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EuPTCVHe2182-51732012000500004

EuPTCVHe2182-51732012000500004

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN2182-5173
Year2012
Issue0005
Article number00004

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Enurese em crianças portuguesas: prevalência e relação com hábitos de sono e pesadelos

Introdução A enurese, ou enurese nocturna, é um problema frequente nas crianças, podendo provocar distúrbios sociais e psicológicos importantes.1 Segundo a Standardization of Terminology of Lower Urinary Tract Function in Children and Adolescents, de 2005, enurese é sinónimo de incontinência nocturna ou enurese nocturna e é definida como perda involuntária de urina durante o sono.2 A prevalência de enurese nocturna encontrada em diversos estudos internacionais é variável, oscilando entre 3,9 e os 12,6%.3,4,5,6,7,8,9 A prevalência diminui com a idade, estando descrito como sendo de 16% aos 5 anos, 13% aos 6 anos, 10% aos 7 anos, 7% aos 8 anos, 5% aos 10 anos, 2 a 3% aos 12 a 14 anos e 1 a 2% a partir dos 15 anos.3,4,5,6,9 Em Portugal foram realizados três estudos na zona Norte em que se encontraram prevalências de 15,6%,10 6,1%11 e 6,9%.12 A variabilidade entre os estudos relativamente à prevalência de enurese deve-se à utilização de diferentes definições de enurese, tamanhos amostrais e idade das populações estudadas, tornando difícil a comparação entre eles.

O sono está relacionado com o funcionamento cognitivo, a aprendizagem e a atenção.13,14,15 Os hábitos de sono são reconhecidos como preponderantes no desenvolvimento das crianças, a nível físico, comportamental e emocional. Uma grande parte das crianças oferece resistência ao acto de deitar. Muitas utilizam um brinquedo especial ou a luz acesa para adormecer, outras tentam dormir na cama dos pais, vão ter com estes ou chamam-nos durante a noite.16 Também os pesadelos, um dos distúrbios de sono mais prevalentes, podem interferir na qualidade do sono.

A maior parte dos estudos que avaliam a relação entre enurese nocturna e hábitos do sono tentam avaliar a importância da «profundidade do sono» (as crianças «deep sleepers») como factor associado. Poucos estudos incluíram o número de horas de sono, o dormir com a luz acesa, a existência de objectos de transferência, o «co-sleeping» (não adormecer sozinho, não dormir sozinho) e os pesadelos nas variáveis a estudar.17,18,19 Não sendo este um tema habitualmente abordado na consulta com o médico assistente, sabe-se que o problema do sono e a enurese da criança têm um impacto directo, resultando em fadiga diária, perturbações do humor e afectando o seu desempenho.20 Embora tenham sido realizados três trabalhos em Portugal que estudam a prevalência da enurese,10,11,12 e um deles aborde variáveis relacionadas com o sono (noção que os pais tinham sobre as suas crianças terem o sono pesado; ressonar),12 nenhum estudou a associação entre enurese e hábitos do sono e pesadelos. O conhecimento sobre a prevalência da enurese em Portugal e dos factores a ela associados é importante pois permitirá abordar o tema de forma apropriada em consultas de Saúde Infantil.

Foram objectivos deste estudo determinar a prevalência de enurese em crianças portuguesas e verificar se existe associação entre enurese, hábitos de sono e pesadelos.

Métodos Realizou-se um estudo observacional analítico transversal, com recolha de dados entre Abril e Junho de 2006.

