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EuPTHUAp0430-50272013000100003

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National varietyEu
Year2013
SourceScielo

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Susceptibilidade ŕs cheias na Área Metropolitana de Lisboa norte das mudanças de uso do solo. Factores de predisposiçăo e impactes

I. INTRODUÇÃO Este artigo sintetiza parte de uma dissertação de mestrado (Leal, 2011), cujo objectivo central foi a avaliação da susceptibilidade às cheias de 12 pequenas bacias hidrográficas que drenam a Área Metropolitana de Lisboa (AML Norte): Colares, Vinhas, Caparide, Laje, Barcarena, Jamor, Trancão (bacia), Trancão (sub­bacia), Póvoa, Loures, Fanhões e Alpriate (fig._1). Estas bacias têm sido afectadas com frequência por cheias rápidas, que provocam consideráveis danos directos (como vítimas mortais e danos físicos nas propriedades e infra- estruturas) e indirectos (como rupturas na rede de transportes e no comércio).

Embora existam vários estudos sobre algumas destas bacias, não havia, até à referida dissertação, um estudo integrado e comparativo entre elas, que analisasse de que forma as suas características permanentes e variáveis interferem no seu comportamento face às cheias. Atendendo à janela temporal analisada (decenal), consideraram-se como características permanentes (factores de predisposição) as componentes físicas das bacias. Como características variáveis foram consideradas a ocupação humana do território e as mudanças no uso do solo. Esta foi a variável condicionante das cheias que se afigurou mais importante na AML Norte, dada a intensificação do processo de urbanização e de suburbanização que se verificou a partir da segunda metade do século XX e que contribuiu fortemente para as graves consequências das cheias rápidas de 1967, 1983 e 2008.

Procurou­se igualmente estimar os impactes das modificações do uso do solo no comportamento hidrológico das 12 bacias, nomeadamente nos tempos de concentração e nos caudais de ponta de cheia (que definem a magnitude das mesmas), bem como analisar a ocupação dos leitos de cheia e o seu processo de evolução nas últimas duas décadas, com base em informação digital para 1990 e 2006.

II. ENQUADRAMENTO TEÓRICO A susceptibilidade pode ser definida como a propensão de uma área para ser afectada por um determinado perigo, em tempo indeterminado, sendo avaliada através dos factores de predisposição para a ocorrência dos processos ou acções, não contemplando o seu período de retorno ou a probabilidade de ocorrência (Soeters e van Westen, 1996; Julião, 2009).

Esses factores influenciam a forma como as bacias hidrográficas respondem aos episódios de precipitação e determinam o seu grau de predisposição para serem afectadas por cheias. Neste trabalho apresenta­se uma concepção mais abrangente da susceptibilidade, porque aos factores de predisposição (geometria da bacia, rede de drenagem, relevo, substrato geológico e solos) se juntam factores variáveis (uso do solo e sua evolução).

A influência das características físicas das bacias na amplificação ou na atenuação dos efeitos da precipitação é conhecida e aceite pela maioria dos autores. Genericamente, em bacias circulares, bem drenadas, com declives acentuados e de baixa permeabilidade ocorre um aumento na magnitude e na frequência das cheias, bem como uma diminuição nos tempos de concentração, em relação às que não possuem estas características (Patton, 1988; Smith e Ward, 1998; Lencastre e Franco, 2006; Ramos, 2009; NOAA, 2010). A análise das componentes permanentes passa pela sua quantificação, isto é, pelo cálculo de um conjunto de indicadores adimensionais que permite comparar bacias com áreas diferentes. Os primeiros estudos deste tipo foram efectuados por Horton na década de 30 do século XX. Actualmente, eles são realizados em todo o mundo, sem variação substancial dos indicadores ­utilizados. Porém, ao contrário do que sucede para a morfometria das bacias (que agrupa a geometria, o relevo e a rede de drenagem), no caso do substrato geológico e dos solos não existem indicadores que avaliem a permeabilidade, uma vez que ela é uma propriedade das formações geológicas, dependente da sua estrutura e textura (dimensão de espaços vazios). Por isso, essa avaliação é, geralmente, de forma qualitativa, comparando os litofácies das formações geológicas, ou recorrendo, por exemplo, aos números de escoamento (método do Soil Conservation Service). Uma outra forma de definir a permeabilidade de uma bacia é através de metodologias de carácter hidrogeológico, como as que sugerem Ramos (1994) e Ramos et al.

