A empatia na intersubjectividade da relação clínica
Definindo empatia
Segundo Coulehon et al. a empatia é a «capacidade de perceber a situação,
perspectiva e sentimentos do doente e comunicar-lhe essa compreensão».1 Uma
questão central prende-se com o papel da compreensão neste conceito,
encontrando-se autores que inferem que esta significa sentir2 o mesmo que o
doente e outros que defendem que a empatia poderá constituir uma técnica
perfeitamente objectiva e neutral.3 Daqui decorrem também três aspectos a
distinguir no plano da compreensão clínica:
1) Qual o grau de envolvimento emocional necessário a essa compreensão?
O psiquiatra Harry Wilmer enfatiza que «se há empatia, há entendimento
verdadeiro do outro enquanto pessoa.»5 Assim, ao ser empático usamos o próprio
enquanto instrumento de compreensão, conseguindo ao mesmo tempo manter a
identidade. Para ser empático é necessário, pois, encontrar um ponto de
equilíbrio entre o contágio emocional, num extremo, e a sobreintelectualização,
no outro. De notar que a empatia não se opõe à objectividade, é antes uma
«forma de conhecimento relacional» (Ellen S. More).6
2) Qual o papel da subjectividade do médico?
Uma compreensão adequada exige uma análise crítica por parte do médico em
relação a si mesmo e às suas atitudes, emoções, expectativas e vieses.4 No
fundo, trata-se de atender ao princípio socrático: «conhece-te a ti mesmo». Não
é, pois, desejável – nem possível – uma subtracção das características do
médico na complexa equação da relação empática. Pelo contrário, esse auto-
conhecimento reforçará as competências de compreensão tão necessárias à
empatia, mantendo a independência do juízo clínico.
3) Qual o envolvimento da moralidade?
Entendida na esfera da moral, a empatia é, simultaneamente, atitude e
instrumento para colocar boa intenção na prática médica.4 É compreender o
doente e torná-lo consciente dessa compreensão com a intenção de, no seu melhor
interesse, colher a sua história e traçar um plano diagnóstico/terapêutico
conseguindo da parte do doente melhor informação e adesão.
Empatia e Simpatia: dois conceitos distintos
Regressando às raízes etimológicas do Grego, simpatia, derivada de sympatheia,
no seu sentido literal, significa sofrer pelo outro e empatia, com origem em
empatheia, significa sofrer por dentro. Apesar dos significados terem evoluído
com o tempo, a distinção nuclear está patente desde a Antiguidade. Actualmente,
entende-se por simpatia a partilha da emoção expressa pelo outro, que também
pode ocorrer na relação médico-doente, quando o clínico partilha das
preocupações ou esperanças do doente. No entanto, no contexto da relação
clínica, a simpatia é claramente inapropriada, podendo afectar o julgamento
clínico.3 Com efeito, a simpatia, ao radicar-se no terreno da emoção e
compaixão, furta-se à exigência de compreensão inerente e absolutamente
necessária ao conceito de empatia.
Por outro lado, de forma cada vez mais consistente, o conceito de empatia é
encontrado em documentos oficiais de associações e colégios médicos. No
documento Skills for Health, criado em conjunto pela OMS (Organização Mundial
de Saúde), UNICEF, UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura), Banco Mundial e Fundo das Nações Unidas para a População
(UNFPA), a empatia é definida como a capacidade de ouvir e compreender as
necessidades e circunstâncias do outro, expressando essa mesma compreensão. É
dado particular destaque à importância do treino da empatia pelos estudantes de
medicina, quer através da discussão, quer através do método de role play.7
Outro exemplo é encontrado na opinião publicada pelo Comité de Ética do Colégio
Americano de Ginecologistas e Obstetras (ACOG) sobre a empatia no cuidado da
mulher, onde se enfatiza que a empatia é tão importante para a boa prática
clínica como outras competências técnicas.8
Os clínicos devem ser empáticos?
