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EuPTCVHe2182-51732012000400002

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National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN2182-5173
Year2012
Issue0004
Article number00002

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O uso da ICPC nos registos clínicos em Medicina Geral e Familiar EDITORIAL O uso da ICPC nos registos clínicos em Medicina Geral e Familiar Miguel Melo* *Assistente Graduado Sénior de Medicina Geral e Familiar USF Fânzeres (ACES de Gondomar - ARS Norte) Endereço_para_correspondência | Dirección_para_correspondencia | Correspondence

O último editorial1 da Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (RPMGF) desafiou-me a reflectir sobre o caminho que os registos clínicos começam a levar nos dias de hoje. Este editorial1 chama atenção para a utilização crescente da ICPC, que tem substituído registos clínicos narrativos por um repositório seco de códigos, empobrecendo e ameaçando a compreensão e inteligibilidade dos registos e história clínica, essenciais ao raciocínio e entendimento médico. O editorial questiona também a credibilidade e validade das codificações dos médicos de família (MF).

Uso da ICPC na prática clínica diária dos MF Quanto à utilização crescente da ICPC, quais as razões da adesão dos MF à utilização da ICPC? Ao contrário do referido no editorial (ironia?), a maioria dos MF não aderiu sem pestanejar nem naturalmente à ICPC. Ela, mais ou menos subtilmente, foi imposta à maioria dos MF, ficando por esclarecer: 1. A formação dos MF em ICPC é adequada e satisfatória? Para a maioria é insuficiente e poucos se sentem à vontade com a ICPC, originando uma utilização incorrecta e incongruente. Tal como referido no editorial, se pretendemos credibilidade, o autodidatismo do costume não chega, impondo-se a avaliação das necessidades formativas nesta área.

2. Qual o tipo de utilização da ICPC pretendida? Codificar apenas os Problemas? Também Motivos de Consulta (MC) e Procedimentos? Para conhecer a carga de doença do país, para planeamento em saúde, a Administração Central do Sistema de Saúde elaborou um manual de codificação para os Cuidados de Saúde Primários2 (CSP) onde são definidos 18 grupos de problemas (por código ICPC associado) considerados mais relevantes (em prevalência e custos associados).

Alguns indicadores de monitorização das normas da Direcção-Geral da Saúde pressupõem codificação de diagnósticos (Problemas) pela ICPC, relacionando determinada prescrição com determinado diagnóstico codificado (por exemplo prescrição de iECA/total de K86 + K87). No MIM@UF (Módulo de Informação e Monitorização das Unidades Funcionais) também existem indicadores sobre quantidade de Problemas por área da ICPC.

Nos indicadores de desempenho das Unidades de Saúde Familiar (USF) é necessária a codificação de alguns Problemas (o código quase sempre aparece automaticamente ao abrir programas de saúde de grupos de risco / vulneráveis).

a grelha DiOr-USF,3 instrumento de avaliação de candidaturas a USF modelo B, vai mais longe ao avaliar se existem registos do Procedimento - 45 (porquê este e apenas este?) no P do SOAP!!! Como algumas destas matérias se prendem com a avaliação do desempenho, e em alguns casos a aspectos remuneratórios, a maioria dos MF, com receio de penalizações, tentará usar a ICPC para codificar MC, Problemas e Procedimentos, da forma que melhor souber, podendo assumir-se que este uso, nestas três áreas é, de certa forma, obrigatório.

3. Como estão os MF a utilizar a ICPC? Desconhece-se o grau de adesão dos MF portugueses à ICPC. Alguns provavelmente nem a utilizarão. Outros codificam os Problemas no A, queixando-se da dificuldade em encontrar o código ICPC para o problema definido. Alguns, poucos, estarão a codificar nas três áreas da ICPC: MC, Problemas e Procedimentos.

