O circo chegou à cidade! Oportunidades de inovação sócio-territorial
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“Circo tem, antes de mais, o fascÃnio do espaço circular, onde a
festa é envolvente e envolvida; onde os espectadores se vêem entre si
através do espectáculo e onde todos comunicam, porque todos se
referem ao ponto central que geométrica e sensorialmente nos liga.”
João dos Santos, 1981:181
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I. INTRODUÇÃO
Os meios artÃsticos, ou seja, aqueles onde as artes são a principal forma de
expressão e de comunicação, são, à partida, criativos. A arte só é
verdadeiramente reconhecida quando se afasta da reprodução e faz emergir um
novo objecto. Pode ser um corte com o passado, com as expressões instituÃdas,
mas pode ser também uma reconstrução ou uma reinvenção do passado. É
invariavelmente um novo ponto de vista – com ou sem expressão material – com
“ingredientes” que impulsionam a mudança e que combatem a inércia.
A produção artÃstica tem sido geralmente associada à s elites, pelo menos aquela
que é mais reconhecida do ponto de vista social e economicamente mais
valorizada. A beautificationda realidade e do quotidiano são preocupações que
surgem associadas aos grupos sociais e aos territórios mais favorecidos. As
últimas décadas têm observado, porém, mudanças significativas neste campo. No
mundo ocidental, a democratização da cultura e da arte tem sido uma preocupação
constante das polÃticas de desenvolvimento social e territorial. Com esse
objectivo, os investimentos em bibliotecas, museus, centros culturais ou
escolas de arte têm-se multiplicado.
Paralelamente, a arte é cada vez mais uma mercadoria. Nas sociedades pós-
industriais, ou simplesmente pós-modernas (porque também existe uma pós-
ruralidade), a produção cultural parece sobrepor-se à produção industrial. Pode
mesmo falar-se do entrosamento dos dois tipos de produção. A estética dos
produtos industriais, a importância da forma em detrimento da função, ou a
importância do prazer associado aos objectos ou às experiências são aspectos
que ganham cada vez mais relevo.
A própria produção artÃstica passa frequentemente pelos critérios associados Ã
competitividade. O debate sobre a cidade criativa é um dos melhores exemplos da
visão mercantil da cultura e das artes. De facto, Richard Florida (2002, 2008)
ou Charles Landry (2000) defendem que a atracção de gente criativa é a
principal condição para captar investimento. Na sua opinião, o capital segue as
rotas traçadas pela classe criativa!
Nesta cidade criativa, a cultura e as artes assumem um papel principal (Hall,
2000). Por um lado, a oferta cultural é um factor de atracção importante, seja
por via da arquitectura e do espaço público que configuram as condições de
habitação da classe criativa, seja através dos espectáculos, das exposições ou
de outros eventos que preenchem os tempos de lazer desse grupo. Por outro lado,
os artistas fazem parte da classe criativa. Tanto os artistas num sentido mais
tradicional – pintores, actores, músicos, etc. – como os mais contemporâneos
como os designers, produtores de vÃdeo, criadores de mensagens publicitárias e
outros.
O grande problema da cidade criativa é não ser normalmente uma cidade
inclusiva. Com frequência, a construção de uma grande sala de espectáculos, ou
de um museu no centro da cidade, leva à expulsão dos antigos residentes. Por
outro lado, as operações de regeneração urbana associadas à oferta imobiliária
dirigida à classe criativa correspondem normalmente a processos de
gentrificação (Ley, 2003; Moulaert et al., 2004).
Julgamos, no entanto, que a cidade criativa não é fatalmente exclusiva. Pode
ser uma cidade inclusiva e solidária. Ou seja, é possÃvel falar de cidades
socialmente criativas (Gertler, 2004; Scott, 2006).
O circo é uma expressão artÃstica com potencialidades singulares para
participar na construção de cidades socialmente criativas. Não tem uma história
ligada às elites. Até há poucas décadas, expressava-se frequentemente no espaço
público (a feira) através de pessoas que usavam os seus dotes artÃsticos para
sobreviverem. Mas, voltaremos ao circo mais tarde.
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II. MEIOS E LUGARES SOCIALMENTE CRIATIVOS
Um meio socialmente criativo não é apenas aquele que impulsiona a expressão
criativa mas também o que promove a inovação social. A inovação social é aqui
entendida como uma resposta nova para necessidades sociais não satisfeitas, ou
mesmo não reconhecidas. Essas respostas são diversas consoante as necessidades
em causa mas têm em comum a intenção de promover a inclusão social através da
transformação das relações sociais (configuradas a partir do trabalho, do
género, da etnia, etc.), nomeadamente pelo empowermente pela valorização do
capital social colectivo nas comunidades mais frágeis e vulneráveis (André e
Abreu, 2006; Martinelli et al., 2003; Klein e Harrisson, 2007).
