Substituiçăo local de ammophila arenaria por medicago marina em dunas frontais
após pisoteio
I. INTRODUÇÃO
1. Perturbações ambientais e dinâmica das comunidades de plantas
Considera-se uma perturbação ambiental qualquer fenómeno externo natural ou
antrópico, espacial e temporalmente discreto, que altera a estrutura de
ecossistemas, comunidades e populações de espécies, afeta a disponibilidade de
recursos ou modifica as características físicas do ambiente (Łaska, 2001; White
e Pickett, 1985).
Conceitos amplamente enraizados na teoria ecológica como "equilíbrio único" e
"estado normal" perpetuaram a visão de uma "Natureza Benigna", à qual se
associa a garantia da recuperação total, o retorno às condições originais ou
"normais", uma vez eliminadas as causas de perturbação (de Leo e Levin, 1997).
Longe desse pressuposto reconfortante, o paradigma da Ecologia contemporânea
assenta no princípio de que os sistemas ecológicos se encontram em
desequilíbrio, e não em equilíbrio dinâmico (Perry, 2002). Reconhece-se cada
vez mais a importância das perturbações ambientais na regulação da estrutura e
dinâmica não linear das comunidades ecológicas (Temperton et al., 2004;
Jentsch, 2007), o que implica que a sua regeneração conduz a novas condições
diferentes das anteriores (Beisner et al., 2003; Jentsch, 2007). Desta maneira,
as perturbações assumem um duplo papel, distinguido por White e Jentsch (2004)
- por um lado, geram as condições iniciais que desencadeiam a mudança e, por
outro, determinam também uma dinâmica continuada no tempo que, mesmo após o seu
termo, exerce um controlo decisivo sobre o estabelecimento e a substituição de
indivíduos e espécies nas comunidades, definindo assim a(s) trajetória(s) da
sucessão ecológica (Jentsch, 2007).
Nos casos em que as perturbações afetam as espécies dominantes (i.e. as mais
abundantes) numa comunidade, outras podem aumentar em número e abundância após
a sua cessação. Dado que as espécies dominantes inibem a mudança nas
comunidades onde se estabelecem, White e Jentsch (2004) sublinham que a sua
remoção - ou seja, a remoção da inércia na comunidade - constitui um fator
essencial para catalisar a sucessão ecológica; embora isto suceda apenas se as
"espécies subordinadas" (sensu Grime, 1998) diferirem das dominantes na sua
resposta às condições ambientais causadas pela perturbação. Com efeito, para
além de modificarem os filtros ambientais, as perturbações atuam por si só como
um filtro sobre as características das espécies, favorecendo e selecionando as
que lhes conferem maior capacidade de sobrevivência, reprodução, dispersão e
colonização (White e Jentsch, 2004; Jentsch, 2007). Assim, o processo de
reagrupamento de espécies num habitat perturbado resulta de uma resposta
diferencial, por parte das espécies da comunidade pré-existente e das espécies
do "fundo" comum regional, aos efeitos das perturbações ("response rules" sensu
Keddy, 1992).
Em comunidades de plantas, as perturbações dão tipicamente origem a espaços
abertos de diversas dimensões que, após a sua cessação, podem voltar a ser
colonizados (Denslow, 1980, 1985; Łaska, 2001; Walker e del Moral, 2003). De
facto, as clareiras criadas na sequência da morte de indivíduos dominantes
rapidamente se convertem na sede do recrutamento de outras espécies menos
abundantes (Denslow, 1980; Hook et al., 1994; Young et al., 2001; Gardner e
Engelhardt, 2008), permitindo inverter localmente o padrão de dominância e
diversidade característico de certas comunidades vegetais (Denslow, 1985). Além
do acréscimo direto de um fator limitante da maior importância como é o espaço
per se para organismos sésseis como as plantas, este tipo de abertura na
vegetação está igualmente associado a um aumento da disponibilidade de outros
recursos, como a luz incidente e os nutrientes do solo (Denslow, 1985; Krebs,
2001), bem como à modificação de condições físicas, como as temperaturas do ar
e do solo, os fluxos do vento e da água (Denslow, 1985). As clareiras de
perturbação são, assim, fundamentalmente distintas quanto à sua génese, e
consequências ecológicas de outros tipos de clareira, que resultam da natural
heterogeneidade na repartição espacial dos recursos.
Em habitats onde as gramíneas são dominantes, as espécies que primeiro tendem a
recolonizar clareiras de perturbação, de um modo espacialmente mais uniforme
(não se confinam apenas às margens), são as que na maioria se propagam através
de sementes (Kotanen, 1997; Vandvik, 2004). Vandvik (2004) concluiu igualmente
que a colonização inicial destas clareiras é limitada pela disponibilidade
local em propágulos, verificando‑se assim uma tendência geral para que espécies
relativamente comuns nas comunidades já estabelecidas se convertam nas
colonizadoras de maior sucesso. Não obstante, Clark et al. (2007) demonstraram
que a ocorrência e a qualidade de locais disponíveis para o estabelecimento de
novos indivíduos suplantam em importância a limitação em sementes na maioria
das populações de plantas que analisaram.
