Religião e outros conceitos
À semelhança do Zeitgeisthegeliano, as ideias evoluem pela história de forma
contínua. Umas morrem, outras renascem reformuladas, algumas mudam reformadas.
Novas ideias não são mais do que velhas ideias recicladas a que os autores
sempre algo acrescentam. Mesmo a epistemologia de Kuhn, onde a evolução
científica se faz com descontinuidades, subentende revoluções enraizadas nos
paradigmas anteriores, uma continuidade, portanto. Na evolução do pensamento
sociológico e religioso só podia também observar-se esta cadeia ininterrupta.
O pensamento cristão começa a secularizar-se na época moderna. A teologia, a
rainha das ciências medievais, suportada pela filosofia e pelas artes liberais,
perde paulatinamente o seu domínio. Na diferenciação e na especialização
modernas, os conhecimentos emancipam-se da filosofia e da influência religiosa,
arrumando-se em disciplinas distintas e autónomas. Primeiro, surgem as ciências
naturais no século XVII, com o desenvolvimento do método científico. Mais
tarde, nos séculos XVIII e XIX, despontam as humanidades. A religião passa a
ser estudada pelas disciplinas emergentes (sociologia, antropologia, história e
psicologia) de forma crítica e, assim pretensamente, mais objetiva.
A matriz do pensamento ocidental encontra-se na Grécia Antiga, especialmente em
Platão (427-347a.C.) e Aristóteles (384-322a.C.). Grosso modo, o pensamento
platónico continua por Santo Agostinho (354-430), enquanto o pensamento
aristotélico volta com São Tomás de Aquino (1225-1274). No fim da escolástica
aparece Ockham (1285-1347), cujo nominalismo promove o empirismo, também
produto do aristotelismo. A corrente empirista evolve dos intelectuais anglo-
saxónicos, sobressaindo Hume (1711-1776). A sua ascendência, relevante no
positivismo de Comte (1798-1857), perdura na escola francesa de Durkheim (1858-
1917).
Do lado oposto, surge Descartes (1596-1650), criador do racionalismo, de
influência agostiniana. Kant (1724-1804) sintetiza as posições empirista e
racionalista e determina o idealismo alemão, onde se destaca Hegel (1770-1831),
patente em Marx (1818-1883), Tönnies (1855-1936), Simmel (1858-1918) e Weber
(1864-1920). O segundo, versado também na filosofia política de Hobbes (1578-
1679), induziu em Wilson (1926) o conceito de societalização, passagem da
comunidade para a sociedade.
As duas escolas pioneiras da sociologia desenvolveram-se sob Durkheim e Weber.
De um lado, a escola francesa, positivista, de origem empirista. Do outro lado,
a escola alemã, interpretativa, de raiz idealista. Durkheim defendia a
existência de factos sociais (valores, normas, crenças, regras), condicionantes
da ação, externos ao indivíduo e, assim, analisáveis empiricamente. Weber
considerava também a presença de fatores morais influenciadores da ação, mas
sem existência própria, pelo que só analisáveis pela construção de tipos
ideais. Parsons (1902-1979) condensa as duas escolas; o panorama sociológico
dos anos 1940s, 1950s e 1960s será dominado pelo seu pensamento (funcionalismo
estrutural).
No funcionalismo em sentido lato, as sociedades são vistas como sistemas de
partes mutuamente dependentes. A função refere-se à contribuição de determinada
parte para a sociedade. A religião, pelas suas funções sociais, habitualmente
associadas à integração social e sistémica, foi amplamente abordada por esta
escola, tanto na antropologia ' Malinowski (1884-1942), Spiro (1920) e Firth
(1901-2002) (embora este fosse pioneiro da antropologia económica, aplicando a
racionalidade económica); como na sociologia ' Davis (1908-1997), O´Dea (1915-
1974), Yinger (1916), Bell (1919-2011), Luhmann (1927-1998), Bellah (1927) e
Martin (1929).
Uma das correntes que se opôs a Parsons foi a da escolha racional, iniciada por
Homans (1910-1989), sociólogo norte-americano. Para ela, Parsons sobrestimaria
os aspetos estruturais dos sistemas sociais, subestimando, assim, a ação
individual. A escolha racional envolve o cálculo das recompensas e dos custos
das ações tomadas, havendo troca social quando ambas as partes lucram. Pode
inserir-se esta escola na tradição empirista anglo-saxónica, quando o
comportamento humano se explica apenas por características externas e
objetivas. O modelo económico, desenvolvido nos EUA a partir dos anos 1980s,
por Stark (1934) e Bainbridge (1940), insere-se nesta corrente.
Outra perspetiva discordante de Parsons foi a do interaccionismo simbólico,
influenciado pelo pragmatismo e desenvolvido pelo norte-americano Mead (1863-
1931), entre 1900 e 1930. Para ela, a cultura compreende conjuntos de símbolos
com significados partilhados, intermediários da interação. Encontram-se
semelhanças na antropologia interpretativa simbólica de Geertz (1926-2006) e na
antropologia de Evans-Pritchard (1902-1973), cuja antropologia viera do
funcionalismo estrutural. O pragmatismo, fundado pelos norte-americanos James
(1842-1910) e Peirce (1839-1914), determinado pela tradição empirista, pautava-
se pela enfatização dos significados e das definições dados pelos indivíduos
nas situações em que atuam (Scott, 1997: 99).
