Geografias do mundo imaginado
INTRODUÇÃO
Qualquer “realidade” é em primeiro lugar uma representação. Esta ideia,
aplicada ao conceito de região por Pierre Bourdieu, levou-o a afirmar que alguns
investigadores privilegiam o conhecimento da “realidade” em relação aos instrumentos de conhecimento e que essa espécie de “desvio perverso da intenção
científica” nunca foi tão pouco fundamentada como quando aplicada ao conceito
de região (Bourdieu, 1989: 107-108). Esta opinião é também por ele aplicada
ao conceito de nação.
Para este pensador os minuciosos e aprofundados estudos sobre pequenas
regiões, com abundantes pormenores, feitos por geógrafos, impedem-nos de
compreender os grandes fenómenos que levam ao seu progresso ou declínio. A
procura de critérios “objectivos” de identidade regional ou nacional, não deve
fazer esquecer que esses critérios são objecto de representações mentais, quer
dizer, de actos de percepção e de apreciação de informações, que estão submetidos aos interesses de vários agentes, tanto políticos como económicos, veiculados por diversos meios de comunicação social.
As pesquisas sobre percepção e representação mental têm merecido particular atenção por parte de psicólogos, de sociólogos e de filósofos (Gibson,
1950; Popper, 1972; Bourdier, 1989; Silva e Freitas, 2001; Ferin, 2002; Giddens,
2006). Quando feitas por geógrafos, de que o pioneiro será Frémont (1976), elas
têm sido preferencialmente dirigidas às representações cartográficas, ou às imagens visuais, tendo como suporte mapas, fotografias, ou imagens em movimento.
O peso da televisão e dos “media”, que é agora tema candente, teve em Portugal
uma pioneira, Suzanne Daveau (1984). Ela considerava então, e com razão, que
mesmo os alunos universitários têm fraco conhecimento do quadro espacial onde
a sua existência decorre, em grande parte porque a televisão deixa flutuar os
acontecimentoss “num espaço impreciso, não estruturado, sem dimensão e abstracto” (1984: 252).
A União Geográfica Internacional, no âmbito da Comissão “Cultural Approach
in Geography”, que teve Paul Claval como Presidente até 2004, contribuiu muito
para uma “análise crítica das representações geográficas da realidade cultural”,
tendo recentemente dado particular ênfase ao papel dos media (Relatório do workshop
Geographies and Media, organizado por Ute Wardenga, Leipzig, 2005)2. No entanto,
a bibliografia geográfica sobre representações da realidade contemporânea continua
a ser escassa. Bodo Freund pergunta, ironicamente, se “será pertinente fazer tal tipo
de trabalho hoje, quando está completamente fora de moda” (2007: 335). A. Bailly,
como se respondesse à pergunta, afirma: “Comprendre les processus que mènent
de la perception, aux représentations et aux comportements est donc indispensable
à toute forme de géographie active (2007: 84).
As imagens mentais sugeridas por fotografias de diversos espaços geográficos
foram objecto de pesquisas pessoais (Alegria, 2004, 2005, 2006). No texto que se
segue não se fornecem suportes de natureza física para a construção de representações mentais, sejam fotografias, sejam outras imagens, como vídeos, programas
de televisão ou Internet, com a excepção de um mapa-mundo para localização dos
países. Partiu-se das imagens mentais verbalizadas pelos próprios, relativas a 12
países, para se tentarem entender as ideias dominantes que sobre eles existem.
Os conceitos de “imagem mental” e “representação mental”, têm muitas
semelhanças, ainda que persista certa opacidade. Eis algumas definições: “Representação mental é uma apresentação ao espírito, sob a forma de ideia ou imagem”3; Ou: “é uma criação social ou individual de um esquema pertinente do
real” (Gumuchian, 1991: 6); “Imagem mental é a representação mental de um
objecto ou de um acontecimento não presente”4. Como se vê, um conceito remete
para outro, pelo que se usarão indistintamente. A palavra “ideia” é também aqui
usada por vezes para substituir “imagem”.
