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EuPTCVHe2182-51732012000400014

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National varietyEu
Year2012
SourceScielo

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Aspirina como quimioprevenção do cancro? CLUBE DE LEITURA Aspirina como quimioprevenção do cancro? Alexandra Duarte*, Joana Neto* *Internas de Formação Específica em Medicina Geral e Familiar, USF São João de Sobrado

Mills EJ, Wu P, Alberton M, Kanters S, Lanas A, Lester R. Low-dose aspirin and cancer mortality: a meta-analysis of randomized trials. Am J Med 2012 Jun; 125 (6): 560-7.

Introdução A prevenção de eventos cardiovasculares com recurso a uma baixa dose diária de aspirina (ácido acetilsalicílico, AAS) em doentes de alto risco, com doença cardiovascular prévia, tem sido bem estudada e comprovada.

O único ensaio randomizado completo realizado até à data, que analisou o possível efeito preventivo da aspirina sobre a ocorrência de cancro, veio demonstrar que altas doses de aspirina teriam efeito protetor. Adicionalmente, uma meta-análise recente, que incluía oito ensaios clínicos, demonstrou que a aspirina reduzia o risco a longo prazo de mortalidade por cancro, independentemente da dose.

Objetivo Determinar se a mortalidade por cancro é igualmente reduzida por doses baixas de aspirina a curto prazo.

Metodologia Foi realizada uma meta-análise que incluiu todos os ensaios clínicos randomizados que avaliavam o papel terapêutico da aspirina diária isolada, em baixa dose (75-325 mg), em qualquer população, tendo como outcomes a doença não cardiovascular e a mortalidade por cancro. Foram pesquisadas as bases de dados Medline, Embase, Amed, CinAHL, TOXNET, Cochrane CENTRAL, PsycINFO, Web of Science, ScienceDirect e Ingenta, de artigos publicados em qualquer língua até dezembro de 2011. Dois investigadores, de forma independente e em duplicado, selecionaram os artigos pelo abstract e posteriormente pelo texto completo, analisando e introduzindo informações e características pré-definidas dos ensaios numa base de dados. A concordância inter-investigadores na inclusão dos artigos foi avaliada como quase perfeita (Phi = 0.85). O impacto da duração e dose na quantidade do efeito final (outcomes) foi avaliado através do agrupamento de estudos segundo um modelo de random-effects, procedendo posteriormente à sua meta-regressão. Foi também realizada uma meta-análise cumulativa, dos ensaios mais curtos até aos mais longos, para estimar qual o período de tempo durante o qual os efeitos do tratamento se tornam significativos.

Resultados Foram incluídos 23 estudos randomizados, que avaliavam a morte de causa não vascular, 11 dos quais especificamente a morte por cancro. Do total dos estudos, verificou-se 944 mortes de 41 398 doentes (2,28%) que faziam baixa dose de aspirina e 1 074 de 41 470 (2,58%) que não recebiam terapêutica com aspirina, com um follow-up (FU) médio de 2,5 anos. Daqui resultou um risco relativo estimado de 0.88 [intervalo de confiança (IC) 95%, 0.81-0.96, I2 = 0%].

Dos 11 ensaios que reportavam especificamente mortes por cancro (16 066 participantes), verificaram-se 162 mortes de 7 998 doentes (2,02%) e 210 de 8 068 (2,60%), entre os que tomavam uma baixa dose de aspirina e os que não faziam aspirina, respetivamente, com um FU médio 2.8 anos. Estes resultados são a favor de um efeito protetor da aspirina em baixa dose, que se verificou uma redução significativa da mortalidade por cancro, com um risco relativo de 0,77 (IC 95%, 0,63-0,95, I2 = 0%) Os estudos, na sua globalidade, demonstraram diferenças estatisticamente significativas do tratamento após uma média de 4 anos de FU.

Discussão Os resultados desta meta-análise são consistentes com os de uma outra anteriormente realizada, que conclui que a aspirina evidencia proteção sobre a mortalidade por cancro. Foi demonstrado que este efeito protetor advém do tratamento com baixas doses, surgindo num curto período de tempo.

Estes resultados vêm realçar o importante papel da aspirina sobre a proteção oncológica, que deverá ser clinicamente útil em doentes de baixo e alto risco com doença cardiovascular, tendo sempre em conta que os potencias benefícios da aspirina deverão ser contrabalançados com o risco hemorrágico.