(2010).

No que diz respeito à avaliação dos factores físicos, e especificamente para esta área de estudo, não existem muitos trabalhos. Reis (1996) efectuou uma análise morfológica da bacia da ribeira de Colares, à qual Lavrador­Silva (2002) acrescentou a identificação de pontos e troços de maior perigosidade às cheias e a avaliação da permeabilidade do substrato geológico. Essencialmente, estes dois autores consideraram que existem duas realidades dentro da bacia, uma vez que a margem esquerda apresenta uma susceptibilidade muito superior à da outra margem, pelas suas diferentes características litológicas, do relevo e da rede de drenagem. Sobre a bacia da ribeira da Póvoa/Odivelas, Borges et al.

(2005) concluíram que esta possui condições muito favoráveis para a ocorrência de cheias rápidas, fazendo também uma avaliação da perigosidade.

O estudo dos factores variáveis pode ser efectuado de três formas distintas: 1) analisando apenas a ocupação do território numa determinada data, de modo a avaliar a influência antrópica no comportamento hidrológico da bacia face ao regime natural; 2) analisando a evolução entre duas ou mais datas, como fizeram Saraiva et al.(1998) para a bacia da ribeira da Laje, Lavrador­Silva (2002) para a bacia da ribeira de Colares e Borges et al. (2005) para a bacia da ribeira da Póvoa, de modo a caracterizar os impactes na permeabilidade da bacia; 3) analisando essa evolução e os seus impactes no regime hidrológico das bacias.

Quando o objectivo é estudar as cheias, o que mais importa examinar nos factores variáveis são as áreas edificadas/impermeabilizadas. Tal como acontece com os factores físicos, os efeitos da urbanização são conhecidos e resultam da impermeabilização dos solos a qual provoca o aumento da magnitude dos picos de escoamento e da frequência das cheias e a diminuição dos tempos de concentração.

A estimativa dos tempos de concentração das bacias hidrográficas pode ser feita através de diversos métodos, ainda que o que melhores resultados apresenta para as bacias da região de Lisboa seja o de Temez (Correia, 1983).

Uma das formas de avaliar as modificações na resposta das bacias a eventos chuvosos é através de modelos hidrológicos, como o SWAT (Soil and Water Assessment Tool) ou o KINEROS (Kinematic Runoff and Erosion). Estes modelos permitem, principalmente, compreender o comportamento das bacias em termos hidrológicos, em função das suas características naturais e da acção humana (Miller et al., 2002). Quando se pretendem estimar os caudais de ponta de cheia e a influência das modificações no uso do solo, recorre-se aos métodos empíricos cinemáticos (Hipólito e Vaz, 2011). Destacam­se o Método Racional e o do Soil Conservation Service (SCS). O primeiro apresenta bons resultados em pequenas bacias hidrográficas (de algumas dezenas de km2), perdendo rigor à medida que a dimensão das bacias aumenta, enquanto o segundo é mais adequado para bacias com dimensões superiores aos valores referidos.

III. METODOLOGIA De modo a obter a susceptibilidade das bacias hidrográficas às cheias foi necessário analisar individualmente os factores que a condicionam. Cada factor foi caracterizado através da selecção e quantificação de vários indicadores, que resultam do cruzamento de dois ou mais parâmetrosi (quadro_I).

Seguidamente, foram construídos três índices de susceptibilidade (natural, do uso do solo e do conjunto dos factores condicionantes) através do cruzamento e da ponderação numérica dos vários indicadores. Assim, de modo a obter a susceptibilidade natural das bacias foram quantificados: a geometria da bacia, o substrato geológico, o relevo e a rede de drenagem. Os solos não foram considerados porque a sua permeabilidade depende, em grande parte, das características hidrológicas da respectiva rocha­mãe. No caso do substrato geológico, a permeabilidade das formações geológicas varia entre 1 (permeabilidade mínima) e 9 (permeabilidade máxima) e foi definida em função da classificação das litologias existentes na AML (Ramos et al., 2010).

