Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

EuPTCVHe2182-51732013000400005

EuPTCVHe2182-51732013000400005

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN2182-5173
Year2013
Issue0004
Article number00005

Javascript seems to be turned off, or there was a communication error. Turn on Javascript for more display options.

Motivos de consulta em Medicina Geral e Familiar no distrito de Coimbra no ano de 2010

Introdução Os Cuidados de Saúde Primários (CSP) e em particular a Medicina Geral e Familiar (MGF) são a porta de entrada no Serviço Nacional de Saúde e o que acontece neles deve ser estudado. pouco conhecimento sobre os motivos que levam as pessoas a procurar o seu médico de família (MF), o que pode conduzir a uma abordagem e compreensão dos conceitos de prevenção, promoção e risco.1 Em muitos países falta de informação sobre os motivos que levam os utentes a dirigir-se aos CSP e em Portugal verifica-se o mesmo desconhecimento. Os registos informáticos são fundamentais em qualquer sistema de saúde2 e em MGF podem ser utilizados não para avaliar o trabalho dos clínicos, como também para estudo de um extenso conjunto de informação disponível e de fácil acesso para investigação, fornecendo importantes dados epidemiológicos. O estudo do motivo de consulta e expetativas do doente permite o desenvolvimento da Saúde Pública e de programas de prevenção e o fornecimento adequado de cuidados diretos ao utente.2,3 O motivo de consulta é definido como "um termo acordado que transmite as razões pelas quais um paciente entra no sistema de saúde e representa o motivo desta pessoa".4 Os motivos pelos quais os pacientes procuram o seu MF podem ser extremamente variáveis, passando por pedido de procedimentos administrativos, de rastreio, de seguimento de doenças crónicas e de avaliação de sinais e sintomas, entre outros.4,5,6 Assim, o conhecimento da distribuição da frequência dos motivos de consulta poderá ter impacto na dinâmica da consulta e na rapidez e eficiência da atuação médica, em particular em MGF, quando são utilizados instrumentos normalizados para conhecimento do que se pretende medir.7 A International Classification for Primary Care (ICPC) foi publicada em 1987 pelo Comité de Classificação Internacional da WONCA (World Organization of Family Physicians).A versão atual (ICPC-2) resulta da revisão da primeira versão (ICPC-1).5 A ICPC baseia-se numa estrutura simples bi-axial: 17 capítulos num dos eixos, cada um com um código alfa, e, no outro eixo, 7 componentes com rubricas numeradas com códigos de dois dígitos. No fim de cada secção e subsecção, podem encontrar-se rubricas residuais, cuja descrição inclui a palavra "outros" ou "não especificado de outra forma". A ICPC-2 permite a classificação padronizada dos motivos de consulta, podendo ser utilizada juntamente com o método de Weed. Assim, a ICPC- 2 reflete elementos essenciais de cada encontro entre médico e utente, permitindo a anotação e posterior análise de vários dados decorrentes do encontro. Por um lado, a ICPC-2 é uma ferramenta útil e adequada na prática clínica, sendo proveitosa para o conhecimento psicossocial e posterior avaliação diagnóstica, tendo sido aceite pela Organização Mundial de Saúde como a melhor ferramenta de classificação nos CSP.6;8-11 No entanto, apesar de ser uma ferramenta útil para a codificação, é pouco adequada para a prática clinica diária não protegida, caracterizada por grande pressão assistencial, pelo que classificar usando a ICPC é adequado sobretudo em ambientes protegidos: investigação, internatos e ensino, entre outros.12-13 Este estudo tem como objetivo verificar quais os motivos de consulta registados pelos MF do distrito de Coimbra, no ano de 2010, utilizando a ICPC-2, avaliando a frequência por capítulo e pelos diferentes componentes do capítulo.

Materiais e Métodos Foi realizado um estudo observacional, transversal contabilizando os motivos de consulta codificados utilizando a ICPC-2 pelos MF do distrito de Coimbra durante o ano de 2010. Os ficheiros informáticos foram disponibilizados, em formato Excel®, pela Administração Regional de Saúde do Centro, após pedido da respetiva autorização, mediante aprovação do protocolo pela Comissão de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Os centros de saúde estudados utilizam a aplicação de registos médicos electrónicos SAM®.