A fenomenologia também se afirmou como alternativa ao funcionalismo. Funda- se
com Husserl (1859-1938), sob o cunho do idealismo alemão. O seu objetivo
consistia em descrever as coisas como elas aparecem na experiência consciente,
sendo o mundo externo conhecido como fenómeno (Scott, 1997: 110). Schutz (1899-
1959) reinterpretou Weber à luz de Husserl, associando contributos da ação
racional, tendo como seguidores mais distintos Berger (1929) e Luckmann (1927).
O teólogo Otto (1869-1937) marcou-a inspirando teólogos como Tillich (1886-
1965), historiadores como Leeuw (1890-1950), Wach (1898-1955) e Eliade (1907-
1986), sociólogos como Caillois (1913-1978).
Mais três correntes influenciadas por Marx desafiam Parsons: psicanálise de
Freud (1856-1939), escola de Frankfurt e estruturalismo. A filosofia ateia de
Feuerbach (1804-1872) faz a transição entre o idealismo de Hegel e o
materialismo de Marx. Para este, não somos nós que fazemos o mundo mas é o
mundo que nos faz: os modos de produção condicionam a vida social, política e
espiritual. A neurose obsessiva e a projeção da figura paterna de Freud
refletem Marx e Feuerbach. A escola de Frankfurt, neo-marxista, crítica tanto
do regime soviético como do capitalista, desenvolveu teorias sociais voltando
principalmente a Kant e Hegel, onde o psicanalista Fromm (1900-1980) se
inseriu.
O estruturalismo de Lévi-Strauss (1908-2009) tentou aprofundar o funcionalismo
estrutural, sendo popular nos anos 1960s e 1970s. Tal como existe a estrutura
gramática do discurso, assim existe a interação social. As estruturas profundas
têm prioridade causal sobre as estruturas superficiais (relações, organizações
e instituições sociais observáveis), estudadas pelo funcionalismo. A validade
do conhecimento científico não depende da correspondência entre objetos
pensados e objetos reais, mas do rigor lógico e da coerência conceptual da
explicação (Scott, 1997:157). Também por aqui se nota uma sua ascendência
idealista. O pós-estruturalismo revê-se em Baudrillard (1929-2007), para quem a
realidade social são as simulações, as imagens dos meios de comunicação.
A antropologia inicia-se sob a égide do evolucionismo cultural. A ideia de
progresso histórico, associada ao iluminismo, foi retomada por Comte e Spencer
(1820-1903), influindo no evolucionismo cultural da antropologia pioneira de
Tylor (1832-1917) e de Frazer (1854-1941): no primeiro, o animismo seria a
primeira fase do desenvolvimento das religiões, enquanto no segundo seria a
magia. O exegeta Smith (1846-1894), igualmente marcado pelo evolucionismo, foi
dos primeiros a tratar a função coesiva dos ritos religiosos, inspirando
Durkheim. Mais tarde, a antropologia foi dominada pelo funcionalismo estrutural
de Radcliffe-Brown (1881-1955), curiosamente influenciado pelo trabalho de
Durkheim, e determinante no funcionalismo estrutural de Parsons.
A instabilidade social e política dos anos 1960s conduziu à queda do domínio
funcionalista na sociologia, pela sua incapacidade em explicá-la. Assomaram as
outras escolas, entretanto desenvolvidas. Na sociologia da religião, retoma-se
a construção teórica, após três décadas de quase estagnação e de produção
estritamente empírica religiosamente comprometida. A secularização impõe-se
como o paradigma dominante; regressa-se aos clássicos. Inicialmente, as teorias
da secularização baseiam-se num só fator. Mais tarde, até pelas críticas
apresentadas pelos autores americanos do modelo económico, reformula-se o
paradigma. As novas teorias abrem-se a todo um leque de fatores e abandona-se a
hipótese do fim da religião, diversificando-se as linhas de investigação.
Agora, ainda que os autores possam privilegiar uma teoria em detrimento de
outras, a complexidade dos problemas sociais atuais não o aconselha. De certa
forma, as escolas terminaram com o advento da pós-modernidade e do relativismo
decorrente. Apesar da tradição ainda ligada a cada faculdade, a reflexividade
contemporânea contribui para o uso das teorias mais adequadas a cada caso em
desfavor do seguimento ortodoxo de alguma. A proposta da terceira via, a partir
dos anos 1970s, por Giddens (1938) e Bourdieu (1930-2002), conjugando a ação e
a estrutura, concorreu para anular a oposição de décadas entre objetivistas e
subjetivistas. Desta forma, torna-se despropositado inserir os sociólogos
atuais em correntes: Dobbelaere (1933), Campiche (1937), Robertson (1938), Voyé
(1938), Fernandes (1939), Beckford (1942), Cipriani (1945), Lambert (1946-
2006), Hervieu-Léger (1947), Bruce (1954).
Na realidade, a disposição dos autores por correntes é discutível. Para uns,
torna- se evidente, por fundarem escolas ou por assumirem o seguimento das
mesmas. No entanto, mesmo nestes, se discute a clareza da sua inclusão. A
complexidade das suas influências, a sua diversidade, por vezes contrastante,
dificulta a sua inserção por correntes. Além disso, nem sempre se torna
evidente a consciência de pertença a determinadas escolas por parte dos
próprios autores. Feito este preâmbulo, necessário para enquadrar os autores
mais relevantes citados de seguida, inicia-se a definição de religião e de
conceitos relacionados.
