Principais estádios evolutivos da sociologia em Portugal
Introdução
A sociologia é um domínio científico que já se encontra amplamente instituído
na sociedade portuguesa, apesar de diversas/os autoras/es a perspetivarem como
uma ciência do passado recente de Portugal. Aliás, Madureira Pinto (2004: 11)
diz mesmo que é, praticamente, um lugar comum afirmar-se que a sociologia
portuguesa só começou verdadeiramente após a revolução de abril de 1974. No
entanto, apesar de ter sido nas últimas quatro décadas que se constituiu uma
verdadeira comunidade técnico-científica dedicada ao estudo e explicação
sociológica da sociedade portuguesa, muitos acontecimentos marcantes no passado
mais longínquo devem ser registados, na medida em que sem a sua existência o
contexto contemporâneo dificilmente assumiria os mesmos contornos.
A implantação da democracia não incentivou a instituição da sociologia,
incentivou a instituição de todo um novo social. Começou a ser pensada uma nova
forma de estruturar e operacionalizar a sociedade, circunstância que criou
condições para que toda uma panóplia de modos de agir e pensar que estavam
reprimidos pudesse emergir. As mudanças na sociedade portuguesa, especialmente
a partir da década de 70, trouxeram novas/os sociólogas/os e novos olhares
porque o próprio social também mudou. O modelo social passou a permitir que a
sociologia existisse e se pudesse sistematizar. Por isso é que Madureira Pinto
(2004: 16) referia que a revolução de abril acelerou o regresso a Portugal de
um conjunto vasto de intelectuais, entre os quais bastantes sociólogos. Ou
seja, não foi só a sociologia que mudou com a revolução de 1974, a sociedade
como um todo começou a mudar. Naturalmente que em áreas científicas como a
sociologia se sentiu mais, até porque existe uma diferença significativa entre
poder ser e fazer sociologia e não poder ser e fazer sociologia.
A expansão da sociologia acabou por se ficar a dever às próprias transformações
sociais verificadas no país, mas o aumento da compreensão social sobre a
sociedade portuguesa também se ficou, em parte, a dever à evolução que a
sociologia registou, seja em termos profissionais, seja em termos académicos.
Caracterizar estes processos, configurando-os como fatores definidores de
contextos evolutivos diferenciados da sociologia portuguesa, acaba por ser o
principal intuito do presente texto. No ponto 2 tentar-se-á enunciar a opção
pela caracterização da evolução da sociologia em Portugal a partir da proposta
dos estádios evolutivos, em particular a opção pela proposta dos cinco grandes
estádios evolutivos. No ponto 3 procurar-se-á colocar em evidência o conjunto
de características que especificam e diferenciam cada um dos períodos
sinalizados. Para concluir, efetuar-se-á um breve balanço sobre os elementos
explorados, procurando-se vincar virtudes e janelas de oportunidade para o
futuro.
1. A proposta dos estádios evolutivos
A instauração da democracia no país permitiu um verdadeiro desenvolvimento da
análise e da comunidade sociológica. Muitas/os aspirantes a sociólogas/os
passaram a poder aceder à formação necessária para ter o estatuto e a prática,
seja em Portugal, seja no estrangeiro. Foi um avanço importante, mas que deve
ser contextualizado historicamente. A sociologia surgiu muitas décadas antes da
revolução de abril. Se se analisar, por exemplo, os trabalhos de Falcão Machado
(1962), Braga da Cruz (1982), Sedas Nunes (1988 e 2000), Firmino da Costa
(1988), Teixeira Fernandes (1996), Machado (1996), Hespanha (1996), Nunes de
Almeida (1999 e 2004), Madureira Pinto (2004) e Ferreira (2006) percebe-se com
facilidade que a evolução da sociologia portuguesa não foi um processo linear,
além de se terem registados avanços e recursos, períodos de maior
desenvolvimento e de maior estagnação, verifica-se a existência de diferentes
estádios evolutivos. Contudo, a enunciação desses períodos não é totalmente
coincidente.
A análise da posição das/os diferentes autoras/es ajuda a compreender os pontos
de consenso e a constituir uma proposta de percurso evolutivo. Acredita-se que
a sociologia portuguesa considera cinco grandes estádios evolutivos. O primeiro
período decorreu entre a década de 1870 e meados da década de 1920. O segundo
período entre o final da década 1920 e o início da década de 1950. O terceiro
período entre meados da década de 1950 e o início da década 1970. O quarto
período entre o ano de 1974 e o final da década de 1980. O quinto período teve
início na década de 1990 e ainda se encontra em vigor na atualidade.