A população em estudo correspondeu às crianças nascidas no ano 2000, inscritas em centros de saúde da região Norte de Portugal envolvidos na formação pós- graduada do Internato Médico de Medicina Geral e Familiar e que aceitaram participar no projecto, perfazendo um total de 30 centros de saúde. Foram excluídas as crianças com deficiência mental, acamadas ou cujos pais (ou cuidadores) não entendiam ou não falavam português. Da população, seleccionou- se uma amostra aleatória simples estratificada não proporcional por Unidade de Saúde. A dimensão ideal da amostra, calculada para uma prevalência esperada de 15%, com um nível de precisão de 1,8% e intervalo de confiança a 95%, correspondeu a 1509. Tendo em conta uma taxa de não-resposta de cerca de 15%, a dimensão amostral ajustada foi de 1800 crianças, 60 por cada centro de saúde participante.

As variáveis estudadas foram: história pessoal de enurese nocturna (variável dependente); idade, sexo, hábitos de sono, pesadelos, história familiar de enurese nos progenitores (variáveis independentes).

A história pessoal de enurese nocturna englobou a frequência de episódios de micção involuntária nocturna (diária, semanal, mensal, ocasional e inexistente). Para caracterizar o sono da criança foram estudados os seguintes aspectos: a que horas se deita habitualmente a criança, o número de horas que dorme por noite, se adormece sozinha, se dorme sozinha, se utiliza objectos de transferência, se dorme com a luz acesa e se tem ou não pesadelos (definidos como a ocorrência de sonhos assustadores que levam ao despertar, geram ansiedade e ocorrem pelo menos uma vez por mês).12,21,22 A recolha de dados foi efectuada mediante entrevista pessoal, com aplicação de um questionário elaborado pelas autoras.

Para a análise dos dados foram utilizados os testes de Qui-quadrado e t de Student. Foram calculados os odds ratio (OR) brutos e ajustados por modelo de regressão logística. O nível de significância adoptado foi de 0,05.

RESULTADOS Foram convidadas a participar no estudo 1800 crianças, tendo comparecido à entrevista 1599, o que corresponde a uma taxa de resposta de 88,8%.

A caracterização da amostra quanto ao sexo e idade encontra-se no Quadro_I.

Considerou-se a idade no momento da entrevista, pelo que, apesar de todas as crianças terem nascido no ano 2000, algumas tinham 5 e outras 6 anos de idade à data do estudo. Não foi possível obter informação para o total de 1599 crianças em todas as variáveis, pelo que foram codificados valores «missing» para efeitos de análise, o que justifica os diferentes totais em alguns quadros.

A prevalência de enurese encontrada foi de 16,4% (IC95%: 14,6-18,2%).

A distribuição dos casos pela frequência de episódios de enurese encontra-se no Quadro_II.

Nos Quadros_III e IV, encontram-se os resultados obtidos relativamente às variáveis independentes estudadas. Verificou-se associação estatisticamente significativa entre enurese e sexo masculino, história familiar de enurese nos progenitores e ocorrência de pesadelos.

Não se verificou associação estatisticamente significativa entre enurese e hábitos de sono (dormir sozinho, adormecer sozinho, dormir com a luz acesa, utilizar objecto de transferência e número de horas de sono).

No Quadro_V, apresentam-se os odds ratio (OR) brutos e ajustados de cada uma das variáveis independentes estudadas. Para a análise multivariada foram incluídas no modelo de regressão logística as variáveis associadas à enurese com p <0,05 na análise bivariada. Os OR brutos e ajustados foram praticamente sobreponíveis.

DISCUSSÃO No presente estudo foi encontrada uma prevalência global de enurese nocturna em crianças de 5-6 anos de 16,4%. Este valor aproxima-se do de outros trabalhos onde foi adoptada a mesma definição de enurese. Um estudo efectuado na Irlanda revelou uma prevalência de 14% em crianças dos 4 aos 14 anos, sendo as prevalências aos 5 e 6 anos de 17,6% e 16% respectivamente.23 Dois trabalhos levados a cabo na Turquia revelaram, respectivamente, prevalências de 19,8% (6- 10 anos) e de 17,5% (6-12 anos).8,24 Um estudo efectuado na China encontrou uma prevalência de 11,8% aos 5 anos e de 10,1% aos 6 anos.4 O estudo português, realizado em 862 crianças dos 6 aos 16 anos das escolas primárias da Foz do Douro Porto, encontrou uma prevalência global de 15,6%, sendo que a prevalência aos 6 anos era de 21,8%.10 Outro estudo português encontrou uma prevalência de enurese de 6,9% num grupo de 2104 crianças com idades compreendidas entre os 5 e os 13 anos e residentes no Norte de Portugal.12 Note-se que a faixa etária estudada no presente trabalho (5-6 anos) difere de vários estudos, tornando por vezes difícil fazer comparações. Por exemplo, naqueles que usam faixas etárias maiores, é esperado que a prevalência global seja inferior pois a prevalência de enurese diminui com a idade.