Nesta perspectiva, a inovação social está associada a iniciativas que escapam Ã
ordem estabelecida, na medida em que representam uma nova forma de pensar ou de
fazer algo e uma mudança social qualitativa, uma alternativa – ou até mesmo uma
ruptura – face às práticas usuais ou convencionais. “L’innovation affronte
l’institué, c’est-à dire qu’elle défait la tradition, elle dépasse la routine
et elle défie les contraintes” (Comeau, 2004: 37).
O conceito de milieu innovateur, desenvolvido por Aydalot e pelo Groupe de
Recherche Européen sur les Milieux Innovateurs(GREMI) a partir dos anos 80
(Aydalot, 1986), pretende essencialmente dar conta de como é que os lugares
promovem ou dificultam a inovação. Contudo, a transposição do conceito de
‘milieu innovateur’para meio socialmente inovador, ou criativo, não é linear.
Embora se encontrem pontos de convergência, sobretudo em termos dos recursos
que incentivam a inovação e a criatividade, muitos outros parâmetros são
distintos.
A noção de plasticidade, adoptada da fÃsica, pode ajudar-nos a compreender a
natureza e as dinâmicas dos meios inovadores, em geral, e dos socialmente
criativos, em particular. “La plasticité désigne la capacité qu’ont certains
composants à s’in-former (recevoir une forme) et à se dé-former, tout en
gardant unité et cohérence. La plasticité est donc une condition nécessaire
pour que la vie apparaisse, se maintienne et puisse évoluer.” (Entrevista de
Dominique Lambert à Radio France Internationale, a propósito do livro Comment
les pattes viennent au serpent. Essai sur l’étonnante plasticité du vivant,
Dominique Lambert, René Rezsöhazy, Editions Flammarion, 2004).
Se se transpuser este conceito para os meios sócio-territoriais, a plasticidade
significa que os lugares onde a criatividade vai germinar devem ser
suficientemente flexÃveis e, ao mesmo tempo, suficientemente organizados para
que possam sofrer transformações culturais, económicas e sociais sem perderem a
sua identidade (André et al., no prelo).
Os meios socialmente criativos parecem reunir quatro caracterÃsticas
principais: diversidade sócio-culturalligada à abertura ao exterior;
tolerância, na medida em que permitem o risco; democraticidade, correspondente
à participação activa dos cidadãos; memória colectiva, na medida em que
assegura a resiliência do meio. A diversidadepotencia o contacto com o novo no
sentido da alteridade – novos-outros produtos, novos-outros saberes, novos-
outros valores – mas pode também produzir fragmentação e isolamento; a
diversidade promove a inovação na medida em que se estabelecem pontes e fluxos
entre aquilo que é diferente. A tolerânciaé uma condição necessária Ã
possibilidade de errar – a inovação é uma tarefa arriscada – e um meio não pode
ser criativo e inovador se penalizar os eventuais insucessos de uma iniciativa
arriscada, ou seja, se for demasiado hierarquizado, normativo ou rÃgido. A
democraticidadeimplica ter possibilidade e capacidade de decisão, ou seja, ter
acesso à informação e ao conhecimento necessários à escolha e à identificação
de soluções adequadas, ser socialmente reconhecida a decisão e ser exigida a
responsabilização de quem decide (André e Abreu, 2006). O diálogo faz emergir a
inovação e alimenta a criatividade. A memória colectivapode prevenir a
fragmentação potencialmente associada à inovação como efeito adverso. Na medida
em que sustenta a identidade da comunidade e o sentido de pertença das pessoas,
é um factor importante de resiliência, de resistência ao choque da mudança.
Contudo, a memória colectiva, porque comporta o “peso do passado”, pode ser
também um factor de inércia e de resistência às estratégias criativas.
A ligação da inovação social a um determinado meio capaz de a promover e, por
outro lado, a capacidade das mudanças no território desencadearem novas
respostas e novas relações sociais remetem para a ideia de inovação sócio-
territorial, conceito que atribui ao território um papel activo nos processos
de inovação social.
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III. O CIRCO NA CONSTRUÇÃO DE MEIOS SOCIALMENTE CRIATIVOS
As artes, no seu conjunto, assumem um papel relevante como estÃmulo da inovação
social, especialmente na medida em que inspiram estratégias sociais criativas,
ou seja, que estimulam as comunidades ou os grupos mais desfavorecidos no
sentido de encontrarem novas respostas, alterando as condições e reconstruindo
as relações sociais que provocam a sua vulnerabilidade. Nas sociedades, como as
europeias ou as norte americanas, onde o sentido da transcendência se foi
perdendo (quer pela erosão da religião quer pela falência das grandes
ideologias que marcaram os séculos XIX e XX), a arte preenche, de alguma forma,
esse “vazio” (Ruby, 2002, 2003). É uma via de antecipação do futuro. “Some
artists express in their work feelings or codes that forecast the future or
that indicate symbolically that the present is no longer viable.” (Smiers,
2005: 9).