Esta estruturação surge após se ter percorrido os diferentes roteiros de
caracterização histórica e respetivos elementos de fundamentação. Um ponto
comum a todas as análises é o 25 abril de 1974, que surge conotado como o
principal momento de rutura. Por exemplo, Madureira Pinto (2004) e Nunes de
Almeida (2004) referem que a sociologia portuguesa começou verdadeiramente com
essa revolução, apesar de se poder identificar, anteriormente, um conjunto
marcante de acontecimentos e épocas. Esse conjunto de contextos prévios é
importante porque revela precisamente compassos evolutivos diferenciados. Mas
nem todos os roteiros históricos o segmentaram. Por exemplo, em 1988, Firmino
da Costa distinguia três etapas: período dos pioneiros até 1974, período de
institucionalização do ensino e da investigação científica até meados da década
de 1980 e um período de constituição dos sociólogos em grupo profissional a
partir de final da década de 1980. Como se pode verificar, o autor congregou o
período prévio a 1974 num grande estádio evolutivo, segmentado o período pós 25
de abril. Teixeira Fernandes (1996) fez precisamente o oposto, segmentou o
período prévio a 1974 em duas grandes fases e configurou o pós 25 de abril como
a época de institucionalização da sociologia. Para o autor, a sociologia
portuguesa comportou três grandes fases evolutivas, sendo que a primeira época
prolongou-se entre as últimas décadas do século XIX e o final da primeira
metade do século XX. A segunda época começou a partir da década de 1950, na
medida em que a situação da sociologia começou a alterar-se fruto do próprio
esforço mais abrangente de promoção das ciências sociais em Portugal. Esta
segunda época terminou com a revolução de 1974, começando a ser constituído um
novo contexto social, extensivo à própria sociologia. Nessa terceira fase,
verificou-se uma institucionalização da sociologia, enquanto disciplina
autónoma que adquiriu contornos de uma verdadeira profissão e entrou em pleno
nas universidades (1996: 17).
Teixeira Fernandes não foi o único a identificar clivagens relevantes no
período pré abril de 1974, autores como Braga da Cruz, Sedas Nunes e Madureira
Pinto também sustentam esse cenário. Todos sinalizam que as décadas de 1950 e
1960 foram pontos de viragem face ao que se verificara até à data, criando as
bases para o que se viria a suceder no pós 25 de abril. Madureira Pinto referia
que a progressiva abertura da economia ao exterior, o surto emigratório da
década de 1960 e a crescente modernização do país (industrialização,
urbanização, escolarização, etc.) foram criando condições globalmente
favoráveis ao desenvolvimento de um pensamento sistemático e academicamente
enquadrado sobre o social (2004: 14). No entanto, era um período que tinha de
ser, necessariamente, diferenciado do que viria a suceder depois de 1974, até
porque, como refere Nunes de Almeida (2004: 22), assistiu-se, na década de
1960, a um despertar de uma primeira geração informal de sociólogos', mas a
institucionalização da sociologia como disciplina académica, ciência ou
profissão apenas aconteceu a partir de 1974.
As décadas de 1950 e 1960 assumiram relevância por formarem um período de
transição e, simultaneamente, de estabelecimento de alicerces. Distinguiram-se
relativamente às décadas posteriores, mas também face às anteriores. Enquanto
Teixeira Fernandes (1996) não sinalizou nenhuma rutura entre o final do século
XIX e a primeira metade do século XX, Braga da Cruz (1982) e Madureira Pinto
(2004) fazem-no. Braga da Cruz refere que a implantação da República em 1910
rompeu com o que vinha acontecendo com a sociologia desde o final do século
XIX, já Madureira Pinto indica que essa clivagem apenas aconteceu com o golpe
militar de 1926 e a instauração da ditadura do Estado Novo. Para este autor, a
história do campo intelectual português sofreu uma rutura decisiva com o golpe
militar de 1926, na medida em que depois durante quase cinco décadas de regime
ditatorial, toda a reflexão de tipo sociológico passou a ser encarada, pelo
aparelho ideológico-repressivo instalado, como atividade potencialmente
contrária à segurança do estado, devendo por isso ser vigiada, censurada e
reprimida (2004: 14). Esta situação não se sucedeu quando a sociologia começou
a ser falada e considerada em Portugal, chegando mesmo a obter, no início do
século XX alguma consagração institucional no mundo académico, entrando em
1901 no plano de estudos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
(idem: 11). No entanto, com a implantação do Estado Novo o cenário mudou, pelas
razões já indicadas.
Esta contraposição de perspetivas ajudaram a explicar e a fundamentar as opções
que se efetuou quando se indicou que se defendia que no período pré abril de
1974 se podiam vislumbrar três grandes estádios evolutivos da sociologia
portuguesa. No período pós abril de 1974 também se podiam evidenciar períodos
evolutivos perfeitamente diferenciáveis. Tem-se uma visão próxima da
apresentada por Firmino da Costa (1988) e por Nunes de Almeida (2004). Até ao
final de década de 1980, verificou- se uma institucionalização do ensino de
base da sociologia e da investigação científica, mas as décadas de 1990 e de
2000 acabaram por ter registos diferentes dos verificados nas décadas de 1970 e
1980. Uma coisa permaneceu sempre, o crescimento progressivo da sociologia,
encontrando-se, atualmente, totalmente implantada na realidade educativa e
profissional portuguesa.
A década de 1990 fica significativamente marcada como a era em que a área das
ciências sociais passou a ter uma indiscutível visibilidade pública em
Portugal (Almeida, 2004: 25). No entender de Nunes de Almeida (2004), este
contexto coincidiu politicamente com o consulado de Mariano Gago à frente do
recém-criado Ministério da Ciência e Tecnologia (idem). A investigação
científica, em geral, e a investigação nos domínios das ciências sociais, mais
em particular, passou a ter outro tipo de valorização política e de projeção
social. Foi uma condição necessária para que houvesse uma expansão da oferta de
formação sociológica de pós-graduação, uma proliferação do ensino de base da
sociologia ao setor privado e, principalmente, uma penetração extensiva das/os
sociólogas/os no mercado de trabalho não académico e não público.
