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EuPTCVHe2182-51732013000100004

EuPTCVHe2182-51732013000100004

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN2182-5173
Year2013
Issue0001
Article number00004

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Disfunção sexual feminina em idade reprodutiva: prevalência e fatores associados

Introdução Uma vida sexual satisfatória é parte integrante da saúde global do ser humano e do bem-estar individual, sendo muito importante numa relação afetiva. A sexualidade é multifatorial e influenciada por todas as dimensões do indivíduo, nomeadamente a personalidade, a biologia, o ciclo de vida e as experiências sexuais prévias.1 A resposta sexual feminina é complexa e foi caracterizada pela primeira vez por Masters e Jonhson, em 1966, sendo constituída por quatro fases: excitação, plateau, orgasmo e resolução.2 Em 1979, Helen Kaplan abordou a importância do desejo, como uma fase cerebral prévia e propôs um modelo trifásico: desejo, excitação e orgasmo.3 Este modelo é a base das atuais classificações da disfunção sexual feminina (DSF) que se baseiam na falência de uma ou mais fases deste ciclo.4,5,6 A disfunção sexual entende-se por toda a situação em que o indivíduo não consiga concretizar uma relação sexual ou em que esta seja insatisfatória para si e/ou para o seu companheiro.7 Esta pode caracterizar-se por uma alteração no desejo sexual, na presença ou manutenção da excitação sexual e respostas somáticas à mesma, na capacidade de obter o orgasmo, na perturbação dolorosa da função sexual ou na sobreposição de qualquer uma destas alterações. Qualquer disfunção sexual pode estar, ou não, associada a mal-estar, avaliado subjetivamente por cada indivíduo.4,5,8 A classificação das DSF foi amplamente discutida na comunidade científica, levando à elaboração de um painel de consenso pela Fundação Americana de Doenças Urológicas, em 1998. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a disfunção sexual define-se na Classificação Internacional de Doenças (CID-10) como uma incapacidade frequente, pelo menos seis meses, de o indivíduo ter a vida sexual que desejaria e inclui várias categorias, dando ênfase aos fatores físicos que influenciam esta satisfação.9 Por outro lado, a Associação Americana de Psiquiatria, através do Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, edição (DSM-IV), define a disfunção sexual como uma desordem psicofisiológica em qualquer fase do ciclo de resposta sexual, numa vertente mais relacional e emocional, considerando ainda a disfunção sexual associada ao consumo de substâncias.10 Para uniformizar estas classificações surgiu o painel de consenso referido, que dividiu as disfunções sexuais em quatro categorias de classificação: desejo sexual hipoactivo (DSH), onde se inclui a aversão sexual; transtornos da excitação (inclui problemas de lubrificação, relaxamento muscular, sensibilidade clitoriana, fatores psicológicos e medicação); transtornos do orgasmo e transtornos sexuais dolorosos (onde se inclui a dispareunia e o vaginismo). Este consenso definiu ainda a presença de mal-estar como fundamental ao diagnóstico de determinadas desordens.11 Existem vários fatores de risco associados a disfunção sexual, entre eles a doença neurológica, endócrina ou vascular, a cirurgia genital, o abuso sexual, o nível educacional e socioeconómico, fatores psicológicos e interpessoais (depressão, ansiedade, relação com o parceiro), doenças físicas (cancro, infertilidade), medicação (anticoncecionais orais e antidepressivos) e alterações hormonais fisiológicas como a menopausa e a amamentação.1,4,5,6,8,12 A prevalência da disfunção sexual é elevada,8 situando-se entre os 25 e os 63% a nível mundial, mas os estudos realizados são escassos4 e os dados observados são bastante heterogéneos e usam diferentes modelos de classificação.5,12 Num estudo realizado nos EUA, em 31.581 mulheres entre os 18 e os 102 anos, estimou-se que cerca de 43% apresentassem alguma queixa neste sentido. O mesmo estudo evidenciou uma prevalência de 22% de distúrbios sexuais subjetivamente associados a mal-estar. O problema sexual mais comummente identificado foi o DSH (38,7%), tendo sido o transtorno do orgasmo o menos prevalente (20,5%).13 Num estudo realizado em 1.219 mulheres brasileiras obteve-se uma prevalência de 49%, tendo sido o transtorno da excitação sexual o distúrbio mais comum (26,7%).14 Existem poucos estudos na população portuguesa mas as prevalências encontradas variam de 40 a 74%.5,15,16 Num estudo de 2005 foi estimada uma prevalência global de DSF de 56% (35% apresentavam DSH, 31,6% transtornos de excitação ou orgasmo e 24,1% transtornos dolorosos na relação sexual).17 Num estudo com uma amostra de 47 mulheres, o DSH foi o problema mais comum, estimando-se uma prevalência de 40,4%.15 Noutro estudo realizado no norte do país, numa amostra de 422 mulheres, a prevalência da disfunção sexual foi bastante mais elevada, situando-se nos 74,2%, tendo sido a dispareunia o distúrbio sexual mais comum.5 A heterogeneidade destes dados revela a necessidade de se realizarem mais estudos neste âmbito e em diferentes regiões do país.