Posteriormente, os resultados dos indicadores de cada uma das bacias foram divididos em quatro classes de igual amplitude, o que significa que as bacias têm valores/scores entre 1 (menor susceptibilidade) e 4 (maior susceptibilidade). Esses valores foram, de seguida, somados por factor e divididos pelo número total de indicadores de cada uma delas. Tomando como exemplo o factor geometria, os scores do factor forma, índice de Gravelius, índice de circularidade e índice de alongamento de cada bacia foram somados e, depois, divididos por quatro (o número de indicadores utilizados para a geometria). Optou­se por atribuir uma ponderação numérica de 1 à geometria e à rede de drenagem, de 2 ao relevo e de 3 ao substrato geológico, pelas seguintes razões: (i) o relevo é o factor decisivo na energia potencial da água e na velocidade do escoamento; apesar deste território não ser especialmente acidentado, existem algumas diferenças entre as bacias, nomeadamente no que diz respeito à altitude máxima e à amplitude altimétrica; (ii) o substrato geológico é considerado o factor mais importante, porque a permeabilidade da zona vadosa é a componente que mais interfere com a infiltração da água e, como tal, com a produção do escoamento superficial (Reis, 2006) e porque a rede de drenagem está essencialmente dependente das características do substrato geológico (Leopold, 1968; Ramos, 1994 e Reis, 2006), quando as bacias estão localizadas na mesma região climática (como é o caso), ou em contextos morfológicos semelhantes. Assim, a susceptibilidade natural das bacias hidrográficas pode ser obtida através da seguinte expressão:

No que diz respeito aos factores variáveis das cheias, utilizou­se a cartografia Corine Land Cover de 1990 e de 2006, de modo a conhecer não a ocupação do solo, mas também a sua evolução recente. As designações utilizadas no Corine Land Cover foram agrupadas em três classes em função da sua natureza: áreas edificadas, áreas agrícolas e áreas florestais e silvestres. Para classificar as bacias quanto à sua susceptibilidade às cheias foram calculados os seguintes indicadores: 1) percentagem da superfície ocupada por áreas edificadas na data mais recente (2006); 2) percentagem de aumento dessas áreas entre 1990 e 2006; 3) percentagem da superfície ocupada por áreas florestais e silvestres em 2006.

Os passos seguintes são idênticos aos utilizados para os factores de predisposição, tendo sido atribuída uma ponderação numérica de 2 à percentagem de áreas edificadas, dada a importância das superfícies impermeabilizadas no contexto das cheias. A utilização das áreas florestais e silvestres na equação abaixo segue uma lógica inversa à das áreas edificadas, ou seja, às percentagens mais elevadas de áreas florestais e silvestres foram aplicados valores/scores mais baixos, uma vez que estas facilitam a infiltração da água ao contrário das áreas construídas que impermeabilizam a superfície. A susceptibilidade ao uso do solo e sua evolução foi obtida através da seguinte fórmula:

Tanto para os factores de predisposição como para os factores variáveis, recorreu­se à análise de clusters, que permite testar e validar a metodologia referida porque facilita a compreensão das relações de proximidade que se estabelecem entre as bacias.

O índice de susceptibilidade dos factores condicionantes foi alcançado através da seguinte expressão:

Note­se que ao uso do solo foi atribuída uma ponderação numérica de 3, tal como ao substrato geológico, dado que ambos condicionam a permeabilidade das bacias hidrográficas.

Procurou­se igualmente compreender a evolução (1990­2006) dos usos do solo nas Zonas Afectadas por Cheias (ZAC), definidas pelo DL 166/2008 e delimitadas em Ramos et al. (2010).

Para calcular o tempo de concentração das bacias hidrográficas foram utilizados os métodos de Temez (1978), por ser, como foi referido, o que apresenta melhores resultados para a região de Lisboa (Correia, 1983), e o método do Federal Aviation Administration (FAA), que ao contrário do de Temez, permite entender o efeito que as mudanças do uso do solo têm no aumento da velocidade do escoamento. O método do FAA tem a seguinte fórmula:

Para se estimar a influência do uso do solo nos caudais de ponta atingidos nas cheias de Fevereiro de 2008 utilizou­se o Método Racional, recorrendo aos dados horários de precipitação de algumas estações da rede do INAG. Este método, cuja fórmula é atribuída a Mulvaney em meados do século XIX, é um dos mais utilizados para o cálculo dos caudais de ponta de cheia em bacias hidrográficas de pequena dimensão (Hipólito e Vaz, 2011), como é o caso das da AML Norte.