Circunstâncias que não ocorreram nas décadas de 1970 e 1980, apesar de ter sido
a institucionalização realizada durante essas décadas que permitiu que
acontecesse o que se indicou.
Foi com base nestes pressupostos que se elaborou a proposta de compreensão da
evolução da sociologia em Portugal à luz de cinco grandes estádios evolutivos.
De seguida, vai-se caraterizar com mais detalhe os principais acontecimentos
registados em cada um dos períodos.
2. Grandes estádios evolutivos da sociologia em Portugal
Acredita-se que a sociologia portuguesa, enquanto campo disciplinar, comportou
transformações significativas ao longo do tempo, em parte fruto das próprias
circunstâncias sociais. Ao se efetuar uma análise retrospetiva da sua evolução
encontra- se diferentes compassos e registos de desenvolvimento. Defende-se a
existência de cinco grandes estádios evolutivos. Na Figura_1 representa-se
esses cinco períodos, os quais serão caracterizados nos próximos parágrafos.
O primeiro estádio evolutivo da sociologia portuguesa ocorreu entre a década de
1870 e meados da década de 1920, reportando-se, essencialmente, ao
reconhecimento da existência da área e à sua inclusão nos quadrantes de análise
e produção de conhecimento. Tal como referia Falcão Machado (1962: 2), apesar
de ser difícil datar a entrada das ideias sociológicas em Portugal, já não o
seria se fossem procurados os veículos precursores do seu aparecimento. O autor
referia, desde logo, o interesse que o movimento operário tinha por assuntos
sociais e que se refletia em várias camadas da sociedade portuguesa,
nomeadamente a intelectual (idem). Também vincava o papel de Teófilo Braga na
produção dos primeiros trabalhos de natureza sociológica. No ano de 1878,
Teófilo Braga, conjuntamente com Júlio de Matos, fundou a revista O
Positivismo, através da qual entraram as primeiras doutrinas sociológicas em
Portugal. Teixeira Fernandes (1996: 11) refere mesmo que foi pela pena de
Teófilo Braga que a sociologia surgiu em Portugal, mas como este autor tinha
fortes influências dos trabalhos de Comte, Spencer, Stuart Mill e Letourneau, a
sociologia foi introduzida com um grau de aproximação ao positivismo (idem).
A filosofia positivista e a visão determinística da compreensão da realidade
social predominaram neste período (Cruz, 1982; Fernandes, 1996), mas que
acabava por estar consonante com o timbre da explicação científica no século
XIX e inícios do século XX (Fernandes, 1996: 13). Em 1884, Teófilo Braga
publicou o primeiro tratado de sociologia português (Systema de Sociologia),
onde, de um modo geral, os pontos de vista do positivismo organicista e
evolucionista eram as referências fundamentais (Pinto, 2004: 11). Nesse
período, a análise sociológica assumia uma feição essencialmente doutrinal e
ideológica, frequentemente polémica, em detrimento da produção do conhecimento
científico (Fernandes, 1996: 14). Procurava mais a mudança do que a
cientificidade, revelando-se alheia às questões epistemológicas e
metodológicas (idem). Mas apesar dessa matriz ideológica e conceptual não
gerar consensos, a sociologia não deixou de entrar nos currículos académicos. A
Universidade de Coimbra, mais em concreto a Faculdade de Direito, foi o palco
dessa entrada (Machado, 1962; Cruz, 1982; Pinto, 2004). Avelino Calisto, em
1881, ascendeu à cátedra na Faculdade de Direito e renovou o ensino sob a
influência das novas doutrinas e ideias sociológicas (Machado, 1962: 2). Muito
mais influenciado pela sociologia foi Emídio Garcia (Machado, 1962; Cruz,
1982), adepto de Comte e de Littré defendia no programa da 4.ª Cadeira em 1885
que a política era um ramo da Sociologia. Já em 1880, um grupo de alunos seus
de Direito Administrativo publicara, sob a sua direção, uma série de
monografias com o título de Estudo Sociológico (Machado, 1962: 2).
Este conjunto de acontecimentos fez com que a faculdade elaborasse um parecer
sobre a inclusão de uma cadeira de Princípios Fundamentais de Sociologia e
Filosofia do Direito no plano curricular de Direito, apesar de só em 1889 é que
o parecer se efetivou e foi instituída a disciplina, sendo a regência entregue
a Avelino Calisto (idem). A unidade curricular foi lecionada até 1902, momento
em que a reforma educativa realizada a extinguiu. Em 1903, Meneses Cordeiro,
aluno de Avelino Calisto, publicou as lições do Mestre, com o título
Elementos de Sociologia fundamental e de Filosofia do Direito' ( idem: 3).
Nessa sebenta transpareciam as influências de Gabriel Tarde e De Greef, mas,
segundo Madureira Pinto (2004), os pioneiros da sociologia norte- americana
(Durkheim, Simmel, Tönnies, etc.) também foram referências teóricas importantes
nas disciplinas de direito que abordavam as questões sociológicas.