Na maioria dos estudos realizados nesta área, a prevalência da disfunção sexual aumenta com a idade.8,18,19 No climatério e na pós-menopausa aumentam significativamente as queixas no âmbito sexual como a falta de desejo, a dor durante o coito, a falta de lubrificação e a dificuldade em atingir o orgasmo.8,20 As mudanças hormonais associadas a esta fase do ciclo de vida, como o decréscimo de estrogénios e de testosterona (na fase pré e pós- menopausa) estão associadas a estas queixas como vários estudos demonstram.8,18,20,21 Com a idade, diminui a frequência das relações sexuais, acompanhada contudo pela diminuição da angústia associada a este facto.19,21,22 A prevalência do DSH ronda os 40 a 50% nas mulheres pós-menopausa, ficando-se pelos 15 a 25% nas mulheres em idade reprodutiva. Foi encontrada uma prevalência de disfunção sexual de 36% num estudo que avaliou 100 mulheres entre os 20 e os 39 anos, sendo a anorgasmia a perturbação mais comum (18%), seguida da dispareunia (13%) e da disfunção do desejo sexual (11%). No mesmo estudo foi encontrada associação entre o baixo nível de escolaridade e a presença de disfunção sexual, tal como noutros estudos.23,24 O presente trabalho de investigação tem como objetivos determinar a prevalência global da disfunção sexual e dos seus subtipos em mulheres em idade reprodutiva e determinar se existe associação com fatores sociodemográficos, método contracetivo ou pré-existência de experiencias sexuais negativas.

Métodos Tratou-se de um estudo observacional, transversal e analítico com recurso a um questionário de autorresposta, confidencial e anónimo, selecionando as participantes pelo método de amostragem aleatória a partir de uma população de 4.114 utentes do sexo feminino, entre os 18 aos 58 anos, utentes da Unidade de Saúde Familiar (USF) Novo Cuidar, do Centro de Saúde de Fafe.

Para garantir significância estatística aos resultados do estudo, a amostra foi calculada, com recurso ao programa informático Epi InfoTM (disponível gratuitamente na página do Center for Disease Control and Prevention, Atlanta, USA) e utilizando a função STATCALC, tendo-se chegado a uma dimensão amostral de 346 utentes. Para este cálculo foi utilizada uma prevalência estimada de 57% (média das prevalências encontradas para a disfunção sexual em Portugal), uma precisão de 5% e um nível de confiança de 95%. Através de informação constante do processo clínico ou do respetivo médico assistente foram excluídas da amostra selecionada: as utentes acamadas, internadas ou institucionalizadas, as mulheres analfabetas ou portadoras de deficiência mental e as mulheres virgens ou em menopausa. As utentes selecionadas foram convidadas a participar pessoalmente (no caso de terem consulta agendada por outro motivo durante o período de recolha de dados) ou por envio de postal. As utentes que não aceitaram participar foram substituídas por outras também selecionadas de forma aleatória da população em estudo. Após obtenção do consentimento informado os questionários foram autopreenchidos de forma anónima e confidencial.

O questionário aplicado foi baseado na «Entrevista de Disfunções Sexuais versão feminina» criada por Sbrocco, Weisberg e Barlow em 1992 e traduzida e adaptada para a população portuguesa por Nobre et al em 2003.25 Este instrumento facilita a atribuição de diagnósticos clínicos consistentes e válidos com base nos critérios definidos pelo DSM-IV.

O questionário é constituído por 43 questões e dividido em quatro secções, levando cerca de 10 a 15 minutos a ser preenchido. A primeira parte refere-se a dados sociodemográficos (aos quais foi acrescentada pelos autores uma questão sobre contraceção), a segunda parte avalia a frequência da atividade sexual, a terceira visa a existência e caracterização de disfunção sexual e seus subtipos e a última pesquisa a existência de experiências sexuais indesejadas.