Pontos fortes desta meta-análise incluem: (1) a extensa pesquisa da literatura, tendo em conta a inclusão de todo e qualquer ensaio clínico randomizado acerca do uso diário de baixa dose de aspirina; (2) a avaliação de mortes não vasculares e de morte por cancro. Entre os pontos fracos: (1) a ausência de dados relativos à incidência de cancros que não resultaram em mortes durante os períodos de estudo e o seguimento a longo prazo [de realçar que estudos mais longos irão identificar mais apropriadamente a incidência de cancros do que estudos mais curtos, uma vez que os estudos incluídos nesta meta-analise têm curta duração (FU médio de 2.5 anos) e, portanto, é muito provável que tenham subestimado o efeito a longo prazo do tratamento com aspirina nas mortes por cancro apesar da meta-análise anteriormente realizada, que incluiu ensaios com 20 ou mais anos de duração, ter obtido as mesmas conclusões]; (2) é provável que existam viéses no que concerne à mortalidade por cancro, porque a maioria dos estudos foi desenhada para avaliar outcomes de doença cardiovascular, o que leva a que: (a) o cancro possa estar subestimado (apenas 11 ensaios relatavam mortalidade por cancro); (b) 12 ensaios abordavam apenas as mortes não vasculares não fazendo referência a mortes por cancro.

Os autores realçaram o facto dos benefícios da aspirina ao nível da prevenção oncológica se basearem, provavelmente, em efeitos pleiotrópicos, talvez anti- inflamatórios, e efeitos apoptóticos em vez de antitrombolíticos.

Conclusão Este estudo demonstrou um importante efeito da utilização de uma baixa dose de aspirina na prevenção da mortalidade não vascular e por cancro, que se pode verificar num curto período de tempo.

Comentário O efeito da aspirina na redução do risco de eventos cardiovasculares está bem definido, sempre contrabalançado pelo seu efeito hemorrágico. No entanto ainda existe alguma controvérsia relativamente ao seu efeito antineoplásico.

A prova mais consistente do efeito antineoplásico da aspirina tem-se verificado na redução do risco do cancro colo-retal (CCR) e na recorrência dos pólipos adenomatosos.1-6 Relativamente a outras neoplasias (como a esofágica, gástrica, biliar, prostática e mamária, e ainda metástases à distância, tanto iniciais como subsequentes),6-8 têm sido revelados também dados interessantes, com reduções de risco de cancro em cerca de 21%, embora com benefício apenas após 5 anos de terapêutica, e ainda uma redução na mortalidade por cancro em FU até 20 anos.7-9 Um estudo que avaliou 51 ensaios randomizados demonstrou que a aspirina, independentemente da dose, reduzia significativamente a mortalidade por cancro em 15% (benefício observado aos 3 anos com doses altas de AAS, > 300mg/dia; e aos 5 anos para doses baixas, <300 mg/dia).10 Por outro lado, estudos realizados a nível de prevenção primária revelaram que a aspirina não se associava à redução de risco de CCR em FU de 10 a 15 anos,11,12 nem à diminuição da incidência ou mortalidade de cancro em geral.11 Vários estudos levantam a hipótese do efeito antineoplásico da aspirina estar relacionado com a sua ação antiplaquetária (pela inibição irreversível da COX- 2, que leva à diminuição da síntese de prostaglandinas, que podem inibir o crescimento tumoral) no crescimento e disseminação de células tumorais, bem como o seu início,1,3,7,8,13 que se verifica um aumento da atividade plaquetária nos doentes com cancro, e esta ativação plaquetária é um dos pontos-chave da disseminação tumoral.13 Até hoje não foram ainda atualizadas as recomendações da US Preventive Task Force (USPTF) sobre este assunto, sendo que as de 2007 ainda não propunham a utilização da aspirina como quimioprevenção primária, relativamente ao CCR. É referido, no documento, que o uso crónico de AAS aumenta o risco de hemorragia gastrointestinal e AVC hemorrágico, bem como o de insuficiência renal e hipertensão.2 Neste sentido o risco hemorrágico tem vindo a ser averiguado, sendo que uma meta-análise de 2011 permitiu aferir que basta tratar com AAS 261 pacientes durante um período de 6,9 anos para que um deles tenha um evento hemorrágico major (Number Needed to Harm = 261).14 Calculando o Number Needed to Treat do uso de aspirina a partir dos 23 estudos incluídos nesta meta-análise (FU médio de 2,5 anos), resulta o valor de 323 e, mais especificamente, de 173, calculando-o a partir dos 11 estudos que avaliaram a morte por cancro, o que traduz uma necessidade de tratar 173 pacientes com AAS, durante 2,8 anos (tempo médio de FU dos 11 estudos) para que um deles tenha benefício (evicção de morte por cancro).

Estudos apontam para que o fator mais importante na redução do cancro seja a duração da exposição à aspirina,8 apesar de ainda não terem sido definidas a menor dose eficaz, a duração do tratamento, a população alvo ideal ou os efeitos mais específicos na sobrevida.1 Saliente-se, por fim, que as conclusões deste estudo, por terem sido noticiadas pela comunicação social aquando da sua publicação, poderão condicionar um incremento na solicitação da prescrição deste fármaco por utentes e doentes mais bem informados, ou até mesmo de alguns o iniciarem sem conhecimento ou aconselhamento médico.

Por tudo isto, as autoras são da opinião que o efeito benéfico da aspirina sobre o cancro deverá ser objeto de mais estudos.


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