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EuPTHUAp0430-50272015000100004

EuPTHUAp0430-50272015000100004

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolHumanities
Great areaApplied Social Sciences
ISSN0430-5027
Year2015
Issue0001
Article number00004

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Comércio, revitalização urbana e sustentabilidade: Ensinamentos a experiência japonesa

People do not live only on bread but do not live without bread The Story of Poverty por Hajime Kawakii

I. INTRODUÇÃO O mercado comercial Japonês é bastante amplo. O proteccionismo económico por parte do governo central do Japão também não é novidade. Até bem recente­mente, o Japão tinha a segunda maior economia mundial. A despesa com o consumo do agregado familiar per capita em 2009 era de cerca de 8,800 dólares (Jetro, 2009: 4). Em termos políticos, trata-se um país bastante conservador e que protege os seus interesses económicos, patrimoniais e culturais de modo muito inteligente.

A relação dos Portugueses com o Japão vem de longa data. Segundo a canção sol nascente de Teresa Salgueiro e Pedro Ayres Magalhães, os Portugueses foram os primeiros europeus a chegar ao país no século XVI. Por outro lado Devezas e Rodrigues (2007) retratam o papel pioneiro dos Portugueses na globalização econó­mica e nas trocas comerciais entre a China e o Japão durante o século XVI quando, devido a uma situação bélica, os Portugueses baseados em Macau lucraram eco­nómica e politicamente do comércio entre os dois países.

Durante quase dois séculos, depois de os Portugueses deixarem de ter o papel principal no quadro geopolítico da região, o Japão fechou a sua economia ao exterior até ao século XIX, iniciando as suas próprias tendências imperialistas na região asiática, que terminaram com a destruição atómica das cidades de Hiroshima e Nagasáqui e o fim da segunda guerra Mundial.

Sustentada por grandes sacrifícios económicos e sociais, a reconstrução das cidades destruídas constituiu uma grande alavanca ao crescimento económico (Sorensen, 2002; Marcotullio, 2004). O poderio tecnológico, que foi habilmente exportado em produtos electrónicos, bem como o proteccionismo comercial interno, levaram a taxas de crescimento invejáveis até ao estrangulamento da bolha econó­mica e da crise asiática no início dos anos 90 (Castells, 1996; Hall, 1998). A crise financeira gerou muito crédito mal parado e a desaceleração forçada da economia, com implicações generalizadas não para o país mas para a região envolvente.

Em termos internos, Jetro (2004) constata que, depois do colapso da econo­mia, o consumo estagnou e as vendas diminuíram bastante. Por outro lado, a crise financeira abrandou o crescimento urbano e levou a experimentações com operações de revitalização urbana, sobretudo nos últimos 20 anos. O custo do solo aumentou em cerca de 200%, entre 1985 e 1990, em algumas das maiores cidades Japonesas. Isto contribuiu para que fosse demasiado caro viver nos centros urbanos, sendo uma das consequências directas a descentralização e a suburbanização das cidades (Miyazawa, 2006). Registou-se também uma grande pressão externa, sobretudo dos EUA, para maior internacionalização da economia.

Os grandes formatos comerciais aumentaram, em consequência de novas oportunidades de negócio, mas também como resultado da abertura do mercado Japonês ao capital estrangeiro. A nível demográfico registou-se uma tendência para o envelhecimento da população. Processos de desindustrialização também se observaram em determinadas zonas do país, levando a desestabilizações socioeconómicas e à necessidade de revitalizar zonas periurbanas e frentes ribeirinhas, agora relativamente apetecíveis sob o ponto de vista imobiliário (Sulkin, 2003).

Os centros de muitas cidades regionaisii nomeadamente as suas áreas comerciais , entraram em processos acelerados de declínio urbano e algumas operações de revitalização e gestão urbana tiveram resultados modestos e aquém das expectativas. Tal constatação confirma o argumento avançado por Sorensen, Marcotullio e Grant (2004) de que a eficácia da transferência de tecnologia (i.e., políticas públicas) sem a devida adaptação às circunstâncias locais e regionais é um mito profissional.

O objectivo deste trabalho é rever o contexto socioeconómico, legal e cultural que levou à criação de tais estruturas de revitalização urbana e tentar encontrar um conjunto de ilações que permitam substanciar práticas correntes em filosofias inter­nacionais de intervenção urbanística, partindo da informação bibliográfica dispo­nível. O argumento principal é que as tendências de adopção de mecanismos e boas práticas estrangeiras, mais do que contribuírem para inverter situações de declínio urbano, têm-se mostrado bastante desadequadas, devido sobretudo à ineficácia da articulação dos poderes públicos com a sociedade civil.