Em suma, de acordo com Gardner e Engelhardt (2008), as perturbações ambientais
afetam significativamente os três processos, fortemente interligados, em torno
dos quais as teorias sobre a composição e diversidade das comunidades de
plantas têm revolvido: (i) ocorrência de uma mortalidade espacialmente
dependente, que produz a abertura de novos espaços para colonização; (ii)
diferentes padrões espaciais de dispersão, que apenas permitem o acesso e a
colonização desses novos espaços a um determinado subconjunto de espécies; e,
(iii) heterogeneidade local na abundância das espécies, com diferente
capacidade de competição, que conduz à gradual, mas inevitável dominância por
um número muito limitado de plantas.
2. Ammophila arenaria, espécie dominante e engenheiro do ecossistema em dunas
frontais
Nos sistemas litorais de duna frontal a mobilidade da areia e o soterramento
são reconhecidos fatores de adaptação das plantas (Maun, 1998; Kent et al.,
2001; Gilbert et al., 2008) e da distribuição espacial das comunidades vegetais
(Moreno-Casasola, 1986; Dech e Maun, 2005). Na realidade, estes fatores atuam
como um poderoso filtro ambiental, ao modificarem a estrutura das comunidades
de plantas de forma sensível, eliminando seletivamente as espécies intolerantes
ao soterramento, reduzindo a abundância das que lhe são menos tolerantes e
aumentando a das espécies tolerantes e dependentes (Maun, 1998). Por seu lado,
as dunas frontais distinguem‑-se como sistemas biogeomorfológicos (sensu
Stallins, 2002), uma vez que a sua evolução se encontra estreitamente
relacionada com a ação directa de um número reduzido de espécies sobre a
dinâmica sedimentar eólica, intensificando ou atenuando os efeitos da
interferência da topografia dunar sobre a velocidade do -vento junto à
superfície (Hesp, 2002).
O estímulo positivo da acumulação regular de areia fresca sobre o rápido
crescimento vertical da gramínea perene Ammophila arenaria (estorno) e o vigor
das suas populações, bem como a extraordinária importância da sua função
morfológica por ser diretamente responsável pelo desenvolvimento em altura dos
sistemas de duna frontal, são de há muito conhecidos (Ranwell, 1958; Willis et
al., 1959), mas continuam a ser objeto de estudo (Levin et al., 2008). Esta
planta assume, assim, um papel primordial como engenheiro do ecossistema (Jones
et al., 1994, 1997) e como espécie facilitadora (revisão em Bonanomi et al.,
2011), criando condições ambientais (habitats) favoráveis ao estabelecimento de
diversas espécies - sobretudo as intolerantes ao soterramento - na crista e na
vertente a sotavento da duna frontal.
Reunidas as condições ótimas ao seu desenvolvimento, A. arenaria dá origem a
povoamentos particularmente densos. Greig-Smith (1961) observou que A.
arenariaapresenta consistentemente dois tipos de padrão, a duas escalas
distintas, ao nível da comunidade: (i) o padrão espacial originado pelos vários
rebentos, ou colmos (tillering pattern), que irradiam de um mesmo rizoma
vertical, numa escala de 20-40 cm de diâmetro; e, (ii) o padrão espacial
formado por uma agregação relativamente densa de diferentes conjuntos de
colmos, ou tufo (tussock pattern), numa escala- de 80‑-160cm de diâmetro,
relacionado com o crescimento de vários rizomas verticais adjacentes, ao longo
de um ou mais rizomas horizontais. Pavlick (1983) confirmou experimentalmente
que, para A. arenaria, o estímulo ao crescimento de rizomas verticais se
circunscreve à periferia da planta-mãe, constituindo, por isso, um processo
relativamente localizado. O padrão dos colmos atinge densidades máximas- onde a
deposição de areia em seu redor é moderada (Packham e Willis, 1997) - ou seja,
no troço inicial da vertente a sotavento da duna frontal - e, por sua vez, o
rápido crescimento vertical de A. arenaria é propenso à manutenção do padrão
dos tufos (Greig-Smith, 1961), em detrimento da expansão horizontal. Daqui
decorre a difusão radial (gradualmente e a curta distância) dos tufos desta
planta, que tem como resultado um padrão espacial de crescimento clonal sob a
forma de "falange" (Eriksson, 1989), com os novos indivíduos fortemente
agregados entre si, em redor da planta-mãe, expandindo-se através de uma frente
compacta (phalanx strategy; Doust, 1981). Ora, Doust (1981) propôs que, dada a
sua forma de crescimento em falange, as espécies como A. arenaria sejam
responsáveis pela exclusão de outras plantas do seu "território clonal". Por
outro lado, diversos autores têm consistentemente vindo a demonstrar a
correlação negativa entre a densidade das espécies perenes dominantes e a
distribuição espacial e abundância de outras plantas, em particular as espécies
anuais, em dunas litorais (Pemadasa et al., 1974; Watkinson, 1990; Cheplick,
2005). Estas últimas ocorrem, sobretudo, a partir da crista da duna para o
interior e, em geral, só conseguem vingar onde as espécies perenes são menos
abundantes e mais esparsas.