Foi considerado pelos autores: i) disfunção sexual a existência de pelo menos um subtipo de DSF; ii) disfunção sexual associada a mal-estar a existência de respostas «algum» ou «muito» na pergunta relacionada com mal-estar em cada secção; iii) perturbação do desejo sexual, as respostas «baixo» ou «muito baixo» na pergunta relativa ao interesse na atividade sexual; iv) perturbação da excitação a resposta «sim» na pergunta sobre a dificuldade em atingir a lubrificação; v) perturbação do orgasmo a resposta «sim» na pergunta relativa a dificuldade em atingir o orgasmo; vi) dispareunia a existência de dor associada à atividade sexual; vii) vaginismo a contração involuntária da parede vaginal.

Foram considerados válidos os questionários com resposta às questões que avaliam a existência de cada um dos subtipos de disfunção sexual (3.1, 3.2.1, 3.3.1, 3.4.1 e 3.5.1). A escolaridade baixa foi considerada do ao ciclo e a alta desde o secundário até à pós-graduação. Em relação ao nível de atividade profissional, foram consideradas ativas as mulheres empregadas, estudantes ou domésticas e não ativas as desempregadas ou reformadas.

Para a análise dos dados obtidos, estes foram codificados e posteriormente informatizados, utilizando o programa SPSS versão 19.0. A abordagem inicial passou por análise descritiva da amostra e posteriormente foram utilizados testes estatísticos como o teste Qui-Quadrado para comparar proporções e o teste de Fisher quando uma das frequências esperadas no Qui-quadrado era menor que 5. Para determinar a força de associação entre variáveis foi utilizado o Odds Ratio (OR) com um intervalo de confiança de 95% (nível de significância de 0,05). Foram utilizados também o teste t-Student e o teste de Mann-Whitney para testar a associação entre variáveis qualitativas e quantitativas com um intervalo de confiança de 95% (nível de significância de 0,05).

Resultados Da amostra inicial de 346 utentes foram recebidos 299 questionários, o que traduz uma taxa de resposta de 86,4%. Após remoção dos questionários inválidos, obteve-se uma amostra final de 214 participantes.

A média de idades encontrada foi de 35,6 anos, sendo a idade mínima 18 anos e a máxima 57. A maioria das mulheres era casada (64,2%), com o 12º ano de escolaridade (23,3%) e empregada (72,6%). A mediana do número de filhos por mulher era de 1, com o mínimo de 0 e máximo de 4 (Quadro_I).

O método contracetivo mais usado pelas mulheres era o hormonal, 60,5%, sendo que 11,6% das mulheres não utilizava qualquer método contracetivo. A mediana de frequência de relações sexuais mensais situava-se nos 8, com um mínimo de 0 e um máximo de 30. A mediana da frequência ideal referida pelas mulheres foi de 8 relações sexuais mensais (Quadro_II).

A prevalência encontrada para a DSF nesta amostra de mulheres foi de 77,2% (IC95% 72,0-82,7), sendo a DSF em 49,3% associada subjetivamente a mal-estar. A perturbação do orgasmo foi a mais prevalente, referida por 55,8% das mulheres (IC95% 51,0-63,9). Dos fatores associados a esta perturbação, o stress foi o mais prevalente (30,7%). A dispareunia foi a segunda perturbação mais referida pelas mulheres (40,9%, IC95% 35,6-49,0), sendo o momento referido como mais doloroso (27,4%), «durante o ato sexual». O vaginismo registou 16,7% de prevalência (IC95% 12,1-22,8) e as experiências sexuais indesejadas prévias, 6,5% (IC95% 3,4-10,6) (Quadro_III).

A existência de DSF foi independente de: grau de escolaridade, profissão (Quadro_IV), média de idade das mulheres, média de idade do parceiro, mediana do número de filhos por mulher e uso de contracetivo hormonal (Quadro_V e Quadro_VI).

A mediana da frequência mensal de relações sexuais entre as mulheres com DSF foi diferente da das mulheres sem qualquer perturbação (p = 0,038) (Quadro_V).

A existência de experiências sexuais indesejadas prévias também não foi estatisticamente associada a DSF; no entanto, quase todas as mulheres com estas experiências apresentaram algum tipo de disfunção sexual (92,9%). Pelo contrário, foi encontrada uma associação estatisticamente significativa entre a aversão sexual e a existência de uma história prévia de abuso sexual, a qual parece conferir uma probabilidade superior de vir a desenvolver esta disfunção (OR= 7,818, IC = 95%) - (Quadro_VII).