Esta investigação resultou do intercâmbio entre a Universidade estadual do Arizona (ASU) e várias Universidades Japonesas (Universidade de Tóquio, Todai, Universidade de Chiba, instituto tecnológico de Tóquio, entre outras), as quais con­templaram visitas técnicas do autor ao Japão, a sua participação em simpósios e conferências e entrevistas com especialistas de planeamento, arquitectura e mem­bros da sociedade civiliii.

Em Maio de 2005, o autor organizou um pequeno simpósio na Universidade estadual do Arizona em Tempe, sobre o tema da regeneração Urbana sustentável (Balsas, 2005). Uma das principais preocupações do simpósio foi discutir e analisar até que ponto o Japão estava a ter sucesso na implementação de práticas urbanísticas sustentáveis e tentar encontrar alguns ensinamentos para a urbanização expansiva, típica do sudoeste dos estados Unidos (Kobayashi, 2005).

Directa ou indirectamente, a cidade de Phoenix, antes do início da crise financeira de 2007-2008, participou numa operação de regeneração urbana do seu centro, que de certo modo se enqua­drou em práticas mais sustentáveis do que aquelas que historicamente tinham tido lugar na cidade e na sua área metropolitana.

Tendo como suporte essencial as políticas públicas, o presente texto está estruturado em quatro partes. Na secção II revêem-se as principais transformações sociais e urbanas na sociedade Japonesa, que levaram ao aparecimento da realidade comer­cial contemporânea. Em III faz-se uma caracterização sumária do urbanismo comercial enquanto prática de planeamento e gestão urbana. Na parte IV analisa-se o potencial da revitalização urbana e da sustentabilidade enquanto vectores estraté­gicos para a estruturação de intervenções urbanísticas. Em V dão-se exemplos de iniciativas de revitalização urbana, que permitem enquadrar as bases teóricas e ad­ministrativas em experiências específicas. Finalmente, na conclusão, apresentam-se ideias que possibilitem a promoção de cidades mais coesas e sustentáveis sob o ponto de vista do comércio urbano.

II. TRANSFORMAÇÕES URBANAS, SOCIO-ECONÓMICAS E COMERCIAIS As cidades regionais Japonesas, sob o ponto de vista comercial, estão a experimentar o mesmo fenómeno que ocorreu noutras cidades do mundo desenvolvido (Gruen, 1964). Nessas cidades, com o aumento da suburbanização, as funções habitacionais, comerciais e de serviços deslocaram-se para as periferias e os idosos e outras pessoas com rendimentos relativamente mais baixos ficaram nos centros urbanos (Quin, 2002); por seu lado, o pequeno comércio envelheceu e perdeu com­petitividade.

Este fenómeno é bastante mais acentuado nas cidades de pequena e média dimensão. As grandes metrópoles como Tóquio, Osaka e Nagoia têm economias e dinâmicas adequadas à sua hierarquia no sistema urbano e populacional. A sua estru­tura polinucleada, assente em redes de transportes, com primazia para os ferroviários, coloca-as num patamar diferenciado das suas congéneres de menor dimensão (Caballero e Tsukamoto, 2009).

O transporte ferroviário é um elemento estruturador importante do tecido urbano. As estações ferroviárias têm um papel fundamental na criação de grandes polaridades (Cybriwsky, 1993). Nas grandes metrópoles, as cidades têm centros financeiros e bairros bem individualizados e com identidades muito distintas. A den­sidade populacional é relativamente elevada e o dinamismo das áreas comerciais é assegurado pela grande concentração de estabelecimentos (Greenbie, 1988; Matsui et al., 2005). Assim, nas metrópoles com mais de 8 milhões de habitantes, como Tóquio, Osaka e Kanagawa, as vendas comerciais nos centros das cidades consti­tuem cerca de 85% do total; nas cidades localizadas fora das áreas metropolitanas (com menos de 2 milhões de pessoas), cerca de 40% das vendas registam-se em lojas das periferias (Muraki, 2003).

As grandes cidades globais têm sido muito estudadas (Sassen, 2001), mas as cidades regionais são igualmente importantes, ou ainda mais, devido ao seu maior número e à sua capacidade agregadora em cada país (Yamashita, 2004).

Enquanto o grande armazém comercial, denominado de depato, nas imediações das estações de caminhos-de-ferro e em outras localizações urbanas, é um formato comercial muito comum (Matsushita, 2001), nas cidades de menores dimensões, o comércio é sobretudo de natureza familiar, independente e tradicional. Bi- Matsui (2009: 72) menciona um estudo, realizado em 2006, que identificou 59 lojas independentes para cada 4 lojas de cadeias nacionais em áreas comerciais urbanas.