A contribuição de sociólogos estrangeiros suscitou um impulso importante na
promoção da sociologia nesse período. Acabou por ser um signo relevante,
especialmente se for considerado, primeiramente, o papel de Léon Poinsard e,
depois, o de Paul Descamps. Segundo Falcão Machado (1962: 3), Poinsard
conseguiu congregar em torno de si um conjunto relevante de colaboradores como,
por exemplo, Serras e Silva, o Conde de Sobral, o Cónego Frutuoso e Silveira
Lobo. Produziram diversas monografias, através das quais lhe foi possível
publicar, em 1912, a famosa obra Le Portugal Inconnu. Não só foi o primeiro
trabalho sociológico sobre Portugal, mas, também, como que um programa ou plano
de reformas sociais, que a mudança de regime não permitiu que se aproveitasse.
O entusiasmo pela sociologia estava bastante concentrado em torno da
Universidade de Coimbra, contudo foi em Lisboa, mais especificamente no
Instituto de Orientação Profissional Maria Luísa Barbosa de Carvalho, em 1925,
que a sociologia entrou pela segunda vez no ensino oficial. A regência foi
confiada a Vieira de Almeida (idem: 4). Mesmo com estes avanços, a primeira
fase de afirmação da sociologia em Portugal não deixou de estar marcada por uma
grande indiferenciação disciplinar, uma incapacidade de institucionalização
académica e por uma elevada permeabilidade às lutas político-ideológicas e às
dinâmicas dos diferentes movimentos sociais (Pinto, 2004). Esta situação ainda
se agudizou mais com a revolução de 1926 e a instituição do Estado Novo.
Firmino da Costa (2003: 16) referia que a análise sociológica da realidade
social portuguesa era incómoda para o regime ditatorial, daí que a sociologia
fosse, durante esse longo período, sistematicamente impedida de se
desenvolver. O mesmo aconteceu, aliás, com outras ciências sociais (idem). Por
isso, o período forte do Estado Novo configurou um contexto diferente para a
sociologia e para as pessoas que a procuravam desenvolver. Todavia, não deixou
de representar mais uma fase evolutiva, dotada de particularidades e
contributos para uma história que continuava a ser escrita.
Este segundo estádio teve como balizas temporais o final da década 1920 e o
início da década de 1950. Foi o período da repressão, mas também o período de
projeção da sociologia como mecanismo de desocultação da realidade social.
Aliás, a sua capacidade de caracterizar e desvendar as sociedades e os
fenómenos sociais que nelas existem, potenciando um maior conhecimento e
intervenção social, terá sido mesmo a razão pela qual foi reprimida. O país
estava submetido a um regime ditatorial que contrariava tanto o socialismo
como o liberalismo. A sociologia então praticada, sob a influência da situação
do tempo, era global, crítica e interventora' (Fernandes, 1996: 16). A
aproximação dos conceitos de sociologia e socialismo criava uma suspeição
amplamente difundida no antigo regime (Cruz, 1982; Fernandes, 1996), por isso é
que a tentavam banir.
As dificuldades das ciências sociais neste período eram significativas, mas não
impediam que áreas como a sociologia continuassem a existir. Apesar dos
constrangimentos, prevaleceram personalidades que continuaram a fazer
sociologia e a difundir os seus preceitos. Uma das pessoas que mais se destacou
durante a década de 1930 foi Paul Descamps, mais um representante da Escola de
Le Play que se vinha instituindo em Portugal desde o início do século XX (Cruz,
1982). Além de dar continuidade ao trabalho realizado por Poinsard e de
elaborar um estudo mais atualizado sobre Portugal, Descamps veio com o intuito
de expor a doutrina le playsianae o método da ciência social (idem).
Curiosamente, o sociólogo francês foi convidado pelo próprio governo para
efetuar estudos que fundamentassem, de certa forma, as opções políticas.
Apesar dos cuidados que rodearam a escolha do autor do estudo, os resultados
não parecem ter agradado ao regime (Hespanha, 1996: 5). Segundo Falcão Machado
(1962: 4), foi por sugestão do próprio Oliveira Salazar (iniciava a sua
carreira política na altura) que Descamps inaugurou um curso de Sociologia na
Faculdade de Direito de Coimbra, no ano letivo de 1930-31. No ano seguinte, o
curso repetia-se na Faculdade de Direito de Lisboa (idem). Além da exposição
às teorias e métodos, Descamps iniciou os seus alunos-colaboradores no método
de observação dos fenómenos sociais, na pesquisa e no inquérito (idem: 5), por
isso é que Falcão Machado defendia que deveria ser considerado o iniciador do
período científico da sociologia em Portugal (idem).
Em 1939 e em 1940, a sociologia integrou mais dois planos curriculares no
ensino superior, bem como chegou a algumas escolas elementares. Com o apoio de
Carneiro Pacheco, Ministro da Educação Nacional à data, foi criado em 1939 o
Instituto de Serviço Social, destinado à formação de assistentes sociais, no
qual figurava uma disciplina de sociologia (idem: 5). A unidade curricular teve
diversos regentes, entre os quais Paiva Boléo, que já em 1937 tinha publicado
um trabalho sobre O valor médico-pedagógico dos inquéritos sociais (idem). Em
1940, surgia a Escola Técnica de Enfermagem, no Instituto Português de
Oncologia, cujo curso integrava uma disciplina de sociologia.