As múltiplas definições de religião podem dividir-se em dois grupos:
substantivas, descritoras do que ela é, da sua essência, das suas crenças e
práticas, da experiência do Outro ou do sagrado; funcionais, referentes ao que
ela faz, ao seu papel, à sua função social (Rodrigues, 2007; Dix, 2006;
Roberts, 1995; Berger, 1990; Dobbelaere e Lauwers, 1973; Yinger, 1957). Cada
definição, mesmo marcada pelo contexto temporal, social, académico e ideológico
do autor, concorre para a compreensão da religião.
Ao contrário de Weber (2006), que considerava impossível definir a essência da
religião no começo de um estudo, tentarei fazê-lo. Etimologicamente a palavra
religião deriva do latim, podendo significando religar, reler ou reeleger. Em
todas está presente a ligação da humanidade com a divindade. Aparece então a
primeira característica da religião: a ligação do homem com algo superior ou
transcendente, o seu objeto.
O contexto cultural influencia sobremaneira a definição de religião. Nas
sociedades ocidentais, onde se associa a religião à relação com algo
transcendente, ela é sistema mediador entre o homem e entidades superiores. O
Ocidente, altamente marcado pela cultura judaico-cristã, releva o Deus único e
transcendente. Nas sociedades orientais, budistas e hinduístas, a
transcendência não está presente, mas antes o panteísmo, um deus em tudo.
Assim, a religião não é ligação a algo superior e transcendente, mas à própria
natureza, a todos os seres vivos. As enunciações aqui apresentadas
privilegiarão o contexto ocidental.
O objeto da religiãotem várias designações: seres espirituais (Tylor, 1920),
divino (James, 1952), poderes superiores (Frazer, 1974; Otto, 2005; Oliveira,
1995), sagrado (Durkheim, 2001; Wach, 1971; Tillich, 1955; Eliade, 2006;
Berger, 1990; Agostino, 1980; Bird, 1990; Margry, 2008), realidades
transcendentes (Simmel, 1998; Robertson, 1970; Dobbelaere, 1981; Bird, 1990;
Campiche, 1993), realidades sobrenaturais (Stark e Bainbridge, 1980; Stark e
Bainbridge, 1996; Stark e Finke, 2000; Stark, 2001b; Costa, 2006; Margry,
2008), realidades supraempíricas (O'Dea, 1966; Robertson, 1970; Dobbelaere,
1981; Campiche, 1993; Oliveira, 1995), seres sobre- humanos (Spiro, 1972;
Lambert, 1991) e deuses (Bruce, 2002).
Sobressai das designações o sentido de algo para além da realidade ou da
natureza humanas. Como referem Eliade (2006) e Durkheim (2001), o profano e o
sagrado são realidades distintas. O homem, no seu início, vê o sagrado como a
divindade, tendendo posteriormente a distingui-los. O sagrado transforma-se,
cada vez mais, na ponte entre a divindade e o homem (Borau, 2008), convertendo-
se de divindade em hierofania. Embora o sagrado possa ter três significados '
religião, realidade transcendente ou coisas separadas (Evans, 2003) ' será
usado o segundo sentido.
O sagradonão se consegue reificar, concretizar, pela impossibilidade de
assegurar a sua existência terrena. Para uns o sagrado é real, para outros é
construção humana. Por um lado, representa-se como: causa do universo (Hume,
1975), mysterium tremendum(Otto, 2005), altamente excecional e extremamente
impressionante (Leeuw, 1963), real por excelência (Eliade, 2006), fonte
criativa de vida (Caillois, 2001), poder misterioso e impressionante (Berger,
1990), sobrenatural com consciência e desejo (Stark e Bainbridge, 1996; Stark e
Finke, 2000; Stark, 2001b). Por outro lado, assume- se como: projeção do homem
ideal (Feuerbach, 1854), projeção da figura paterna (Freud, 2008), coincidentia
oppositorum(Simmel, 1998), símbolo de poder (Fromm, 1972), símbolo da união de
tudo (Laermans, 2006), criação do homem (Firth, 1961) e gigantesco simulacro
(Baudrillard, 1991).
A religião como sistemaparece, geralmente, consensual, por comportar padrões
actuais de relações sociais formados em instituições sociais e colectividades
interdependentes, produzidos e reproduzidos com base em estruturas (regras e
recursos) próprias (Scott, 1997: 204). Deste sistema participam crenças,
práticas, símbolos, visões do mundo, valores, coletividades e experiências. Os
três primeiros, parte de um sistema de símbolos, reforçam-se reciprocamente. A
visão do mundo e os valores, mutuamente intensificados, encontram-se no coração
da religião, mas, por serem abstratos, concretizam-se e fortalecem-se pelos
três anteriores. As coletividades são componentes inerentes ao sistema e as
experiências são, por vezes, a única forma de o tornar evidente. Embora cada
elemento seja descrito separadamente, as visões do mundo podem juntar-se às
crenças, pela sua essência análoga, os símbolos e as experiências podem fazê-lo
em relação às práticas pela mesma razão.
Os autores utilizam variadas formas para definir religião, construindo as suas
enunciações com elementos acima referidos. As crenças e as práticas, implícita
ou explicitamente, são habitualmente evocadas (Smith, 1894; Frazer, 1974;
Durkheim, 2001; Wach, 1971; Fromm, 1972; Firth, 1961; Yinger, 1957; Geertz,
1966; Glock e Stark, 1969; O'Dea, 1966; Bell, 1977; Dobbelaere, 1981; Prades,
1987; Lambert, 1991; Campiche, 1993; Hervieu-Léger, 2000; Oliveira, 1995;
Hervieu-Léger, 2005; Bruce, 2002; Costa, 2006), embora as práticas não o sejam
em Margry (2008) e Robertson (1970), nem as crenças em Bird (1990).