Contudo, as artes não são apenas uma fonte de inspiração. São expressões
facilitadoras da comunicação entre diferentes culturas, na medida em que
transmitem significados que a linguagem comum tem dificuldade em revelar. Por
outro lado, permitem transmitir as emoções e os sentimentos mais profundos dos
seres humanos. Por exemplo, o terror que a Guernicade Picasso transmite
dificilmente se poderia expressar de outra forma, sendo facilmente captado por
pessoas com pertenças culturais diversas. A utilização de metáforas faz
transcender o óbvio e comunicar para além do discurso comum (Ruby, 2002, 2003;
André e Abreu, no prelo).
A estetização do quotidiano (Smiers, 2005; Ley, 2003; Cachinho, 2006) tem vindo
a afirmar-se cada vez mais nas sociedades ocidentais. A pós-modernidade atribui
à estética a importância que a modernidade conferiu à função e, neste contexto,
as artes assumem uma importância crescente na vida das pessoas e das
comunidades.
Os argumentos referidos nos parágrafos anteriores aplicam-se também ao circo.
Importa, no entanto, ampliar a reflexão, na medida em que as artes circenses
comportam particularidades que lhes conferem um papel especÃfico e marcante no
quadro das estratégias sociais criativas.
Com raÃzes muito antigas, entre as quais se salientam o circo romano e os
saltimbancos das feiras medievais, o circo moderno inicia-se em Inglaterra, no
século XVIII, com o teatro equestre, onde actuavam não só cavaleiros, mas
também acrobatas e palhaços. Nos paÃses europeus onde as artes equestres eram
mais desenvolvidas e, ao mesmo tempo, naqueles onde se realizavam as grandes
feiras com uma grande panóplia de divertimentos (França, Alemanha, Itália,
Rússia), rapidamente surgiram companhias de circo cujos espectáculos tinham uma
procura muito significativa. Durante o século XIX, a procura era tão grande –
particularmente em França – que foram construÃdos edifÃcios especificamente
destinados às artes circenses. O mais emblemático era o Cirque Olympique, dos
Irmãos Franconi, em Paris (Jacob, 2002).
O desenvolvimento do circo nos Estados Unidos da América, a partir da 3ª década
do século XIX, vai introduzir uma inovação crucial – o chapiteauea consequente
possibilidade de itinerância. Esta mudança possibilita a captação de um público
muito mais vasto, o que vai permitir algum fausto para “abrilhantar” os
espectáculos. Por outro lado, o nomadismo gera uma forte coesão interna nas
companhias. “Les arts du cirque sont non seulement creatifs, mais également
inclusifs. Sous la toile du chapiteau, un néophite réalise que rien n’est
possible sans les autres, que le cirque est une aventure fondamentalement
collective. Autour de la piste, il est question de famille élargie et tous sont
des enfants du voyage, des saltimbanques” (En Piste, 2005: 15).
O circo atravessou uma fase difÃcil a partir dos anos 60 do século XX,
associada sobretudo às novas preocupações com as condições de vida dos animais,
em particular com as espécies protegidas como algumas das que integravam os
espectáculos de circo (focas ou chimpanzés). Mas a crise deveu-se também à s
barreiras que a organização espacial do chapiteaupõe à inovação tecnológica. A
presença de público quase a toda a volta da pista não permite, por exemplo, a
utilização de projecções vÃdeo ou a montagem de equipamentos complexos que
exigem uma infraestrutura “escondida” (Camus, 2004).
Como resposta à crise, o circo contemporâneo ou ‘novo circo’ emergiu no final
dos anos 70, manifestando rupturas significativas com o circo tradicional,
nomeadamente: o desaparecimento dos animais selvagens; a (re)organização do
espaço dentro do chapiteau; a introdução de um fio condutor das várias
exibições através de uma coreografia integradora; a adopção de novas estéticas,
particularmente ao nÃvel da música e das cores (Camus, 2004; Jacob, 2002).
Apesar destas mudanças, o circo vai manter, em larga medida, a itinerância e o
sentido de comunidade, caracterÃsticas que lhe podem conferir um papel
importante na cidade socialmente criativa. Por outro lado, a origem popular do
circo aproxima-o, enquanto expressão artÃstica, das populações mais
desfavorecidas.
Outro aspecto que confere às artes circenses um papel decisivo como instrumento
de estratégias socialmente criativas é a diversidade das expressões e a
cooperação entre os vários protagonistas. Palhaços, acrobatas, mágicos,
malabaristas, músicos e muitos outros que trabalham na pista ou na sombra
constroem colectivamente o espectáculo. No ‘novo circo’, contam uma história em
conjunto utilizando linguagens e discursos diversos.
A inovação social ligada ao circo faz emergir inevitavelmente o caso do Cirque
du Soleil,um targeted growth and committed cirque(www.cirquedusoleil.com,
acedido em 15 Setembro 2008). Nos anos 80, um grupo de jovens do Québec
procurou nas artes circenses um modo de sobrevivência. Apoiados por autoridades
públicas especialmente “protectoras” e inspirados pelos “ventos” de Woodstock e
pela vontade de mudar o mundo partilhada pela juventude dos anos 60,
transformaram acrobacias e magias tradicionais num circo reinventado[ii]que
tiveram a oportunidade de apresentar em todo o Québec em 1984, no quadro das
comemorações dos 450 anos da chegada de Jacques Cartier ao Canadá. Agitando a
bandeira da inovação e de uma conduta politicamente correcta, esse grupo de
jovens, e especialmente Guy Laliberté, o mais empreendedor e audacioso, criou,
em menos de 20 anos uma das mais reconhecidas empresas multinacionais no campo
das artes (Beaunoyer, 2005).