Todos estes trabalhos e iniciativas acabaram por não ter a capacidade de
sistematizar o conhecimento sociológico em Portugal, apenas assumiam um
carácter simbólico e demonstrativo que a sociologia também sobreviveu ao Estado
Novo. Apesar de refletirem esforços relevantes não constituíam elementos
capazes de agregar a produção sociológica e de estabelecer uma base de
sistematização e de difusão alargada dos seus desígnios e produtos. Essa
situação começou a alterar-se no decurso da década de 1950, com a delineação de
um projeto e uma linha de ação com capacidade de funcionar como base agregadora
das ciências sociais, em geral, e da sociologia, em particular. Para Karin Wall
(1993: 1001), os anos de 60 ficaram marcados pela criação de espaços
institucionais de investigação não diretamente ligados aos fins pragmáticos da
administração pública e pelo princípio de um esforço sistemático de reflexão
científica. Por isso, é que se referiu que o período que mediou a segunda
metade da década de 1950 e o início da década 1970 representava um estádio
evolutivo diferente dos registados até então.
Esse novo período ficou conotado pela definição dos alicerces institucionais da
primeira plataforma agregadora e sistematizadora do ensino, investigação e
debate do conhecimento sociológico. Esse projeto e linha de ação começaram a
ser estruturados com a criação do Gabinete de Investigações Sociais (GIS) por
parte de um conjunto de investigadores oriundos do Centro de Estudos
Corporativos. O gabinete foi criado em 1962 no âmbito do Instituto Superior de
Ciências Económicas e Financeiras (Nunes, 1988). Inicialmente, era constituído
por um grupo de economistas com ligações ao movimento católico, mas,
progressivamente, foi incluindo outras formações (Pinto, 2004). No ano
seguinte, sob a liderança de Sedas Nunes, o gabinete lançou a revista Análise
Social. Esta publicação, conjuntamente com o trabalho do GIS, abriram um
espaço novo no campo intelectual português (Nunes, 2000: 350), bem como
expuseram situações e problemas que afetavam a maioria da população, mais
especialmente as classes sociais de menores recursos (idem: 354), e ecoaram as
crescentes aspirações coletivas ao desenvolvimento económico, social e
cultural (idem).
O aparecimento de uma figura proeminente como Sedas Nunes acabou por se
converter num eixo fulcral dessa primeira plataforma de sistematização da
investigação e publicação do trabalho sociológico. O elemento referencial que
no passado não existiu, surgiu na década de 1960 pela pessoa de Sedas Nunes.
Com a constituição, em 1966, do Grupo de Bolseiros de Sociologia da Fundação
Gulbenkian junto do GIS (Nunes, 1988; Ferreira, 2006), começou a formar-se o
que Sedas Nunes designou por 2º GIS. Esta iniciativa criou condições, mas não
foi o produto, até porque os membros do Grupo de Bolseiros não se reconheciam
membros do GIS nem queriam ter nada a ver com o GIS (Nunes, 2000: 384). O
elemento fulcral foi o recrutamento de um conjunto de técnicos superiores para
trabalhar no GIS, pagos pelo Instituto Nacional de Investigação Industrial,
pelo Fundo de Desenvolvimento da Mão de Obra e pelo Secretariado Técnico da
Presidência do Conselho (idem). Este apoio estatal permitiu reunir um grupo de
jovens licenciados interessados em dedicar-se profissionalmente às ciências
sociais, cuja pós-graduação e reconversão em sociólogos foi, a partir de 1969,
objetivo prioritário do GIS ( idem: 386).
Estes elementos foram fundamentais, mas não únicos. Esta primeira plataforma
apenas se completou com o lançamento, em 1964, da primeira licenciatura em
sociologia no Instituto Superior Económico e Social (Almeida, 2004; Hespanha,
1996). Esta instituição particular de ensino e investigação de Évora também foi
responsável pelo lançamento e manutenção da segunda mais antiga publicação de
natureza sociológica em Portugal, a revista Economia e Sociologia (foi lançada
em 1965 com a designação de Estudos Eborenses, mas a partir da edição n.º 4
assumiu a designação indicada). Não foi uma publicação eminentemente
sociológica, tal como a Análise Social nunca o foi, mas surgiu e manteve-se
como um espaço para discussão e disseminação da sociologia em Portugal.
Com a conjugação de todos estes elementos foi possível, pela primeira vez em
quase cem anos, estruturar e sedimentar institucionalmente a sociologia. A
criação do GIS simbolizou o despertar de uma geração informal de sociólogos
(Almeida, 2004; Pinto, 2004), mas que implicou uma reconversão académico-
profissional da quase totalidade dos membros desta primeira comunidade informal
de sociólogos portugueses: uns tinham formação de base em letras, outros
provinham da economia ou do direito e alguns eram engenheiros (Pinto, 2004:
16). Aliás, esta foi uma característica central da sociologia portuguesa, ter
sido instituída por personalidades que tinham conhecimento e interesse pela
sociologia, mas que não tinham competências formalmente reconhecidas para o seu
exercício.
