Corticoterapia na exacerbação de Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica - qual a
melhor opção: duração curta ou convencional?
CLUBE DE LEITURA
Corticoterapia na exacerbação de Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica - qual a
melhor opção: duração curta ou convencional?
Short-term vs Conventional Glucocorticoid Therapy in Acute Exacerbations of
Chronic Obstructive Pulmonary Disease
Mara Galhardo
Interna de Medicina Geral e Familiar
USF Dunas, ULS - Matosinhos
Leuppi JD, Schuetz P, Bingisser R, Bodmer M, Briel M, Drescher T et al.
Tiotropium Short-term vs conventional glucocorticoid therapy in acute
exacerbations of chronic obstructive pulmonary disease: the REDUCE randomized
clinical trial. JAMA 2013 Jun 5; 309 (21): 2223-31.
Introdução
As exacerbações da Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC) são um factor de
risco para a deterioração da doença estando, por isso, associadas a um aumento
substancial da morbi-mortalidade.
As normas de orientação clínica sobre o tratamento das exacerbações na DPOC
recomendam o uso de corticoterapia (30 a 40 mg de prednisolona oral durante 10
a 14 dias). Estudos aleatorizados demonstraram um benefício do uso da
corticoterapia em vários aspectos: melhoria clínica; redução do internamento
hospitalar quando necessário e recuperação mais rápida do volume expiratório
forçado no primeiro segundo (FEV1). Contudo a dose óptima e a duração da
corticoterapia permanecem desconhecidas. Alguns estudos observacionais têm
demonstrado resultados semelhantes entre terapêutica de alta e baixa dose assim
como curta (inferior a sete dias) e longa (superior a sete dias) duração. O uso
de corticoterapia de longa duração tem sido associado com um aumento da
mortalidade na DPOC e os efeitos dos corticóides não são obviamente
desprezíveis; assim é importante que a exposição a esta terapêutica seja
reduzida.
Este estudo foi desenhado para testar a hipótese que nos doentes com
exacerbação de DPOC tratados com corticoterapia de curta duração os resultados
clínicos não são inferiores a corticoterapia de duração mais longa.
Métodos
REDUCE (Reduction in the use of corticosteroids in exacerbated COPD)é um estudo
com quatro anos e 11 meses de duração, multicêntrico, aleatorizado, que
envolveu 314 doentes distribuídos por dois grupos terapêuticos: um constituído
por 157 doentes tratados com prednisolona 40 mg do dia 2 ao dia 5 e
posteriormente placebo dos dia 6 ao dia 14, e outro constituído por 157 doentes
tratados com prednisolona 40 mg do dia 2 ao dia 14. A toma no primeiro dia era
nos dois grupos de metilprednisolona por via endovenosa.
Os pacientes incluídos no estudo apresentavam idade superior a 40 anos,
antecedentes de hábitos tabágicos (≥20 UMA) e exacerbação de DPOC. Foi definida
exacerbação na existência de dois dos seguintes: agravamento do padrão habitual
de dispneia, tosse e produção de esputo. Foram excluídos deste estudo
indivíduos com asma, razão FEV1/capacidade vital forçada superior a 70%
avaliada por espirometria previamente à aleatorização, diagnóstico radiológico
de pneumonia, grávidas ou mulheres a amamentar, indivíduos com esperança de
vida inferior a 6 meses e pessoas sem capacidade para dar consentimento
informado escrito.
Após selecção dos doentes, estes foram aleatorizados e submetidos a um período
de acompanhamento de seis meses. Os doentes poderiam ser tratados em ambiente
hospitalar ou ambulatório.
Neste estudo, os investigadores definiram como end-point primário o tempo
decorrido até à ocorrência da próxima exacerbação. Foi definido à priori pelos
autores como critério de não inferioridade um aumento absoluto das exacerbações
até 15%, o que se traduz num hazard ratio de 1,515. Como end-points secundários
foram considerados mortalidade, melhoria clínica, dose cumulativa de
corticosteróides, duração do internamento, necessidade de ventilação mecânica e
efeitos laterais e complicações do uso de corticosteróides.