O percurso de sucessos consecutivos do Cirque du Soleilnão o impediram,
contudo, de manter um compromisso social forte em termos de inclusão social.
Através do Cirque du Mondee de múltiplas parcerias espalhadas pelo mundo, a
imagem mágica e espectacular do Cirque du Soleiltem contribuÃdo decisivamente
para o desenvolvimento de muitas estratégias sociais criativas. No caso do seu
lugar de origem, a acção vai mais longe através da implicação directa num mega-
projecto de regeneração urbana num espaço periférico e problemático de Montreal
– o bairro de Saint-Michel (TOHU, 2008).
Mas, qual é afinal a magia do circo no campo da inovação social, em geral, e da
inovação sócio-territorial, em particular? As ligações entre circo e território
são várias e manifestam-se a várias escalas. Ao nÃvel nacional e internacional,
a itinerância do circo e as rotas que traça para mobilizar o seu público. Na
cidade, o circo instala-se num espaço público e estabelece inevitavelmente uma
relação de vizinhança efémera mas intensa. No chapiteaue em seu redor, a
organização do espaço é um factor decisivo para o sucesso da companhia. É
necessário não só conjugar uma grande diversidade de expressões artÃsticas num
mesmo espaço, mas também conjugar os espaços de trabalho, de residência, de
aprendizagem ou de lazer.
Para discutir a relação do circo com a inovação social, importa – antes de
passarmos para o caso especÃfico do Chapitô, em Lisboa – retomar algumas ideias
apontadas anteriormente. Já referimos que os meios socialmente criativos são
aqueles que conjugam diversidade, tolerância, participação e memória colectiva.
O circo associa bastante bem essas quatro caracterÃsticas: (i) pluralidade de
expressões artÃstica s, diversidade de origens geográficas dos artistas,
convÃvio de diferentes gerações; (ii) tolerância associada ao risco
omnipresente nas artes circenses; (iii) participação de todos – artistas e
outros trabalhadores – para produzir uma obra conjunta que depende de todos e
de cada um; (iv) memória colectiva da comunidade/companhia que atravessa
frequentemente diversas gerações, projectando-se para além dos percursos
individuais.
Esta perspectiva do circo como veÃculo de inovação sócio-territorial vai ser o
fio condutor da apresentação do Chapitô.
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IV. O CHAPITÔ EM LISBOA
Sempre que se fala do Chapitô, vem-nos à memória a magnÃfica vista do estuário
do Tejo recortado pelas construções mais antigas da cidade. Um privilégio para
todos os que lá trabalham e para os que por lá passam. A localização na Costa
do Castelo, em Lisboa, tem esta mais valia que oferece aos seus públicos
temporada após temporada. O rio, o casario, a luz, ou as luzes da cidade são
parte do cenário das artes do espectáculo, com especial relevância para as
artes circenses que aqui se aprendem e mostram. Instalado neste bairro
histórico, desde 1986, o Chapitô afirmou aqui o seu papel de associação
recreativa e cultural, que também é ONG para o desenvolvimento, com estatuto de
Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS). O trabalho desenvolvido
ao longo de mais de duas décadas conquistou um lugar de referência na cidade
pela reconhecida acção na produção cultural e artÃstica, bem como no campo da
inclusão social. A reflexão que aqui se apresenta é acompanhada de excertos de
entrevistas realizadas a colaboradores e antigos alunos do Chapitô[iii],
especialmente aqueles que deixaram de estar em situação de risco e construÃram
até um percurso de sucesso. São sobretudo esses que nos ajudam a compreender as
artes do circo enquanto veÃculo de inovação social.