Quanto à perturbação do desejo, as mulheres que usavam contracetivo hormonal, em relação às que usavam outro método contracetivo ou nenhum, tinham uma probabilidade 2,6 vezes superior de vir a sofrer de diminuição do desejo sexual (OR = 2,598, IC = 95%) (Quadro_VIII).

Discussão Os objetivos propostos neste estudo foram atingidos, tendo-se obtido uma prevalência de DSF de 77,2%, concordante com outros estudos realizados em Portugal.5,7 Quando avaliado o critério «mal-estar» associado a DSF, a prevalência encontrada diminuiu para 49,3%, valor que, apesar de elevado, demonstra a desvalorização deste problema por muitas mulheres.

Os transtornos da excitação (particularmente falta de lubrificação) aumentam de 10-15% para 25-30% após a menopausa, situando-se a dispareunia nos 12-45% nestas mulheres, sendo raros na fase reprodutiva (5%). Os problemas associados ao orgasmo parecem andar pelos 20% em todas as faixas etárias.20 No entanto, existem outros estudos que contrariam esta tendência e que consideram a DSF na idade reprodutiva como subestimada. Num estudo realizado numa população de mulheres em idade reprodutiva, a prevalência do DSH atingiu os 77%, o transtorno da excitação os 62% e a dificuldade em atingir o orgasmo foi referida por 56% das mulheres.13 Outro estudo realizado em 384 mulheres (entre os 21 e os 45 anos) estimou uma prevalência global de 68,3%, verificando-se um pico etário de disfunção sexual entre os 26 e os 30 anos de idade.6 A perturbação do desejo neste estudo foi de 25,7%. Contudo, não foram consideradas como diminuição do desejo sexual as respostas «médio», o que pode subestimar a real prevalência desta perturbação. A toma de anticoncecionais hormonais esteve associada a uma diminuição do desejo, o que não aconteceu com outros métodos contracetivos ou nenhum (p = 0,003). Esta relação foi verificada em estudos anteriores, nomeadamente num estudo alemão com cerca de 1.000 mulheres.26 Alguns estudos mostram como fundamental para o desejo sexual a atração pelo parceiro e também a não existência de algumas perturbações psiquiátricas como ansiedade e depressão,4,13 tratando-se de pontos importantes a abordar clinicamente.

A perturbação da aversão foi referida por 14% das mulheres e a da excitação por 21,4%. Esta última perturbação foi avaliada somente com base em dificuldades em atingir ou manter a lubrificação, pelo que seria importante medir outras variáveis como o fluxo sanguíneo pélvico e o intumescimento da genitália externa, mais difíceis de serem autoavaliadas pela mulher. A dispareunia apresentou a segunda prevalência mais elevada (40,9%), tendo sido mais referida a dor durante o ato sexual (27,4%). O vaginismo apresentou uma prevalência de 16,7%, ligeiramente inferior à de 25,5 a 34,3%, de outros estudos.5,15 A prevalência de mulheres com experiências sexuais indesejadas no passado foi de 6,5%. Estatisticamente, não foi encontrada associação entre experiências indesejadas anteriores e disfunção sexual (p = 0,310), apesar de quase todas as mulheres com este background apresentarem algum subtipo de disfunção. Foi encontrada uma relação estatisticamente significativa entre aversão sexual e história de experiências sexuais indesejadas (p = 0,001), o que faz sentido dada a componente traumática destes acontecimentos. Alguns estudos anteriores tinham relacionado a DSF com história de abuso sexual no passado.4,12 O nível de escolaridade das mulheres e a sua posição socioeconómica foi discutida na literatura, tendo vários estudos correlacionado positivamente o baixo nível de escolaridade com a disfunção sexual.1,12,13,23,24 No entanto, neste estudo não foi verificada associação entre o nível educacional das mulheres e uma maior prevalência de DSF, resultado similar a um estudo brasileiro de 2010.27 Neste estudo também não foi encontrada associação estatisticamente significativa entre a média de idade das mulheres, média de idade do parceiro, a mediana do número de filhos e a DSF. No entanto, seria importante no futuro indagar sobre o papel do parceiro e do relacionamento sexual e emocional no desenvolvimento de disfunções sexuais, apontado em alguns estudos como fundamental.4 A mediana de frequência mensal de relações sexuais entre as mulheres com DSF foi superior à das mulheres sem DSF, o que pode sugerir que mais importante que relações sexuais frequentes será o prazer tirado nas mesmas e a qualidade do relacionamento com o parceiro.