IV. FACTORES DE PREDISPOSIÇÃO ÀS CHEIAS Todas as bacias hidrográficas da AML Norte podem ser consideradas pequenas, que as suas áreas variam entre as dezenas e as duas ou três centenas de km2 (quadro_II). Quanto à forma, à primeira vista, existem dois conjuntos de bacias distintos: as arredondadas, compostas pela bacia da ribeira de Colares e pela bacia e respectivas sub­bacias do rio Trancão e as alongadas da costa do Estoril (Vinhas, Caparide, Laje, Barcarena e Jamor) (fig._1).

Os resultados dos indicadores calculados e do índice final da geometria estão presentes no quadro_II. Assim, Colares, Fanhões e Póvoa são, claramente, as bacias mais favoráveis à ocorrência de cheias, seguidas da bacia de Alpriate.

Caparide e Barcarena são muito pouco propensas à ocorrência de cheias no que respeita à componente geometria.

A diferença de predisposição às cheias entre Loures/Trancão (SB) e as primeiras classificadas do ranking, explica­se porque estas duas bacias são bastante mais estreitas nos sectores terminais (fig._1). No caso da bacia da ribeira das Vinhas, apesar de parecer uma bacia alongada, a susceptibilidade é moderada porque o seu sector montante é substancialmente mais amplo do que os sectores intermédio e jusante (fig._1).

Os resultados obtidos foram confirmados pela análise de clusters (fig._2), cujo corte de hierarquia superior do dendograma confirma a separação das bacias de drenagem em dois grandes grupos: bacias com predisposição às cheias elevada a muito elevada e bacias com predisposição moderada a muito reduzida.

Na AML Norte existe uma grande diversidade litológica, uma vez que, além das rochas sedimentares, também ocorrem as magmáticas, como as que compõem o maciço de Sintra e o Complexo Vulcânico de Lisboa. Se o tipo e as características das rochas é diferente, também a sua permeabilidade será distinta, o que se irá refletir no grau de predisposição às cheias das bacias hidrográficasiii.

O quadro_III mostra que Fanhões, Póvoa e Trancão (SB) possuem uma predisposição muito elevada.

Maioritariamente, por materiais do Complexo Vulcânico de Lisboa (muito alterados) e pelas aluviões argilosas da depressão de Loures (formações de permeabilidade baixa e muito baixa). Trancão (SB) desenvolve­se, em quase toda a sua extensão, sobre formações sedimentares com margas na sua composição, o que lhes reduz significativamente a permeabilidade.

A classe seguinte engloba Loures e Barcarena, bacias com áreas relativamente extensas ocupadas pelo Complexo Vulcânico de Lisboa, embora não tão extensas como acontece nas três primeiras do ranking.

Com predisposição moderada surgem Jamor, Alpriate e Vinhas. Quanto a Alpriate, apesar de boa parte da sua área estar sobre o Complexo Vulcânico de Lisboa, as aluviões da depressão de Loures e o Complexo de Benfica (permeabilidade baixa), têm também formações com permeabilidades elevadas (areias, areolas e outras formações de origem sedimentar). A bacia de Vinhas tem, no sector montante, um substrato geológico de baixa a muito baixa permeabilidade (granitos de Sintra e calcários e margas formação de Ramalhão), mas a restante bacia é constituída por formações de permeabilidades médias e elevadas.

Colares, Caparide e Laje têm uma predisposição às cheias reduzida a muito reduzida. No caso das duas últimas, o substrato geológico é formado, predominantemente, por rochas sedimentares (calcários, arenitos, margas e conglomerados) que, no geral, apresentam permeabilidades médias e elevadas. O caso de Colares é um pouco diferente, que existe uma dissimetria entre as duas margens do curso de água principal no que respeita às características das rochas. A margem esquerda é composta quase exclusivamente por granitos e sienitos (permeabilidade muito reduzida), enquanto a margem direita possui uma extensa área de calcários e arenitos (permeabilidade elevada). Por outro lado, a parte jusante desta bacia é coberta por formações dunares (permeabilidade muito elevada).