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| O ESSENCIAL DO CHAPITÔ |
| Estatutos oficiais |
| IPSS/ Instituição Particular de Solidariedade Social, ONGÂ’D/ Organização N|£o
| Governamental para o Desenvolvimento, “Utilidade Pública”, “Manifesto Interes|e
| Cultural”. |
| Ãrea Social |
| Animação sócio-formativa:Centros Educativos da Bela Vista e Navarro de Paiva,|
| trabalho com jovens até aos 18 anos (protocolo assinado com o Instituto de |
|Reinserção Social em 1987). Casa do Castelo: Lar de transição, apoio psicossoc|al
|a jovens com mais de 18 anos que enfrentam dificuldades no inÃcio do seu projecto|
|de vida (capacidade para 6 jovens). Centro de Acolhimento João dos Santos: Espaç|
| educativo e lazer para crianças até aos 12 anos acolhe filhos de pessoas do |
| bairro, de colaboradores e de jovens artistas. |
| Escola Profissional de Artes e OfÃcios do Espectáculo (EPAOE) |
| Funciona desde 1991 – Recebe alunos com o 9º ano em 2 cursos de nÃvel 3 |
|(equivalente ao 12º ano), ultrapassou os 300 diplomados em 2006. Para amadores, e|
|horário pós-laboral, existem Cursos de Fim de Tarde, orientados por profissionai|
| da casa: capoeira, malabarismo, sapateado, caracterização, expressão dramátic|,
| técnicas circenses e ateliers para crianças. |
| Companhia do Chapitô |
| Criada em 1996, define-se como teatro do gesto/teatro fÃsico. A companhia possui|
| no seu repertório mais de duas dezenas de criações originais onde se incluem|
| espectáculos para a infância. A actividade da companhia é uma das faces de mai|r
|visibilidade da instituição e a sua polÃtica de itinerância tem divulgado os s|us
|___________________espectáculos_nacional_e_internacionalmente.___________________|
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As múltiplas actividades do Chapitô (www.chapito.org acedido em 11 de Julho de
2008) surgem invariavelmente associadas a uma liderança forte, uma
personalidade que inspira admiração, uma figura impulsionadora. Falamos de
Teresa Ricou que, no inÃcio dos anos 80, ainda a partir da sua casa do Bairro
Alto, criou a Colectividade Recreativa e Cultural de Santa Catarina que
entretanto expandiu e consolidou no espaço da Costa do Castelo. A sua
liderança, que leva mais de 20 anos, continua hoje a marcar a intervenção
social e cultural do Chapitô na cidade, sendo indissociável do seu
reconhecimento público.
A partir da sua formação e experiência em França, Teresa Ricou desenvolveu uma
carreira de artista de circo, tornando-se conhecida como Teté, a primeira
mulher-palhaço portuguesa. Ainda no Bairro Alto, nos anos 70, começou um
trabalho com crianças de rua que aliava a componente artÃstica e social, e
possibilitou colaborações designadamente com a Santa Casa da Misericórdia de
Lisboa e o Ministério da Justiça. A perspectiva de fazer das artes do circo uma
forma de inclusão, inaugurou em Portugal uma nova abordagem do problema da
exclusão e marginalização de crianças e de jovens. No âmbito da reinserção
social de adolescentes, as propostas de actividades são geralmente mais
convencionais podendo incluir desde a serralharia à panificação. Daà que não
tenha sido tarefa fácil convencer os serviços responsáveis do Ministério da
Justiça acerca do potencial formativo das artes circenses. O perfil de
liderança e o extenso capital social de Teresa Ricou foram decisivos e os
resultados não se fizeram esperar.
“Desde criança que fazia rir os outros, aqui tornei-me clown.”
(Miguel)
“Na escola primária, ralhavam-me porque fazia coisas perigosas, agora
sou professor de acrobacia.” (Pedro)
A determinação e as experiências desenvolvidas abriram portas ao posterior
reconhecimento pelas entidades públicas com tutela na área da protecção de
menores. O protocolo com os serviços tutelares de menores (Ministério da
Justiça), estabelecido em 1986, possibilitou a concessão do edifÃcio da Costa
Castelo, antigas instalações de uma tutoria de mulheres, e a sua posterior
recuperação e adaptação progressiva a um programa de actividades sempre
renovado. O combate à exclusão social através da cultura e das artes, objectivo
primordial do Chapitô, ganhou com este espaço uma dinâmica que naturalmente
escapa ao observador diletante. A ideia segundo a qual é possÃvel ter uma vida
digna sendo artista de circo e que se pode caminhar nessa aprendizagem com
entusiasmo e ganhos de auto-estima fez o seu caminho dentro e fora do Chapitô.
A acção social do Chapitô está presente em dois centros educativos (Direcção
Geral de Reinserção Social) na cidade de Lisboa – Bela Vista (Bairro da Graça)
e Navarro de Paiva (em S. Domingos de Benfica) – que acolhem crianças e jovens
do sexo masculino a cumprir medidas de internamento. A acção nos centros
educativos concentra-se na animação de ateliersde frequência facultativa,
possibilitando diversas actividades: circo, capoeira, música, “faz-tudo”,
jogos, histórias, teatro, horta e outras. A partir dos ateliersorganizam-se
actividades lúdicas e artÃsticas que apelam à expressão individual e colectiva.
Encorajar aprendizagens dando prioridade à comunicação é o lema das equipas de
animadores que dispõem de uma coordenação e de uma retaguarda de reflexão e
formação. As apresentações públicas dão sentido e visibilidade ao trabalho
desenvolvido e podem ocorrer nos próprios centros, no espaço do Chapitô ou
noutros locais. A experiência de 26 anos na acção social e no contacto com as
instituições de reinserção social sempre exigiu elevada perseverança. Esta
atitude tem sido indispensável face às sucessivas alterações de enquadramento
legal e à constante adaptação aos condicionalismos que envolvem crianças e
jovens em risco. Trata-se de afirmar um projecto assente na capacidade de
incluir crianças e jovens frequentemente envolvidos em trajectos sem projecto,
com enorme probabilidade de conduzirem à marginalidade.
