Conhecimento, Inovação e Território
I. INTRODUÇÃO
A evolução dos sistemas económicos tem revelado a centralidade do conhecimento
enquanto factor decisivo para o progresso tecnológico e inovação. Com o
processo de desindustrialização das economias ocidentais acentuou-se esta
tendência. No início dos anos 1970 Bell (1973) anunciava o fim das sociedades
industriais típicas do capitalismo do século XX e a irreversibilidade da
emergência da ciência e da tecnologia na sociedade do conhecimento[ii]. A
economia dependeria menos do trabalho e do capital e mais do factor
conhecimento, indispensável para a competitividade das empresas e para o
desenvolvimento das economias regionais e dos Estados-nação. É possível
encontrar manifestações desta tendência na estrutura das economias mais
avançadas, onde as funções de Investigação & Desenvolvimento (I&D),
gestão e administração (sedes sociais), serviços financeiros e de apoio à
produção, indústrias criativas, etc. ocupam um número crescente de pessoas e
geram uma parte substancial da riqueza produzida em cidades e regiões urbanas
(Scott, 2001; Van Winden et al., 2007). O reconhecimento deste facto relançou a
dimensão territorial enquanto unidade relevante de análise, investigação e
formatação de políticas públicas.
Nos sistemas económicos mais avançados, verifica-se uma mobilização sistemática
e permanente do conhecimento para monitorizar e avaliar resultados das acções
desenvolvidas e planear futuras acções, de forma a inovar e sobreviver num
mercado mais competitivo ao nível internacional. De forma a responder aos
desafios do desenvolvimento, diversas instituições têm contribuído para o
aumento do stockde conhecimento, como as instituições de ensino superior e as
unidades de investigação, centros tecnológicos, centros de formação
profissional, etc. Relaciona-se com os processos de inovação por estar no
centro das dinâmicas inovadoras, de tipo radical ou incremental, num leque que
pode ir da inovação do produto (ou serviço) à inovação de processos, passando
pela inovação organizacional. A inovação corporiza com sucesso o conhecimento
encapsulado por vários actores e tem sido responsável pela obtenção de ganhos
de produtividade elevados no sistema económico capitalista.
É impossível dissociar a emergência da economia do conhecimento do processo de
globalização. Assiste-se ao aumento da intensidade dos fluxos de bens,
informação, capital e pessoas, em resultado da evolução tecnológica das redes
de transporte e de comunicação (internet), bem como da acção política exercida
por um conjunto de instituições supra-nacionais na remoção das barreiras ao
comércio externo e à livre circulação de capitais. Esta aceleração dos fluxos
tem repercussões em virtualmente todas as regiões e Estados-nação, expondo as
empresas e os territórios a um novo modelo de competitividade global. Esta é a
principal característica da economia contemporânea, na qual a mobilização do
conhecimento e os processos de aprendizagem nas empresas e instituições se
tornam permanentes como forma de responder ao ambiente de forte competitividade
internacional, nacional e regional (Ascher, 2004).
O processo de globalização e a emergência da economia do conhecimento colocam
igualmente novos desafios para as regiões, especialmente porque fluxos de vária
natureza (económicos, do conhecimento, etc.) e intensidade e com configurações
espaciais muito variáveis não são controlados pelas instituições regionais e
cada vez menos pelas nacionais. A questão central decorre do
rescailingterritorial, entendido como a diferenciação e hierarquização de
escalas geográficas da estruturação sócio-espacial do capitalismo (Brenner,
2004). Surgem novas preocupações com a promoção do desenvolvimento territorial
e as políticas mais adequadas às regiões num quadro em que estas surgem cada
vez mais como espaços não limitados' (unbounded) e porosos, definidos a partir
das suas relações e conexões com outras unidades territoriais (Pike, 2007).
A geografia da inovação é marcada por uma clara concentração das actividades
intensivas em conhecimento em diversas escalas de análise, desde a cidade ao
Estado-nação. Esta diferenciação espacial tem sido estudada por muitos
geógrafos e economistas, pois trata-se de um domínio de grande relevância para
o desenvolvimento económico territorial. Este assunto tem gerado um intenso
debate na comunidade académica e, correndo o risco de simplificação, pode
resumir-se a duas posições, que designamos de sobre e subdeterminação regional.