Num estudo publicado em Janeiro de 2011 no Journal of the American Board of
Family Medicine, envolvendo 40 médicos especialistas em Medicina Geral e
Familiar e procedendo-se à gravação das consultas e à aplicação de dois
questionários aos doentes no final das mesmas com perguntas relacionadas com a
sua satisfação e autonomia, conseguiu estudar-se mais aprofundadamente aquilo
que facilmente se intui.9 As conclusões principais foram duas: o recurso à
empatia associou-se a uma maior satisfação e autonomia por parte dos doentes, o
que em potência representa uma melhor adesão terapêutica e motivação para a
mudança de comportamentos. De notar que a empatia, recorrendo, entre outras
técnicas, à utilização de frases reflexivas, resultou num maior suporte e
autonomia percepcionados pelos doentes. A título de exemplo, se um médico
pergunta: «está desapontado por não ter perdido peso?», o doente responderá,
provavelmente, com um «sim» e, a partir deste ponto, terá de ser o médico a
retomar a conversação; por outro lado, se o médico afirmar: «é de facto difícil
perder peso…», o doente terá a oportunidade de comentar esta frase, o que lhe
confere mais autonomia e confiança.
É importante ressalvar que a relação empática resulta positivamente, não só
para o doente, mas também para o médico, conduzindo a um maior sentido de
realização profissional, menores níveis de stress, menor taxa de erros,
facilitando ainda a comunicação com doentes à partida mais difíceis.9
A empatia não significa colocar-se no «lugar» do doente, aliás importa realçar
que, de facto, a compreensão e comunicação dessa compreensão por parte do
clínico não implicam que este último experimente ou alguma vez tenha
experienciado os mesmos sentimentos que o doente. Não obstante, não sendo uma
aptidão clínica inata, a empatia exige treino e esforço para não se cair na
prática da simpatia ou do paternalismo. Desde logo, a empatia requer do médico
concentração, dependendo de dois elementos não verbais que o clínico deve
treinar: por um lado, a descodificação da linguagem não verbal do doente e, por
outro, a expressividade, codificando, por assim dizer, de um modo não verbal as
suas próprias emoções.9
No contexto da entrevista clínica, algumas das estratégias para a comunicação
empática passam pelo recurso a frases e questões abertas (por exemplo, «Conte--
me um pouco mais sobre isso…» ou «Como se sente em relação a isso?»), bem como
expressões que validem os sentimentos do doente e lhe abram uma possibilidade
de continuidade discursiva («Compreendo que esta situação está a ser muito
difícil para si»).8 É importante recordar que as pausas no discurso, a escuta
terapêutica e a oferta de suporte se constituem também como fulcrais para a
empatia na relação clínica. Assim, barreiras à empatia tantas vezes presentes,
como um local inadequado para a consulta, pouca disponibilidade de tempo ou
linguagem contendo muitos termos técnicos, deverão ser prontamente
identificadas e evitadas.3
Ilações finais
No encontro de subjectividades que é o terreno da relação clínica, a empatia,
na sua definição essencial, funda-se sobre dois alicerces fundamentais: um
deles é a compreensão, por parte do médico, do doente, suas emoções, vivências,
dúvidas e medos, o que corresponde a um processo que, sendo intrapsíquico, não
é observável; o outro, a dimensão observável da empatia, refere-se à capacidade
do médico reflectir e expressar essa mesma compreensão ao doente.
Quer a nível semântico quer prático, por vezes é erroneamente assumida a
existência de sinonímia entre empatia e simpatia. Interessa, portanto, marcar
com clareza a distinção entre os dois conceitos: na simpatia, existe a partilha
de um sentimento; não obstante, tal partilha não obriga ao esforço da
compreensão nem à comunicação dessa mesma compreensão, aspectos que definem de
modo fundamental a empatia.
Com efeito, a empatia constitui um instrumento e atitude basilares para o
modelo de entrevista clínica centrada no doente. Uma entrevista aberta em que
se faça uso de comunicação empática permite um conhecimento mais aprofundado
por parte do médico de todo o espectro de factores de risco, sintomas e
problemas de cada doente e, deste modo, reforça a autonomia, satisfação e
confiança do doente no médico, aumentando a probabilidade de adesão às
recomendações para modificação de factores de risco e/ou ao plano terapêutico
delineado. A prática da empatia também se repercute positivamente no clínico,
que poderá sentir-se mais realizado profissionalmente e menos susceptível aos
efeitos do stress.
Em suma, a empatia, enquanto demonstração de entendimento por parte do médico
das perspectivas do doente, revela-se uma ferramenta poderosa, que constitui um
reforço da relação terapêutica e facilita a gestão de emoções. Como refere José
Nunes, baseado no método clínico de Carl Rogers, «a sensação de ser
compreendido pelo outro é, em si, intrinsecamente terapêutica: quebra as
barreiras do isolamento da doença ou do mal-estar e restaura a sensação de se
sentir como um todo.»10
Assim entendida, a prática da empatia deveria, claramente, estar incluída de
modo sistematizado no curriculum médico.