Entre as definições mais simples encontram-se a de Tylor (1920: 424): crença
em seres espirituais e a de Berger (1990): estabelecimento de um cosmos
sagrado. Frazer enuncia religião como propiciação ou conciliação de poderes
superiores ao homem os quais são cridos por dirigirem e controlarem o curso da
natureza e da vida humana (Frazer, 1974: 65).
Os símbolos são outro elemento por vezes referido (Wach, 1971; Geertz, 1966;
Glock e Stark, 1969; Bellah, 1991; Bird, 1990; Lambert, 1991; Hervieu-Léger,
2000; Hervieu-Léger, 2005). Para Geertz, religião é um sistema de símbolos que
estabelece sentimentos e motivações poderosos, penetrantes e duradouros, pela
formulação de concepções de uma ordem geral de existência e pelo seu
revestimento com uma tal aura de factualidade que tornam os sentimentos e as
motivações unicamente realísticos. (Geertz, 1966: 4).
A visão do mundo, associada ao sentido da vida, e a ética, normas, regras ou
valores, são mencionadas por alguns autores (Glock e Stark, 1969; Geertz, 1966;
Bird, 1990; Oliveira, 1995; Costa, 2006; Margry, 2008). No entanto, uns realçam
o primeiro aspeto (Wach, 1971; Yinger, 1957; Lessa e Vogt, 1958; Bellah, 1991;
Bell, 1977), outros o segundo (Smith, 1894; Simmel, 1998; Fromm, 1972; Firth,
1961; Robertson, 1970; Cipriani, 2004; Bruce, 2002).
Glock e Stark definem religião como sistemas institucionalizados de crenças,
símbolos, valores e práticas que fornecem a grupos de homens soluções para as
suas questões de sentido último. (Glock e Stark, 1969: 17). Em Yinger, a
religião consiste num sistema de crenças e de práticas pelas quais um grupo de
pessoas encara ( ) os problemas últimos da vida humana. (Yinger, 1957: 9).
Para Fromm, a religião passa por ser qualquer sistema de pensamento e acção
partilhado por um grupo que dá ao indivíduo um referencial de orientação e um
objecto de devoção. (Fromm, 1972: 22).
Também a dimensão organizacional é amplamente utilizada (Smith, 1894; Durkheim,
2001; Wach, 1971; Fromm, 1972; Firth, 1961; Glock e Stark, 1969; O´Dea, 1966;
Bell, 1977; Spiro, 1972; Dobbelaere, 1981; Lambert, 1991; Campiche, 1993;
Hervieu-Léger, 2000; Oliveira, 1995; Hervieu-Léger, 2005; Costa, 2006).
Em Durkheim, a religião é um sistema unificado de crenças e de práticas
relativo a coisas sagradas ( ) que unem os seus aderentes numa comunidade moral
única denominada igreja. (Durkheim, 2001: 46). Para Hervieu-Léger, a religião
consiste num dispositivo ideológico, prático e simbólico pelo qual é
constituído, mantido, desenvolvido e controlado o sentido individual e
colectivo da pertença a uma linhagem crente particular (Hervieu-Léger, 2005:
31; Hervieu-Léger, 2000: 82).
A experiência com o sagrado é algo pouco presente em definições (James, 1952;
Otto, 2005; Tillich, 1955; Oliveira, 1995; Costa, 2006; Margry, 2008). Veja-se
James a enunciar a religião como composta de sentimentos, actos e experiências
dos indivíduos na sua solidão, desde que considerem relacionar-se com algo
considerado divino. (James, 1952: 31-32).
Por último, uma breve referência a alguns autores cujas enunciações de religião
se tornaram clássicas, pelo sentido depreciativo e alienante incluso. Para
Feuerbach (1854), a religião é a adoração da natureza humana; em Freud (2008),
consiste na neurose obsessiva universal; e Marx (1976) assume-a como ópio do
povo.
As crenças, as práticas e os símbolos são, usualmente, os aspetos mais
salientes das religiões. Em algumas, as práticas precedem as crenças, noutras o
inverso, havendo, normalmente, relação estreita entre ambas. A ligação forte
dos três fenómenos resulta, segundo Roberts (1995), da sua pertença a um
sistema de símbolos. Estes, refere Geertz (1966), são cruciais para desenvolver
normas e cosmologias.
As crençasencerram definições em relação ao sagrado. Geralmente, englobam
também aspetos relativos ao homem e à sua relação com o sagrado. Durkheim
(2001) considerava as crenças como representações para expressão da natureza
das coisas sagradas e das relações existentes entre elas ou com as coisas
profanas. Sendo as religiões construções humanas e não se compreendendo o
sagrado sem o profano, surgem naturalmente enunciações relativamente ao homem,
às formas de comportamento com o sagrado, à morte e às suas consequências.
As práticasreligiosas configuram a relação do homem com o sagrado, englobando
ritos, rituais, orações e outros. Os ritos religiosos são heranças culturais
religiosas que determinam formas especiais de viver as crenças, nomeadamente o
culto e a devoção pessoal. Os rituais religiosos são gestos, palavras,
procedimentos, imbuídos de simbolismo, que efetivam os ritos religiosos, sendo
resultado das normas estabelecidas por tradições religiosas. Os rituais são as
ações e os ritos são as estruturas. Por tão interligados, facilmente se
confundem.