A análise de clusters valida a maioria das conclusões alcançadas. O corte de hierarquia superior na figura_3 possibilita a separação das bacias com predisposições às cheias reduzidas e muito reduzidas (Colares, Caparide e Laje) em relação às restantes. Quanto ao corte inferior do dendograma, permite distinguir três grupos de bacias: 1) de predisposição reduzida e muito reduzida; 2) de predisposição elevada e muito elevada (Loures, Póvoa e Fanhões); 3) de predisposição moderada (Vinhas, Alpriate e Jamor).

Do ponto de vista do relevo, a AML Norte não é um território muito acidentado.

Dominam os relevos em estrutura monoclinal (costeiras e elementos planálticos, os quais correspondem, nuns casos, a superfícies subestruturais e, noutros, de arrasamento), destacando­se claramente a serra de Sintra , pela sua génese e composição litológica, tornando as ribeiras que drenam a partir deste maciço mais propensas à ocorrência de cheias rápidas. O quadro_IV comprova a existência de duas realidades completamente distintas. Existem cinco bacias (Vinhas, Caparide, Fanhões, Alpriate e Colares) que se diferenciam das restantes. Às três bacias que escoam a partir do maciço de Sintra, juntam­se Fanhões e Alpriate. Esta situação explica­se porque estas duas bacias se localizam no reverso da costeira de Lousa­Bucelas, apresentando amplitudes altimétricas significativas tendo em conta a sua reduzida dimensão. No entanto, existem diferenças entre elas ao nível do índice final do relevo. Vinhas é a bacia com o grau de predisposição às cheias, mais elevado, porque o comprimento é reduzido e a amplitude altimétrica muito significativa (quadro_IV).

quadro_IV

Loures, Póvoa, Trancão (SB), Barcarena, Jamor e Laje enquadram­se na classe de predisposição muito reduzida. A distância entre os dois grupos de bacias, acima definidos, reflecte­se na ausência da classe de susceptibilidade reduzida, que a análise de clusters também comprova (fig._4).

Como foi dito, a rede de drenagem está muito dependente das características de permeabilidade da zona vadosa. Recorrendo aos valores da densidade de drenagem (quadro_V) pode dizer­se que nenhuma das bacias hidrográficas estudadas pode ser considerada mal drenada.

quadro_V

Analisando o factor rede de drenagem, observa­se uma grande disparidade entre as bacias do Trancão (SB) e Vinhas e as restantes (quadro_V). Estas duas bacias possuem uma predisposição às cheias muito elevada, uma vez que o escoamento superficial se organiza rapidamente (ver os valores do coeficiente de manutenção no quadro_V), potenciando a magnitude da rede e respectiva hierarquização, que, por sua vez, dada a reduzida dimensão das bacias, favorece a boa drenagem (elevadas densidades hídrica e de drenagem). Esta diferença é de tal forma notória, entre estas duas bacias e as outras, que a classe de predisposição elevada não existe.

A análise de clusters confirma, claramente, esta diferença (fig._5).

Depois de analisadas individualmente, as quatro componentes naturais das bacias hidrográficas (factores de predisposição) foram combinadas de modo a obter uma classificação de susceptibilidade natural às cheias. Os resultados do índice de susceptibilidade dos factores de predisposição (ISfp) são apresentados no quadro_VI e na figura_6.

Fanhões é a bacia mais susceptível às cheias devido, à influência conjunta do substrato geológico, da geometria e do relevo. A bacia de Vinhas tem igualmente uma susceptibilidade muito elevada devido às características do relevo e da rede de drenagem. Os valores do índice de susceptibilidade natural mais baixos são os de Jamor, Barcarena, Caparide e Laje, que, como se viu durante a análise factor a factor, são as bacias de menor predisposição a este fenómeno hidrológico. Laje é a única bacia com susceptibilidade muito reduzida, até porque nenhum dos factores físicos é particularmente agravante no condicionamento às cheias.