Em 2000, o retalho gerava 55% do total do emprego no comércio, 12% do total do emprego no Japão e cerca de 5% do produto interno bruto (Grier, 2001: 4). Mas o número de centros comerciais aumentou consideravelmente nos últimos tempos, ainda que estes formatos estejam sujeitos a regulamentos espe­cíficos e até restritivos, sobretudo devido a intensas pressões de grupos de inte­resse do pequeno comércio.

Os Estados Unidos, através das conversações da iniciativa dos impedimentos estruturais (IIE) que tiveram início em 1989, fizeram uma grande pressão para a remoção de restrições à abertura de grandes estabelecimentos comerciais e à entrada de grupos económicos estrangeiros no país (Abe, 1999). Isto foi, em certa medida, conseguido com a eliminação de competências municipais na área comer­cial e com entraves que as prefeituras colocaram à abertura de grandes estabele­cimentos comerciais.

Esta tentativa de desregulamentação e de liberalização pode contribuir para acentuar as tendências de declínio dos centros das cidades, e sobretudo anular os investimentos realizados em prol da sua revitalização. Shibata (2008) lembra-nos que a economia neoliberal precisa de regras e de supervisão estatal, de modo a poder funcionar sem destruir mais-valias colectivas.

A cultura Japonesa está bem vincada nas características dos consumidores: pre­ferência por alimentos frescos, exigência com a qualidade dos produtos e expecta­tivas elevadas ao nível dos serviços prestados (Azuma e Fernie, 2001).

Mas entre os consumidores mais jovens, principalmente nos subúrbios, nota-se uma tendência para fazer compras mais concentradas e com menos frequência (Garon e Maclachlan, 2006). A entrada das mulheres na força de trabalho alterou também os estilos de vida das famílias Japonesas. As marcas comerciais passaram a ter peso importante nas compras durante oboom económico (Haghirian e Toussaint, 2011).

Devido às altas densidades populacionais nos bairros citadinos, o modo habi­tual de deslocação para fazer compras era a ou de bicicleta. Com a ida para os subúrbios as deslocações passaram a ser feitas de automóvel. Contudo, cerca de 9,1 milhões de pessoas não possuem automóvel, e o comércio fica a mais de 500 metros das suas habitações (The Yomiuri Shimbun, 2012). Ainda segundo a mesma fonte, muitos dos centros urbanos estão a transformar-se em desertos alimentares, tal como aconteceu noutros países (Balsas, 2008).

É comum os comerciantes viverem no piso superior e terem os seus estabeleci­mentos no piso térreo, com abertura para a rua comercial (shotengai) (Shelton, 1999). A popularidade deste formato comercial manteve- se até aos anos 90 (seta, 2008) mas, quando o ciclo de crescimento económico abrandou, registou-se um decréscimo de vendas de cerca de 8%, entre 1991 e 2002, com incidência relativa­mente grande no pequeno comércio. Verificou-se também uma diminuição de cerca de 7% do número total de lojas durante o mesmo período de tempo. Ocorreu ainda a tendência de aumento da área dos estabelecimentos comerciaisiv.

Apesar disto, existia ainda um número elevado de pequenos comerciantes, prin­cipalmente no ramo alimentarv. Entre as principais razões para estas alterações, está o crescimento económico elevado nos anos 80, a preferência por produtos frescos em lojas locais, um sistema de protecção do comércio a retalho e a existência de leis de controlo de abertura de grandes formatos comerciais iniciadas ainda antes da segunda guerra Mundial.

Segundo um relatório do Ministério da economia, Comércio e indústria, durante os anos 90 os salários mantiveram-se constantes, enquanto os custos com a educação, a saúde e os empréstimos bancários aumentaram; o poder de compra também diminuiu, o que levou à procura de produtos de mais baixo custo (Jetro, 2004). Uma consequência directa foi a redução das margens de lucro dos comer­ciantes, de modo a manterem-se competitivos sem perderem as suas quotas de mercado.

A entrada de empresas estrangeiras no mercado nipónico data dos anos 70 e 80, inicialmente com marcas de luxo tais como Louis Vuitton e Hermès,depois marcas mais práticas e com preços moderados como Eddie Bauer e HMV; mais recentemente entraram cadeias de retalho como Costco, Carrefour e outras como WalMart e Tesco. Marcas como OfficeMax, Sephora e the Boots, acabaram por abandonar o mercado Japonês, devido a falta de preparação e incompreensão dos hábitos dos Japonesesvi.