II. AMOSTRAGEM E METODOLOGIA
Um questionário dirigido a 326 pessoas foi a ferramenta utilizada para tentar
responder às perguntas colocadas no início, aplicadas a um universo de 12 países
de 4 continentes: Portugal, França, Noruega; Estados Unidos, México, Brasil;
China, Paquistão, Arábia Saudita; Egipto, Mauritânia, Moçambique. Começou-se
pela localização dos países (tarefa 1) para, depois, se registarem “3 palavras, ou
expressões curtas, mentalmente associadas a cada país“ (tarefa 2). Deste modo,
procurou-se não criar teias à livre expressão de ideias, salvaguardadas as relativas
à dimensão da resposta, que devia ser curta e incisiva. O tempo não constituiu
problema, uma vez que todos concluiram em cerca de 15 a 20 minutos.
O questionário foi respondido presencialmente em 20075, tendo sido consideradas válidas 326 respostas de indivíduos dos 2 sexos (180 do feminino e 146
do masculino), entre os quais 168 jovens com menos de 20 anos e 158 adultos.
A amostra incluiu 113 geógrafos, ou estudantes universitários de Geografia, e 213
pessoas com outras actividades e profissões. Procurou abranger-se um grupo grande
de pessoas, com certo grau de escolaridade (os jovens inquiridos frequentavam o
ensino secundário e os adultos eram maioritariamente licenciados, ou estudantes
universitários), de diferentes idades e profissões. Embora de início se pensasse
comparar as respostas dos geógrafos com as dos outros inquiridos, após um primeiro apuramento elas foram individualizadas apenas na primeira tarefa, ou seja,
na localização dos países, pois aí os resultados revelaram diferenças assinaláveis.
Além da localização, que nos interessava particularmente, apuraram-se também
as imagens registadas sobre cada país pelo conjunto dos inquiridos, depois de
elaborada uma grelha de categorias (cuja concepção será a seguir explicada) e,
ainda, para cada categoria, a respectiva ordenação no conjunto dos países e, nalguns
casos, a imagem mais vezes referida. Chegou-se, portanto, a três tipos de informações: a localização dos países, as imagens associadas a cada um deles e a
própria ordenação das categorias definidas nos diferentes países, sem esquecer
nestas o grupo das erradas e sem resposta.
Na selecção dos 12 países, 3 de cada continente (excluindo a Austrália), evitou-se incluir países muito pouco conhecidos, embora se soubesse de antemão que
sobre alguns se saberia mais do que sobre outros. Mas a que se deverão essas
diferenças? À proximidade geográfica? A um passado comum? Afinidades culturais?
Dominância económica? Importância turística? Maior valorização pelos meios de
comunicação social, particularmente a televisão? As possibilidades são variadas.
Tentaram obter-se 3 ideias para cada país mas, no caso de alguns, não se
conseguiu mais de que uma, ou mesmo nenhuma. Como foram inquiridas 326
pessoas, tendo-se solicitado a cada uma que referisse 3 palavras ou expressões
curtas mentalmente associadas ao país, devia haver 978 respostas (326 x 3=
978) sobre cada um. Como são 12 países o total de registos é de 11 736. Atendendo a que cada resposta errada, ou falta de resposta, foi contabilizada, é
possível identificar os países sobre os quais os inquiridos registaram menos
representações mentais.
Como a amostra era ampla e as respostas eram livres, sem submissão a
qualquer grelha, elas foram muito numerosas e variadas, ainda que se usassem
muitas vezes palavras diferentes para exprimir a mesma ideia. Isso levou à elaboração de uma longa lista de imagens para cada País, que ia sendo acrescentada
com outras novas, sempre que elas surgiam nos questionários seguintes; se a
palavra ou expressão se repetia, ela era somada às anteriores. No caso de imagens
semelhantes, expressas por diferentes palavras ou frases, elas foram agregadas,
ainda que nem sempre sejam sinónimos. São exemplos, entre muitos outros, (i)
“diversidade étnica”, “diversidade cultural”, “melting pot”; (ii) “excesso de população”, “muitas pessoas”, “explosão demográfica”; (iii) “criminalidade”, “crime”,
“violência”; (iv) “ambição”, “consumismo”,”luxo”, “ganância”, etc.