Estas duas perspectivas corporizam diferentes visões conceptuais sobre o
desenvolvimento das regiões na economia do conhecimento: clustersinovadores
vs.redes de inovação não-locais. No primeiro caso, a aglomeração geográfica é o
principal factor que explica a especialização económica devido à geração de
externalidades positivas. Esta linha de argumentação ', tributária dos
contributos de Alfred Marshall e dos distritos industriais ', inscreve-se nas
teorias de sobredeterminação territorial, em virtude de valorizar a aglomeração
geográfica na interpretação das dinâmicas do conhecimento e da inovação. Porém,
teorias alternativas salientam a tendência para a diminuição do efeito causal
da concentração espacial nas dinâmicas de inovação ' numa perspectiva que
chamámos de subdeterminação territorial ', em resultado dos efeitos da
globalização da economia e da evolução das tecnologias de informação e
comunicação e da emergência de formas de organização em redes trans-regionais,
por exemplo, como é defendido por conceituadas escolas de gestão empresarial
(Doz et al., 2001).
Este debate pode sintetizar-se no confronto entre as perspectivas que valorizam
a proximidade geográfica no processo de inovação e as que atribuem maior relevo
às fontes de conhecimento não-locais nesse processo (sublinhe-se a
convergência, no entanto, relativa à grande centralidade e preocupação em
apoiar as dinâmicas do conhecimento e da inovação para promover o
desenvolvimento económico num quadro de forte competitividade internacional).
Como se depreende, este debate tem implicações substantivas para a orientação
das políticas de desenvolvimento territorial. Se o foco de análise é a
aglomeração geográfica, as estratégias de desenvolvimento tendem a reforçar a
capa-citação e a articulação institucional regional, a mobilizar de forma mais
eficiente os recursos disponíveis e a investir nas actividades locais e
regionais mais intensivas em conhecimento; ao invés, a focagem na rede de
actores tende a ignorar as condições locais e regionais nas dinâmicas do
conhecimento e da inovação e privilegia a internacionalização, a mobilização de
recursos não-locais e a cooperação territorial internacional. Concretamente,
identifica-se, no primeiro caso, a política económica de suporte aos clusterse
a política de desenvolvimento regional europeia orientada para a consolidação
dos sistemas regionais de inovação e, no segundo, as políticas económicas de
apoio às redes internacionais de I&D, mobilidade dos recursos humanos
qualificados e cooperação internacional entre actores regionais.
Em seguida expõem-se os principais argumentos de ambas as perspectivas, com o
objectivo de clarificar as implicações para o desenvolvimento das regiões na
economia global do conhecimento.
II. GEOMETRIAS VARIÁVEIS DA GEOGRAFIA DO CONHECIMENTO E INOVAÇÃO: CLUSTERS
VS.REDES DE INOVAÇÃO NÃO-LOCAIS
1. Dinâmicas de inovação e aglomeração geográfica
A importância da proximidade espacial nas dinâmicas de inovação dos territórios
constitui uma ortodoxia da geografia económica, paradigmaticamente ilustrada
por diversos modelos territoriais de inovação (Moulaert e Sekia, 2003), dos
quais se destacam os conceitos de distrito industrial, meios inovadores,
clusterse sistemas regionais de inovação.
A territorialização da inovação justifica-se pela relevância do conhecimento
localizado de tipo tácito, que pode ser definido como conhecimento com origem
na prática e baseado na experiência, logo dependente de contextos sócio-
territoriais (Storper, 1997). O famoso aforismo de Polany we know more than we
can tell capta perfeitamente o significado e as implicações da dimensão tácita
do conhecimento localizado, cujas dinâmicas suportam frequentemente inovações
de tipo incremental, dependentes das redes sociais locais (Antonelli e Ferrão,
2001). Segundo Storper (1995), a proximidade geográfica promove as interacções
no sistema local devido à partilha de linguagem, normas, valores culturais
comuns; ao invés, o conhecimento de tipo codificado ' por definição,
representado sob a forma escrita ou outro formato digital ou analógico ' pode
ser adquirido e absorvido pelos actores, desde que estejam dispostos a realizar
determinado investimento (tempo ou dinheiro), não implicando proximidade
espacial. Storper e Venables (2002) denominam buzz local ao ambiente vibrante
indispensável à produção de conhecimento e aprendizagem localizados. Segundo
Mackinnon e Cumbers (2007) [buzz] conveys the vibrancy and excitement of daily
life within a cluster with a proliferation of activities and events occurring
simultaneously, generating information of significant interest to local actors
(p. 242). No mesmo sentido, Gertler (1995) desenvolve o conceito de being
there para relevar os contactos pessoais e presenciais nas dinâmicas de
inovação. Também Morgan (2004) refere que os níveis de confiança são mais
elevados entre agentes com maior proximidade geográfica do que em relações mais
dispersas.