O distrito de Coimbra tem uma área de 3.947 km² e uma população residente de 429.714 habitantes (Instituto Nacional de Estatística, 2009), integrando 17 municípios (Arganil, Cantanhede, Coimbra, Condeixa-a-Nova, Figueira da Foz, Góis, Lousã, Mira, Miranda do Corvo, Montemor-o-Velho, Oliveira do Hospital, Pampilhosa da Serra, Penacova, Penela, Soure, Tábua e Vila Nova de Poiares). O estudo decorreu sobre uma amostra de conveniência dos MF de 16 CS localizados em 12 destes 17 municípios. Não foram incluídos os utentes dos CS dos municípios de Cantanhede, Figueira da Foz, Lousã, Soure e Penela devido à não disponibilização atempada dos dados.

Foi utilizada estatística descritiva e utilizado o programa PAWS vs 19.

Resultados Foram estudados 453.388 motivos de consulta codificados nos 16 CS do distrito de Coimbra estudados, resultantes de 945.348 encontros no ano 2010, correspondendo a 0,48 motivos por encontro.

No quadro_I estão representados os motivos de consulta estudados, segundo o capítulo e o componente da ICPC-2. Os motivos de consulta mais frequentemente codificados pertenciam ao capítulo A "geral e inespecífico" (39,8%). A estes seguiram-se os motivos do capítulo L "sistema músculo- esquelético" (9,9%), do capítulo K "aparelho circulatório" (8,7%) e do capítulo W "gravidez e planeamento familiar" (7,8%).

(clique_para_ampliar_!_click_to_enlarge)

Mais de um terço dos motivos de consulta (30,8%) foram codificados no componente "sinais e sintomas" (Quadro_I). Seguiram-se os motivos dos componentes "procedimentos diagnósticos e preventivos" (20,0%), "resultados de exames" (19,3%) e "medicações, tratamentos e procedimentos terapêuticos" (16,6%).

Globalmente, o motivo de consulta mais frequente foi "resultados de análises/procedimentos" do capítulo "geral e inespecífico" (13,2%), seguido de "consulta de seguimento não especificada" do mesmo capítulo (4,6%) e de "exame médico/avaliação de saúde/ parcial" do "gravidez e planeamento familiar" (4,4%) (Quadro II).

Dos motivos de consulta do capítulo "geral e inespecífico", 30,0% corresponderam ao componente "resultados de exames" e 26,0% a "procedimentos diagnósticos e preventivos". "Sinais e sintomas" foram responsáveis por 6,5% dos motivos de consulta deste capítulo, sendo, destes, "febre" (40,5%), "debilidade/cansaço geral" (26,4%) e "sentir-se doente" (7,0%) as codificações mais utilizadas.

O capítulo "aparelho circulatório" foi responsável por 8,7% dos motivos de consulta, sendo, destes, 27,6% para o componente "medicações, tratamentos e procedimentos terapêuticos", 21,3% para "resultados de exames" e 18,1% por "sinais e sintomas" (28,2% dos quais "outros sinais/sintomas", 13,3% "fatores de risco de doença cardiovascular", 12,3% "tornozelos inchados/edema" e 10,0% "palpitações/perceção dos batimentos cardíacos").

O "sistema músculo-esquelético" correspondeu a 9,9% dos motivos de consulta, sendo, destes, 67,3% do componente "sinais e sintomas", 11,7% de "resultados de exames" e 10,1% de "medicações, tratamentos e procedimentos terapêuticos". Dos sinais e sintomas deste sistema apresentados como motivo de consulta, 19,6% eram da região lombar e 11,3% do joelho.

Pertenciam ao capítulo "gravidez e planeamento familiar" 7,8% dos motivos de consulta estudados. Destes, 67,3% eram do componente "procedimentos diagnósticos e preventivos" e 21,8% de "diagnóstico e doenças". No componente "sinais e sintomas" (apenas 2,7% dos motivos deste capítulo) foram mais frequentemente assinalados "contraceção oral" (27,7%), "questões sobre a gravidez" (22,1%) e "medo de estar grávida" (14,5%).