Concluído o apuramento verificou-se que a lista de imagens mentais era
demasiado extensa para que cada uma, ou cada grupo de imagens afins, pudesse
ser tratada individualmente, o que levou a constituir categorias amplas, agregando as mais semelhantes. Depois de várias tentativas chegou-se às seis
seguintes: erradas e sem resposta, natureza, cultura e história, turismo e gastronomia, economia e sociedade, e locais mencionados (quadro II). Como estas
categorias são bastante abrangentes referem-se a seguir exemplos significativos
dos itens que as integram, bem como as principais dificuldades que surgiram
na sua definição.
A categoria erradas e sem resposta é a mais representativa nalguns países.
Juntaram-se neste grupo os que não responderam nada, que dominam claramente,
aos que responderam de forma incorrecta6. Moçambique foi tomado como exemplo para ilustrar as diferenças entre as respostas incorrectas e a ausência de
resposta. No grupo natureza incluíram-se palavras e expressões como “frio”,
“clima ameno”, “beleza da paisagem”, “cactos”, “mosquitos”, “camelos”, “tempestade de areia”, etc. Não houve grandes dúvidas na inclusão de palavras ou
expressões nesta categoria.
O grupo cultura e história é bastante heterogéneo, incluindo imagens distintas de um país para outro. Enquanto no caso da França, por exemplo, são numerosos e diversos os itens que o integram, tanto do ponto de vista histórico
(“castelos”, “revolução francesa”, etc.), como cultural (“multiculturalismo”,
“racismo”, “arte”, “moda”, “perfumes”, “literatura”, etc.), noutros ele é sobretudo
marcado pela história, caso do Egipto (“antiguidade clássica”, “faraós”, “hieróglifos”, etc.), ou pela religião, casos da Arábia Saudita e do Paquistão (“Islão”,
“religião muçulmana”, “Corão”, etc.).
Também não foi fácil organizar a categoria economia e sociedade, tanto
pela vastidão de imagens registadas, como pela dificuldade em decidir se algumas se enquadravam melhor nesta categoria ou na de cultura e história e, ainda,
pelo cariz marcadamente bélico e político das imagens referentes a alguns países, caso do Paquistão (“talibans”, “ditadura”, “terrorismo”, “armas nucleares”etc.),
ou da Arábia Saudita (“petro-dólares”, “guerras e conflitos”, “fundamentalismo”,
“falsidade do PIB”, etc.). Embora a economia esteja muito presente (“subdesenvolvimento”, “pobreza”, “desigualdades”, “negócio”, etc.), talvez o título mais
apropriado da categoria devesse incluir a palavra “política”. Outra dificuldade
teve a ver com as imagens ligadas à religião. Pode considerar-se que a religião
diz respeito à sociedade, mas não há dúvida que ela tem também fortes implicações culturais e históricas. Optou-se pela sua inclusão na categoria cultura e
história, embora fosse possível agregá-la ao grupo economia e sociedade. Este
é um exemplo paradigmático das inúmeras dúvidas que foram surgindo, provavelmente não resolvidas da melhor maneira em todos os casos. Sendo tão evidente
a interligação entre estas duas categorias podem ter sido cometidos alguns erros
que, acreditamos, não invalidam a globalidade dos grupos formados.
A categoria locais mencionados pode levantar a questão da representatividade. Todavia, atendendo a que há locais muito significativos para determinados
países (a capital, por exemplo) valia a pena perceber se isso era válido para todos
ou só para alguns e, ainda, se havia relação entre melhor localização dos países
(fig. 1 A) e identificação de locais específicos.