Existem discrepâncias entre o pequeno e o grande comércio e a tendência para a homogeneização das paisagens comerciais. Tem-se assistido ao encerramento de lojas em galerias comerciais e à abertura de centros comerciais nas periferias das cidades, com base em padrões de acessibilidade, sobretudo automóvel (fig._1 fig._2 e 3). Os supermercados sentiram aumento da concorrência, mas muitos deles adaptaram os seus horários de funcionamento mantendo-se alguns abertos 24 horas. As lojas de conveniência continuaram a aumentar, mas houve uma diminuição do número de vendas por cliente.

Em 2002 existiam 2 615 centros comerciais no Japão. Este número represen­tava um aumento de 12% em relação ao ano anterior. Mais de 50 novos centros abriram em 2002. As principais lojas âncora eram constituídas por armazéns comer­ciais (equivalentes a hipermercados) e por supermercados. Com a grande escassez de solo nas grandes cidades encontram-se muitos centros comerciais subterrâneos.

Os efeitos da suburbanização são bem conhecidos e incluem o aumento da utili­zação do automóvel, congestionamento e poluição nos subúrbios, perda de ambiente suburbano natural e, ainda, reduções no acesso a lugares de compras por parte dos que não têm automóvel, ou não podem conduzir (Sorensen, 2004; Takami, 2006). Em 2011, segundo a associação Japonesa de Centros Comerciais existiam no país 3 090 centros comerciaisvii que ocupavam 45 milhões de metros quadrados. O valor médio por piso era de 14 789 metros. Devido a dinâmicas urbanas complexas, as parcelas de solo para construção de novos centros comerciais de dimensão significativa começou a escassear. Um formato também muito popular no Japão é o das lojas de conveniência.

III. URBANISMO COMERCIAL O urbanismo comercial engloba as leis e as práticas urbanísticas e de regula­mentação que influenciam a localização, a abertura e a utilização dos estabeleci­mentos de carácter comercial para a criação de cidades mais sustentáveis. No Japão um conjunto de três leis que são frequentemente mencionadas como tendo um papel importante na paisagem comercial das cidades Japonesas. Estas leis viiiincluem: 1) a Lei dos formatos Comerciais de grande Porte (LFCGP) aplicada a estabelecimentos com mais de 1 500 m 2; 2) a Lei da Vitalização Urbana (LVU); e 3) a Lei do Planeamento Urbano (LPU). Todas elas são revisões de leis mais antigas sobre as mesmas temáticas, que têm sido modificadas de acordo com critérios polí­ticos, sociais e económicos. Upham (1993) descreve em detalhe a implementação conturbada da versão anterior da LFCGP, em vigor desde 1973, e conclui que os poderes públicos tiveram dificuldades em lidar com os interesses comerciais no que toca à abertura de novos estabelecimentos de grande porte devido ao lobby do pequeno comércio e do sector da distribuição.

A tentativa do governo central controlar o sector comercial vem de longa data: remonta a 1937, quando se proibia a operação de um armazém comercial com mais de 1 500 m2 . Esta lei resultou de pressões políticas do pequeno comércio e de tentativas de redução de monopólios. Actualmente, o peso do governo central é menor do que duas décadas mas ainda se faz sentir na supervisão da abertura de novas lojas de grande porte.

Segundo Grier (2001), a LFCGP de 1998 difere da legislação anterior em quatro pontos principais: 1) alterou o âmbito da regulamentação da protecção do pequeno comércio; 2) retirou alguma responsabilidade pela implementação da lei do governo central para o governo local; 3) proibiu o governo local de ter em conta as necessi­dades económicas das áreas envolventes às lojas comerciais; 4) permitiu ao governo local recomendar apenas pequenos ajustamentos nos estabelecimentos de grande porte, ao contrário da lei anterior que permitia que os municípios obrigassem os proprietários das grandes lojas a fazerem ajustamentos consideráveis, de modo a resolver potenciais problemas concorrenciais com o pequeno comércio.

De acordo com um relatório do Ministério da economia, Comércio e industria Japonês (Jetro, 2004: 37), em Junho de 2000 as lojas com mais de 1 000 m2 esta­vam sujeitas a regulamentação. Era necessário recolher a opinião da comunidade local sobre o impacte da nova loja, incluindo aspectos como: trânsito, reciclagem, conveniência, prevenção do fogo, redução do ruído, gestão de resíduos e enquadra­mento na paisagem local.

