Aumento da incidência de fraturas femurais atípicas associado ao uso de
bifosfonatos
CLUBE DE LEITURA
Aumento da incidência de fraturas femurais atípicas associado ao uso de
bifosfonatos
Inês Leite da Silva*, Ivo Reis**
* Interna de formação específica em Medicina Geral e Familiar, USF Santa Joana
– ACeS Baixo Vouga II
**Interno de formação específica em Medicina Geral e Familiar, USF BRIOSA –
ACeS Baixo Mondego I
Meier RP, Perneger TV, Stern R, Rizzoli R, Peter RE. Increasing occurrence of
atypical femoral fractures associated with bisphosphonate use. Arch Intern Med
2012 Jun 25; 172 (12):930-6.
Introdução
A evidência atual sugere existir uma associação entre o tratamento com
bifosfonatos e fraturas femurais atípicas, permanecendo incerta a magnitude
deste risco.
Os objetivos deste trabalho foram: avaliar a associação entre o tratamento com
bifosfonatos e fraturas femurais atípicas e determinar a evolução da incidência
destas fraturas na última década.
Métodos
Estudo caso-controlo, incluindo os doentes com 50 ou mais anos de idade
internados num Centro de Traumatologia nível 1 com fratura femural
subtrocantérica ou diafisária entre 1 de janeiro de 1999 e 31 de dezembro de
2010 (N=477). Foram excluídos doentes com condições associadas a alterações da
integridade óssea, com fraturas por traumatismos de elevada energia, tumores ou
doença de Paget documentada, envolvendo implantes na linha de fratura e
fraturas intraoperatórias da diáfise femural. Foram avaliadas as radiografias
da admissão classificando as fraturas femurais como atípicas (casos) ou
clássicas (controlos) e os registos médicos e de terapêutica (uso e tipo de
bifosfonatos e duração do tratamento). Consideraram-se fraturas atípicas
aquelas com traço transverso ou oblíquo curto com origem no cortex femural
lateral entre o pequeno trocânter e a metáfise distal. Fraturas com a mesma
localização mas de aparência distinta (espiral, em cunha, segmentar ou complexa
irregular) categorizaram-se como clássicas.
Como segundo grupo controlo, selecionaram-se aleatoriamente 200 indivíduos com
50 ou mais anos de idade, saudáveis, sem história de fratura femural.
Na avaliação da associação entre o uso de bifosfonatos e fraturas femurais
atípicas, foi utilizada uma regressão logística multivariada. Foram também
calculadas as taxas de incidência de cada tipo de fratura.
Resultados
Identificaram-se 39 doentes com fraturas atípicas e 438 com fraturas clássicas.
Dos doentes com fraturas atípicas 32 (82,1%) tinham sido tratados com
bifosfonatos comparativamente com 28 (6,4%) no grupo com fraturas clássicas
(Odds Ratio [OR] 66,9; IC 95% 27,1 – 165,1) e 11,5% no grupo sem fraturas (OR
35,2; IC 95% 13,9 – 88,8). Outros fatores de risco univariados para fraturas
atípicas incluiram: sexo feminino, idade mais jovem, uso de vitamina D ou
corticóides.
Verificou-se uma redução de 47% no risco de fraturas clássicas (OR 0,5; IC 95%
0,3 – 0,9) com o uso de bifosfonatos. Considerando a duração do tratamento, os
OR (IC 95%) para fraturas atípicas vs fraturas clássicas foi de 35,1 (10,0 –
123,6) para menos de 2 anos, 46,9 (14,2 – 154,4) para 2 a 5 anos, 117,1 (34,2 –
401,7) para 5 a 9 anos e 175,7 (30,0 – 1027,6) para mais de 9 anos,
comparativamente com o não tratamento. Ocorreu fratura contralateral em 28,2%
dos casos de fratura atípica e em 0,9% dos de fratura clássica (OR 42,6; IC 95%
12,8 – 142,4).
A taxa de incidência de fraturas atípicas foi baixa (32 casos por milhão de
pessoas/ano) verificando-se um aumento médio de 10,7% ao ano.
Conclusão
Verificou-se existir associação entre fraturas femurais atípicas e o uso de
bifosfonatos, com risco aumentado com uma maior duração do tratamento. A
incidência de fraturas atípicas aumentou ao longo dos 12 anos do estudo mas o
número absoluto destas fraturas é muito baixo.
COMENTÁRIO
A osteoporose é um problema de saúde no qual o papel do Médico de Família é
crucial para o diagnóstico precoce e tratamento. Os bifosfonatos são
recomendados como primeira linha de tratamento.1,2
Desde 2005 têm sido descritas fraturas femurais incomuns («atípicas») em
doentes medicados com bifosfonatos. Vários estudos epidemiológicos têm
procurado avaliar esta potencial associação. Os resultados obtidos são
contraditórios e a baixa incidência destas fraturas dificulta a
investigação.3,4,5 Além disso, a definição de fraturas femurais atípicas tem
sido inconsistente nos diferentes estudos. Alguns classificam as fraturas como
atípicas baseados na origem não traumática, outros consideram aspetos
radiográficos específicos (traço de fratura transverso ou oblíquo, espessamento
ou fratura da cortical lateral). Apesar desta variação conceptual,
caracterizam-se sempre pela localização, envolvendo a região subtrocantérica e
a diáfise femoral.4
Este estudo de Meier et al. evidenciou existir um maior risco de fraturas
femurais atípicas nos doentes medicados com bifosfonatos, aumentando com a
duração do tratamento. Verificou-se ainda um aumento da incidência de fraturas
atípicas na última década. Contudo, a incidência de fraturas atípicas é baixa,
ocorrendo 11 vezes mais fraturas clássicas no mesmo período. Assim, e
considerando que o tratamento com bifosfonatos se associa a uma redução das
fraturas vertebrais em 40 a 70% e das fraturas do punho em 50%, a relação
benefício/risco do tratamento mantém-se favorável.