V. FACTORES VARIÁVEIS: A ACÇÃO HUMANA NO TERRITÓRIO

1. Mudanças no uso do solo A partir da segunda metade do século XX, a AML registou um forte aumento das áreas edificadas, em parte devido ao desenvolvimento das áreas urbanas de génese ilegal (AUGI) (Borges et al., 2005). Este processo de urbanização acarretou consequências no que diz respeito à susceptibilidade e vulnerabilidade às cheias.

A figura_7 retrata o uso do solo em 2006 nas várias bacias hidrográficas analisadas. Verifica­se que existem bacias com uma ocupação dominantemente urbana (Póvoa, Jamor, Barcarena, Laje e Caparide), bacias maioritariamente agrícolas (Loures, Trancão (SB) e Fanhões) e outras dominantemente florestais (Vinhas e Colares). Em Alpriate, as áreas urbanas e as áreas florestais ocupavam, em 2006, superfícies semelhantes.

Analisando com maior detalhe as áreas com ocupação dominantemente urbana, verifica­se que, em 2006, estas representavam mais de 70% da superfície da bacia da ribeira da Póvoa, à qual se seguiam as bacias da Laje (64%), Jamor (53%), Barcarena (50%), Caparide (46%) e Alpriate (41%) (quadro_VII). Embora se tenham registado aumentos das áreas edificadas em todas as bacias, o crescimento urbano, em apenas 16 anos (1990 ­ 2006), foi muito rápido nas bacias da Laje (28%) e de Alpriate (26%; quadro_VII), cujas áreas edificadas representavam apenas 15% do seu território em 1990. Por outro lado, os dados apurados revelam que os acréscimos nas áreas edificadas ocorreram, maioritariamente, à custa das áreas agrícolas, com excepção das bacias de Colares e de Alpriate, devido ao seu cariz florestal.

quadro_VII

A partir dos valores do índice de susceptibilidade dos factores variáveis (ISFV, quadro_VIII e fig._8) e da análise de clusters, verifica­se que existe uma distinção evidente nos tipos de ocupação do território contrastados: as bacias com uso do solo dominantemente urbano (Laje, Póvoa, Caparide, Alpriate, Barcarena e Jamor) e as bacias com uso agrícola e/ou florestal/silvestre (Fanhões, Trancão (SB), Vinhas, Colares e Loures). Estas últimas possuem uma susceptibilidade muito reduzida às cheias, enquanto a susceptibilidade é moderada em Alpriate, em Barcarena e no Jamor, é elevada em Caparide e é muito elevada na Laje e na Póvoa. Estas duas últimas bacias foram consideradas as mais susceptíveis, que são as que têm maior superfície impermeabilizada, as que têm menor superfície florestal e silvestre e também as que registaram dos maiores crescimentos urbanos entre 1990 e 2006.

2. Influência das mudanças do uso do solo nos tempos de concentração e nos caudais de ponta de cheia O tempo de concentração de uma bacia de drenagem define­se como o tempo que uma partícula de água demora a atingir a secção de referência, partindo do ponto cinematicamente mais afastado (Lima J e Lima I, 2010). Por outras palavras, é o tempo necessário para que toda a área da bacia contribua para o escoamento superficial na desembocadura (Lencastre e Franco, 2006). Com recurso ao método de Temez (1978) os resultados dos tempos de concentração apontam para valores inferiores a 6 horas na maioria das bacias, o que traduz a sua potencial capacidade para gerar cheias rápidas.

De modo a avaliar a influência da ocupação humana nos tempos de concentração das bacias utilizou­se o método do Federal Aviation Administration (FAA).

Apesar de estimar os resultados por defeito, uma vez que é, por norma, aplicado em bacias fortemente urbanizadas, este método permite conhecer as modificações relativas dos tempos de concentração entre dois períodos de referência (neste caso entre 1990 e 2006; quadro_IX). A bacia da ribeira da Laje destaca­se de todas as outras, pela expansão muito rápida das áreas edificadas e consequente diminuição das áreas agrícolas. O tempo de concentração desta bacia baixou quase 16% em 16 anos. Adicionalmente, existem outras bacias em que se verificam reduções significativas: Barcarena (10%), Caparide (8%), Jamor (8%), Alpriate (7%) e Póvoa (6%). Como seria de esperar, as diminuições dos tempos de concentração são menos notórias nas bacias hidrográficas dominantemente agrícolas e florestais.