Embora numa primeira fase a categoria turismo e gastronomia não tivesse
sido individualizada, isso acabou por acontecer, não apenas porque à gastronomia
foi dada certa ênfase nalguns países, mas também porque imagens como “praia”,
“sol e praia”, “sombreros”, “grandes chapéus”, ou “Torre Eiffel”, “pirâmides”,
“Muralha da China”, etc. se enquadravam melhor numa categoria turística do
que em qualquer outra. Faz sentido, de facto, ressaltar a importância do turismo
na construção das representações mentais.
III. A LOCALIZAÇÃO
Do ponto de vista de um geógrafo a inserção dos factos no espaço é indispensável à compreensão de qualquer fenómeno à superfície da Terra. Pode mesmo
afirmar-se que a dimensão espacial é tão necessária como o tempo para se compreender o mundo em que vivemos. Será por isso que a localização é uma
dimensão tão presente nalguns concursos televisivos, apesar de a Geografia
mundial ser aí apresentada como uma longa e fastidiosa enumeração de sítios
sobre os quais nada se sabe? Localizar é importante; é o ponto de partida para
se conhecerem os lugares e os fenómenos que aí ocorrem, mas não um fim, uma
meta sem qualquer significado.
Na figura 1 estão ordenados os países pela percentagem decrescente de
respostas certas dos geógrafos (A), separadas das dos restantes inquiridos (B).
Destaque-se da leitura dos gráficos:
a) A ordenação dos países é semelhante nas duas figuras. São as mesmas
as posições relativas dos sete países cuja localização é melhor feita, tanto
por geógrafos como por outros inquiridos (por ordem: Portugal, Brasil,
França, Estados Unidos, China, México e Noruega) e também para os
dois pior localizados (Paquistão e Mauritânia); há apenas três países
com pequenas trocas entre si na ordenação final (Egipto, Moçambique
e Arábia Saudita).
b) Ainda que os geógrafos localizem melhor todos os países (figura 1A),
é surpreendente que eles ultrapassem 50% de respostas incorrectas e
aproximadas no caso do Paquistão e da Mauritânia e superem os 25%
nos casos do Egipto, da Noruega e – pasme-se! – de Moçambique.
É útil analisar melhor as repostas relativas a este país (quadro II). Mesmo
entre os 113 geógrafos e estudantes universitários de Geografia há quem não
localize Moçambique (16 casos), ou o localize na Tanzânia (situações classificadas como localizações aproximadas). Mas há situações mais graves: confusão
com Angola (7), a África do Sul (2) e três outros países do continente africano.
Se os erros de geógrafos são difíceis de entender, que dizer de 55 localizações erradas em 213 inquiridos (26%) e, sobretudo, de casos em que se localiza Moçambique noutros continentes, casos da Argentina e da Arábia Saudita?
É também preocupante que se situe Moçambique na Mauritânia (11 casos), em
Angola (8), no Zaire (9), etc. Estas respostas dão que pensar sobre o nosso
ensino, mas também sobre a deficiente construção de imagens do mundo que a
televisão e outros meios de comunicação social concorrem para formar, ou para
deixar na penumbra. O papel da Internet é também de questionar (embora essa
seja uma fonte de informação onde a escolha é mais pessoal), já que há aí intervenção de muitos agentes, não só na construção de instrumentos de conhecimento,
como na forma mais ou menos hábil de os disponibilizar.
c) Considerando de novo a figura 1B, registe-se a enorme percentagem de
localizações apenas aproximadas ou erradas da Mauritânia (77%), do
Paquistão (75%), da Arábia Saudita (66%), e do Egipto (47%). Atendendo
a que os inquiridos são estudantes do ensino secundário ou licenciados,
temos de concluir que é bastante deficiente a formação geográfica básica
dos nossos cidadãos, bem como a sua capacidade crítica relativamente
às fontes de informação.
d) No caso de países constantemente referidos nos media e com áreas
enormes na superfície do mapa-mundo, caso dos Estados Unidos, da
China, e mesmo do México, é pelo menos estranho que sejam mal
localizados, ou não localizados, por 15% a 30% dos inquiridos não
geógrafos; quanto a estes as percentagens variam entre 6% e 12%, o
que também é elevado.