Com o aumento da cobertura vegetal tem início o processo de estabilização da
areia nas dunas (Moreno-Casasola, 1986). Watkinson (1990) concluiu que o
declínio na abundância da espécie anual Vulpia fasciculata, ao longo de um
período de 9 anos, teve precisamente como fator principal a acentuada
diminuição de areia -descoberta e móvel, em resultado do aumento da abundância
de espécies perenes. Com efeito, o autor provou que este aumento afetou
consideravelmente a mortalidade dos rebentos de V. fasciculata, dada a
germinação das suas sementes à superfície, onde a areia se encontra mais
estabilizada e compactada pelas plantas perenes. Da mesma forma, à medida que
A. arenaria se torna mais abundante e os seus tufos se adensam, tanto a
mobilidade da areia junto à superfície como a respetiva quantidade a descoberto
sofrem uma redução significativa. Nestas condições, a sua dominância poderá
regular a presença e a abundância das demais espécies. Assim sendo, à medida
que A. arenaria se estabelece como a espécie dominante na duna frontal, o seu
papel facilitador inicial parece ser substituído pela forte inibição da
coexistência de outras plantas, sugerindo que se assiste ao duplo efeito
(positivo e negativo) dos engenhei‑ ros do ecossistema sobre a diversidade e a
abundância das restantes espécies da comunidade, aspeto discutido por Jones et
al. (1997).
3. Objetivos da investigação
Neste trabalho, procurou-se estabelecer de que forma a estrutura (i.e.
composição em espécies e respetiva abundância) das comunidades de plantas em
sistemas de duna frontal é modificada e se reconstitui, após anos de
perturbação ambiental associada ao pisoteio desregrado no acesso à praia,
responsável pela fragmentação dos habitats dunares e a eliminação parcial de A.
arenaria (Laranjeira, 2010). Assim sendo, as questões a que se pretendeu dar
resposta foram as seguintes: (i) é possível identificar mudanças na estrutura
das comunidades de plantas dunares perturbadas pelo pisoteio? (ii) que espécies
discriminam estas comunidades perturbadas? (iii) verifica‑-se uma inversão
local da dominância de A. arenaria nestas comunidades? e, por fim, (iv) tendo
presente a estreita interdependência entre a vegetação, a mobilidade da areia e
a morfologia nas dunas frontais, quais as consequências biogeomorfológicas
decorrentes de uma substituição local de A. arenaria, durante a fase inicial de
regeneração destes sistemas?
II. ÁREA DE ESTUDO
O trabalho foi conduzido em três setores do sistema de duna frontal no litoral
de Vila Nova de Gaia, situado no NW Atlântico de Portugal, região cujas
comunidades de plantas dunares foram, nos seus aspetos gerais, caracterizadas
em Lomba et al.(2008). Trata-se de um litoral baixo, predominantemente arenoso,
em que as praias raramente ultrapassam 100m de largura e onde existem
afloramentos rochosos no meio da praia e a pontuar a linha de costa, o que lhe
confere, no pormenor, um traçado ondulado. Os afloramentos rochosos e a largura
da praia evidenciam a pequena espessura dos sedimentos arenosos nas praias
expostas e predominantemente dissipativas. Refira-se também que este troço
litoral se situa a sotamar de uma obra de defesa costeira destacada 125m. As
praias são atravessadas por pequenos cursos de água, muitos dos quais
completamente artificializados sob os núcleos urbanos costeiros, cuja foz é
desviada para sul, evidenciando claramente a deriva litoral predominante de N
para S, na sequência da incidência oblíqua da ondulação dominante de NW (Ramos-
Pereira 2004, Ramos-Pereira et al., 2006; fig._1).
O litoral em análise encontra-se em erosão há pelo menos meio século, tendência
que se iniciou ou intensificou na década de 1970, vinte anos após o início da
fase de construção de barragens, nomeadamente no Rio Douro, maior abastecedor
de sedimentos e cuja foz se situa a barlamar. Acresce, ainda, que os sedimentos
dragados no estuário deste rio parecem atingir o volume estimado de sedimentos
em trânsito na deriva litoral (Gomes et al., 2006). A escassez em sedimentos
resultante da diminuição do seu afluxo à linha de costa, devido ao ordenamento
das bacias hidrográficas, assim como a ocupação indevida de sistemas dunares
subtraem areias ao litoral, num quadro de subida centenária do nível do mar.
Entre 2002 e 2003, o litoral estudado foi objeto de uma intervenção de conjunto
pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, no âmbito do Plano de Ordenamento
da Orla Costeira (POOC) em vigor que, entre outras estratégias, procurou
ordenar o acesso à praia, através da duna frontal, com: (i) a instalação de
vários passadiços sobrelevados, perpendiculares ao cordão dunar, na entrada de
cada praia do concelho; (ii) a instalação de um passadiço contínuo, com cerca
de 15km (sensivelmente a extensão da linha de costa do concelho, entre a foz do
Douro e o limite administrativo com o município de Espinho), que marca a atual
base da vertente a barlavento; e, (iii) a colocação de armadilhas de areia
(estacaria), ao longo de toda a frente dunar.