Este estudo é dos primeiros a avaliar a DSF em mulheres portuguesas somente na idade reprodutiva, o que poderia levar-nos a esperar uma prevalência menor, uma vez que a menopausa e as alterações hormonais esperadas nessa fase são comprovadamente fatores importantes para o desenvolvimento de disfunções sexuais.20,21,22 No entanto, as prevalências encontradas foram elevadas, subvalorizando fatores hormonais e emocionais próprios da idade não reprodutiva da mulher, o que tinha sido demonstrado em estudos realizados noutros países, onde se apuraram prevalências de DSF, antes da menopausa, na ordem dos 45 a 63%.6,18 Alguns fatores a serem abordados em estudos futuros são a toma de alguns medicamentos (não especificados no questionário), a instabilidade da relação ou problemas sexuais entre parceiros e, uma vez que estamos a estudar mulheres em idade reprodutiva, seria interessante questionar a fase do ciclo reprodutivo em que a mulher se encontra, a importância da gravidez e a existência de filhos como fatores possivelmente associados a DSF.

A existência de múltiplos critérios de diagnóstico, ao invés da universalidade na avaliação de DSF, pode levar a um viés de classificação. Relativamente à definição de DSF e seus subtipos utilizou-se a descrita no DSM-IV, uma vez que o questionário se baseia nesta classificação. Contudo, apurou-se também o critério subjetivo «mal-estar», fundamental no diagnóstico proposto pelo consenso de 1999 da Associação Americana de Doenças Urológicas. Outra limitação do estudo prende-se com a delicadeza e intimidade do tema em questão, que pode ter levado algumas mulheres a responderem de acordo com o que pensariam ser mais aceite socialmente e não de acordo com a sua situação. No entanto, o fato de o questionário ser anónimo e de autopreenchimento tentou contornar o possível enviesamento de respostas. Outra limitação possível do estudo é a existência de um viés de seleção, ao excluírem-se as mulheres analfabetas, acamadas e institucionalizadas. Por outro lado, e apesar de a amostra ter sido selecionada aleatoriamente, o estudo dependeu da colaboração voluntária das mulheres, o que pode levar a um viés de seleção, podendo as que tiveram mais disponibilidade para se deslocarem à USF serem as que se sentiram mais confortáveis com o tema. Reconhece-se, ainda, como limitações a não formulação de hipóteses a testar a priori, assim como a não realização de uma análise multivariável (regressão logística) para determinar a força de associação entre variáveis e detetar fatores de confundimento.

Os dados obtidos neste estudo permitem-nos concluir que a DSF, tal como definida, tem uma prevalência muito elevada também na idade reprodutiva. A prevalência dos subtipos de DSF é elevada, tendo sido a disfunção do orgasmo a mais prevalente, o que nos leva a questionar o papel do parceiro e da medicação em estudos futuros. Apesar da sua difícil avaliação e da disparidade de definições de DSF, este é um problema real e que muito pode afetar a qualidade de vida das mulheres e dos seus parceiros. No entanto, um dos resultados importantes deste estudo foi que quase metade das mulheres com algum tipo de disfunção sexual não a considerava um problema, pelo que o médico deve estar atento a este problema mas também ter a perceção de que a sexualidade da mulher é complexa e multifatorial e que, se não é vista como um problema pela própria mulher, não deve ser medicalizada e colocada no espectro de doença. A DSF é actualmente um tópico controverso pela excessiva publicitação e medicalização de que tem vindo a ser alvo, particularmente pela parte da indústria farmacêutica.28,29 Nos últimos anos esta indústria tem mostrado um interesse agressivo na DSF, registando-se um crescendo de estudos, muitos deles patrocinados por essa mesma indústria. Alguns desses estudos levaram a conclusões redutoras de que este seria um problema muito prevalente e passível de tratamento farmacológico, não tendo em conta a história individual de cada mulher, a sua esfera relacional, cultural, social e psicológica. É por isso importante que o médico de Medicina Geral e Familiar tenha esta visão global da mulher, antes de fazer um diagnóstico ou prescrever um fármaco para este problema que, muitas vezes, necessita de uma abordagem holística e multidisciplinar.


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