Como não se separou sistematicamente a localização errada da ausência de
registo, consideremos para esse efeito 2 casos: o México, um dos seis países
melhor situado no mapa e o Paquistão, um dos piores, mas não o pior.
Sendo sempre superior a ausência de localização em relação às respostas
incorrectas é estranho que quem se dá ao trabalho de situar um país no mapa o
faça com erros tão grandes. O México foi localizado na Argentina (8 casos),
nos Estados Unidos (3 vezes), no Canadá (também 3), várias vezes na Venezuela
e na América Central. Como se vê, pelo menos não se deslocou o México para
outros continentes. Isso aconteceu no Paquistão, que foi localizado 5 vezes em
África (no Egipto 3 casos, 1 na África do Sul e 1 na Líbia), 3 vezes na Europa
(em França e na Roménia) e 1 vez na Indonésia. As situações erradas em países
asiáticos não fronteiriços são frequentes: Arábia Saudita (5), Turquia (5), Síria
(4), Iraque (2), Tailândia (1). Quanto aos países com fronteira com o Paquistão,
se excluirmos o Afeganistão, um erro compreensível, encontramos localizações
no Irão (12 casos), no sul da Rússia (10 casos), na China (2) e na Índia (2). São
muitos erros!
A questão que se coloca de seguida prende-se com as imagens mentais
destes países. Que ideias se formam no espírito das pessoas, em que pensam
elas, quando se menciona a França, os Estados Unidos, ou o Paquistão?
IV. OS PAÍSES: O QUE SE IMAGINA DE CADA UM
Claro que não se contava que entre as 978 referências a cada país houvesse
uniformidade de respostas. Pelo contrário, esperava-se grande diversidade de
representações mentais, o que criava muita curiosidade sobre os resultados que
seriam encontrados.
Partindo do enorme conjunto de imagens mentais recolhidas registam-se
nos gráficos, para cada país: (i) as categorias de imagens por ordem crescente
de referências; (ii) a ideia dominante dentro da categoria, quando existe; finalmente, (iii) a percentagem de questionários com respostas erradas ou sem resposta.
Os países foram separados em dois conjuntos. No primeiro (fig. 2A), incluem-se
os seis países melhor localizados; no segundo (fig. 2B), os seis pior loca
lizados.
O quadro I reúne o essencial da informação que vai ser analisada.
Destacou-se o grupo erradas e sem resposta, não só porque a percentagem
é elevada em muitos países, como pelo potencial significado de nada ser respondido, ou a resposta ser incorrecta. Se o inquirido não respondeu à tarefa 2, ou
quase não deu resposta (recorde-se, indicar 3 palavras ou expressões curtas que
mentalmente associa a cada país), o questionário foi anulado; se ele foi preenchido para todos os países, ou quase todos, foi validado (326 questionários). A
falta de resposta (4 174 casos, ou seja, 35,6% do total, quadro III e fig. 2) tem
forte probabilidade de significar desconhecimento, o que é corroborado pelo
facto de nos seis países melhor localizados (fig. 2A: Portugal, Brasil, França,
Estados Unidos, China e México) a percentagem de menções erradas e sem
resposta ser claramente inferior aos outros seis (fig. 2B: Noruega, Moçambique,
Arábia Saudita, Egipto, Paquistão e Mauritânia). Ou seja: não ser capaz de situar
um país no mapa traduz de facto um desconhecimento; todavia, ser capaz de o
localizar não significa ter ideias sobre ele. Repare-se nas elevadas percentagens
de menções erradas e sem resposta, mesmo nos casos de Portugal (22%) e da
França (29%). Admitamos que em certos casos pode haver alguma preguiça
(recorde-se, todavia, que o tempo não constituiu problema). Mas, como explicar
percentagens de 37% na Noruega e em Moçambique, de 49% no Paquistão e na
Arábia Saudita e, pior ainda, de 64% na Mauritânia (quadro I)?