De acordo com Maskell e Malmberg (1999), a globalização acentua a ubiquidade
dos tradicionais factores de produção e, consequentemente, a única forma das
aglomerações inovadoras sustentarem o seu desenvolvimento e se manterem
competitivas depende essencialmente do factor conhecimento e aprendizagem
localizada, que são dificilmente deslocalizáveis e requerem proximidade, dada a
necessidade de reduzir a incerteza inerente aos processos de inovação. Neste
contexto, as aglomerações inovadoras são, em larga medida, explicadas pelas
dinâmicas de conhecimento e inovação, interdependentes das redes sociais e dos
contextos institucionais locais e regionais.
Uma abordagem, e escola, diferente (neoclássica) chega a conclusões semelhantes
sobre a explicação da aglomeração geográfica, atribuindo-lhe importância
capital na geração de rendimentos crescentes (Krugman 1991). Nesta perspectiva,
as cidades são vistas como entidades informacionais que permitem uma aceleração
dos fluxos de conhecimento, por via da inovação e dos spilloverstecnológicos e
das externalidades de capital humano. Jaffe et al.(1993) confirmaram
precisamente que os spilloversde conhecimento ' efeito de estímulo à melhoria
tecnológica entre os agentes próximos resultante de interacções não mercantis '
não estão, de facto, confinados a uma tecnologia específica e, deste modo,
comprovaram a relevância da diversidade para a geração e sustentação de
dinâmicas inovadoras (Jacobs, 1969). Numa linha diferente, Florida (2002)
atribui um papel estratégico às cidades, sublinhando a importância da
proximidade, diversidade e criatividade para a geração de dinâmicas de
inovação, que asseguram o fluxo sustentado de ideias entre indivíduos e
empresas e favorecem o ritmo de inovação (Vale, 2007).
A natureza intangível das dinâmicas de inovação dos territórios decorre (1) da
co-localização de agentes económicos resultante ' dependendo da escola ' de
economias de especialização (externalidades MAR[iii]) ou de diversificação
(Jacobs 1969) e (2) da possibilidade de múltiplos encontros fortuitos mas
eventualmente frutuosos para a inovação, seguindo a noção de knowledge is in
the air. No quadro I, sintetizam-se os argumentos em favor da proximidade
espacial para a inovação.
Quadro I ' Proximidade e processo de inovação.
Table I ' Proximity and the innovation process.
Estes estudos foram criticados pela tónica excessiva atribuída ao estudo das
relações locais nos sistemas de inovação (Markusen 1996), até por se considerar
irrealista e indesejável a auto-sustentação e isolamento de clustersinovadores,
quais ilhas de inovação sem inter-relações territoriais (Amin e Cohendet,
2004).
2. Dinâmicas de inovação e redes não-locais
Os estudos sobre as cadeias de produção globais e os sistemas sectoriais de
inovação reflectem a importância das redes de inovação sem delimitação espacial
fixa (Henderson et al., 2002; Vale e Caldeira, 2007) e por natureza multi-
escalares, que vão do global ao local e vice-versa (Dicken e Malmberg, 2001).
Boschma (2005) e Torre e Rallet (2005) destacam ainda outras formas de
proximidade não exclusivamente espaciais, tais como a proximidade
organizacional, relevante para a produção e disseminação de conhecimento.
Mudanças recentes na organização industrial e nas estratégias empresariais
demonstram que as formas de produção e difusão de conhecimento são mais
complexas e simultaneamente apresentam cada vez mais uma orientação não-local
(Gertler, 2003). Para Bathelt et al. (2004) successful clusters are the ones
that are able to build and maintain a variety of channels for low-cost exchange
of knowledge with relevant hot-spots around the globe (p. 33).
Os canais de comunicação com o exterior são designados pelos autores como
pipelinespara obtenção de conhecimento não disponível ao nível local (fig. 1).