As três áreas do sistema dunar frontal, que foram investigadas, caracterizam-se
por uma superfície total e proporção da cobertura vegetal comparáveis (≈3000-
5000m2 e 30-40%, respetivamente), embora se diferenciem no grau de fragmentação
dos habitatscomo resultado do pisoteio (Laranjeira, 2010). Duas delas
localizam-se na praia da Madalena, separadas entre si por uma brecha bem
definida; a terceira diz respeito ao troço entre as praias de Francemar e
Sãozinha (fig._2). A seleção destas áreas obedeceu a um conjunto de critérios,
nomeadamente: (i) o gradiente ambiental do cordão dunar frontal ser
reconhecível, apesar de fragmentado pelo pisoteio (excluíram-se do estudo as
comunidades da praia alta, em geral ausentes devido à erosão marinha e à
ocupação por infraestruturas e equipamentos de apoio à atividade balnear, e as
comunidades do corredor interdunar, parcialmente urbanizado); (ii) a influência
da dinâmica erosiva (sapamento pelo mar e/ou deflação) não se sobrepor à da
perturbação pelo pisoteio no que respeita a persistência e distribuição
espacial das espécies e comunidades de plantas.
III. MÉTODOS UTILIZADOS
1. Amostragem de campo e dados sobre a vegetação
As manchas (ou fragmentos) remanescentes de vegetação dunar, que resultaram da
fragmentação pelo pisoteio, foram delimitadas a partir de ortofotos digitais
datados de 2000, com uma resolução de 25cm. Vários autores demonstraram a forte
correlação existente entre a mobilidade da areia, a topografia dunar e a
distribuição espacial das comunidades de plantas (Moreno-Casasola, 1986; Dech e
Maun, 2005; Levin et al., 2008; Honrado et al. , 2010). Acosta et al. (2007)
postularam que o declive e a orientação da superfície dunar constituem duas
variáveis essenciais para a compreensão da relação entre o zonamento dos
principais tipos de comunidades de plantas e a morfologia dunar local. Nesta
sequência, Laranjeira (2010) propôs uma tipologia dos habitats da duna frontal
em função da sua posição topográfica. Através de levantamentos de campo de
pormenor, realizados em 2006, validou-se a delimitação realizada previamente
com base nos ortofotos e classificaram-se todos os fragmentos de vegetação com
base nessa tipologia, que inclui: (i) o habitat da vertente a barlavento; (ii)
o habitat da crista da duna; (iii) o habitat da vertente a sotavento; e, (iv)
as combinações possíveis entre estes habitats, num mesmo fragmento.
O levantamento de dados sobre a estrutura das comunidades de plantas teve lugar
entre junho e setembro de 2006. Selecionou-se o método da amostragem aleatória
através de quadrados (random quadrating; Reid e Thompson, 1996), com a dimensão
de 1m2 (Smith e Smith, 2001), que foi aplicado a todos os fragmentos com uma
superfície >20m2, abrangendo as diversas classes de habitat dunar identificadas
e distribuídos pelas três áreas de estudo. Reid e Thompson (1996) recomendam
que, ao utilizar quadrados, o tamanho da amostra abranja 5% da área de
vegetação em causa (no caso presente, 5% de cada fragmento); nesta sequência,
levantou-se um total de 126 quadrados, para um conjunto de 52 fragmentos com
dimensões entre 20 e 245m2. Ainda que no essencial a disposição dos quadrados
em cada fragmento amostrado tenha sido aleatória, houve, contudo, a necessidade
de impor duas condições (fig._3): (i) não permitir a sobreposição parcial dos
quadrados; e, (ii) só levantar os quadrados localizados a uma distância
superior a 1m do perímetro da mancha, a fim de evitar uma possível influência
dos efeitos de orla nos dados amostrados.
Finalmente, registou-se a presença de todas as espécies em cada quadrado e
estimou-se, de forma expedita, a abundância de cada uma delas, através de um
sistema de classes. A informação recolhida no campo foi posteriormente
convertida no valor central da classe (quadro_I).
Nos fragmentos com uma área ≥40m2, os dados sobre a abundância de cada espécie
foram coligidos a partir de 2 ou mais quadrados (ou seja, 2 ou mais sub
amostras). A fim de evitar um eventual problema de pseudoreplicação, devida à
autocorrelação espacial, este conjunto de dados deve ser sintetizado num único
valor, que caracterize o fragmento de vegetação como um todo (Feinsinger,
2001). Neste estudo, verificou-se um grande número de valores nulos (ausência
de indivíduos) nas sub-amostras de cada fragmento, visto que raramente os
indivíduos das espécies em causa se distribuem de uma forma regular no espaço;
assim, calculou-se a média para o conjunto destes dados, em detrimento de
outras medidas de tendência central como a mediana ou a moda. Desta maneira,
analisaram-se séries de dados da riqueza específica (número total de espécies
presentes) e da abundância média (número médio estimado de indivíduos/m2) de
cada espécie identificada, para os 52 fragmentos amostrados. Das 21 espécies
registadas, excluíram-se da investigação seis, presentes em menos de 6% das
amostras.