Neste estudo verificou-se uma prevalência de enurese superior no sexo masculino e uma associação positiva com a história familiar, o que tem sido quase invariavelmente encontrado nos outros estudos efectuados.

Uma das limitações do estudo efectuado é o facto de o questionário não ser validado. Existem questionários validados em inglês relativamente aos hábitos do sono, nomeadamente o Child’s Sleep Habits Questionnaire CSHQ (Owens, 2004) e o Pediatric Sleep Questionnaire (Chervin et al, 2007), com perguntas simples e directas relativamente aos pesadelos/terrores nocturnos e número de horas de sono. As perguntas do questionário elaborado para o presente estudo são semelhantes às dos questionários referidos. No entanto, não se trata de um instrumento validado, nem foi previamente testado em estudo piloto. Assim, a possibilidade de respostas erradas devido a interpretação da formulação das questões constitui um possível viés de informação.

As autoras consideram que a primeira pergunta do questionário («No último ano a criança molhou a cama durante a noite?») tem baixa probabilidade de condicionar problemas de interpretação. No entanto, pode ser fonte de viés de medição, por exemplo no caso de os pais terem vergonha em admitir a enurese dos filhos.

A avaliação da história familiar de enurese nocturna («A mãe/pai da criança molhou a cama até tarde quando era pequena/o?»), embora formulada de forma simples e clara, poderá ter introduzido viés de memória (o que diminui o número de respostas afirmativas) ou viés de ruminação (os pais de crianças enuréticas têm maior probabilidade de se recordar dos seus antecedentes de enurese).

A definição de pesadelo utilizada no questionário («A criança acorda assustada durante a noite e conta que teve um sonho mau?») foi uma adaptação/ simplificação da definição da DSM-IV para a linguagem corrente. No entanto, por ser pouco objectiva e precisa, poderá ser fonte de confusão com, por exemplo, os terrores nocturnos. As questões relativas aos hábitos do sono apresentam termos menos precisos (raramente, habitualmente) que podem causar variabilidade nas respostas, conforme a interpretação da questão e a valorização do problema.

Relativamente aos pontos fortes do nosso estudo, salientamos o tamanho da amostra (n= 1599), a boa taxa de resposta (88,8%) e o facto de se tratar de uma amostra aleatória simples, obviando o viés de selecção. Foram, de facto, incluídas crianças de todos os médicos de cada centro de saúde e também as que não tinham médico atribuído. No entanto, a amostra não foi estratificada proporcionalmente à dimensão da população de cada centro de saúde participante.

Para além disso, sabe-se que, nos estudos em que é necessária a colaboração dos pais ou cuidadores, pode ocorrer um viés de selecção.

Em conclusão, podemos afirmar que a prevalência de enurese encontrada no Norte de Portugal é sobreponível à de outros trabalhos nacionais e internacionais onde foi adoptada a mesma definição de enurese e a mesma faixa etária. A associação da enurese com o sexo masculino e a história familiar é também uniforme em toda a bibliografia.

Este estudo acrescenta evidência a favor de associação entre enurese e pesadelos e quanto à relação da enurese com os hábitos de sono das crianças vem apoiar a hipótese de serem condições independentes.


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