Para estimar os caudais de ponta de cheia das bacias estudadas recorreu­se ao Método Racional (Hipólito e Vaz, 2011; Almeida et al.coord., 2010). Dadas as limitações deste método procurou­se, essencialmente, avaliar os impactes que as alterações no uso do solo tiveram nos caudais de ponta. Esta avaliação foi feita com base no pressuposto seguinte: se as mesmas precipitações que desencadearam as cheias de 2008 (com os mesmos valores e a mesma distribuição espacial e temporal) tivessem ocorrido em 1990, quais seriam as diferenças nos caudais de ponta produzidos pelas diversas bacias? Os resultados deste exercício teórico estão no quadro_X.

À semelhança do que acontece com os tempos de concentração, também nos caudais de ponta de cheia os maiores aumentos ocorrem nas bacias cujo processo de urbanização foi mais acentuado entre 1990 e 2006. O incremento foi particularmente significativo na bacia da Laje (26%), mas estimaram­se também acréscimos importantes em Alpriate (14%), Jamor (14%), Barcarena (13%) e Caparide (13%).

VI. INTERAÇÃO DOS FACTORES NATURAIS E DA OCUPAÇÃO HUMANA Depois de analisados, separadamente, os factores naturais e antrópicos (uso do solo) das bacias hidrográficas estudadas foi possível estabelecer uma classificação final de susceptibilidade às cheias. Os resultados do ISFC (índice de susceptibilidade dos factores condicionantes) são apresentados no quadro_XI e na figura_9.

A bacia mais susceptível às cheias é Póvoa, única com uma susceptibilidade muito elevada. De seguida surgem Fanhões, Alpriate e Vinhas com susceptibilidades elevadas, e Trancão (SB) com uma susceptibilidade moderada.

Jamor, Barcarena e Caparide são pouco susceptíveis às cheias, enquanto em Colares, Loures e Laje a susceptibilidade é muito reduzida.

Nas cinco primeiras bacias, quatro sub­bacias do rio Trancão (Póvoa, Fanhões, Alpriate e Trancão (SB)). A única excepção é Vinhas, que ocupa a quarta posição do ranking. Estes resultados mostram que a bacia do Trancão, e as suas sub­bacias, possuem características que agravam os efeitos das precipitações intensas.

Outro aspecto relevante está relacionado com a bacia da ribeira da Laje. Em termos naturais, esta bacia é a menos susceptível às cheias rápidas; no entanto, o uso do solo torna­a muito menos permeável atendendo às suas condições naturais, o que a coloca na primeira posição quanto aos factores relativos ao uso do solo. Apesar disso, Laje é a menos susceptível às cheias no conjunto dos factores condicionantes, o que prova a importância decisiva das características naturais das bacias neste contexto.

Confirma­se que se as condições naturais condicionam a resposta das bacias aos episódios de precipitação, a intervenção humana tanto pode conduzir a um agravamento (como acontece na bacia da ribeira Póvoa) como a uma diminuição da susceptibilidade (como se observa nas bacias das ribeiras de Colares e de Loures).

VII. BALANÇO DA OCUPAÇÃO DAS ZAC NA AML NORTE Embora a análise tenha incidido sobre a totalidade das bacias hidrográficas, os elementos expostos às cheias encontram­se nos terrenos ribeirinhos inundáveis, ou seja, nas ZAC (DL 166/2008 e Ramos et al., 2010). Em termos genéricos, na AML Norte, são as bacias mais urbanizadas as que têm mais construções em leito de cheia (quadro_VII e fig._10). Contudo, algumas excepções, como acontece na bacia das Vinhas, que tem quase a totalidade das suas ZAC ocupadas por edifícios (Baixa de Cascais) apesar do seu cariz florestal, e na bacia de Caparide, que, apesar da sua feição urbana (45,8%), tem menos de 10% das suas ZAC ocupadas por áreas edificadas.