2. Tratamento estatístico dos dados
Em primeiro lugar, aferiu-se a relação existente entre a abundância média das
espécies e a riqueza específica (Nº ESPÉCIES) nos fragmentos, bem como entre a
abundância média de A. arenaria e a de cada uma das restantes 14 plantas. Para
tal, utilizou-se o teste de correlação ordinal de Spearman (Townend, 2002), que
constitui a alternativa não-paramétrica à correlação de Pearson (correlação
linear). A correlação de Spearman avalia até que ponto a ordem dos valores (e
não os valores per se) nas séries de duas variáveis exibe uma associação
perfeitamente monótona. Quando a ordem de todos os valores da variável x se
ajusta rigorosamente à ordem de todos os valores da variável y, tem-se uma
associação perfeitamente monótona e positiva e o coeficiente ρ=1; o inverso
sucede com ρ=-1. Desta maneira, ρ varia entre -1 e 1 (associações perfeitas),
indicando ρ=0 uma relação totalmente aleatória entre os -números de ordem das
duas variáveis em causa.
De seguida, analisou-se a similaridade da estrutura das 52 comunidades de
plantas amostradas através do método de classificação hierárquica, politético e
divisivo, TWINSPAN (Two Way Indicator Species Analysis; Hill, 1979). Uma das
principais vantagens deste método é a de incorporar a determinação de espécies
indicadoras, que caracterizam e diferenciam entre si os grupos de amostras
(Dale, 1995). Outra característica do TWINSPAN é a de que assenta na avaliação
de padrões de presença/ausência - ou seja, não examina os valores per se da
abundância das espécies em cada amostra. Na realidade, este método socorre-se
da pré-definição de classes de abundância - designadas de pseudoespécies - para
analisar indirectamente aqueles valores, sob a forma da sua presença/ausência
em cada uma destas classes (Vermeersch et al., 2003).
O resultado final do TWINSPAN é sintetizado num dendrograma da classificação
das amostras por grupos similares, com a identificação das espécies indicadoras
inerentes a cada dicotomia. Além disso, os grupos são dispostos de maneira a
que se encontrem lado a lado pela sua semelhança, formando portanto uma
sequência ordenada, que pode revelar os gradientes ambientais que determinam a
variação da estrutura das comunidades de plantas (Gauch e Whittaker, 1981).
A força, ou intensidade, da relação de similaridade entre a estrutura das
comunidades de plantas agrupadas através do método TWINSPAN foi avaliada com
recurso ao teste de Mantel (Fortin et al., 2002; Urban, 2003). Este teste
avalia a intensidade da correlação entre duas matrizes, cujos elementos
correspondem a uma medida de similaridade (ou distância) calculada para todas
as combinações possíveis entre os dados de duas variáveis (Urban, 2003). Assim,
procedeu-se ao teste da correlação entre as séries da abundância média das 15
espécies analisadas (matriz principal de dados originais) e dois tipos de
agrupamentos resultantes da classificação TWINSPAN (matrizes secundárias de
dados originais): (i) os grupos de amostras diretamente obtidos através do
método, designados por 'Grupos TWINSPAN' e, (ii) os grupos derivados dos
anteriores em função das espécies indicadoras com maior abundância, designados
por 'Grupos ESPÉCIES DISCRIMINANTES'.
IV. RESULTADOS
1. Riqueza específica e abundância das espécies
O quadro_II) sintetiza os principais resultados dos testes de correlação de
Spearman. Em primeiro lugar, sobressai o fato da abundância das plantas da duna
frontal estudadas, à exceção de A. arenaria e de A. crithmifolia, tender a ser
superior nos fragmentos de vegetação com maior diversidade de espécies. Com
efeito, Nº ESPÉCIES explica quase 40% da variação da abundância média de E.
maritimum, mais de 20% desta variação paraA. bulbosa,L. polygalifoliaeE.
paralias, e entre 18% e 9% nos casos de P. maritimum, V. alopecurus, C. edulis
, C. maritima,L. ovatuseE. farctus(embora estatisticamente não significativo, o
sentido da associação entre estas 2 variáveis também é positivo para L.
taraxacoides, M. marinaeC. soldanella). Em segundo lugar, atente-se nas
correlações negativas significativas entre a abundância média de M. marina, E.
farctus e A. crithmifolia e a de A. arenaria.
2. Grupos de amostras e espécies discriminantes
Através da análise dos resultados da classificação TWINSPAN, procurou-se
estabelecer o significado ecológico dos diversos grupos de amostras obtidos
(grupos de comunidades similares de plantas), bem como o da sua sequência
ordenada. Esta classificação separa perfeitamente, desde a primeira divisão, as
amostras onde A. crithmifoliaestá ou não presente (fig._4). Os grupos das
comunidades (Grupos 8 a 10) em que esta espécie subarbustiva é a dominante
(pseudoespécie 5) surgem no extremo de um primeiro gradiente, que parece estar
grosso modo relacionado com a variação do habitat ao longo da duna frontal.