A reconversão académica e o aparecimento de um novo conjunto de
individualidades conduziram a uma mudança da matriz inicial do GIS (Nunes,
2000; Ferreira, 2006). A regeneração começou a evidenciar-se com maior
veemência na entrada da década de 1970, o que, por si só, já podia ser
sintomática de uma rutura de paradigma, mas com o 25 de abril de 1974 pôde ser
ainda mais potenciada. A revolução de 1974 representou a clivagem definitiva no
processo de institucionalização da sociologia em Portugal. Primeiramente com a
abertura do regime subsequente à morte política de Salazar, a que veio a
corresponder uma intensificação dos movimentos de contestação nas
universidades (Pinto, 2004: 15), e, posteriormente, com a instauração da
democracia no país, surgiu, finalmente, a oportunidade de criação de espaços de
ensino, investigação e publicação sistemática de sociologia.
Segundo Karin Wall (1993: 1002), o movimento de 25 de abril de 1974 traduziu-
se por uma eclosão de iniciativas sociais, económicas, políticas e culturais
que abriram novas perspetivas às ciências sociais. Os pólos de investigação e
de ensino já criados puderam desenvolver-se e apareceram novos centros
universitários. Estas condições de trabalho profissional em sociologia
permitiram a diversificação e o aprofundamento progressivo das temáticas, dos
paradigmas e das metodologias.
Este período representa o quarto grande estádio evolutivo da sociologia
portuguesa e decorreu entre 1974 e o final da década de 1980. Em cerca de 15
anos foram criadas sete licenciaturas em sociologia e surgiram três
organizações representativas dos profissionais da área, daí que se considere o
período como a fase da institucionalização do ensino de base da sociologia em
Portugal e do lançamento de uma nova classe profissional, a das/os sociólogas/
os. No que se refere ao ensino de base, a primeira das sete licenciaturas
mencionadas foi logo criada em 1974, no Instituto Superior de Ciências do
Trabalho e da Empresa (ISCTE), decorrente da reconversão da licenciatura em
Ciências do Trabalho (Nunes, 2000). Em 1979, surgiram mais duas, na
Universidade de Évora (por integração do Instituto Superior Económico e Social)
e na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
(FCSH- UNL). As restantes foram criadas na segunda metade da década de 1980,
mais precisamente em 1986 na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, em
1988 na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e no Instituto
Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP)2 e em 1989 na Universidade do
Minho3. No ano de 1983 também surgiram os dois primeiros mestrados em
sociologia, disponibilizados pela FCSH-UNL e pelo ISCSP (Machado, 1996).
Esta autonomização da sociologia como licenciatura também se ficou a dever,
segundo Teixeira Fernandes (1996: 18), ao aparecimento, no pós 25 de abril, de
diversas personalidades com os seus doutoramentos concluídos, principalmente
em universidade estrangeiras, nomeadamente em França, Bélgica, Itália,
Inglaterra e Estados Unidos, e prontas para assumirem funções de docência e
investigação nas universidades portuguesas. Conjuntamente com o grupo de
pessoas que começaram a sair formadas das universidades foi-se constituindo um
núcleo substantivo de profissionais a exercer ou prontos a exercer sociologia.
Foi um efeito que já se começou a sentir na segunda metade da década 1980, mas
que obteve maior expressividade a partir da década de 1990. Como a maioria das
licenciaturas apenas foi criada na parte final da década de 1980, o grande
boomde sociólogas/os disponíveis para o mercado de trabalho sentiu-se durante a
década de 1990.
A criação da Associação Portuguesa de Sociologia (APS) (1985), da Associação
Portuguesa de Profissionais em Sociologia Industrial, das Organizações e do
Trabalho (APSIOT) (1985) e da Associação Profissional dos Sociólogos
Portugueses (1986) são exemplos representativos da substancialidade que a
classe profissional começou a ter. No entanto, com o avolumar do número de
sociológas/os, o problema das saídas profissionais ganhou relevo. Já em 1984
tinha sido realizado o 1º Encontro Nacional de Profissionais em Sociologia
Industrial, das Organizações e do Trabalho, reunindo alunas/os finalistas da
licenciatura do ISCTE e da FCSH-UNL para discutir o problema (Machado, 1996). A
criação das associações referidas também resultou, de certa forma, dessa
necessidade de pensar coletivamente o novo papel que a sociologia tinha na
sociedade portuguesa e o que o futuro lhe podia reservar. Machado (1996: 57)
refere que a Associação Profissional dos Sociólogos Portugueses teve um
importante papel de mobilização dos finalistas de sociologia para a discussão
do problema das saídas profissionais; no entanto, à medida que a APS se foi
afirmando como uma associação de todas/os as/os sociólogas/os, foi perdendo
relevo, esvaziando-se o seu intuito de existência.
O importante a reter é que no final da década 1980 fica a imagem que, além da
instituição do ensino de base, já tinham sido constituídos os primeiros grupos
extensivos de sociólogas/os formadas/os em Portugal e que se estava a
consolidar um organismo de representação profissional dos mesmos. Importa
também referir que durante a década de 1980 a investigação científica
sociológica também granjeou um impulso relevante, surgindo diversos núcleos de
investigação (exemplo: Centro de Estudos e Investigação de Sociologia no ISCTE
(1985), SociNova - Gabinete de Investigação em Sociologia Aplicada na FCSH-UNL
(1987), Instituto de Sociologia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto
(1989)). O próprio GIS foi sujeito a uma reestruturação, dando origem ao
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa em 1982. Para Ferreira
(2006: 35), esta foi a derradeira etapa da estratégia de Sedas Nunes para a
implementação académica da sociologia. Isto porque a criação desta unidade
orgânica consagrou e institucionalizou a legitimidade de uma carreira de
investigação no âmbito da sociologia (Almeida, 1999: 3), estando, assim,
criadas as condições formais para a entrada em cena de uma segunda geração de
sociólogos portugueses (idem).