Vejamos agora que imagens são registadas no caso dos países pior conhecidos. No geral são pouco variadas. À Mauritânia associam-se quase exclusivamente duas imagens: o “deserto” e o “rally Lisboa-Dakar” (ou Paris-Dakar).
Estas duas, somadas às erradas e sem resposta, atingem 81% do total. A Mauritânia é portanto mal conhecida, o que não é surpresa. No caso da Arábia
Saudita, somando “o petróleo” e “o deserto” às erradas e sem resposta atingem-se 70% do total. Segue-se na pobreza de imagens o Paquistão, pois a soma de
erradas e sem resposta, a “guerra” e “Islão” representa 68% do total. Por fim,
a triste representação de Moçambique: 37% de menções erradas e sem resposta
somadas a 11% de “pobreza” e a 4% de “praia” representam 53% das 978
respostas esperadas. Recordando que ele não foi localizado, ou foi-o erradamente, por 24% dos geógrafos e por 53% dos outros inquiridos (fig. 1) vê-se
quão pobre é a imagem mental desta antiga colónia, independente há pouco mais
de 30 anos.
Em relação a Moçambique, um país histórica e culturalmente próximo de
Portugal, regista-se grande desconhecimento e até desinteresse. Mal localizado,
tem também poucos registos de imagens representativas. Para além das mencionadas, foram feitas 5% de menções a “ex-colónia”, e 2% a cada uma das seguintes imagens: “Eusébio” ou “pantera negra”; “marisco” ou “camarão”; “calor” e
“doença e sida”. Porque serão tão poucas as menções a questões específicas
como a língua e até as cheias que a televisão sempre noticia?
A Noruega e o Egipto, situados entre os países relativamente mal localizados (fig.1), têm duas imagens dominantes: “o frio” e “a pesca do bacalhau”,
no primeiro caso, “o Nilo” e “as pirâmides”, no segundo. Mas há uma diferença
entre eles: registam-se 37% de menções erradas e sem resposta na Noruega
e 27% no Egipto, o que significa que, ou pela História que dele se aprende,
ou pelas imagens turísticas difundidas, é mais fácil criar imagens mentais do
Egipto do que da Noruega, um país europeu que nos é mais distante do que
o Egipto, não pelos quilómetros, mas pela informação significativa que dele
guardamos.
Sobre dois dos maiores países do Mundo, os Estados Unidos e a China,
enfatizam-se imagens algo estereotipadas. No primeiro: “fast-food”, “Estátua da
Liberdade”,“Hollywood” e “os atentados”, também referidos como “11 de Setembro”, “ataque às torres gémeas”, etc., e no segundo “arroz”, “olhos rasgados”,
“Muralha da China”, “excesso de população”. Se exceptuarmos a última, que
traduz factos reais preocupantes, cabe perguntar se não seria de esperar que
dominassem outras imagens mentais para este país como comunismo, direitos
humanos, comércio, crescimento económico, etc., e para os Estados Unidos,
capitalismo, poder, desenvolvimento, riqueza, entre outras. Estas imagens são
mencionadas, é certo, mas são subvalorizadas face às indicadas.
Entre os quatro países restantes, Portugal, Brasil, França e México, há
semelhanças a assinalar: as mais notórias são a diversidade de imagens a respeito
deles, a menor percentagem de menções erradas e sem resposta, o peso do
turismo e gastronomia e, no caso de Portugal e da França, a enorme percenta-
gem da categoria cultura e história; no Brasil e no México a distribuição das
respostas pelas várias categorias é mais uniforme. O facto de não se assinalarem
dominâncias especialmente significativas nas seis categorias, excepção feita à
“Torre Eiffel” em França e à “praia” no Brasil, traduz a diversidade de imagens.
