Revisão sistemática do uso de antibióticos no tratamento da rinossinusite aguda
em adultos
POEM’S
Revisão sistemática do uso de antibióticos no tratamento da rinossinusite aguda
em adultos
Antibiotics for clinically diagnosed acute rhinosinusitis in adults
Ana Catarina Lopes*, Rita Condeço de Carvalho**
*Interna em formação específica em Medicina Geral e Familiar, USF S. Domingos
**Interna em formação específica em Medicina Geral e Familiar USF Locomotiva
Referência: Lemiengre MB, van Driel ML, Merenstein D, Young J, De Sutter AI.
Antibiotics for clinically diagnosed acute rhinosinusitis in adults. Cochrane
Database Syst Rev 2012 Oct 17; 10: CD006089.
Pergunta:
A antibioterapia é sempre necessária no tratamento da rinossinusite?
Resumo:
A rinossinusite é uma infecção do trato respiratório superior geralmente de
causa viral e é estimado que apenas 0,5% a 2% dos casos sejam complicados por
uma infecção bacteriana. O diagnóstico é geralmente baseado em sinais e
sintomas clínicos e a sua correcta identificação e posterior tratamento são
necessários nos cuidados de saúde primários. Esta revisão sistemática procurou
encontrar a melhor evidência sobre a eficácia da antibioterapia nesta
patologia, em comparação com o placebo, na redução da duração ou gravidade, uma
vez que a maioria dos estudos individuais disponíveis mostram resultados a
favor do uso indiscriminado de antibióticos, contribuindo esta prescrição
desnecessária para o aumento da resistência antimicrobiana na comunidade.
Foi realizada uma pesquisa na Cochrane Central, Medline e Embase. Foram
incluídos ensaios controlados e randomizados, sem restrições para a língua ou
ano de publicação dos estudos (até Fevereiro de 2012). Foram, também,
contactados os autores de forma a obter informação adicional.
Foram excluídos estudos que incluíam diagnósticos de rinossinusite baseados em
exames complementares de diagnóstico, estudos que comparavam diferentes
antibióticos entre si e antibióticos com outras classes farmacológicas, estudos
em que mais de 50% dos participantes tinham apenas o diagnóstico de coriza,
estudos onde os participantes tinham sinais e sintomas há mais de 30 dias e
estudos onde não eram incluídos participantes com terapêutica placebo.
Os outcomes primários incluíram a proporção de participantes curados num
determinado tempo específico. Os objectivos clínicos secundários consistiram na
avaliação das medidas de bem-estar geral, na severidade ou duração dos
diferentes sintomas clínicos, no uso concomitante de outros medicamentos, nos
efeitos adversos e na falha clínica do tratamento e eventos adversos do mesmo.
Para estabelecer a qualidade dos artigos, os resultados foram avaliados de
forma independente por dois revisores, tendo-lhe atribuído um nível de
evidência de acordo com o sistema GRADE.
A revisão sistemática incluiu dez artigos, num total de 2450 participantes
envolvidos. Os ensaios clínicos randomizados incluídos referem-se à comparação
de antibióticos com placebo em pessoas com sinais ou sintomas de rinossinusite.
Quanto aos resultados obtidos, verificou-se que, em relação ao tempo de cura,
47% dos participantes tiveram remissão da sintomatologia após sete dias e 71%
após 14 dias, independentemente de se encontrarem no grupo submetido a
tratamento com antibiótico ou no grupo sob terapêutica com placebo. O uso de
antibióticos pode encurtar o tempo de tratamento, mas só cinco em cada 100
participantes se irão curar mais rapidamente se lhes for administrado
antibiótico em vez de placebo, no intervalo de tempo entre sete e 14 dias com
NNT (Número Necessário Tratar) de 18 (Intervalo de Confiança de 95% = 10-115).
O uso de antibióticos não aliviou mais rapidamente a dor associada à patologia
ou a sensação de mal-estar associada à mesma. Os doentes submetidos a
antibioterapia não retomaram mais rapidamente as suas actividades diárias nem
tomaram menos analgésicos ou descongestionantes nasais que os doentes tratados
com placebo.
Tendo em conta a presença de secreções purulentas, dez doentes em cada 100 vão
experimentar uma resolução mais rápida se for administrado antibiótico. No
entanto, inferiram-se dos resultados que 12 doentes em cada 100 (27% dos
participantes que receberam tratamento com antibióticos e 15% daqueles que
receberam placebo) experimentaram efeitos adversos com o tratamento. Por outro
lado, mais participantes do grupo placebo precisaram de iniciar a terapia com
antibióticos por um curso anormal de rinossinusite. Tendo em conta as
complicações relacionadas com a patologia em estudo só ocorreu um caso de
abcesso cerebral num doente sob tratamento com antibiótico.