Considerando os capítulos em conjunto, o componente "sinais e sintomas" foi o mais codificado, correspondendo a um total de 139.748 motivos de consulta (30,8%). De entre estes (Quadro_III), os mais frequentemente codificados foram "tosse" (5,6%), "sinais/ sintomas da região lombar" (4,2%), "sinais/sintomas da garganta" (3,5%) e febre (3,5%).

Discussão Este estudo, debruçando-se sobre codificações, é o primeiro a fornecer informação detalhada sobre os motivos que, na ótica do paciente, levam a população do distrito de Coimbra à consulta com o MF.

Assumiu-se que os MF do distrito de Coimbra codificavam regularmente na sua consulta. No entanto, verificam-se apenas 0,48 motivos por encontro, sugerindo que esta prática não está, de facto, implantada. Pode-se incentivar a codificação investindo na consciencialização de que através da codificação se podem retirar dados importantes para estudos de investigação.

A diversidade dos capítulos encontrados nos motivos de consulta está de acordo com o facto de a MGF ser a porta de entrada no Sistema Nacional de Saúde.7,12,13,19,20 Quase 40% dos motivos de consulta codificados inserem-se no capítulo "geral e inespecífico", sendo cerca de um terço do componente "resultados de exames". A importância dos diferentes componentes varia entre capítulos. O componente "sinais e sintomas" foi globalmente o mais frequentemente codificado (30,8% de todos os motivos de consulta), assim como na maioria dos vários capítulos, à exceção dos "geral e inespecífico", "sangue, órgãos hematopoiéticos e linfáticos", "aparelho circulatório" e "gravidez e planeamento familiar". Estes resultados sugerem que os utentes procuram frequentemente os cuidados primários de saúde por sinais e sintomas e não por padecerem de uma doença bem definida, o que vai de encontro aos resultados de outros estudos.15 Os 30 sinais e sintomas mais frequentemente (57,1%) apresentados como motivo de consulta por parte dos doentes distribuem-se heterogeneamente. Deste conjunto de sinais e sintomas mais frequentes estão excluídos 7 capítulos: "sangue, órgãos hematopoiéticos e linfáticos", "olhos", "endócrino, metabólico e nutricional", "gravidez e planeamento familiar", "aparelho genital feminino", "aparelho genital masculino" e "problemas sociais".

No estudo publicado em 1984, Lamberts et al.15 chegaram à conclusão de que a população holandesa recorria mais frequente à consulta de MGF por motivos do "sistema músculo-esquelético", dos aparelhos circulatório e respiratório e, apenas em quarto lugar, por motivos de tipo geral e inespecífico, revelando alguma sobreposição com os capítulos mais comuns no presente estudo. Em relação aos sinais e sintomas mais frequentes no estudo holandês, a grande maioria corresponde aos encontrados no nosso estudo, à exceção da contraceção que representou naquele 2,4% das codificações. É ainda de realçar a inclusão nas mais frequentemente utilizadas de 2 codificações do capítulo "problemas sociais" (problema conjugal e problema ocupacional), sendo este um capítulo que em Coimbra é pouco usado.

Em 1995, José Guilherme Jordão,16 na sua tese de doutoramento "A medicina geral e familiar: caracterização prática e sua influência no ensino pré- graduado", descreve que os três motivos de consulta mais frequentemente codificados são dos mesmos capítulos que os encontrados o nosso estudo, mas por diferente ordem: "sistema músculo-esquelético" (16,3%), "aparelho circulatório" (14,1) e "geral e inespecífico" (13,3%). Por componentes, os dois mais usados foram, como no nosso estudo, "sinais e sintomas" (55%) e "procedimentos diagnósticos e preventivos" (18%), sendo "medicações, tratamentos e procedimentos terapêuticos" o terceiro (13,2%) no estudo de Jordão (e quarto no nosso).