No final da década de 1980, as bases académicas, em termos de ensino e
investigação, e as bases profissionais da sociologia portuguesa, em termos da
existência de um núcleo substantivo de sociólogas/os e de estruturas de
representação profissional, estavam instituídas. Os pilares que no passado não
existiam ou que não eram suficientemente fortes para aguentar com a arquitetura
desejada, à entrada da década final do século XX estavam estabelecidos e
contribuíram para que a sociologia se emancipasse enquanto ciência e profissão
nas décadas seguintes.
Analisando-se com mais detalhe a questão da profissionalização da sociologia,
regista-se que a APS foi assumindo progressivamente um papel de aproximação e
aglutinação das/os sociólogas/os portuguesas/es. Os dados disponíveis no Quadro
1 evidenciam essa situação. Em 1986 estavam registados 87 associadas/os,
enquanto em 2008 o número já ascendia a 2.173. Para Nunes de Almeida (2004), o
crescimento exponencial da APS ilustra, justamente, o vigoroso movimento de
institucionalização da sociologia portuguesa.
O papel aglutinador que foi assumindo em muito se ficou a dever à organização,
de quatro em quatro anos, do Congresso Português de Sociologia. A primeira
edição foi em 1988. No ano de 2012 realizou-se a sétima edição. O congresso foi
funcionando como o principal momento de encontro e de reflexão sobre a prática
sociológica portuguesa. A partir do segundo congresso, realizado em 1992, os
balanços críticos sobre a profissão ainda assumiram maior relevo, dado que
nesse encontro foi aprovado, em Assembleia Geral, o Código Deontológico das/os
Sociólogas/os Portuguesas/es.
A organização dos congressos também foi funcionando como uma espécie de
barómetro sobre a comunidade sociológica portuguesa, permitindo que se fosse
registando o volume e o tipo de trabalho que essa comunidade está a realizar.
Durante os primeiros congressos realizados, o número de participantes era
superior ao número de associados da APS (Quadro_2 vsQuadro_1), mas a partir do
quarto congresso essa tendência inverteu-se. O que se manteve sempre em
crescimento foi o número de comunicações apresentadas, contribuindo, também,
para evidenciar como a comunidade e a investigação sociológica aumentaram
significativamente nos últimos vinte anos. Além disso, evidencia que, de algum
modo, o perfil dos participantes também foi mudando, enquanto nas primeiras
edições a maioria das pessoas apenas eram espetadoras, nas edições de 2008 e
2012 grande parte das pessoas já assumiam o papel de conferencista. No último
congresso, foram aprovados 1373 trabalhos, sendo que apenas 688 acabaram por
ser efetivamente apresentados durante o evento (APS, 2012). Face aos dados
apresentados não se pode dizer que, em 2012, a maioria das/os participantes
tinha comunicação, isto porque existiam autoras/es com mais de um trabalho. No
entanto, não deixa de ser óbvio que o número de pessoas que apresenta trabalhos
no evento tem aumentado progressivamente.
A organização continuada deste evento também foi permitindo verificar que a
verdadeira era da profissionalização da sociologia ocorreu nas décadas de 1990
e 2000, não só pelo volume de pessoas já evidenciado, mas por considerarem um
crescimento progressivo da profissionalização não académica. Nos primeiros
momentos de institucionalização da sociologia, a profissão era exercida,
essencialmente, por personalidades ligadas ao mundo académico, nomeadamente
docentes e investigadoras/es. O cenário tem vindo a mudar. Os dados
sociográficos relativos às/aos associadas/os da APS evidenciam essa situação
(dados disponíveis no site da associação). Em 1988, os profissionais em
instituições de ensino superior e investigação (público e privado)
representavam 67% das/os associadas/os, em 1992 51%, em 1996 44%, em 2000 51% e
em 2004 47%. Por sua vez, os profissionais na administração e serviços públicos
passaram de 20%, em 1988, para 24% em 1992, 32% em 1996, 27% em 2000 e 32% em
2004. Os profissionais em empresas passaram de 2% em 1988, para 10% em 1992,
para 13% em 1996, 14% em 2000 e 13% em 20044. Apesar dos últimos dados
disponíveis serem de 2004, deixam transparecer uma tendência de penetração
extensiva das/os sociólogas/os no mercado de trabalho não académico. Esta é uma
característica marcante deste último estádio evolutivo.
Outro aspeto relevante é a expansão da oferta de formação sociológica de pós-
graduação e proliferação do ensino de base ao setor privado. Na década de 1990,
as iniciativas de abertura de licenciaturas em sociologia continuaram,
expandindo-se também ao setor privado de ensino superior. Durante a década de
2000 chegaram a coexistir 18 licenciaturas em sociologia num país com a
dimensão de Portugal. Porventura, algo que deveria fazer refletir os
responsáveis pelas organizações de ensino superior e pelas políticas de ensino
superior no país. No ano letivo de 2009/2010, pelo menos 14 licenciaturas ainda
se encontravam a acolher estudantes para iniciar o ciclo de estudos.