“Para mim existem vários chapitôs. Existe a escola EPAOE a qual
chamamos todos Chapitô mas também existe o “Coas” (acção social) que
também está ligado ao Chapitô e para mim a localização geográfica do
Chapitô “escola” não tem muita importância, talvez seja mesmo uma
menos valia pois por vezes desconcentra os alunos que pensam estar
sempre de férias, mas a nÃvel do “Côas” talvez tenha mais importância
pois muitos dos miúdos que fazem parte desse projecto saem de bairros
dali próximos.” (Rui)
Ainda no campo da inclusão, existe também a “Casa do Castelo” que acolhe jovens
com mais de 18 anos que enfrentam dificuldades e precisam de apoio e
alojamento. Outros jovens em risco que precisam de ajuda no seu processo de
autonomização também podem encontrar apoio psicossocial pontual, dispondo de
uma equipa de apoio ao desenvolvimento de um projecto de vida pessoal. Funciona
igualmente no edifÃcio o “Centro de Acolhimento João dos Santos” para crianças
dos 8 meses aos 12 anos, residentes no bairro ou filhos de funcionários. A
equipa educativa deste centro, que recebeu o nome de um dos maiores psico-
pedagogos portugueses do século XX, tem como linha orientadora o trabalho
comunitário, ou seja, a ponte entre o Chapitô e a comunidade local.
Em 1990, aproveitando a promulgação pelo Ministério da Educação do diploma que
criou o ensino e as escolas profissionais, o Chapitô fundou a Escola
Profissional de Artes e OfÃcios do Espectáculo (EPAOE). A escola recebe alunos
com o 9º ano (ensino básico) e oferece cursos secundários, que conferem
equivalência ao 12º ano. Com a entrada de 25 alunos (aproximadamente) em cada
curso, estão em funcionamento: o curso de Interpretação e Animação Circenses
(IAC) e o curso de Cenografia, Figurinos e Adereços (CenFA). À semelhança do
que se passa com muitas outras escolas profissionais, uma grande parte dos
alunos teve percursos escolares problemáticos no ensino básico. Embora nos anos
mais recentes a situação tenda a mudar, o ensino secundário profissional não
surge, na maioria dos casos, como uma opção, mas como solução de recurso.
“Abandonei a escola várias vezes para trabalhar nas obras com o meu
pai por exemplo e noutros trabalhos como montador de aparelhos de ar
condicionado. Tive épocas em que trabalhava e estudava, fiz até ao
10º ano, mas não estava a dar... A escola onde estava organizou uma
visita aqui ao Chapitô e disseram-me que eu tentasse fazer as provas
de acesso para vir para aqui. No inÃcio, resisti. Basicamente porque
aqui não conhecia ninguém, era escurinho e não tinha aqui os amigos
(…). Mas, a adaptação foi rápida. Isto é uma escola mas é sobretudo
uma casa… falamos abertamente dos nossos problemas…” (Dinis)
“Foi a melhor coisa que me aconteceu na vida (ir para o Chapitô)…
aquelas pessoas são especiais… eu dei-me de corpo e alma! Agora o meu
objectivo é estudar para os exames nacionais e entrar na Faculdade de
Letras. (Artes do Espectáculo)” (Miguel)
“Graças ao Chapitô passei a ser um aluno interessado… comecei a
existir como pessoaÂ… com o meu trabalho fui adquirindo o respeito e
por vezes a admiração dos outros.” (Rui)
Os depoimentos dos alunos que passaram pela escola do Chapitô são elucidativos
da comunidade de afectos que atravessam o ambiente e as experiências que aà se
vivem. A actividade da escola envolve a colaboração com circos profissionais e
outras companhias ligadas às artes do palco, quer para acolher os estagiários,
quer para proporcionar aos alunos o contacto com o desenvolvimento de projectos
artÃsticos inovadores, designadamente no âmbito do ‘novo circoÂ’.
“Fiz estágio de clownna Escola de Circo Carampa em Madrid… É uma
escola que puxa muito por nós, sobretudo no malabarismo e no tecido.
Mas o clowné uma coisa que se aprende mais por nós… não é uma técnica
é um trabalho.” (Miguel)
“Trabalhei na companhia de dança Olga Roriz em Lisboa. Quem sai daqui
geralmente não vai para circos tradicionais. As oportunidades não são
muitas. Ou se vai para uma escola fora do paÃs ou então faz animações
que é também o que eu faço.” (LuÃs)
“Estou a trabalhar na Companhia de Teatro Artistas Unidos.” (Cátia)
Ainda na área de formação, o Chapitô oferece cursos de fim de tarde abertos a
todo o público: capoeira, malabarismo, sapateado, expressão dramática e outros.