Quanto mais variadas e menos estereotipadas, porventura maior a riqueza de
representações mentais. A monotonia de ideias, a pouca diversidade, traduz
provavelmente menos conhecimento pessoal, menos reflexão e mais aceitação
acrítica do que repetidamente se ouve, ou vê, nos meios de comunicação social,
que são a principal fonte de informação, quando não a única, sobre muitos
países do mundo.
V. CATEGORIAS DE IMAGENS: GRAUS DE VALORIZAÇÃO
Não nos vamos alongar porque o quadro III e a figura 3 falam por si e
porque o que se disse atrás ajuda já a explicar a diferente valorização das 6
categorias nos 12 países.
Insistamos de novo na categoria erradas e sem resposta: ela é, simultanea
mente, a que atinge percentagens mais elevadas e a única em que o mínimo é
superior a 20%, excepção feita a Portugal (quadro I).
A categoria natureza é sobretudo significativa nos países onde se verificam
situações extremas: deserto, que domina em 3 casos, Mauritânia, Egipto e Arábia Saudita e frio, na Noruega. As outras ideias valorizadas têm a ver, e ainda
bem, com a beleza da paisagem (Portugal e Moçambique). No conjunto das
6 categorias a importância relativa da natureza é apenas superior à dos locais
mencionados (quadro III).
No turismo e gastronomia há grandes disparidades entre países (fig. 3):
comparem-se o Brasil (44%) e o México, este porventura uma surpresa neste
aspecto, com 33%, a França e o Egipto, que registam percentagens de respostas
superiores a 25%, com a quase total ausência de menções na Noruega, na Arábia Saudita, no Paquistão e na Mauritânia. Nesta categoria tanto se enfatiza “a
praia” no Brasil e em Moçambique, como “os sombreros” no México, “as pirâmides” no Egipto e a gastronomia: “o cozido” em Portugal e “o arroz” na China.
Alguns países são de facto nomeados pelo que o turismo deles diz.
É interessante notar que em todos os países considerados há locais que
merecem destaque, não sendo sempre a capital a escolhida. É o caso do Brasil
(domina a Amazónia, embora o Rio de Janeiro seja equivalente), dos Estados
Unidos (Hollywood), do Egipto (Nilo) e, ainda, dos espaços amplos e vagos
referidos a propósito da Mauritânia (África) e da Noruega (Nórdico). Registe-se
que os países com menor percentagem de locais citados estão entre os menos
correctamente localizados: Arábia Saudita, Paquistão e Mauritânia. Dar importância a locais específicos significa provavelmente, tratar-se de espaços geográficos que se conhecem melhor, sobretudo se eles não são recorrentemente
referidos pelos media.
Registe-se um aspecto interessante em categorias muito abrangentes, cultura
e história e economia e sociedade. Os cinco países com mais citações na primeira
são exactamente os que menos menções merecem na categoria economia e sociedade: Egipto, França, Portugal, México e Brasil.
Antes de terminar, uma síntese para destacar imagens importantes do manancial de informação reunido (quadro IV). Vê-se aí claramente que apenas duas
imagens são muito representativas do conjunto de ideias registado pelos inquiridos, pois elas significam mais de 30% do total na Noruega e no Egipto, mais
de 20% no Brasil, em França e na Arábia Saudita e 15% ou mais em quatro
países: Paquistão, China, Mauritânia e Moçambique. Ficam de fora apenas Portugal, Estados Unidos e México. Nestes três países duas imagens contemplam
apenas 10% do total, o que quer dizer que a diversidade de representações é
mais frequente.