Enquanto a lei anterior regulamentava a abertura de novas lojas de grande porte e colocava restrições económicas ao comércio da área de influência (dias de opera­ção e horários), a nova versão da lei coloca restrições sociais de modo a proteger os estabelecimentos e o seu ambiente circundante e a criar comunidades urbanas sus­tentáveis, sem restringir directamente a competição.

A segunda lei mencionada (Lei da Vitalização Urbana - LVU) é importante na área do urbanismo comercial porque criou apoios financeiros para os municípios (re)vitalizarem os seus centros urbanos, sobretudo através de apoios financeiros com base em propostas (planos e estratégias) preparadas pelos próprios municípios e outras organizações de gestão urbana. Entre as actividades elegíveis encontram-se infra-estruturas comuns e operações de promoção e reestruturação económica. Em 2003 cerca de 600 municípios tinham desenvolvido um plano de revitalização de centro urbano. A Town Management Organization (TMO) de influência europeia é o tipo de organização responsável pela implementação destes planos de melhora­mentos dos centros (Jetro, 2004).

Esta nova organização, baseada em parcerias criadas pelos principais interesses instalados nos centros urbanos, é caracterizada em detalhe na secção seguinte.

A lei da vitalização dos centros urbanos permite a colaboração com vários tipos de organizações: associação comercial e industrial, câmara do comércio e indústria, empresa semi-pública, corporação quási-pública, e várias organizações não-governa­mentais (ONG). A criação das TMO obrigava ao desenvolvimento de um plano de negócios e era técnica e financeiramente independente de outras entidades mas, para ser eficaz, requeria colaborações institucionais com outras entidades locais e regionais.

Por último, a Lei do Planeamento Urbano (LPU) introduziu alterações no zona­mento do uso do solo e permitiu aos municípios criarem áreas específicas para deter­minados usos comerciais. De acordo com o sistema de planeamento, o solo pode ser dividido em três categorias principais segundo a sua localização em 1) áreas de pla­neamento urbano, 2) áreas quase de planeamento urbano, 3) exteriores a áreas de planeamento urbano. A primeira categoria pode ainda ser subdividida em áreas de promoção de urbanização e áreas de controlo de urbanização. É ainda possível aos municípios criarem zonas especiais sobrepostas (overlay district), por exemplo no caso de desenvolvimentos comerciais prioritários, ou de protecção ao pequeno comércio. Lojas com mais de 3 000 m2 em áreas quase de planeamento urbano' também necessitam de licença de funcionamento.

Para além destas três leis principais, o governo central criou em 2006 uma di­rectiva para complementar a lei dos formatos comerciais de grande porte, para tentar proibir a abertura nos subúrbios de centros comerciais com área superior a 10 000 m2 (Kyogoku, 2006)ix. Esta directiva foi inspirada na lógica inglesa do town-centre firstcom uma hierarquização e alocação progressiva de solo urbanizável do centro para a periferia (JIJI Press, 2011). Infelizmente para alguns municípios, a lei não permite que a regulamentação local seja mais rígida do que a nacional.

Com a criação desta directiva, os TMO foram alargados para comissões e outras organizações de âmbito local passaram a poder integrar as operações de revitalização urbana com a possibilidade de partilha de conhecimentos técnicos e com vantagens resultantes de economia de escala. Cerca de 30% dos 2 239 municípios no Japão tinham realizado planos de revitalização urbana no âmbito de TMO por esta altura. As intervenções têm sido sobretudo de dois tipos: desenvolvimento urbano e promo­ção económica. Um dos benefícios desta directiva foi a identificação de mecanismos de análise dos potenciais impactos comerciais dos estabelecimentos. Apesar de tudo, devido ao elevado número de comerciantes nas áreas centrais e às diferentes priori­dades pessoais, é relativamente difícil obter consensos que levem à plena revitali­zação dos centros urbanos.

IV. REVITALIZAÇÃO E GESTÃO URBANA A filosofia das organizações de gestão e revitalização urbana é baseada na tentativa de melhorar os centros urbanos e de os tornar mais resilientes ao aumento da competição criada pelos novos formatos comerciais. Os centros urbanos sempre tiveram um papel importante no desenvolvimento regional do Japão. O progresso rápido da motorizaçãox, a diversificação de estilos de vida, a migração da população para os subúrbios, a dispersão de centros de emprego e de serviços, o aumento do número de lojas devolutas, a falta de sucessores, a escassez de locais de estaciona­mento automóvel e a saída de lojas do centro para a periferia levaram a uma diminui­ção da atractividade do comércio localizado dentro do perímetro urbano. A sustenta­bilidade das cidades e a revitalização urbana tornaram-se assim preocupações de interesse nacional (Jetro, 2000; Sorensen, 2004).