O 2º nível de divisão, no que toca ao grupo negativo obtido na dicotomia
anterior (n =44), baseia-se nas espécies mais abundantes das diversas amostras
para as separar entre si. Assim, 67,3% (n=35) das comunidades foram
classificadas pela dominância de A. arenaria (pseudoespécie 5) e 17,3% (n =9)
pela relativa abundância de M. marina (pseudoespécie 3), (fig._4). Para as
subsequentes divisões da maioria dos grupos, o critério da presença/ausência
prevaleceu sobre o da abundância na definição das sucessivas espécies
indicadoras, estando a pseudoespécie 1 quase sempre associada a estas. Não
deixa de ser notável que as espécies indicadoras definidas nos 2º e 3º níveis
de divisão, para os Grupos 8 a 10, e entre os 3º e 4º níveis de divisão, para
os Grupos 1 a 5, sejam C. edulis, E. farctus, A. bulbosa e L. taraxacoides
(fig._4).
Atendendo a estes resultados, o grau de similaridade entre a estrutura das
comunidades de plantas foi aferido para: (i) os 10 grupos obtidos até ao 4º
nível de divisão (Grupos TWINSPAN); e (ii) os 3 grupos diferenciados pelas
espécies indicadoras com a maior abundância (Grupos ESPÉCIES DISCRIMINANTES),
que correspondem a A. arenaria (Aa; pseudoespécie 5; Grupos 4 a 7), A.
crithmifolia (Ac; pseudoespécie 5; Grupos 8 a 10) e M. marina (Mm;
pseudoespécie 3; Grupos 1 a 3), (fig._4 e quadro_III). Em ambos os casos, os
testes de Mantel confirmaram a elevada similaridade entre o padrão de presença
e abundância das espécies nos diversos fragmentos de vegetação que pertencem a
um mesmo grupo (como também a sua inequívoca dissimilaridade entre fragmentos
de grupos diferentes; (quadro_III). Assim, é possível distinguir claramente
entre as comunidades dominadas por A. arenaria, A. crithmifoliaeM. marina.
V. DISCUSSÃO
Os resultados obtidos com a correlação de Spearman apontam para a evidência de
que A. arenaria, enquanto dominante, inibe a coexistência de outras espécies
tanto em número como em abundância, tal como Honrado et al. (2010) concluíram
para dunas frontais, que manifestam uma dinâmica transgressiva no litoral NW
português. Além disso, sugerem que a mobilidade da areia, variável diretamente
modificada por esta planta, constitui um fator primordial à escala local para
manter a presença de toda uma série de espécies anuais e vivazes (Forey et al.,
2008), e assegurar a sua diversidade máxima nas dunas frontais. Essas
conclusões podem avaliar-se no quadro_II:
- na vertente a barlavento, onde o stress ambiental é intenso devido à elevada
mobilidade da areia, ao predomínio da deflação sobre a deposição e à forte
salinidade, E. farctus é mais abundante em detrimento de A. arenaria;
- junto à crista da duna, onde a presença de A. arenaria estimula a acumulação,
mas a percentagem de areia móvel e a descoberto se mantém elevada, espécies
como C. soldanellatendem a beneficiar das condições geomorfológicas criadas por
esta gramínea;
- ainda no topo da duna, mas já a sotavento, os tufos de A. arenaria adensam‑se
e, por consequência, tanto a cobertura vegetal como a estabilização da areia
junto à superfície aumentam significativamente; onde se formam povoamentos
muito agregados, estas condições agravam-‑se, limitando a presença ou a
abundância de certas espécies que ocorrem neste habitat, como M. marina.
No que respeita a correlação negativa entre a abundância média de A. arenaria e
a de A. crithmifolia, e correspondendo estas às duas únicas espécies naturais
dos sistemas de duna frontal estudados, que se tornam dominantes nos respetivos
habitatsótimos - caso da crista da duna para a primeira e da vertente a
sotavento para a segunda (Lomba et al., 2008) -, ambas dão origem a povoamentos
particularmente densos, que excluem a presença uma da outra, ou limitam
drasticamente o seu vigor. Com efeito, também no caso do subarbusto A.
crithmifolia, as indicações constantes da base de dados 'Ecological Flora of
the British Isles', da Universidade de York, sobre a sua reprodução vegetativa,
mais concretamente o método - rhizome shortly creeping- e o padrão -patch-
forming-, são consistentes com a forma de cresci‑ mento clonal em falange.