Existem ritos de culto, como a missa ou o serviço religioso luterano, que são
formas de reverenciar, adorar, rogar e agradecer comunitariamente, ligando o
profano ao divino, reforçando os laços e os valores sociais. Durkheim (2001)
referia o culto não só como sistema de signos, para expressão da fé, mas também
como coleção de meios de a criar e recriar. Os ritos de passagem, como o
batismo, o casamento e o enterro, relacionam-se com a mudança de papel social.
Nestes momentos, o indivíduo, devido à contingência e à impotência da sua
condição humana, socorre-se dos rituais respetivos para alcançar magnanimidade
do sagrado e, assim, conseguir ir ao encontro das expectativas sociais.
Os símboloscompreendem objetos, gestos, expressões, palavras, aspetos
evocativos de certas crenças. Os significados são guardados em símbolos, os
quais, dramatizados em rituais ou narrados em histórias, são vividos como
resumo do sentido do mundo (Geertz, 1958). Os símbolos, por não serem tão
pormenorizados como as definições intelectuais, possuem uma capacidade maior de
cimentar a unidade organizacional (Nottingham, 1971). A simbolização das
crenças e das práticas torna mais concreta e palpável certa cosmovisão,
tornando-se os símbolos poderosos fatores de sentido na vida das pessoas,
ajudando, ainda, a firmar a coesão social.
A visão do mundo, cosmovisão ou weltanschauungcorresponde à forma como a
sociedade interpreta o mundo e interage com ele, em áreas como a religião, a
política, a economia, a ciência, entre outros. É um sistema objectivo de
sentido pelo qual um passado e um futuro individuais são integrados numa
biografia coerente e no qual a pessoa emergente se localiza a si própria em
relação aos outros, à ordem social e ao universo sagrado transcendente
(Luckmann, 1970: 69-70). As cosmovisões situam o indivíduo na sociedade,
explicam-lhe o significado do mundo, dão sentido à sua vida e orientam-no para
o futuro.
Os valoressão sistemas organizados e estáveis de preferências que modelam os
comportamentos dos atores (Almeida, 1994; Almeida e Costa, 1990). As
atitudessão opiniões que refletem sentimentos e valorizações (Pais, 1998). Em
Mead (1934) e Carrier (1960), a atitude consiste no dinamismo preparatório da
ação. Vala e Torres resumem a definição de valores como orientações ou
motivações fortemente sedimentadas que guiam, justificam ou explicam atitudes,
normas e opiniões e, consequentemente, a acção humana (Vala e Torres, 2006:
184).
As crenças, as práticas e os símbolos condicionam comportamentos sociais afins,
através da comunhão de valores, atitudes, normas ou sentimentos. Em Stark, as
imagens de deuses como conscientes, poderosos e com preocupações morais
funcionam como sustentação da ordem moral (Stark, 2001a: 634; Stark, 2000:
306). Radcliffe- Brown via os ritos como expressões simbólicas que regulam,
mantêm e transmitem de uma geração a outra sentimentos nos quais depende a
constituição social. (Radcliffe- Brown, 1968: 157). Durkheim (2001)
argumentava que os símbolos, integrados em práticas, expressam e reproduzem
representações coletivas, conceções partilhadas pelos membros sociais, as quais
desenvolvem consciência coletiva, sentimentos coletivos e coesão social.
As religiões compreendem coletividadesno seio das quais se desenvolvem
práticas, se elaboram, defendem e discutem crenças. Faz parte da essência da
religião a sua componente organizativa. Durkheim (2001), comparando religião
com magia, considerava aquela como estreitamente ligada à noção de igreja, ao
invés da magia. Os grupos, organizações ou movimentos, congregam os indivíduos
em cada religião de acordo com razões geográficas, emocionais, intelectuais,
cronológicas, entre outras. As instituições sociais, presentes nas várias
coletividades religiosas, definem papéis que condicionam o comportamento
individual.
Sendo o sagrado central na religião, as experiênciascom o mesmo definem-na. Em
Durkheim (2001), a experiência do sagrado é comunitária, pois é adoração da
própria sociedade pelos seus membros reunidos e agindo conjuntamente. Otto
(2005:10) defendia que os enunciados racionais não esgotam a ideia de divindade
por se referirem a algo que não é racional, devendo, por isso, ser
percecionados não racionalmente. Em Tillich (1955), o encontro com o sagrado é
algo marcante. Por seu lado, James (1952) enfatizava a relação com o sagrado,
por considerar a sua existência e a união com este, o nosso fim. As
experiências místicas individuais, presentes em várias religiões, pela oração,
meditação, contemplação ou outros meios, assim como as práticas comunitárias
carismáticas confirmam a importância do relacionamento com o sagrado.
Esta presença de relação comunitária ou individual com o sagrado, o objeto das
religiões, leva-nos ao questionamento atualmente central sobre a
espiritualidade. Esta partiu do interior das religiões tradicionais para a
construção criativa do indivíduo, auxiliada de elementos daquelas e/ou de
elementos animistas, pagãos, esotéricos, ocultistas, seculares (Mason, 2010).
Para Heelas et al.(2005), existem duas espiritualidades, uma completamente
subjetiva, de fim e princípio no sujeito, e outra, subjetiva e objetiva,
assente na experiência com algo transcendente.