Nem todas as bacias registaram um aumento da área edificada entre 1990 e 2006.

É o caso de Caparide, Laje, Vinhas e Loures. Em Colares, Fanhões e Trancão (SB), o aumento não foi muito significativo; pelo contrário, em Barcarena (19%), Alpriate (13%), Póvoa, (8%) e Jamor (5%) ocorreu um crescimento expressivo (fig._10).

As bacias que mais se destacam, quanto à evolução da área construída, são: 1) Vinhas, que tem mais de 80% das suas ZAC com construções, uma vez que o troço terminal da ribeira foi canalizado subterraneamente e a Baixa de Cascais foi edificada sobre ele; 2) Póvoa e Barcarena, que, em 2006, tinham mais de metade das suas ZAC ocupadas por áreas edificadas, tendo o crescimento continuado a aumentar; 3) Alpriate, que teve um forte crescimento em 16 anos, triplicando a área edificada. Estes resultados mostram que a legislação existente, que condiciona a construção em leito de cheia, não é cumprida. Nas últimas décadas, o abandono da agricultura criou terrenos expectantes para a urbanização potenciando uma elevada pressão sobre estes terrenos, no sentido da substituição do uso rústico pelo urbano.

VIII. CONCLUSÃO Na avaliação da susceptibilidade às cheias, das 12 bacias hidrográficas da AML Norte, foi utilizada uma metodologia que se considerou adequada para a escala de análise utilizada, pois permite a comparação entre bacias através da conjugação de um número apreciável de indicadores, capaz de dotar a análise de grande robustez. Como qualquer método, este possui algumas limitações, nomeadamente a atribuição dos scores aos factores condicionantes cujo valor pode ser discutível. Para além disso,­ os resultados não podem ser completamente validados, dado que os dados hidrométricos existentes são insuficientes. Contudo, este método permite detetar em cada bacia quais os fatores que as tornam particularmente sensíveis às cheias, podendo ajudar na escolha de tipos de intervenção que ajudem a minimizar as consequências nefastas deste fenómeno.

A avaliação efetuada mostra que os factores de predisposição (naturais) são particularmente gravosos (susceptibilidade elevada a muito elevada) nas sub­bacias do Rio Trancão (Fanhões, Trancão/sub­bacia, Póvoa/Odivelas e Alpriate), cujo escoamento converge na várzea de Loures, bem como na da ribeira das Vinhas, que desagua em Cascais, enquanto os factores variáveis (uso do solo) são particularmente gravosos nas bacias da ribeira da Laje e da Póvoa/ Odivelas. A conjugação dos factores agravantes das cheias (naturais e da ocupação humana) mostra que a bacia da ribeira da Póvoa é, de todas, a mais susceptível a este fenómeno, constituindo um verdadeiro desafio na mitigação das cheias na AML Norte.

A crescente expansão das áreas urbanizadas, essencialmente em detrimento dos terrenos agrícolas, implica a progressiva impermeabilização dos terrenos com o consequente aumento da magnitude das cheias, ou seja, da sua perigosidade. No período analisado (entre 1990 e 2006), as bacias que drenam a chamada Costa do Sol foram as mais afetadas por este fenómeno, registando os maiores aumentos dos caudais de ponta (Laje, Jamor, Barcarena e Caparide).

Ao nível dos leitos de cheia (ZAC) também se observa a tendência de alastramento das áreas construídas apesar da legislação existente. Em consequência, à excepção de quatro bacias, a exposição às cheias cresceu, potenciando assim o aumento do risco de cheia na AML. São de salientar os casos das bacias das ribeiras de Barcarena, em que a área construída nos leitos de cheia aumentou de 41% para 60% e da ribeira de Alpriate (de 7% para 20%).

A densificação da construção nas ZAC implica, à posteriori, a aplicação de medidas de mitigação estruturais, muito onerosas para os cofres públicos, tais como a rectilinearização dos canais, aprofundamento dos leitos e diques de protecção nas margens. É urgente a passagem do paradigma de "consumo do território" que exige medidas estruturais para remediar a situação, para um novo paradigma, o do Princípio da Precaução: «manter as pessoas e bens afastados das cheias», exigência intrínseca ao (re)ordenamento do território.


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