Os autores concluem que o uso de antibióticos no tratamento da rinossinusite
aguda clinicamente diagnosticada tem de ser ponderado. Pode haver um efeito
terapêutico no uso desta classe farmacológica mas este efeito é pequeno e
apenas cinco doentes em cada 100 vão experimentar uma cura mais rápida se foram
submetidos a tratamento com antibiótico em vez de tratamento com placebo. A
potencial vantagem da antibioterapia é o uso num contexto de presença de
rinorreia purulenta. Contudo o potencial benefício tem de ser ponderado com os
efeitos adversos que esta medicação pode causar, nomeadamente eventos gastro-
intestinais. Deste modo, tendo em conta a resistência aos antibióticos, a muito
baixa incidência de complicações graves, a falta de benefício claro na rápida
melhoria e o aumento dos efeitos secundários nos doentes sumbmetidos a
antibioterapia, não há lugar para o uso de antibióticos no doente com o
diagnóstico clínico de rinossinusite aguda não complicada. Esta revisão não é
válida como recomendação no tratamento de crianças, doentes imunodeprimidos e
portadores de doença grave, uma vez que essas populações não foram incluídas
nos estudos clínicos disponíveis.
COMENTÁRIO
As infecções do tracto respiratório superior contribuem para um elevado número
de consultas nos Cuidados de Saúde Primários. Estima-se que nos Estados Unidos
estas sejam a terceira maior causa de recorrência à consulta, estando entre
elas a rinossinusite.1
Dada a dificuldade de distinção entre a etiologia bacteriana e viral, continua
a ser feito um uso indiscriminado de antibióticos pelos médicos de família no
tratamento desta patologia. No entanto, apenas 0,5 a 2% dos episódios de
etiologia viral são complicados por sobreinfecção bacteriana.2 Na rinossinusite
viral a sintomatologia pode persistir por 14 ou mais dias e posteriormente pode
haver sobreinfecção bacteriana por obstrução da drenagem dos seios perinasais,
promovendo a colonização e o crescimento bacteriano ao nível das fossas nasais
e orofaringe.
Os sintomas cardinais como obstrução nasal, dor facial unilateral, dor à
pressão ou à mastigação, rinorreia anterior ou posterior purulenta são
sugestivos de rinossinusite, no entanto, não podem ser utilizados como forma de
distinção entre causa viral ou bacteriana dado que a purulência das secreções
pode não ser sinónimo de presença de bactérias, mas apenas de presença de
neutrófilos por activação da reacção imunitária. O padrão e a duração da doença
são os principais determinantes da distinção entre etiologia viral ou
bacteriana. A rinossinusite de etiologia viral caracteriza-se pela presença de
sinais e sintomas típicos desta patologia há menos de dez dias e sem
agravamento da sintomatologia desde o início da doença.2 Por outro lado, a
rinossinusite de etiologia bacteriana refere-se à presença de sinais e sintomas
há mais de dez dias com progressivo agravamento.2 Embora os sinais/sintomas de
dor facial, odontalgia, febre, fadiga, anosmia e sensação de pressão timpânica,
associados separadamente a rinorreia purulenta, indiciarem a suspeição de uma
infecção bacteriana, esta pode não o ser efectivamente.
Por outro lado, há que referir que enxaquecas, cefaleias tensionais e abcessos
dentários podem imitar a dor da rinossinusite aguda, mas a ausência de secreção
nasal purulenta exclui, de todo, esta patologia.
O correcto diagnóstico e tratamento de rinossinusite são importantes na
actividade diária do médico de família.
Esta revisão sistemática procura encontrar a melhor evidência sobre a
necessidade do uso de antibióticos no tratamento desta patologia, recorrendo à
comparação com placebo. Para tal foi realizada uma metanálise, segundo a
metodologia adequada e com homogeneidade entre os vários estudos incluídos. Os
resultados mostram que 47% dos doentes estão assintomáticos após uma semana
independentemente de estarem ou não sob antibioterapia e 71% dos doentes
encontram-se curados após 14 dias. No entanto, é de referir que o conceito de
cura varia entre os vários estudos incluídos, o que pode levantar questões
acerca da comparação entre eles.
Estes mesmos resultados indicam que esta classe farmacológica não deve ser
prescrita como tratamento de primeira linha no tratamento da rinossinusite não
complicada (OCEBM: Nível de evidência 1).3
Estes dados são semelhantes aos de outros estudos e normas de orientação
clínica recentes, nomeadamente as normas do National Institute for Health and
Clinical Excellence que defendem que a antibioterapia apenas deve ser prescrita
duas semanas e meia após o início do quadro clínico.4
Estas indicações não são aplicáveis a todos os grupos populacionais,
nomeadamente a crianças, doentes crónicos e imunodeprimidos, devendo por isso
ser realizados mais estudos de boa qualidade metodológica que abranjam os
mesmos.
Não obstante às limitações apresentadas, estes dados podem ser relevantes na
prática clínica diária dada a generalização da prescrição de antibióticos nesta
patologia, uma vez que a maioria das situações de rinossinusite aguda é de
etiologia viral, para a qual deve ser realizado apenas tratamento sintomático,
não havendo nesta, qualquer benefício clínico na prescrição de antibioterapia.
Esta prescrição pode mesmo contribuir para o aumento de resistência aos
antimicrobianos, para a ocorrência de reacções alérgicas/efeitos secundários e
para o aumento de interacções farmacológicas.