Comparando religião com espiritualidade, em Heelas et al.(2005), a primeira
associa-se a vivências sob autoridades externas e superiores, a segunda a
experiências sob a própria autoridade individual. Para Giordan (2009), a
religião consiste na dimensão institucional da relação com o sagrado, baseando-
se em verdades, ritos e normas que sujeitam o indivíduo. Já a espiritualidade
parte da liberdade de escolha do sujeito, da sua experiência, dos seus
sentimentos, do seu bem-estar e da sua realização.
Será a espiritualidade somente a relação individual com o sagrado? As
experiências conduzidas de forma conjunta não são, igualmente, espiritualidade?
Na missa cultua-se o sagrado, dentro de ritos estabelecidos, sem expressamente
haver relação pessoal com Deus. Contudo, não se invalida a hipótese de o crente
poder relacionar-se mais estreitamente com o divino. Grupos carismáticos tentam
estabelecer de maneira congregada experiências concretas com o sagrado, embora
haja também aqui mediação institucional.
A espiritualidade consiste numa relação pessoal, individual com o sagrado em si
ou fora de si, imanente ou transcendente, enquanto na religião a ligação ao
sagrado realiza-se por práticas institucionalizadas. Na espiritualidade
subjetiva, tendo o sujeito como centro da busca e da experiência, tenta
aprofundar-se a relação do indivíduo consigo mesmo, para se conhecer melhor, se
aperfeiçoar ou desenvolver as suas capacidades. Na espiritualidade objetiva, o
sujeito ruma a algo considerado por si superior, tendo em vista relacionar-se e
colher benefícios desta fonte. A espiritualidade, reflexo do atual
individualismo exacerbado, centra o indivíduo como sujeito e como objeto. Como
objeto, o indivíduo precisa de Outro para avançar; como sujeito, basta-se a si
próprio para crescer.
A espiritualidade subjetiva baseia-se de forma marcada por técnicas orientais,
como o ioga, o reikie a meditação. O ioga, através de posturas corporais e do
controlo dos ciclos respiratórios, visa estabelecer o equilíbrio entre o corpo
e a mente, desenvolvendo a consciência corporal. O reiki, pela imposição das
mãos, aponta para a canalização da energia vital do universo, melhorando as
capacidades físicas e mentais. Embora a meditação possa ser utilizada para
contactar ou conhecer o transcendente, como técnica oriental usa-se mais
frequentemente para cultivar a disciplina mental, a concentração, a relaxação e
a consciência.
A espiritualidade objetiva desenvolve-se, maioritariamente, pela oração. Para
Stark e Finke (2000), estas são comunicações dirigidas a algo transcendente,
nas quais se constroem laços de afeição e confiança. Nas orações individuais,
pede-se, agradece- se, conversa-se, havendo uma relação única com o sagrado
considerado real pelo interlocutor. Ao pensar-se imperfeito, o homem contacta
algo tido como perfeito para o orientar, ajudar e completar. Ao contrário da
magia, o sagrado transcendente e pessoal permite relações diretas com os
dialogantes.
A magiaperspetiva-se como manipulação ou coação de forças sobrenaturais visando
a obtenção de recompensas (Frazer, 1974; Weber, 2006; Otto, 2005; O'Dea, 1966;
Agostino, 1980; Stark e Finke, 2000; Stark, 2001b). Ao contrário da religião,
na magia há individualidade da ação, inexistência de comunidades (Durkheim,
2001) e falta de sistema de ética (Roberts, 1995). Sendo os poderes
compreendidos como inconscientes e impessoais (Frazer, 1974) ou não divinos
(Stark e Finke, 2000; Stark, 2001b), são inexequíveis relacionamentos com a
transcendência, afastando-se da espiritualidade objetiva.
A magia nunca deixou de acompanhar o homem pela incapacidade da religião e,
depois, da ciência, resolverem questões sempre presentes. O amor, o dinheiro, a
profissão e a saúde. Se a ciência não derruba toda a ignorância, sendo incapaz
de solucionar estes e outros assuntos, a magia poderá solvê-los, sobretudo
havendo tendências pouco religiosas. A magia perdurará por proporcionar
soluções para as necessidades materiais e espirituais insatisfeitas de outras
formas (Eleta, 1997).
A superstiçãoé a crença na integração da existência individual na ordem
cósmica, mas que não se baseia em evidências empíricas, nem se incorpora em
sistemas religiosos (Jarvis, 1980). Supõe confiança irracional no destino e/ou
na influência de forças sobrenaturais, de espíritos ou de astros, decompondo-se
em: presságios, tabus, feitiços e objetos.
A crença no destino, na impotência para alterar o rumo da sua vida, torna o
homem refém de presságios ou de tabus. Presságios, como cruzar com gatos pretos
na rua ou partir espelhos, e tabus, como passar por debaixo de escadas ou abrir
guarda- chuvas dentro de casa, são sinais de má sorte futura. Utilizando
feitiços (bruxaria, macumba, vudu, etc.) ou objetos (trevo de quatro folhas,
ferradura, pé de coelho, etc.) de eficácia mágica a má sorte pode ser
esconjurada.
Para conhecer o seu destino mais ou menos alargado, o homem socorre-se de
rituais como a leitura de horóscopo, a interpretação de cartas (tarot) ou
outras formas de vidência astrológica. Os rituais também podem ser usados para
tornar favoráveis as forças sobrenaturais ou espíritos, pela organização dos
espaços e dos seus componentes (feng shui) ou pela comunicação com espíritos
dos mortos através de médiuns (espiritismo).