Podem tomar a forma de parcerias estratégicas, comunidades de prática,
projectos, participação em eventos temporários (feiras internacionais), etc.
(Owen-Smith e Powell, 2002). Bathelt et al. (2004) afirmam que as redes
distantes complementam as redes locais especialmente nos estádios iniciais da
sua formação e até se atingir localmente um efeito de massa crítica; todavia, a
manutenção e diversificação das pipelinespode ser importante para evitar a
rigidez e os designados efeitos de lock-inà medida que o clusterevolui para um
estádio de maturidade. Nesta perspectiva alternativa, as pipelinesconsideram-se
veículos essenciais para aprendizagem não-local (quadro II), relevando assim a
proximidade relacional entre os actores em detrimento da centralidade da
proximidade espacial (Amin e Cohendet, 2004). Em termos gerais, verifica-se uma
influência dos estudos sobre as redes sociais com ligações distantes, cujas
conclusões confirmam a possibilidade de se atingirem níveis de cooperação
semelhantes às redes locais do cluster, desde que a rede de interacções seja
estável ao longo do tempo (Axelrod et al., 2002).
Fig. 1 ' Buzzlocal e pipelinesglobais.
Fig. 1 ' Local buzz and global pipelines.
Quadro II ' Distância e processo de inovação.
Table II ' Distance and the innovation process.
Em síntese, os canais de comunicação com o exterior para aceder a recursos e
conhecimento não disponíveis localmente podem reforçar as dinâmicas localizadas
de conhecimento e aprendizagem no clustere introduzem, segundo a perspectiva
evolucionista em geografia económica, variedade no sistema (Boschma e Frenken,
2006); por outras palavras, a aprendizagem não-local também traz vantagens para
a aglomeração. Apesar de, por esta lógica, também poderem destruir algumas
componentes do sistema, como por exemplo, empresas menos competitivas ou fontes
de conhecimento menos capazes de competir com a nova variedade.
Estas duas visões são, hoje, postas em questão (Asheim e Gertler, 2005; Asheim,
Boschma e Cooke, 2007; Storper, 2009). Este número temático da Finisterravisa
justamente contribuir para a superação destas duas abordagens teóricas acerca
da interpretação dos processos e das dinâmicas territoriais do conhecimento.
Num contexto de globalização e de valorização do conhecimento, os modelos
territoriais de inovação e de aprendizagem localizada não captam eficazmente as
dinâmicas territoriais do conhecimento contemporâneas, porque as redes de
actores relevantes, apoiadas por instituições locais, regionais, nacionais e
internacionais, extravasam o espaço regional e configuram relações
multiescalares. A configuração dos sistemas territoriais de inovação apresenta,
actualmente, uma estrutura multi-local decorrente das transformações
fundamentais enunciadas anteriormente; com efeito, nem as aglomerações de
actividades inovadoras estão isoladas e são auto-sustentadas per si, nem as
dinâmicas do conhecimento evolvem sem restrições espaciais (Crevoisier e Vale,
2008).
III. DINÂMICAS TERRITORIAIS DO CONHECIMENTO EM PORTUGAL
As relações inter-regionais em Portugal prefiguram as dinâmicas territoriais do
conhecimento. Como José Reis afirma no artigo, a ausência de estudos
aprofundados sobre este tema é relativamente escassa e, em conformidade, o
autor sustenta que pouco se sabe acerca do modo ' e também da forma ' em que o
desenvolvimento da sociedade e da economia portuguesas assentam em sinergias
inter-regionais, ou seja, não há estudos sobre as trajectórias e dinâmicas do
desenvolvimento das regiões em Portugal que equacionem o modo e a extensão da
influência do desenvolvimento de uma determinada região no desenvolvimento das
outras regiões e, reciprocamente, como é influenciado por estas.
Procurando superar a metodologia de análise assente nas matrizes inter-
regionais ou da determinação das áreas de influência urbana, Reis propõe uma
avaliação exploratória das interdependências regionais em Portugal e uma base
empírica de suporte, detendo-se especificamente na questão do efeito de
capitalidade no desenvolvimento das outras regiões portuguesas. Tratando-se de
um exercício exploratório ' que influenciará certamente outros trabalhos
futuros nesta temática ', conclui-se que o efeito de proximidade é, mesmo no
caso das áreas metropolitanas, relativamente limitado, bem como não se observa
um relação sinérgica de relacionamento entre regiões distantes (descontínuas)
mas similares, persistindo certas formas territoriais de desenvolvimento. Mais
estudos na temática dos spilloverstecnológicos e da metodologia da sua análise
ajudarão a compreender a complexidade das interdependências do desenvolvimento
das regiões portuguesas.