E nos outros países? O que dizem as imagens registadas? Não será surpreendente que a Noruega fique representada pelo “frio” e “a pesca do bacalhau”,
ou o Egipto pelas “pirâmides e “o Nilo”. Mas não significará alguma pobreza
que da França fique sobretudo a imagem da “Torre Eiffel” e de “Paris” (por esta
ordem), da China o “excesso de população” e “o arroz” e de Portugal o “fado”
e “Lisboa”? Claro que o facto de os questionários terem sido feitos na região
próxima de Lisboa tem influência nas respostas. Mas isso não explica o grande
desconhecimento e pobreza de imagens de Moçambique (quadros I e II), bem
como da França e do Brasil (quadro I).
VI. CONCLUSÃO
A Geografia não se preocupa apenas com o palpável mas também com
“o sentir e os sentidos”7. Como diz A. Bailly (1992) ela constrói-se sobre conhecimento do mundo, não sobre o próprio mundo.
É evidente que esta pesquisa, ainda que suportada por uma amostra ampla
(11 736 respostas de 326 inquiridos), representa uma abordagem parcelar a um
problema muito vasto: como são representados mentalmente os países do mundo.
Serão essas representações fortuitas, quase ocasionais ou, pelo contrário, mais
ou menos persistentes? Ficaram de fora muitos países, as diferenças culturais
entre os inquiridos, as suas fontes de informação (embora se acredite no grande
peso dos meios de comunicação social) e a própria evolução do conhecimento
(o questionário foi realizado no início de 2007).
Circunscrevendo-nos às questões colocadas, retenhamos os principais resultados. Não há dúvida que há falhas importantes na localização dos países, mesmo
dos que nos são espacial ou culturalmente bastante próximos. Moçambique e a
Noruega são dois casos paradigmáticos. Os geógrafos localizam todos os países
um pouco mais correctamente, mas é preocupante que haja tantos que não saibam
onde ficam o Egipto, a Arábia Saudita ou Moçambique, além da Mauritânia e
do Paquistão. Quanto aos outros inquiridos, basta olhar para a figura 1B para se
verificar que neste conjunto de 12 países nem mesmo os Estados Unidos e a
China são correctamente localizados por cerca de 15% (EUA) e 30% (China).
Há uma relação estreita entre melhor localização e diversidade de imagens
mentais. Portugal, Brasil e França são disso bons exemplos. Pelo contrário, nos
países pior localizados, a relação mais estreita é com a ausência de imagens
mentais. São exemplos: a Mauritânia (64%), o Paquistão (49%), a Arábia Saudita
(49%), Moçambique (37%) e a Noruega (37%) e mesmo o Egipto (27%). Em
relação a países como os Estados Unidos, a China, o Brasil e o México as imagens traduzem estereótipos mediatizados (fig. 2 e 3 e quadro III).
Destacaram-se as localizações erradas de Moçambique, ou a falta de registos, mesmo por geógrafos, e a pobreza de representações a seu respeito. Claro
que com tantos inquiridos a não responderem (o que é muito significativo de
desconhecimento ou do desinteresse), os valores percentuais das imagens registadas são pequenos. Mas os que disseram alguma coisa deixaram deste país uma
imagem triste (pobreza) ou valorizada pelo turismo (as praias). Porque é que tão
poucos lembraram Mia Couto, a sida, a língua portuguesa, etc.?
Como não foram tratadas parte das respostas do questionário, caso da divisão por sexos, da escolaridade e da formação geográfica (a distinção entre geógrafos e não geógrafos só foi analisada no que se refere à localização dos países),
não se pode estabelecer qualquer relação entre o nível de escolaridade e de
informação geográfica com os tipos de imagens mentais. Reconhece-se que teria
sido útil registar os países sobre os quais o inquirido tem conhecimento directo.
Não houve intenção de perceber a origem das ideias registadas, nem de avaliar
a sua evolução no tempo, mas seria interessante conhecer as principais fontes
de informação sobre os países e se passados dois ou três anos as imagens destacadas persistem. Fica o desafio a quem se aventurar.