No Registo Médico Orientado por Problemas (RMOP) as notas clínicas de seguimento S (subjectivo), A (avaliação) e P (Plano) podem abarcar, respectivamente, mais do que MC, Problemas e Procedimentos codificáveis [o O (objectivo) não é codificável]. No entanto, constata-se em alguns registos a utilização de códigos substituindo por completo nestas notas, distorcendo e aproximando códigos da ICPC à história clínica. Tais registos geram histórias clínicas incompreensíveis ou incompletas, ao contrário do que deveriam ser: claras, concisas e rapidamente perceptíveis por qualquer médico. Alguns MF tentam contornar esta situação adicionando aos códigos da ICPC a narrativa habitual, num esforço acrescido. Não tendo sido criada para substituir registos clínicos, se usada desse modo, a ICPC pode, assim, constituir um obstáculo às boas práticas.

4. Qual a validade das codificações registadas? Poderemos imaginar que, fruto de alguma impreparação, a validade dos códigos da ICPC registados e dos processos de codificação não deverá ser a melhor. Importa por isso estudar algumas práticas de codificação de forma a fazermos o ponto da situação.

5. Que repercussões acarreta o uso da ICPC na prática clínica? As consequências mais óbvias são uma maior duração do tempo de consulta (com o MF mais tempo a olhar para o computador) e uma menor compreensão do historial clínico do utente (pelo próprio MF ou por outros médicos).

Um estudo4 sobre o uso da ICPC pelos MF noruegueses, ao longo de 16 anos, concluiu que a ICPC é inapropriada para a prática clínica diária e levantou questões sobre a reprodutibilidade (heterogeneidade de critérios usados pelos MF e falta de consistência na codificação), limitando a credibilidade da investigação assente nesta classificação.

O que falta fazer? Aspectos para reflexão Ainda está por fazer a discussão inter pares (Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar e colégio da especialidade) acerca do interesse, obrigatoriedade, extensão e tipo de utilização da ICPC na prática clinica diária.

Na minha opinião, a ICPC deve ser utilizada nos registos clínicos, sistematicamente, apenas para classificar os Problemas. Contribuiremos, assim, para fornecer dados de morbilidade nacional importantíssimos para o planeamente em saúde. Por outro lado, é uma forma de coligirmos listas de Problemas, o aspecto mais importante do RMOP (método de Weed). Os MC e os Procedimentos não devem ser codificados na prática clínica diária. A grande perturbação na consulta que originaria a codificação dos inúmeros MC e Procedimentos (para além dos inúmeros Problemas) e a reduzida utilidade para o clínico e para o cidadão assim o desaconselham.

A maioria dos MF não se sente à vontade com a ICPC. Como classificação complexa que é, exige formação e treino para um uso correcto. A formação deveria ser focalizada na classificação dos Problemas (única útil na prática clínica habitual), aumentando assim o rigor e credibilidade das codificações. O ideal seria a existência de um sistema que convertesse texto corrido em códigos.

A ICPC proporciona uma riqueza de dados preciosa para a investigação em Medicina Geral e Familiar (MGF). Nesta perspectiva, e como forma de assegurar investigação de qualidade, admite-se a utilização sistemática da ICPC, efectuada por MF treinados para o efeito e integrados em projectos de investigação. A complexidade da codificação sistemática de MC, Problemas e Procedimentos seria possível num ambiente de investigação protegido de pressão assistencial. Poderiam ser criadas bolsas de médicos (à semelhança dos Médicos Sentinela) voluntários para esse efeito.

Pelo que foi dito, e de forma a causar menor perturbação na consulta, a melhorar a qualidade dos registos, a fornecer dados mais credíveis de morbilidade e para projectos de investigação, defendo que na prática clínica diária apenas devemos utilizar a ICPC para a classificação dos Problemas, ficando a classificação dos MC e dos Procedimentos reservada a contextos de investigação.

Apesar das suas limitações e complexidade, a ICPC é a classificação mais usada internacionalmente em MGF e o seu uso poderá ser útil para conhecer a morbilidade e aumentar o corpo de conhecimento da MGF. É imprescindível uma discussão mais profunda e alargada, entre todos os envolvidos, sobre a utilização da ICPC na prática clínica diária.


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