O destaque que M. marina merece logo no início do processo divisivo TWINS‑ PAN,
por oposição a A. arenaria (fig._4), é bastante revelador. Na realidade, este
resultado sugere que a sua maior abundância em certos fragmentos de habitat da
duna frontal, em detrimento da de A. arenaria, é indicadora de perturbação das
respetivas comunidades de plantas. Com efeito, tendo em conta a correlação
negativa entre a abundância média destas 2 espécies (quadro_II) e o fato das
comunidades dominadas por M. marina serem suficientemente distintas das
restantes (quadro_III), é plausível assumir que esta planta constitui
povoamentos mais expressivos em fragmentos próximos à crista da duna, onde a
vegetação original terá sofrido maior perturbação devido ao pisoteio
desregrado, nomeadamente com a eliminação parcial de A. arenariae a subsequente
abertura de clareiras. Na investigação desenvolvida por Honrado et al. (2010),
de entre as 9 espécies mais frequentes nas dunas frontais analisadas, M. Marina
é a única cuja ocorrência regista um franco incremento em condições
transgressivas. À luz dos resultados do presente trabalho, este dado tão
interessante levanta a hipótese de que tal aumento de M. marina não se deverá
exclusivamente, ou diretamente, à dinâmica transgressiva das dunas, mas ao
efeito sinergístico desta com o da perturbação relacionada com o pisoteio,
comum no litoral NW. Daqui decorre que a ocorrência discriminante desta espécie
nas comunidades de plantas estudadas por aqueles autores poderá estar
relacionada com fatores à escala local, e não com variações biogeográficas, à
escala regional (Honrado et al., 2010).
Para além de M. marina, a classificação TWINSPAN faz sobressair como espécies
indicadoras outras plantas que denunciam condições de perturbação das
comunidades que caracterizam, nomeadamente (fig._4): (i) C. edulis (Grupos 1, 5
e 10) é uma espécie exótica listada como invasora no Decreto-Lei 565/99, de 21
de dezembro; (ii) E. farctus (Grupo 8) surge numa posição atípica ou
"secundária" (Araújo et al., 2002), em consequência da acumulação a sotavento
das areias remobilizadas ao longo dos principais caminhos/corredores eólicos da
duna frontal; e, (iii) A. bulbosa e L. taraxacoides (Grupos 2 e 5) são espécies
que ocorrem, com frequência, em locais ruderalizados. Resultados idênticos a
estes, obtidos a partir da classificação de amostras da estrutura da vegetação
pelo método TWINSPAN, foram descritos para sistemas dunares muito degradados
pelo pisoteio, no litoral ocidental de Creta (Tzatzanis et al., 2003).
O dendrograma da figura_4 sugere que, ao 4º nível de divisão, a sequência
ordenada dos grupos de comunidades similares de plantas tende a esboçar um
gradiente secundário de perturbação ambiental, que vem introduzir alterações a
uma primeira ordenação e posicionamento relativo destes grupos ao longo de um
gradiente principal correspondente à variação dos habitats da duna frontal -
desde os habitats da vertente a barlavento e crista (Grupos 4 a 7) até ao
habitat da vertente a sotavento (Grupos 8 a 10). Sendo assim, é possível
ajuizar que as manchas mais perturbadas (e onde a estrutura da comunidade de
plantas se encontra mais modificada) serão as pertencentes aos Grupos 1 a 3,
onde a danificação e eliminação de A. arenaria terá favorecido a maior
abundância de M. marina.
VI. CONCLUSÃO
1. Efeito de filtro ambiental por Medicago marina
Como consequência do pisoteio, a dominância característica de A. arenaria na
duna frontal pode sofrer localmente uma inversão. A classificação pelo método
TWINSPAN das comunidades de plantas estudadas discriminou M. marina como uma
das principais espécies indicadoras dos grupos obtidos. A presente investigação
aponta para o fato deste resultado - associado à maior abundância de M. marina
nas comunidades que permite diferenciar - se relacionar com a rápida
colonização, por parte desta espécie, de pequenas clareiras abertas na
sequência da morte de indivíduos de A. arenaria pelo pisoteio (menos assíduo e
intenso que nos caminhos). A evidência de uma substituição local da dominante
A. arenaria por M. marina sai reforçada pelo resultado da correlação negativa
entre a abundância média de ambas as espécies. Assim sendo, a estrutura das
comunidades de plantas, nos habitats dunares fragmentados pelo pisoteio, é
sensivelmente modificada devido ao aparecimento de clareiras de perturbação.
Em consonância com o modelo de Keddy (1992), os resultados obtidos sugerem que,
de entre as espécies do "fundo" comum regional, M. marina sobressai como aquela
que reúne as melhores caraterísticas para beneficiar das novas condições
ambientais nas clareiras de perturbação. Com efeito, trata-se de uma espécie
que, simultaneamente:
- se dispersa através de sementes e, apesar de surgir com maior frequência
próximo da crista da duna, é relativamente comum ao longo de todo o gradiente
ambiental da duna frontal, o que lhe confere uma potencial disponibilidade de
propágulos bastante elevada;
- beneficia do aumento da luz direta (espécie pioneira, que não suporta a
sombra; Bonanomi et al., 2008) e da movimentação superficial da areia (suporta
o soterramento e retém as areias; grupo funcional Type III, de acordo com
García‑Mora et al., 1999), resultantes da ausência de tufos de A. arenaria, o
que eleva significativamente as probabilidades de germinação e sobrevivência
das plântulas nas clareiras de perturbação, por comparação com o que sucede no
meio da vegetação densa.