A oferta completa-se com workshopsespecÃficos para as várias faixas etárias e
atelierspara crianças. A formação de novos públicos merece atenção especial
através da criação de espectáculos para crianças nas tardes de sábado e
domingo. Esta diversidade de actividades parece ajudar a multiplicar as
oportunidades de trabalho e naturalmente a enriquecer a oferta cultural.
A sustentabilidade financeira do Chapitô reside em grande medida na companhia
de teatro-circo e na animação. A companhia do Chapitô foi criada em 1996 e
define-se como teatro do gesto/teatro fÃsico[iv]. No seu repertório conta com
25 criações originais que apresentou não apenas em Portugal, como em muitos
paÃses dentro e fora da Europa, sobretudo através da participação em festivais.
As produções Chapitô fazem também animações e espectáculos nos mais diversos
lugares, desde empresas e espaços públicos a festas particulares. Encontra-se
aqui uma das principais fontes de financiamento das acções na área social para
além dos apoios das entidades oficiais.
Dada a ausência em Portugal de formação superior nas artes do circo, alguns
alunos têm prosseguido a sua formação noutros paÃses, especializando-se nas
mais diversas disciplinas. Um exemplo de um percurso bem sucedido é o de João
Paulo Santos. Depois de se especializar em França no “mastro chinês”
desenvolveu uma carreira de criação de espectáculos de novo circo, que têm sido
apresentados em palcos estrangeiros e portugueses com enorme sucesso.
“O meu trajecto formativo no Chapitô foi muito interessante pois
mudou o rumo da minha vida, foi graças ao Chapitô que, pouco a pouco,
percebi que através do trabalho se conseguia algo, de repente passei
a ser um aluno aplicado e com vontade de perceber tudo. A nÃvel
relacional também foi muito importante pois foi ali que comecei a
existir como pessoa dentro da sociedade, foi através do meu trabalho
que também fui adquirindo o respeito e por vezes a admiração dos
outros, tudo isto foi fazendo de mim alguém com vontade e capacidade
de acreditar nos seus sonhos, o que era impossÃvel alguns anos
atrás.” (João Paulo Santos)
No entanto, depois de concluÃdo o curso, os percursos são muito diversos: desde
a especialização fora do paÃs ou nas escolas nacionais (os Conservatórios), ao
trabalho na televisão, no cinema e em companhias de teatro e dança. Nos
bastidores, nos palcos ou nos ecrãs muitos dos alunos formados no Chapitô têm
vindo a encontrar lugar no mundo do espectáculo, mesmo se essa ligação é
ocasional através, por exemplo, da participação na animação de eventos. Nas
artes circenses, apesar de se registar o aparecimento de alguns grupos e
parelhas, a produção é escassa e a formação requer maior qualificação.
Importa contudo salientar que, sendo uma instituição local, o Chapitô tem
construÃdo uma rede de relações nacionais e internacionais significativa, que
possibilitam, de alguma forma, a ligação multi-escalar.
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|REDE DE PARCERIAS DO CHAPITÔ |
|Â |
|Parcerias Nacionais |
|â— Ministério da Educação |
|â— Ministério da Cultura (Instituto das Artes) |
|â— Ministério da Justiça (Direcção Geral de Reinserção Social) |
|â— Ministério do Trabalho e da Solidariedade (Centro Regional de Segurança|
|Social) |
|â— Secretaria de Estado da Juventude (Instituto Português da Juventude) |
|â— ANESPO – Associação Nacional das Escolas Profissionais |
|â— Associação Castelo Colina Cultural |
|â— CEJ – Centro de Estudos Judiciários |
|â— EGEAC – Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural |
|â— ISPA – Instituto Superior de Psicologia Aplicada |
|â— ISSS-COOP – Instituto Superior de Serviço Social |
|â—Â Moinho da Juventude |
|â—Â Plataforma Nacional das ONGD |
|â—Â Rede dos Centros Culturais Portugueses |
|Â |
|Parcerias Internacionais |
|â— Associacion de Malabaristas de Madrid – Espanha |
|â—Â Banlieux dÂ’Europe |
|â— Centre National des Arts du Cirque – Chalons sur Marne, França |
|â— Circustheater Ellebog – Amesterdão, Holanda |
|â— Circus Space – Londres, Inglaterra |
|â— Creative Corporation – Berlim, Alemanha |
|â— EFECOT – European Federation for Education of the Children of the |
|Occupacional Travellers – Bruxelas, Bélgica |
|â— FEDEC – Federation Européenne des Écoles de Cirque |
|â—Â European Cultural Foundation |
|â— Opgang 2 – Dinamarca |
|â— Peuple et Culture – Montpellier, França |
|â— Soros Center For The Arts – Sofia, Bulgária |
|Fonte: Site do Chapitô – http://chapito.org (acedido em 13 de Fevereiro de |
|2009)__________________________________________________________________________|
Â
“Um dos aspectos mais importantes é o facto de o Chapitô ser a única
escola que ensina as artes circenses o que faz também com que o nÃvel
técnico seja muito baixo devido à falta de concorrência. Em França,
por exemplo, existem mais de 300 escolas onde se pode aprender a
fazer circo, mas, de facto, do ponto de vista curricular é a única
escola a fazê-lo (…) apesar de tudo, o Chapitô é uma escola com
algumas lacunas nomeadamente em termos de espaço. A falta de grandes
espaços priva os alunos de outras disciplinas circenses
indispensáveis, como, por exemplo, a cama elástica.” (Rui)
“Já tive planos para ir para o Cirque du Soleil, mas acabei por
desistir. Nós aqui temos uma preparação boa porque também é
psicológica, mas ao nÃvel das técnicas estamos longe do que se faz lá
fora. Já fiz provas para uma escola de circo em Londres mas depois
não consegui financiamento nem bolsa e tive de desistir. Estão lá
cinco pessoas da minha turma, mas que foram com recursos da famÃlia.
