20 8. Arte de confirmar e reformular Reformular, isto é, dizer de outro modo, devolver uma ideia sob outra forma, é crucial para confirmar e para mostrar que se compreendeu o doente e o que ele nos quis transmitir. Também pode ajudar o doente a organizar e a afinar as suas mensagens e o seu pensamento e pode, ainda, servir para lhe propor outras perspectivas, outros pontos de vista e modos de ver os problemas ou situações que estão a ser abordados. É uma competência bastante sofisticada. Requer muita atenção, sensibilidade, bom senso e prudência. Pode, por exemplo, começar com: «Se bem entendi, o senhor receia que...» ou «Pelo que me conta, depreendo que... Estarei certo?» ou ainda «Parece-me ter compreendido a sua situação e o motivo porque está tão preocupado, mas também é possível considerar esse problema de outros pontos de vista. Por exemplo...».

Para reformular adequadamente são indispensáveis: escuta atenta e activa, perguntas oportunas e pertinentes, acompanhamento atento de todos os sinais e mensagens, com feedback frequente, quer afectivo (expressão facial, sons de assentimento, sorriso afectuoso), quer cognitivo, recorrendo a resumos sucintos. Esta arte é, assim, um dos pré-requisitos para sintonizar a comunicação e para a levar a bom termo.

9. Arte de explicar Em geral, o doente procura e espera explicações ou pretende testar ou confirmar as suas próprias explicações. Espera respostas claras e compreensíveis, que façam sentido para si, a perguntas como: «Que doença é esta?»; «Porque é que me aconteceu a mim?»; «Porquê agora?»; «Que me vai acontecer a seguir?»; «Que perigos corro?»; «O que é possível fazer?».

Por sua vez o médico deve explorar as explicações do próprio doente com perguntas como «A que atribui esse sintoma?». Na fase em que propõe a sua explicação científica, deve escolher e usar palavras, frases e expressões claras, simples e precisas, tendo em conta o nível de instrução e de literacia em saúde de cada doente concreto. Deve evitar o hermetismo técnico e explicações complexas, que são habitualmente confusas, e socorrer-se de imagens, de analogias e de metáforas que ajudem nas explicações a dar.

10. Arte de resumir Numa consulta abordam-se com frequência situações complexas, algumas vezes confusas, com emaranhados de factores e de problemas. O próprio doente vivencia por vezes uma amálgama ameaçadora de sintomas, de representações, de medos, de sofrimento mal definido, com os quais tem dificuldade em lidar. Por isso é útil, para ambas as partes, elaborar pequenos resumos, simples e claros, ao longo da comunicação e da consulta: resumir os motivos de consulta, antes de passar à exploração; resumir os dados essenciais da exploração subjectiva e do exame objectivo; resumir a avaliação o «diagnóstico» é, em si, um hiper- resumo, por vezes demasiado simplificador, mas quase sempre tecnicamente útil.

Finalmente deve resumir-se o plano, objectivos e acções acordados e, quando possível, fornecer por escrito esse plano. Isto pode facilmente ser feito, actualmente, através de «copy e paste» ou da impressão direta da componente «P» do SOAP do registo da consulta na aplicação informática.

11. Arte do acordo O doente faz o que quer e/ou se compromete a fazer. As decisões terapêuticas devem, por isso, ser partilhadas e traduzir-se em actos e objectivos realistas e exequíveis nos contextos socio-familiar, cultural, económico e ocupacional de cada doente. Daí a necessidade de o médico desenvolver competências «negociais» ou «transacionais» que requerem competências de comunicação muito apuradas. Dar indicações, ordens, proibir, ou simplesmente aconselhar sem atender aos universos interior e exterior do doente são actos potencialmente condenados ao fracasso.

A arte de chegar a acordo e a compromissos requer assertividade e contribui para que a probabilidade de adesão aos planos terapêuticos e de obtenção de resultados aumente consideravelmente.9,33,34 Para se atingir acordo e compromisso é indispensável: identificar e propor acções adequadas e viáveis, acolher e respeitar as preferências e condicionalismos do doente, propor alternativas aceitáveis para ambos, chegar a entendimentos comuns e acordar acções e objectivos SMART (específicos, mensuráveis ou avaliáveis, relevantes e atingíveis num prazo definido).

12. Arte de concluir Saber começar, saber conduzir e saber concluir são três «chaves-mestras» que enquadram um episódio de comunicação. A arte de concluir implica, por exemplo, resumir sucintamente o que se passou, confirmar que se compreendeu o doente e que este compreendeu o médico e que as principais expectativas e objectivos de ambos foram atingidos. Também é importante dar oportunidade para algum feedback espontâneo do doente sobre como vivenciou a consulta para, finalmente, encerrar cordialmente a consulta e a comunicação.

Aplicação prática Um dos objectivos dos estágios de MGF no internato médico é o do treino e aperfeiçoamento das competências comunicacionais, quer dos internos, quer dos orientadores.

O modelo descrito foi construído para dar resposta à necessidade sentida pelos autores de delinear um quadro de capacidades práticas, traduzíveis por comportamentos observáveis e susceptíveis de serem treinados e avaliados criticamente. Esta avaliação pode ser feita pelo próprio (auto-avaliação), por um observador externo ou diferida com recurso a videogravação.

As capacidades ou habilidades identificadas podem ser vistas como peças de «Lego» que podem combinar-se de múltiplas formas, para compor cada momento e fase do processo de comunicação. Se tomarmos consciência delas e do modo como as executamos podemos aperfeiçoá-las. Este é o ponto-chave do modelo proposto.

Porém, os autores têm consciência e advertem que o processo total de comunicação é muito mais que a simples soma dos gestos, comportamentos e artes parcelares identificados. O seu sucesso depende, essencialmente, da preocupação com o outro e do interesse e da motivação para comunicar bem.


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