Segundo Muraki (2003), o governo central criou um programa de revitalização urbana para tentar inverter as tendências de declínio urbano, com uma verba de cerca de um bilião de dólares norte-americanos, sobretudo para o período 1998- 2006. Os fundos foram distribuídos com base em concursos públicos onde foi necessário submeter uma estratégia de gestão do centro e um programa de revitalização. Até 2003 cerca de 577 entidades locais tinham submetido propostas que incluíam acções de pavimentação, construção de melhoramentos urbanos, reforço de competências profissionais. Na mesma data, 268 organizações locais (TMO) tinham sido criadas com base em programas principalmente de associações comerciais (Muraki, 2003).

um leque abrangente de exemplos que podem ser categorizados em dois grandes grupos: 1) intervenções no edificado e em espaços públicos, 2) campanhas integradas de promoção do pequeno comércio e de reestruturação económica. Entre os primeiros, encontramos a renovação do edificado, a reconstrução de fachadas, redefinição de zonas comerciais, construção de centros comerciais e arcadas/ gale­rias, obras de pavimentação, melhoramento das acessibilidades e das condições de locomoção para deficientes motores, estacionamento automóvel e medidas para reduzir o congestionamento.

Entre as medidas de promoção encontramos: cartão de fidelização de compras, entregas ao domicílio, utilização de lojas devolutas, campanhas de promoção de ven­das, promoções para atrair novos comércios e novos clientes, trabalho em rede (networking), melhoramento da composição comercial, postos de atendimento ao público e de divulgação turística, promoção do comércio nas áreas centrais, cam­panhas de descontos, vários instrumentos de promoção e gestão comercial das áreas centrais, ninhos de empresas, promoção da identidade local e criação de lojas desa­fio' (challenge shop). Estas lojas são arrendadas a comerciantes, de modo a testar conceitos inovadores antes de eles correrem riscos maiores e fazerem investimentos mais avultados. Mas as TMO são também consideradas organizações importantes na revitalização de áreas atingidas por calamidades naturais, tais como tremores de terra (Beniya, s/d).

Entre os principais problemas com estas entidades de gestão urbana encontra-se a escassez de recursos humanos, a falta de verbas e dificuldades burocráticas, tais como negativismo por parte dos comerciantes, incompatibilidade entre visões locais, dificuldade em obter financiamentos adicionais, falta de conhecimentos técnicos e de informação relativa a métodos e estratégias comerciais e de serviços, assim como o desconhecimento de casos nacionais bem- sucedidos. Tudo isto tornou difícil a obtenção de consensos sobre os modos mais adequados de revitalizar os centros urbanos (Bi-Matsui, 2009).

Mas alguns exemplos de TMO em que os líderes das comunidades tiveram um papel importante na revitalização urbana e na coordenação dos participantes.

Segundo seta (2008), diferentes tipos de organizações que participam em actividades de revi­talização de centros urbanos. Em geral, os comerciantes são sócios destas associações e muitas vezes pertencem a várias associações em simultâneo. Mas não é obrigatório ser membro para participar em actividades de revitalização urbana.

Em média, cerca de 80% dos comerciantes localizados num dado centro urbano são membros de uma associação comercial (Seta, 2008). Segundo o mesmo autor, muitos deles enriqueceram no centro da cidade e mudaram a residência para os subúrbios, mantendo a loja no centro. O centro passou a ser quase exclusivamente um lugar de comércio e não mais um lugar para habitar. Em muitos destes casos, como os proprietários não precisam financeiramente do rendimento do comércio, preferem manter a loja fechada a vendê-la.

Uma situação diferente tem a ver com a escala e a própria natureza dos centros urbanos. Os centros das cidades Japonesas de escala regional são muito densos, com habitações uni e multifamiliares feitas de diversos materiais (incluindo madeira), e de elevada vulnerabilidade a incêndios e a catástrofes naturais.

Assim, muitas das opera­ções de revitalização urbana propõem esquemas de ajustamento do solo e grandes operações fundiárias de reparcelamento e de reurbanização (Onishi, 1994; Seta, 2008).

Este processo, que ocorreu na cidade de Fukaya, e os desafios que se colocaram à comunidade local foram examinados por Koizumi (2004) e por Murayama (2005), que concluíram que as operações são bastante complexas, devido não aos inte­resses fundiários, mas também devido às alterações urbanas e sociais que provocam. Para além de serem oportunidades para discussão de opções colectivas, servem ainda para encontrar modos de projectar novos destinos para os centros urbanos. Relati­vamente mais simples, por não envolverem alterações fundiárias, são os encerra­mentos de espaços comerciais ou de outros edifícios de volumetria elevada no centro e em que o município tenta reforçar a centralidade com usos mistos, que são promo­vidos por uma cooperativa comunitária.