O sagrado pode estar presente no mundo sobrenatural como no natural, sendo
adorado por indivíduos ou por grupos sociais (Evans, 2003). O sagrado civil,
venerado por grupos sociais, encontra-se no mundo natural, o religioso existe
no mundo sobrenatural. A estes dois tipos associam-se, respetivamente, as
religiões civis ou seculares e as religiões tradicionais, que se relacionam com
duas formas diferentes de encarar as ideologias: a religião como forma
particular de ideologia ou a ideologia como género específico de religião.
As ideologiassão sistemas de ideias, de doutrinas ou de visões do mundo. Podem
ser instrumento de domínio ou de mudança. Em ambas, a esperança permanece como
signo distintivo: numa vida melhor além da morte, nas ideologias de domínio;
numa vida melhor aquém da morte, nas ideologias de mudança. Embora as religiões
tradicionais considerem a vida terrena essencial, focalizam-se numa outra vida,
particularmente as monoteístas. Ao comportarem visões do mundo, são
consideradas também ideologias.
Quem vê na religião uma forma de ideologia, pode ver neste instrumento de
dominação de uma classe em relação a outra. As religiões tradicionais,
sobretudo o Cristianismo, são ferramentas de poder. Marx e Engels (1976)
consideravam a produção intelectual dependente da produção material. As ideias
principais de uma época, nomeadamente as religiosas, seriam pertença da classe
dominante, meio de explorar a classe dominada.
Quem vê na ideologia tipo de religião, vê nas ideologias patriotismo,
comunismo, nacionalismo, entre outras, religiões civis ou seculares. Estas
religiões oferecem visões do mundo particulares, viradas para a ação, com o
carisma associado aos seus líderes. Querem sempre mudar o mundo, concorrendo
com as religiões tradicionais, esboroando o seu domínio. Bellah (1973) defendia
a existência de uma religião civil americana, com os seus profetas e mártires,
os seus eventos e lugares sagrados, os seus rituais e símbolos solenes.
As definições funcionaisda religião também se dispersam por vários autores. A
função normativadestaca-se como sendo amiúde referida (Hume, 1975; Simmel,
1998; Weber, 2006; Wach, 1971; Davis, 1949; Parsons, 1957; Radcliffe-Brown,
1968; Bellah, 1957; Neundorfer, 1960; Firth, 1961; O'Dea, 1966; Wilson, 1966;
Berger, 1990; Martin, 1995; Voyé, 1999; Cipriani, 2004). A geração de valores
indutores de normas, atitudes e comportamentos inere, claramente, na religião.
Hume considerava que a religião tem como função regular o coração dos homens,
humanizar a sua conduta, infundir o espírito de temperança, ordem e obediência
(Hume, 1975: 88). Para Parsons, a religião proporciona critérios para
avaliação dos padrões morais reguladores da conduta humana (Parsons, 1957:
381). Em Cipriani, a religião é basicamente um agente para difundir valores.
(Cipriani, 2004: 304).
Estreitamente relacionada com a anterior encontra-se a função coesiva,
igualmente assaz mencionada (Simmel, 1998; Durkheim, 2001; Malinowski, 1955;
Freud, 2008; Wach, 1971; Davis, 1949; Radcliffe-Brown, 1968; Caillois, 2001;
Firth, 1961; O'Dea, 1966; Wilson, 1966; Berger, 1990; Bellah, 1973; Beckford,
1989; Campiche, 1993; Luhmann, 2007). Como argumentava Malinowski (1955), as
crenças e as práticas sacralizam as tradições, permitindo que a sociedade seja
mais poderosa, permanente e coesa. Em O'Dea (1966), a religião sacraliza as
normas e os valores sociais, fazendo prevalecer os objetivos da sociedade, em
detrimento dos desejos individuais.
A função tranquilizantetambém é bastante aludida (Marx, 1976; James, 1952;
Simmel, 1998; Davis, 1949; Parsons, 1957; Yinger, 1957; Firth, 1961; Evans-
Pritchard, 1965; O'Dea, 1966; Fernandes, 1990; Campiche, 1993; Spiro, 1996;
Luhmann, 2007; Voyé, 1999; Fernandes, 2001). Em Simmel, crer é um calmante nos
fluxos e refluxos da alma (Simmel, 1998: 48); já em Evans-Pritchard, a
religião é uma garantia e uma segurança contra o medo. (Evans-Pritchard,
1965: 84). Para Spiro (1996), todas as religiões ajudam a lidar com o
sofrimento, dando-lhe explicação e fornecendo técnicas para o evitar ou
diminuir.
A função estimulanteé menos referida (Durkheim, 2001; Malinowski, 1955; Firth,
1961; Evans-Pritchard, 1965; Fernandes, 2001). Refira-se Durkheim, para quem o
homem religioso sente mais força em si, tanto para lidar com as dificuldades
da existência como para as derrotar. (Durkheim, 2001: 311). Acrescente-se
Fernandes, ao considerar que o sistema religioso sempre serviu de apoio para
os combates da existência e de suplemento de alma' para a vida (Fernandes,
2001: 1; Fernandes, 1990: 98).
A função significantetambém se apresenta (Weber, 2006; Parsons, 1957; Firth,
1961; Luckmann, 1970; Steeman, 1977; Fernandes, 1990; Luhmann, 2007; Fernandes,
2001; Margry, 2008). Luhmann, por exemplo, salienta como uma das funções da
religião responder de maneira plausível às perguntas sobre o sentido
(Luhmann, 2007: 105). Minnema (1998) considera em Luhmann a religião como
sistema de sentido, tendo como função transformar o indefinível em definível.