Foi também isso que me fez mudar de planos e ir mais para o
teatro...” (Miguel)
A presença do Chapitô na cidade, através das suas actividades e da dinâmica de
participação nas suas redes culturais, é um dado adquirido e reconhecido.
Contudo, parece ainda faltar no âmbito das artes do circo e em particular do
novo circo, uma valência que possa vir a especializar e aprofundar a formação e
a divulgação. Nesse sentido, o futuro pode passar pelo “Chapitô-rio”, projecto
que parece ganhar forma nas docas de Santos. Este projecto vem sendo acalentado
há anos mas tarda em concretizar-se. Seria um equipamento cultural do maior
interesse para Lisboa, possibilitando o desenvolvimento de uma arte que tem
vindo a afirmar-se com grande êxito em muitas cidades pelo mundo fora. Pode
também residir aà uma ocasião da cidade participar, através do novo circo, em
redes culturais mais amplas, dando maior espaço e visibilidade à criação
artÃstica nacional e colocando Lisboa no mapa global das artes do circo
contemporâneas. Terá chegado o tempo de um Chapitô para o século XXI?
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V. REFLEXÕES FINAIS
A análise do Chapitô e das suas potencialidades para participar numa cidade
criativa e inclusiva pode inspirar futuras pesquisas. Salientamos dois aspectos
que nos parecem particularmente interessantes.
O primeiro relaciona-se com a importância da lÃder carismática. Como em muitas
outras instituições, e particularmente naquelas que surgem como casos de
referência, o papel individual sobrepõe-se ao protagonismo colectivo. A
capacidade de liderança, ou seja, a associação de visão (no sentido
visionário), capital social, autoridade, entusiasmo e determinação emerge como
uma condição crucial para o desenvolvimento das iniciativas mais inovadoras,
transforma projectos em utopias realizáveis. Mas este talento tem também um
reverso. São raras as vezes em que os lÃderes carismáticos passam o testemunho
a outros, assegurando a sustentabilidade das acções para além da sua presença.
Normalmente, em determinado momento do percurso das instituições mais
inovadoras, surge o impasse: sem o lÃder não haveria passado e com a
permanência do lÃder o futuro pode estar comprometido.
O segundo liga-se à escala de acção. Instituições como o Chapitô destacam-se ao
nÃvel local como motores importantes de inovação e de inspiração. Esta escala é
uma condição para o sucesso, ou é possÃvel desenvolver iniciativas análogas ao
nÃvel regional ou mesmo nacional? As “vozes” que surgiram neste artigo mostram
como as relações de proximidade são determinantes para aliar criatividade e
inclusão social. Ainda assim, julgamos que a questão das escalas é pertinente,
especialmente numa óptica multi-escalar. A ligação do bairro ao resto do mundo
é actualmente possÃvel, fácil e potencialmente inclusiva. Por outro lado, as
fronteiras, o isolamento e a autarcia são factores de inércia e barreiras Ã
inovação. No caso do Chapitô, a escola profissional, sobretudo através dos
estágios, as digressões da companhia e a vinda de professores e artistas
convidados estabelecem uma ligação directa, embora nem sempre muito intensa, do
local, do Bairro do Castelo à Ãrea Metropolitana de Lisboa (onde reside a
maioria dos alunos) ao PaÃs e ao Mundo.
Numa leitura mais ampla, consideramos que as artes circenses denotam uma
capacidade assinalável para impulsionarem a inovação sócio-territorial.
Por um lado, através da (re)valorização do espaço público urbano. Por ser uma
arte que nasceu e cresceu na rua, o circo lida bem com os espaços colectivos
(como refere João dos Santos na frase que dá inÃcio a este artigo), conferindo-
lhes brilho e alegria. Por outro lado, a expressão artÃstica circense mostra-se
especialmente adequada enquanto veÃculo de inclusão social. Promove a auto-
estima através do reconhecimento público imediato (à semelhança das outras
artes do palco). Acolhe todos aqueles que participam na produção numa
comunidade de afectos, de cooperação e de inter-ajuda. Oferece uma grande
diversidade de oportunidades de expressão artÃstica, favorecendo as várias
formas de comunicação e especialmente a corporal.
Podemos assim considerar que o circo pode ser um elemento central da cidade
socialmente criativa.
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