As dinâmicas regionais de inovação nas regiões portuguesas constituem o objecto
de estudo do artigo de Manuel Mira Godinho, baseando-se na análise de patentes,
beneficiando da disponibilização recente desta informação (patentes requeridas
por residentes em território nacional). No período de cerca de trinta anos '
entre 1980 e 2008 ' a liderança da região da Grande Lisboa é inequívoca, apesar
de nos anos mais recentes as regiões do litoral norte terem vindo a registar
uma dinâmica assinalável, num contexto de um crescimento do registo de patentes
particularmente forte, ao nível nacional, a partir do ano 2000.
As causas da dinâmica regional de inovação tão diferenciada residem na presença
e acção das instituições de ensino superior, cuja geografia apresenta enormes
desigualdades no território nacional, facto extremamente significativo devido
ao dinamismo insuficiente do sector empresarial no registo de patentes em
Portugal, contrastando com o comportamento observado nas regiões mais avançadas
da Europa.
IV. INOVAÇÃO, AMBIENTE, CULTURA E DESENVOLVIMENTO
Os recursos naturais e culturais podem ser activos importantes para o
desenvolvimento e competitividade das regiões. No artigo de Argentino Pessoa e
Mário Rui Silva, discute-se a relevância deste tipo de recursos e argumenta-se
em favor do seu papel ' até aqui largamente ignorado pelas políticas públicas
de inovação, dominadas pelo paradigma da sociedade baseada no conhecimento ' no
desenho das políticas regionais de inovação.
Os autores sublinham que a utilização de recursos naturais deve incorporar as
dimensões do conhecimento e da inovação, de forma a evitar o seu uso extensivo,
assegurar a sustentabilidade e gerar oportunidades económicas para o sistema de
ciência e tecnologia. No entanto, o uso deste tipo de recursos requer uma forte
coordenação, em virtude dos investimentos serem interdependentes e de se tratar
parcialmente de bens rivais. A construção de vantagens competitivas e do
desenvolvimento sustentável baseada nos recursos naturais e culturais regionais
depende largamente da capacidade de usufruir das externalidades assentes na
exploração do conhecimento técnico e simbólico. Os autores argumentam em favor
de uma descentralização da política pública para o nível regional, devido à
complexidade que advém da articulação das dimensões ambientais, culturais e
económicas e à necessidade de garantir uma maior eficácia da intervenção.
Numa escala de análise e numa perspectiva teórica e metodológica distinta,
Isabel André e João Reis discutem o papel do circo na construção do que
designam por meios socialmente criativos, quer se trate de bairros, cidades ou
regiões, abordando a questão num ângulo distinto de outras análises dominantes
sobre a criatividade e as cidades. Sustentam que a diversidade, tolerância,
participação e memória colectiva são essenciais para a inovação social e
desenvolvimento dos meios criativos, admitindo que o circo reúne estas quatro
características.
A partir do estudo de caso do Chapitô em Lisboa, os autores estabelecem uma
relação entre a arte circense e a inclusão social, apesar de reconhecerem que
importaria alargar a escala e o nível de qualificação de intervenção da
instituição para impulsionar a inovação sócio-territorial, particularmente
através da qualificação do espaço público como forma de promover a inclusão
social de jovens. No plano da afirmação do Chapitô, é de destacar a relevância
das parcerias com instituições nacionais e internacionais no domínio da
actividade circense. Os autores concluem que o circo, enquanto actividade
artística, reúne um conjunto de características que podem ser mobilizadas com
vantagem para a construção da cidade socialmente criativa.
V. CONHECIMENTO, REDES E TERRITÓRIOS
As redes sociais e as dinâmicas de empreendedorismo são relativamente bem
conhecidas em actividades de baixa ou média-baixa intensidade tecnológica em
Portugal, não acontecendo o mesmo nos sectores mais intensivos em conhecimento.