Os resultados do nosso estudo por capítulos e por componentes também foram semelhantes aos encontrados no trabalho de Gabriel Rodrigues, de 2010,17 realizado no CS de Cascais, mas diferem quanto aos motivos de consulta mais frequentes, que em Cascais foram, por ordem decrescente: "exame médico/ avaliação de saúde/parcial circulatório", "renovação de prescrição geral e inespecífico" e "renovação de prescrição circulatório" (enquanto no nosso estudo foram, também por ordem decrescente, "resultados de análises/procedimentos geral e inespecífico", "consulta de seguimento não especificada geral e inespecífico" e "exame médico/avaliação de saúde/parcial gravidez e planeamento familiar").

No trabalho de Gustavo Gusso, em 2009, no Brasil,18 os motivos de consulta mais frequentes também foram os relativos ao capítulo "geral e inespecífico", seguindo-se o "sistema músculo-esquelético", "aparelho circulatório", "aparelho respiratório", "aparelho digestivo" e "gravidez e planeamento familiar". Estes dados também coincidem com os nossos nos três primeiros capítulos, diferindo nos seguintes. Quanto aos sinais e sintomas mais frequentes, verificou-se uma grande semelhança com os agora encontrados em Coimbra, à exceção de muitos motivos por "secreção vaginal", "contraceção oral" e "prurido". Os motivos de consulta mais frequentes foram "Medicina preventiva/manutenção da saúde", seguido de "medicação/prescrição/renovação/injeção circulatório" e de "febre", também diferentes dos do nosso estudo.

Se, quando considerados por capítulos e componentes, os resultados do nosso não diferem muito dos de outros estudos, quando considerados os motivos de consulta globalmente mais frequentes, existem diferenças entre todos os estudos realizados. Tal pode refletir diferenças reais nos motivos de consulta (decorrentes de diferentes sistemas de organização de cuidados ou de diferentes realidades epidemiológicas), ou diferenças na prática da codificação em si.

Como limitações deste estudo podem apontar-se: o desconhecimento sobre a proporção de MF que codifica motivos de consulta na sua prática diária; o desconhecimento sobre se os MF codificam todos os motivos de consulta de cada encontro com o utente; a eventual dificuldade dos clínicos em interpretarem alguns termos e conceitos apresentados pelo utente; e a possível utilização incorreta da ICPC-2 (apesar da existência de livro explicativo e de cursos para os médicos, quer especialistas, quer internos), resultando em certa probabilidade de a codificação não ser homogénea. Foi utilizada esta metodologia porque se assumiu que muitos médicos fazem codificação na sua prática diária e que, existindo nesta região uma experiência de utilização das ferramentas de codificação de, em média, quatro anos, está no momento de se iniciar estudos sobre esta prática. Os dados criados pela generalização da prática de codificação devem ser estudados, no mínimo com objetivos formativos.

O estudo dos dados resultantes da prática clínica diária assume-se assim como uma mais-valia adicional ao estudo das codificações de médicos especialmente treinados em contexto de investigação.

Concluindo, os motivos de consulta mais frequentes no distrito de Coimbra, no ano de 2010, utilizando a ICPC-2, foram, por ordem decrescente, do capítulo "geral e inespecífico", do "sistema músculo- esquelético" e do "aparelho circulatório". Por componentes, os motivos de consulta mais registados foram, por ordem decrescente, "sinais e sintomas", "procedimentos diagnósticos e preventivos" e "resultados de exames". Os sinais e sintomas que mais frequentemente motivaram consultas foram "tosse", "sinais/sintomas da região lombar" e "sinais/sintomas da garganta".

Os autores consideram importante o investimento na formação dos MF e internos de especialidade quanto ao uso da ICPC-2, para minimizar os erros de codificação. Consideram ainda que existe vantagem na codificação sistemática dos motivos de consulta de todos os encontros entre utente e médico. Devido à atual situação económica do país teria interesse repetir o estudo com dados mais recentes para averiguar uma possível alteração na codificação no capítulo "problemas sociais".


Download text