Em relação às operações de revitalização urbana, Muraki (2003) formulou três conclusões principais: 1) a revitalização urbana deve ser abrangente e ir além da área de comércio; a obtenção de consensos é importante e o plano estratégico deve permi­tir repensar as funções do centro e trazer todos os interessados para a discussão de alternativas, 2) necessidade de coordenar as actividades de revitalização urbana com outras áreas de desenvolvimento e planeamento urbanístico, 3) é preciso melho­rar a integração e partilha de dados, e a monitorização e acompanhamento das activi­dades de gestão.

Uma diferença fundamental identificada por seta (2008) é que no centro comer­cial as relações são hierárquicas, enquanto na rua comercial elas são geralmente paralelas, uma vez que a maioria dos proprietários está ao mesmo nível em termos de representação associativa. Isto traz algumas desvantagens, incluindo maior com­plexidade, no que concerne ao planeamento e execução dos projectos de urbanismo comercial, mas serve para justificar a existência de um gestor de centro urbano a tempo inteiro.

V. ALGUMAS INICIATIVAS RECENTES O planeamento urbano no Japão é muito centralizado e de estilo (top-down) dirigista (Alden, 1984; Sorensen, 2002). Recentemente aponta-se para uma flexibili­zação desta prática e reforço dos movimentos associativos de origem local, do género machi-zukuri (Sorensen, Koizumi e Miyamoto, 2009). Evans (2002) descreve em pormenor o significado do conceito de machi-zukuri (planeamento de cariz comuni­tário) que contrasta com o rígido, e por vezes burocrático, toshi-keikaku (planea­mento urbano). Segundo evans, o machi- zukuritem quatro características principais: 1) estímulo à participação pública, 2) ênfase na descentralização, 3) equilíbrio entre aspectos organizacionais e intervenções físicas, 4) intervenções graduais e faseadas no tempo, tipicamente de longo prazo (20 anos). Hein (2008) afirma que o signifi­cado do termo machi (bairro, vila) é importante para perceber a forma urbana de muitos bairros Japoneses e o significado do planeamento urbano.

No Japão uma grande variedade de iniciativas de revitalização urbana que dependem dos promotores, da região em que se inserem e dos níveis de investimento envolvidos. Entre as principais iniciativas, encontram-se operações integradas de desenvolvimento urbano, cujo objectivo principal é a sustentabilidade enquanto orientação de política pública e referencial estratégico em comunidades de bairro (Sorensen, Marcotullio e Grant, 2004). O intuito fundamental é a promoção da reno­vação do edificado urbano e também a criação de um espírito associativo de base local e o reforço das identidades.

Carmona (2012) defende que preocupações com segurança, por vezes dúbias, estão a ser utilizadas para destruir bairros residenciais tradicionais, ruas estreitas e comércio de proximidade. O mesmo autor argumenta que a demolição de áreas urba­nas é um exemplo da falta de consideração pelo urbanismo tradicional Japonês. Na mesma linha de argumentação, Sorensen (2009) garante que a partilha dos direi­tos de propriedade e a necessidade de reclamar gestão partilhada de espaços públicos e de desenvolvimento comunitário no estilo machi-zukuri tem sido uma opção eficaz no bairro de Yanaka na cidade de Tóquio.

Por seu lado, Hattori (2011) descreve o bairro de Shimokitazawa também em Tóquio, com as suas ruas estreitas, comércio de base familiar, restaurantes, teatros e outros espaços culturais, no qual a atractividade entre as camadas jovens é bem vin­cada como um exemplo marcante do conceito de habitabilidade sustentável. Nashima (1997) assegura que na impossibilidade de financiar todas as candidaturas com apoios governamentais, inicialmente o governo central utilizou uma lógica de cidades modelo, de modo a garantir exemplos-tipo para outras aglomerações urbanas.

Tive oportunidade de confirmar muitas destas tendências em operações de revi­talização urbana nas viagens que fiz ao Japão. Por exemplo, no bairro de Shibuya (fig._4) participei em reuniões com representantes da comunidade local, e numa ronda pela área comercial com um conjunto de representantes da prefeitura, da asso­ciação comercial, e uma série de comerciantes e membros das forças policiais. O principal objectivo do Shibuya Center-Gai era semelhante ao Business Impro­vement District (BID) do Times Square em Nova Iorque, mas sem a obrigatoriedade de cobrança coerciva de taxas adicionais.