Visando preencher esta lacuna, o artigo de Margarida Fontes, Cristina Sousa e
Pedro Vieira centra-se precisamente no papel das redes sociais no acesso ao
conhecimento no clusterda biotecnologia, desenvolvendo para o efeito uma
abordagem e uma metodologia que reflectem as diferentes formas de proximidade '
geográfica, social, cognitiva e organizativa ' no estabelecimento de relações
críticas para obter conhecimento científico e tecnológico. A metodologia
proposta assenta em dois passos: reconstrução das redes mobilizadas para acesso
ao conhecimento, de forma a avaliar a sua composição, origem e estrutura;
medição das várias formas de proximidade das empresas em relação às fontes de
conhecimento.
As aglomerações de empresas de biotecnologia em torno dos principais centros de
produção de conhecimento e de negócios reflecte a valorização da proximidade
geográfica. Porém, os autores salientam que as relações distantes para aceder a
conhecimento científico e tecnológico são tanto mais importantes quanto menor é
a importância de relações de proximidade cognitiva, ou simplesmente, se as
fontes não existirem no local ou se, porventura, se revelarem pouco eficazes.
Nestes casos, os empreendedores tenderão a mobilizar elementos distantes das
redes sociais. Em síntese, os autores confirmam que a dicotomia local-distante
no acesso ao conhecimento científico é bastante redutora, tal como outros
autores têm vindo a sustentar, e não encapsula com rigor a realidade das
dinâmicas empresariais e do conhecimento.
Procurando igualmente superar a dicotomia local-global no estudo das relações
inter-empresariais e institucionais para o acesso ao conhecimento, Luís
Carvalho analisa o desenvolvimento das tecnologias flex-fuelem São Paulo
(Brasil). Seguindo a perspectiva evolucionista em geografia económica,
analisam-se os efeitos dinâmicos da participação de empresas do clusterem redes
globais do conhecimento e da inovação, pretendendo-se estudar a aprendizagem
local e a sua relação dinâmica com os pipelinesglobais do conhecimento.
Esta relação local-global evidencia uma mudança ao nível da empresa individual,
por alteração das suas rotinas, que alastra a outras empresas e agentes e
eventualmente culmina na alteração de trajectórias de especialização
tecnológica regional ou, como é o caso do flex-fuel, possibilita a emergência
de novas tecnologias. O autor destaca igualmente a manifestação de fenómenos de
co-evolução institucional decorrentes da progressiva afirmação de uma nova base
de conhecimento tecnológico na região, cuja origem assentou na abertura de
pipelinesexteriores por empresas transnacionais localizadas em São Paulo e
posteriormente envolveu um número significativo de agentes, com diferentes
missões e funções necessárias à criação de uma especialização regional em torno
da tecnologia automóvel centrada nos bio-combustíveis.
VI. CONHECIMENTO, INOVAÇÃO E PLANEAMENTO E GESTÃO DO TERRITÓRIO
A mobilização do conhecimento e a sua utilização nos processos de decisão
associados às politicas públicas ' e em particular no domínio do ordenamento do
território ' envolve um número elevado de agentes e denota uma enorme
complexidade. No artigo de João Mourato discute-se justamente a questão da
racionalidade da decisão no domínio do ordenamento do território. Em virtude
dos processos de decisão no ordenamento do território não estarem isentos de
bloqueios comunicativos entre os múltiplos agentes de inovação e de
disseminação do conhecimento envolvidos nas politicas públicas, os resultados
finais não configuram necessariamente quadros gerais de eficácia, facto que,
segundo o autor, poderá ser substancialmente solucionado com o recurso a
amplificadores de comunicação institucional, com a vantagem adicional de
facilitarem uma mudança na forma de entendimento da relação entre conhecimento
e território em Portugal.
A governança territorial configura mudanças recentes em Portugal decorrentes
das alterações de política para as cidades ' Polis XXI ' introduzidas pelo XVII
Governo Constitucional, visando a mudança de cultura na gestão das redes de
agentes mais directamente envolvidos no desenvolvimento do território. Susana
Monteiro estuda as redes urbanas para a competitividade e a inovação,
discutindo os incentivos a novos comportamentos, os obstáculos à mudança e o
papel dos diferentes actores. A autora frisa a necessidade da avaliação das
redes e do conhecimento produzido sobre causas e consequências do seu sucesso
vir a ser incorporado pelos decisores políticos em futuros processos de tomada
de decisão, de forma a contribuir para a aprendizagem colectiva e a consequente
melhoria dos instrumentos de desenvolvimento do território em Portugal.