Inibidores Selectivos da Recaptação de Serotonina: Uma opção segura no
tratamento da depressão durante a gravidez?
CLUBE DE LEITURA
Inibidores Selectivos da Recaptação de Serotonina: Uma opção segura no
tratamento da depressão durante a gravidez?
Selective serotonin reuptake inhibitors: A safe option for treatment of
depression in pregnancy?
Catarina T. Fernandes
Interna em formação específica de Medicina Geral e Familiar
USF Espinho
Stephansson O, Kieler H, Haglund B, Artama M, Engeland A, Furu K, et al.
Selective Serotonin Reuptake Inhibitors during pregnancy and risk of stillbirth
and infant mortality. JAMA 2013 Jan 2; 309 (1): 48-54.
Introdução
A doença psiquiátrica materna está associada a resultados adversos para a
gravidez. O uso de inibidores selectivos da recaptação de serotonina (ISRS)
durante a gravidez foi associado à ocorrência de anomalias congénitas, síndrome
de abstinência neonatal e hipertensão pulmonar persistente do recém-nascido. No
entanto, o risco de nado-morto e mortalidade infantil em caso de doença
psiquiátrica materna prévia permanece desconhecido.
Objectivo
Avaliar o risco de nado-morto ou de mortalidade infantil associada ao uso de
ISRS durante a gravidez.
Métodos
Foi realizado um estudo de coorte de base populacional em todos os países
nórdicos (Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia), em diferentes
períodos, desde 1996 até 2007. O estudo incluiu mulheres com gestações únicas.
A informação relativamente ao uso materno de ISRS foi obtida através de
registos de prescrição. A caracterização materna e da gravidez e os resultados
neonatais foram obtidos através dos registos médicos das pacientes e dos
nascimentos.
Resultados
Entre os 1 633 877 nascimentos únicos do estudo, 6 054 foram nados-mortos; 3
609 mortes neonatais e 1 578 mortes pós-natais. Foram prescritos IRSR durante a
gravidez a um total de 29 228 (1,79%) mães. As mulheres expostas aos ISRS
apresentaram uma taxa de nados-mortos mais elevada (4,62 vs 3,69 por 1000,
P=0,01), bem como de morte pós-neonatal (1,38 vs 0,96 por 1000, P=0,03). A taxa
de morte neonatal foi semelhante nos dois grupos (2,54 vs 2,21 por 1000,
P=0,24). No entanto, em modelos com variáveis múltiplas, o uso de ISRS não foi
associado à ocorrência de nados-mortos (odds ratio ajustado (OR), 1,17;
Intervalo de confiança (IC) de 95%, 0,96-1,41; P=0,12), morte neonatal (OR
ajustado 1,23; IC de 95%, 0,96-1,57; P=0,11), ou morte pós-neonatal (OR
ajustado 1,34; IC de 95%, 0,97-1,86; P=0,08). Estas estimativas foram ainda
atenuadas quando estratificadas de acordo com hospitalizações anteriores por
doença psiquiátrica das mães. O OR ajustado relativo à taxa de nados-mortos em
mães com hospitalizações prévias devidas a doença psiquiátrica foi de 0,92 (IC
de 95%, 0,66-1,28; P=0,62) e de 1,07 (IC de 95%, 0,84-1,36; P=0,59) para as
mães não sujeitas a hospitalização prévia. Relativamente à morte pós-neonatal,
os valores de OR foram de 1,02 (IC de 95%, 0,61-1,69; P=0,95) para mulheres que
foram hospitalizadas e de 1,10 (IC de 95%, 0,71-1,72; P=0,66) para as mulheres
que não o foram.
Conclusões
Não foi encontrada uma associação estatisticamente significativa, nas mulheres
com gravidezes únicas dos países nórdicos, entre o uso de ISRS durante a
gravidez e o risco de nados-mortos, mortalidade neonatal ou pós-neonatal. No
entanto, a decisão relativamente ao uso destes fármacos durante a gravidez deve
ter em consideração outros resultados perinatais, bem como os riscos que advêm
da doença mental materna.
COMENTÁRIO
A depressão na gravidez é uma patologia comum nos países desenvolvidos, com
prevalência entre os 7 e os 19%.1 O uso de antidepressivos nas grávidas
constitui um problema devido aos potenciais riscos de toxicidade destes
fármacos e consequentes efeitos adversos peri e pós-natais, tais como
ocorrência de parto pré-termo, anomalias congénitas, dificuldade respiratória
do recém-nascido, entre muitos outros.1 No entanto, a interrupção ou não
instituição de tratamento em mulheres com patologia depressiva também acarreta
vários riscos para a mãe e para o bebé.2
Idealmente, a decisão quanto à utilização de fármacos antidepressivos durante e
após a gravidez deveria ser tomada ainda antes da concepção, avaliando os
riscos e benefícios em cada caso, sendo sempre preferível a monoterapia em
altas doses.2 Em casos de depressão ligeira, está preconizada apenas uma
abordagem não farmacológica.3 Nas situações de depressão major o tratamento
farmacológico com ISRS é o mais utilizado actualmente.4
De acordo com os critérios da Food and Drug Administration, usados pelo
Infarmed para classificação dos níveis de evidência de segurança de fármacos a
utilizar na gravidez, os ISRS são fármacos de categoria C (risco fetal
desconhecido, por falta de estudos alargados) e deverão ser usados apenas se o
benefício potencial for superior aos riscos.5
A norma relativa à "Saúde mental pré e pós-natal", do National
Institute for Health and Care Excellence, faz referência ao menor risco de
toxicidade fatal dos ISRS quando comparados com os antidepressivos tricíclicos,
sendo a fluoxetina o mais seguro.6 Esta recomendação é coincidente com a Norma
de Orientação Clínica da Direcção-Geral de Saúde, em que a fluoxetina e a
sertralina são considerados os antidepressivos de menor risco no tratamento da
depressão na grávida (Nível de evidência A, grau de recomendação I).4
O estudo aqui apresentado vem demonstrar que não existe associação
estatisticamente significativa entre a utilização de ISRS e o risco de nados-
mortos e de mortalidade infantil, o que permite considerá-los como opção válida
na terapêutica da depressão na grávida, conferindo alguma segurança na sua
utilização durante a gravidez.
Ainda assim, a decisão quanto à utilização de antidepressivos durante a
gravidez permanece muito controversa e deve ser ponderada e individualizada,
tendo em conta não só a toxicidade dos fármacos mas também os riscos para a mãe
e para o bebé, no caso de não tratamento destas situações. No entanto, dos
dados disponíveis e das recomendações preconizadas pelas diferentes sociedades,
os ISRS parecem ser o grupo farmacológico mais seguro no tratamento da
depressão das grávidas e com menos riscos para os seus filhos. Contudo, são
necessários mais estudos para avaliar a segurança dos antidepressivos
disponíveis para utilização durante a gravidez.