Para Luckmann (1970), a visão do mundo, forma social elementar de religião,
oferece uma matriz de sentido às várias gerações.
As funções experiencial(Davis, 1949; Firth, 1961; O'Dea, 1966), maturativa
(Evans-Pritchard, 1965; O'Dea, 1966; Margry, 2008), identitária(O'Dea, 1966;
Steeman, 1977; Campiche, 1993; Voyé, 1999) e redentora(Weber, 2006; Wilson,
1989) são igualmente mencionadas. Veja-se O'Dea (1966: 14), onde a religião
oferece uma relação transcendental através do culto. Margry (2008) destaca
como a religião permite o acesso a poderes transformativos que podem
influenciar a condição existencial humana. Em Steeman, a religião dá uma
identidade ao homem, um lugar no universo (Steeman, 1977: 317). Já Wilson
(1989) concede à religião a função explícita e manifesta de oferecer aos homens
a perspetiva de salvação.
Após percorrer várias definições de religião, pertencentes a disciplinas,
correntes e épocas diferentes, torna-se evidente a síntese das mesmas,
pressupondo-se a relevância dos contributos escolhidos. A pertença ocidental
dos autores viabiliza proposições focalizadas no cristianismo. Porém,
principalmente os antropólogos e os historiadores, pela sua experiência e
estudo sobre outras religiões, equilibram esta visão mais etnocêntrica. Os
próprios fundadores da sociologia, Weber e Durkheim, exemplificam análises
alargadas.
O objetivo da síntese passa pela definição de religião como instrumento de
discussão subsequente teórica e empírica, apesar do conjunto diverso de
enunciados possibilitar construções mais ampliadas. Sendo o catolicismo
utilizado no trabalho empírico e o mundo ocidental no referente teórico,
importa definir assente nestas premissas. No entanto, a proposição ora
apresentada poderia adaptar-se a qualquer religião tradicional. Interessava
aqui tão-somente distingui-la das atuais religiosidades ou espiritualidades.
Embora apareça também a definição funcional, privilegia-se a parte substantiva,
pois com ela se pode medir o avanço da secularização. Olhando apenas para a
primeira, valoriza-se o regresso do sagrado, na sua forma sincrética ou
heteróclita, pois a sua metamorfose implica a sua permanência. Na substância a
religião pode mudar, mas na função mantém-se. A definição proposta conjuga
todos os bons contributos dos autores selecionados, referindo aquilo que
descreve as religiões tradicionais, nomeadamente o catolicismo. Relativamente
às proposições analisadas, pretende diferenciar-se pela conjugação da
simplicidade com a extensão das componentes utilizadas: Em termos substantivos,
a religião é um sistema composto por descrições do sagrado, respostas ao
sentido do mundo e da vida (crenças), meios, sinais, experiências de ligação a
esse sagrado (práticas), orientações normativas do comportamento (valores) e
atores coletivos com regras e recursos próprios (coletividades).
Em termos funcionais, a religião permite regular e justificar a conduta
individual (normativa), providenciar coesão social (coesiva), consolar e
aliviar (tranquilizante), fortificar a vontade (estimulante), dar sentido à
vida (significante), possibilitar a experiência do sagrado (experiencial),
crescer e amadurecer (maturativa), proporcionar identidade (identitária) e
ministrar salvação (redentora).
Conclusão
O sagrado, por ser o objeto da religião, é o primeiro aspeto a ser definido.
Assumido na sua forma tradicional e ocidental, poderá consistir na própria
realidade transcendente ou nas suas manifestações. Adotou-se, aqui, a primeira
perspetiva.
No seguimento são abordadas as componentes do sistema religioso. As crenças
resumem-se, habitualmente, a definições sobre o sagrado e à relação deste com o
homem. As práticas são meios de comunicação do homem com o sagrado. Os símbolos
compreendem aspetos evocativos das crenças, como objetos. As visões do mundo
correspondem às interpretações do mundo e ao seu sentido. Os valores são
sistemas de preferências que modelam o comportamento. As experiências são as
relações pessoais com o sagrado.
A relação do homem com o sagrado poderá ser dupla: religiosa, guiada somente
pelas regras institucionais; espiritual, conduzida pelo sujeito. A
espiritualidade, conceito amplamente utilizado na nossa modernidade, poderá ter
alguma ambiguidade. Considera-se, aqui, que a espiritualidade poderá ser
subjetiva ou objetiva. Na primeira, o sujeito é o princípio e o fim da demanda.
Na segunda, o sujeito ruma a algo transcendente.
Ligadas de alguma forma à espiritualidade e ao sagrado, são referidas a magia,
manipulação de forças sobrenaturais para obtenção de benefícios, e a
superstição, crença na integração da existência individual na ordem cósmica. A
opacidade de partes do nosso mundo, que nem a ciência iluminou totalmente,
torna a sua pertinência permanente.
O sagrado poderá também estar presente no mundo natural, do qual derivam
algumas ideologias. As religiões seculares encontram-se como ideologias de
mudança, com esperança num mundo melhor e salvação aquém da morte. Este sagrado
emana do nosso mundo, de narrativas criadas pelo homem sem intervenção divina.
Por último, define-se a religião de forma funcional. As suas funções poderão
ser várias: normativa, coesiva, tranquilizante, estimulante, significante,
experiencial, maturativa, identitária e redentora.