Como pontos fortes deste estudo destacam-se o elevado número de participantes,
o seguimento na mesma instituição durante 12 anos, a avaliação das radiografias
independentemente por dois médicos e a informação detalhada da evolução
temporal, duração do tratamento com bifosfonatos e ocorrência de fraturas
bilaterais.
Como limitações do estudo, tratar-se de um estudo retrospetivo limitando
conclusões acerca de causalidade; o viés de codificação, com a seleção dos
participantes através da codificação de fratura femoral subtrocantérica ou
diafisária nos registos clínicos, de acordo com a International Statistical
Classification of Diseases 10th Revision e o viés de registo, quanto ao
tratamento e sua duração. Além disso, não se podem excluir outras variáveis de
confundimento, como a densidade mineral óssea (DMO), turnover ósseo, uso de
outras medicações, antecedentes de tabagismo, IMC e exercício físico.
Outro aspeto não considerado é a fisiopatologia das fraturas atípicas. Os
autores sugerem que um modelo multifatorial coloca a possibilidade de
mecanismos patogénicos não envolvendo o efeito dos bifosfonatos no turnover
ósseo. Não serão estes mecanismos diferentes das fraturas típicas,
comprometendo o estabelecimento de uma relação causal? Neste mecanismo, haverá
alguma condição que leve a prescrever bifosfonatos a um subtipo de população
com maior risco para fraturas atípicas? Ou, pensando num mecanismo de seleção
natural, será que prevenindo um tipo de fraturas se propicia o aparecimento de
outros?
Existem ainda outros aspetos por clarificar. Porque é que apenas alguns doentes
tratados com bifosfonatos desenvolvem fraturas atípicas? Por outro lado, porque
é que nem todos os doentes com fraturas atípicas foram previamente tratados com
bifosfonatos? É necessário investigar outros potenciais cofatores que permitam
identificar doentes com maior risco de fraturas associadas ao tratamento com
bifosfonatos para uma prescrição mais criteriosa destes fármacos com redução/
prevenção de futuras fraturas atípicas. Um estudo de La Rocca et al que
procurou avaliar diferenças nos parâmetros clínicos e laboratoriais num
subgrupo de doentes com fraturas femurais atípicas medicados com bifosfonatos
há mais de três anos não evidenciou diferenças significativas entre os grupos
com e sem fratura, exceto na paratormona, significativamente menor no primeiro
grupo.6
Outra questão é a duração do tratamento com bifosfonatos. Se o risco de
fraturas atípicas aumenta com esta, qual a eficácia antifracturária da
utilização prolongada? Qual o impacto da sua descontinuação? Schilcher et al
demonstraram que a descontinuação dos bifosfonatos se associaria a uma
diminuição do risco de fratura atípica em 70% por ano após a última toma.7 A
Food and Drug Administration refere não existir evidência robusta que suporte a
eficácia do uso de bisfonatos por mais de três a cinco anos.4 Em consonância, a
norma da Direção-Geral de Saúde sugere para o alendronato e risedronato, uma
interrupção, de um a dois anos, após cinco anos de tratamento, sem perda da
eficácia antifraturária.2 Deverá ponderar-se a descontinuação em todos os
doentes? Que fatores considerar nesta decisão? Em caso de descontinuação, que
fatores considerar na decisão de quem e quando deverá reiniciar a terapêutica?
Não existem estudos que respondam a estas dúvidas.4 Assume-se que a avaliação
dos fatores de risco individual e da DMO poderá ser importante na decisão
acerca da descontinuação.4 Na prática, indivíduos com baixo risco (sem fraturas
de fragilidade prévias, com T score superior a -2,5) serão os melhores
candidatos para descontinuação do tratamento. A duração da pausa no tratamento
e a utilidade do follow-up com avaliação da DMO ou outros marcadores após a
descontinuação permanece incerta.4
Concluindo, deste estudo, salientam-se três aspetos:
• A associação entre o uso de bifosfonatos e fraturas atípicas do fémur é
altamente provável, aumentando o risco com a duração do tratamento.
• A incidência de fraturas atípicas é muito baixa sobretudo se comparada com as
fraturas osteoporóticas típicas, mantendo-se positiva a relação benefício/risco
do uso de bifosfonatos.
• A identificação de indivíduos com maior risco de fraturas atípicas é de
crucial importância na sua prevenção no futuro pelo que são necessários estudos
acerca destas fraturas para clarificar o mecanismo e fatores de risco.