Já que a disponibilidade em sementes não constitui uma limitação ao
recrutamento de M. marina, uma vez suprimida a restrição em microhabitats
adequados ao seu desenvolvimento ótimo com a morte de indivíduos da espécie
dominante, aquela passa a reunir as duas condições que, segundo Eriksson e
Ehrlén (1992, incrementam o estabelecimento de plântulas, promovendo uma rápida
propagação. Por estas -razões, embora as espécies anuais termófilas dependam da
existência de pequenos espaços abertos no meio da vegetação densa para vigorar,
o facto de serem plantas incapazes de sobreviver ao soterramento pela areia faz
com que não colham inicialmente nenhuma vantagem das clareiras originadas pelo
pisoteio nos habitats próximos da crista da duna, tal como sucede com M.
marina.
Em suma, argumenta-se que M. marina exerce um papel fulcral, nas primeiras
fases de regeneração da duna frontal perturbada pelo pisoteio, idêntico ao
sugerido por Grime (1998) para as espécies subordinadas. O autor refere que - à
semelhança do que acontece com M. marina, que chega a atapetar completamente a
superfície (fig._5) - estas espécies experimentam, logo a seguir a uma
perturbação, o aumento temporário do seu vigor e taxa de cobertura. A rápida
expansão desta última traz consequências, positivas e negativas, ao
recrutamento dos propágulos de diferentes espécies no local. Assim, não são
exclusivamente os atributos das espécies (em particular os que lhes conferem
uma maior capacidade de regeneração e de sobrevivência) que comandam a
recolonização de áreas perturbadas. Na realidade, Grime (1998) sugere que,
devido à elevada taxa de cobertura que atingem em tão pouco tempo, as espécies
subordinadas atuam como um filtro ambiental, inibindo o restabelecimento das
plantas dominantes nos locais perturbados, ao mesmo tempo que favorecem o
crescimento de outras espécies, habitualmente pouco abundantes. Isto significa,
portanto, que as espécies subordinadas controlam a dominância e a diversidade
específica que irá caracterizar as novas comunidades que se formam naqueles
locais.
2. Consequências biogeomorfológicas da recolonização inicial dos caminhos por
Medicago marina
As observações de campo levadas a cabo entre 2005 e 2006, mostraram claramente
que M. marina constitui a principal espécie (senão a única) responsável pela
recolonização inicial dos caminhos na duna frontal em Vila Nova de Gaia,
interditos à passagem de visitantes desde 2002-2003 (fig._5). A extensa
cobertura da superfície associada a esta planta (fomentada pelo crescimento de
caules prostrados) diminui significativamente a velocidade do vento junto ao
solo, reduzindo a deflação entre a vertente a barlavento e a crista da duna, e
estabiliza eficazmente a areia. Ora, tal estabilização da areia limita a
propagação clonal de A. arenaria (que necessita de uma deposição regular para o
desenvolvimento ótimo de novos indivíduos), pelo que esta planta dominante é
removida (ou seja, filtrada) do conjunto das espécies que podem ressurgir nos
caminhos, ficando confinada aos fragmentos de habitat dunar existentes, onde
mantém populações remanescentes. Em contrapartida, as condições
biogeomorfológicas proporcionadas por M. marina "preparam" a chegada de uma
nova vaga de propágulos, nomeadamente as sementes de uma diversidade de
espécies anuais termófilas, apenas frequentes na vertente a sotavento,
incapazes de -sobreviver ao soterramento pela areia. Desta forma, assistiu-se a
um aumento considerável da riqueza e abundância destas espécies - elas próprias
acabam por substituir M. marina(observação pessoal em 2007 e 2008) -, nos
primeiros anos após a intervenção da Câmara Municipal, contrariando a tendência
das comunidades dunares não fragmentadas pelo pisoteio, onde A. arenaria é
dominante, para se irem tornando monoespecíficas com o tempo.
É importante salientar que o filtro ambiental associado a M. marina resultou
particularmente acentuado, tanto no tempo como no espaço, pelo facto da
intervenção em causa ter passado pela colocação de armadilhas de areia
(estacaria) ao longo de toda a frente dunar, que se encontrava, à data,
bastante destruída pela deflação (e, eventualmente, pela erosão marinha). Esta
medida veio estimular uma importante retenção de areia a barlavento da posição
da crista da duna frontal, dando origem a um novo cordão dunar, em detrimento
do robustecimento do já existente (fig._5). Neste, dada a "passagem" de uma
muito menor quantidade de areia transportada pelo vento, a rápida recolonização
por M. marina foi fortemente incrementada, e - não obstante o aumento de
biodiversidade aí observado -, as plantas mais favorecidas por esta nova
situação têm como ação primordial a estabilização da areia, ou não desempenham
qualquer função morfológica, sendo intolerantes ao soterramento; por
consequência, todas as formas erosivas e deprimidas (0,5-1m de profundidade),
correspondentes aos caminhos, se mantiveram. Sem o estímulo da acumulação
regular e abundante de areia, a propagação e o crescimento vertical de A.
arenaria foram seriamente comprometidos, tal como a reconstituição morfológica
da duna frontal existente, que poderia ser sustentada por esta planta, caso as
armadilhas de areia tivessem sido instaladas ao longo dos caminhos, desde a
frente da duna até à crista, no sentido de promover a diferença em altura
relativamente à praia alta - zona atingida pelo mar em situação de temporal e
onde se começou a desenvolver um cordão dunar embrionário.