Em Sakura (fig._5), visitei a área central da cidade, que fica a cerca de 65 km de Tóquio e participei em reuniões com membros da TMO. Pude constatar in loco as dificuldades para a implementação deste tipo de parceria de gestão urbana.

Devido à relocalização de edifícios públicos (biblioteca e outros serviços) fora da área central e ao crescimento das áreas periféricas, muitos estabelecimentos comerciais ressen­tiram-se (cerca de 20%) e foram obrigados a encerrar. esperanças de que a área do lazer e o turismo tragam alguma vitalidade à zona (Quin, 2002), uma vez que se localizam equipamentos culturais, como museus e outros edifícios de cariz tradi­cional, assim como uma loja desafio.

No bairro envolvente ao campo principal da Universidade de Tóquio, em Hongo, visitei uma área típica da cidade, singular nas suas tradições de vivências urbanas e culturais. O tecido urbano é compacto, muitas ruas são estreitas e sem trânsito automóvel, o comércio é de pequenas dimensões e os espaços públicos apa­rentavam ser muito bem geridos e com vivências colectivas bastante saudáveis e sustentáveis (fig._6). Apesar de desconhecer a existência de projectos de planeamento urbanístico para este bairro, a sua vitalidade parecia augurar um bom futuro.

Manifesto acordo com Quin (2002) quando ele escreve que é óbvio que necessidade de gestão urbana nas cidades Japonesas, mas os resultados têm sido escassos, se analisados numa perspectiva internacional. De acordo com uma sonda­gem de opinião mencionada por seta (2008), no geral os Japoneses apoiam activi­dades de revitalização urbana, em vez da expansão para a periferia, mas as realidades vividas parecem ser algo diferentes.

Bi-Matsui (2009) refere que cerca de dois terços das TMO em operação tinha, em 2006, como principal objectivo desenvolver acções de promoção das áreas comerciais. Mais de metade não tinha empregados a tempo inteiro. O grande número de proprietários de estabelecimentos comerciais tornava habitualmente difícil a ob­tenção de consensos e o estabelecimento de prioridades para a revitalização urbana.

Por sua vez, Miyazawa (2006) defende que as contribuições das TMO têm sido mínimas e limitadas a eventos promocionais, com poucos melhoramentos urbanos.

Da literatura consultada podem extrair-se algumas ideias essenciais: 1) necessidade de encontrar elementos externos distintivos, 2) contastação do domínio da TMO por algum comerciante ficando limitada a voz dos restantes participantes, 3) reprodução de estratégias de outros lugares sem incorporação das especificidades locais 4) difi­culdades para angariar financiamentos adicionais, e 5) incapacidade para ultrapassar a dependência económica de subsídios públicos.

É sabido que a resiliência do sistema comercial (Salgueiro e Cachinho, 2011) está nas pessoas e nas suas relações de confiança enquanto membros de uma comu­nidade a várias escalas: local, regional, nacional e internacional. Mas os governos locais têm um papel importante no estímulo ao desenvolvimento urbanístico equi­librado, que permita que os consumidores em desvantagem tenham condições equitativas de acesso a bens de primeira necessidade. Por exemplo, devem ter um papel importante no planeamento do uso do solo e no planeamento das acessibi­lidades e transportes, assim como na localização e na minimização do impacto das novas áreas comerciais sobre as áreas centrais das cidades (Park, 2004; Takami, 2006; Shen et al., 2011).

O argumento principal é que as tendências de adopção de mecanismos e boas práticas estrangeiras têm-se mostrado algo inadequadas, devido sobretudo à inefi­cácia da articulação dos poderes públicos com a sociedade civil. Sem um modo de institucionalizar os procedimentos colaborativos, as parcerias público- privadas mos­tram-se limitadas para a continuação e eficácia de acções de revitalização e gestão urbana. A falta de recursos tais como financiamentos e conhecimentos técnicos não parecem ser o problema principal. Contudo, a sua ligação a mecanismos que envol­vem colaborações entre os vários níveis da administração pública e da sociedade civil pode reduzir as possibilidades de acção.

Por outro lado, a diferença de interesses e prioridades entre atores públicos e privados no estabelecimento e na manutenção das operações de gestão urbana pode dificultar a sua viabilidade no longo prazo. Um modo de tornar as acções de revita­lização mais efectivas é gerar confiança entre os membros das TMO (Gima, 2010). Isto requer passar de conhecimentos tácitos individuais a conhecimentos explícitos colectivos. Para além desta tarefa, é também necessário ter em conta características das cidades, tais como geografia, demografia, base cultural, industrial e comercial, entre outras.


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