Resultados
O tempo decorrido até à primeira exacerbação não diferiu significativamente
entre os dois grupos: 43,5 dias no grupo corticoterapia de curta duração e 29
dias no grupo tratamento de maior duração. Um total de 56 doentes (35,9%)
alcançou o end-point primário no grupo tratado com corticoterapia de curta
duração em comparação com 57 doentes (36,8%) no grupo tratado com
corticoterapia de dose convencional. Numa análise por regressão de Cox, o risco
de re-exacerbação entre o grupo com tratamento de curta duração e duração
convencional é de 0,95 (intervalo de confiança 90 % 0,70 a 1,29) p=0,006 na
análise com intenção de tratar e de 0,93 (intervalo de confiança 90 % 0,68 a
1,26) p=0,006 na análise pelo protocolo. Estes resultados mantiveram-se sem
alterações mesmo quando a análises dos dados teve em conta DPOC de diferentes
estádios de gravidade.
No que concerne aos end-points secundários: a taxa de mortalidade não diferiu
significativamente nos dois grupos: o risco de morte entre o grupo com
tratamento de curta duração e duração convencional é de 0,93 (intervalo de
confiança 95 % 0,40 a 2,20) p=0,87 na análise com intenção de tratar e de 0,95
(intervalo de confiança 95 % 0,40 a 2,25) p=0,91 na análise pelo protocolo.
Durante o internamento hospitalar não se verificou maior necessidade de
ventilação mecânica no grupo sob corticoterapia de curta duração e a duração do
internamento neste grupo foi mesmo inferior à do grupo sob terapêutica
convencional, ainda que sem diferenças estatisticamente significativas.
Obviamente que a dose cumulativa de corticosteróides foi significativamente
superior no grupo com tratamento de maior duração. Relativamente aos efeitos
laterais e complicações da corticoterapia, não se verificaram diferenças entre
os dois grupos.
Discussão
Este ensaio foi especificamente desenhado para avaliar a não inferioridade de
corticoterapia de curta duração (cinco dias) relativamente à convencional (14
dias) no tratamento da exacerbação da DPOC. Os dados até aqui existentes eram
insuficientes relativamente a este aspecto.
Os autores escolheram como end-point primário o tempo até à próxima exacerbação
porque, como evidenciado no estudo SCCOPE (Systemic Corticosteroids in Chronic
Obstructive Pulmonary Disease), o benefício da corticoterapia verifica-se nos
primeiros 180 dias após exacerbação, tendo posteriormente um efeito semelhante
ao placebo.
Este estudo permitiu demonstrar que a terapêutica com prednisolona 40 mg do dia
2 ao dia 5 não é inferior à terapêutica com prednisolona 40 mg do dia 2 ao dia
14 no tratamento da exacerbação e no tempo decorrido até à re-exacerbação da
DPOC.
COMENTÁRIO
O benefício do uso de corticoterapia no tratamento das exacerbações da DPOC foi
estabelecido em 1999, quando Niewoehner et al demonstraram menos falências
terapêuticas com a sua utilização, contudo o seu exacto mecanismo de acção nas
exacerbações permanece por esclarecer.1,2
Este estudo mostra-se interessante porque, com o reconhecimento dos efeitos
adversos da corticoterapia e a consequente necessidade de redução de dose e
duração da terapêutica, demonstra que doses moderadas e por curtos períodos de
tempo são eficazes no tratamento das exacerbações e re-exacerbações da DPOC.
Estando estas associadas a um aumento da morbimortalidade na DPOC, constituem
um dos principais objectivos do seu tratamento.3
As normas de orientação clínica relativas à DPOC têm permitido uma
estandardização dos cuidados, mas as recomendações para a duração do tratamento
com corticoterapia têm vindo a ser baseadas na experiência clínica transformada
em consenso de peritos e não em evidência científica sólida.4 Este estudo ajuda
na clarificação das normas de orientação vigentes e permite optimizar a prática
clínica quando perante um doente com DPOC, com especial atenção para protecção
dos efeitos adversos das terapêuticas.
Permanecem por esclarecer alguns aspectos: a inexistência de um protocolo de
tratamento para as exacerbações de DPOC no desenho do estudo condicionando
diferentes formas de abordagem poderá ter tido impacto dos resultados obtidos;
todos os doentes que entraram no estudo receberam antibioticoterapia e uma gama
completa de terapia com inaladores levando, possivelmente, ao sobretratamento
das exacerbações; uma limitação na detecção de efeitos laterais e complicações
do uso de corticoterapia poderá prender-se com o facto de estes eventos terem
sido apenas monitorizados durante o internamento hospitalar e a duração do
internamento ser insuficiente para a sua detecção.