O processo de expansão da oferta de formação de base em sociologia começou a
reverter-se durante a década de 2000. Diversas instituições privadas deixaram
de lecionar a licenciatura, seja por a terem extinguido (exemplos: Universidade
Moderna, Universidade Católica, Universidade Independente), seja por não terem
alunas/os em número suficiente para arrancarem com o curso (exemplo: Instituto
Piaget). Em contraponto, verifica-se um aumento significativo da oferta de
segundo ciclo. O processo de Bolonha também veio contribuir para estas
reestruturações da oferta formativa. De qualquer modo, chegou-se a um ponto de
saturação da oferta de base em sociologia, ou seja, no passado não existiam em
número suficiente, na atualidade existem em demasiada, o que não deixa de ser
um marco distintivo deste período.
Os últimos marcos distintivos que importa mencionar estão relacionados com a
evolução da rede de investigação sociológica e da rede editorial de publicação
científica. Sejam de natureza exclusiva da sociologia ou agregadoras das
ciências sociais), quer o número de centros de investigação (subsequentemente o
número de projetos), quer o número de revistas científicas (subsequentemente o
número de trabalhos científicos publicados) aumentaram nas duas últimas
décadas. Os dados presentes no Quadro_3 deixam transparecer, de certa forma,
essa mesma ideia. Através da análise da evolução dos doutoramentos em
sociologia registados em Portugal, dos projetos de investigação aprovados para
financiamento e dos artigos de matriz sociológica publicados nos periódicos de
referência para a sociologia portuguesa consegue-se registar a forte evolução
que a investigação e a publicação periódica sociológica comportaram.
Para se obter os dados dispostos no Quadro_3 recorreu-se ao Registo Nacional de
Temas de Teses de Doutoramento em Sociologia (1975-2009) disponibilizado pelo
Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais
(GPEARI), à Listagem de Projetos de Investigação e Desenvolvimento na área da
sociologia financiados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) (1995-
2009) e às publicações científicas periódicas de relevo para a área da
sociologia em Portugal (1963-2009).
Na seleção dos periódicos foram tidas em conta as revistas gerais de sociologia
e as revistas nos domínios das ciências sociais, mas que se vinham constituindo
como uma referência para os domínios da sociologia (exemplo: Análise Social).
Como muitas/os das/os sociólogas/os do país publicam nessas mesmas revistas, a
sua inclusão era uma opção inevitável. Importa ressalvar que não foram
analisados os artigos publicados por sociólogas/os portuguesas/es em revistas
internacionais, será um campo a explorar noutras publicações.
Para se filtrar os textos da área da sociologia, os artigos foram classificados
relativamente ao domínio das ciências sociais em que se encontravam inseridos.
Para se efetuar essa classificação teve-se por base a formação académica das/os
autoras/es.
Quando nada era indicado a esse respeito, realizavam-se pesquisas cruzadas para
se obter esses elementos.
Como critério de seleção dos periódicos foi, ainda, utilizado um indicador
bibliométrico para delimitar o número de publicações a analisar. O indicador
tinha em consideração a indexação às principais bases de dados de avaliação de
produção científica, tais como a Latindex e a Scielo. Os periódicos analisados
foram os seguintes: Análise Social, Caderno de Ciências Sociais, Cadernos do
Noroeste - Série Sociologia, Configurações, Economia e Sociologia, Fórum
Sociológico, Organizações e Trabalho, Revista Crítica de Ciências Sociais,
Sociologia, Sociologia - Problemas e Práticas.
Os dados obtidos mostram que as décadas de 1990 e 2000 se diferenciam
claramente das demais. Cerca de 89,6% dos doutoramentos em sociologia
registados em Portugal foram aprovados nesse período, sendo que 67,1% foram
aprovados na década de 2000. Os dados que se dispõe relativamente aos projetos
de investigação na área sociologia que foram financiados apenas cobrem uma
parte das duas últimas décadas. Se esta análise for complementada com os dados
disponibilizados por Teixeira Fernandes (1996), denota-se que começaram a ser
disponibilizadas verbas para a área da sociologia, de forma exclusiva, a partir
da segunda metade da década de 1980. Ou seja, o grande investimento no apoio à
investigação sociológica, nos concursos gerais, ocorreu durante as décadas de
1990 e 2000. Teixeira Fernandes (1996) apurou que, entre 1987 e 1995, foram
apoiados pela Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica 60
projetos de investigação em sociologia. O primeiro conjunto de projetos foi
aprovado para financiamento em 1987, sendo o único conjunto de projetos nessa
década. Em 1987 foram apoiados treze projetos, dez em 1991, onze em 1992,
dezassete em 1993 e nove em 1995, perfazendo o total de 60 (Fernandes, 1996).
O volume principal de artigos também foi publicado durante as duas últimas
décadas. Em conjunto, representam 80% do total apurado. Cerca de 36,5% foram
publicados na década de 1990 (n=677) e cerca 43,5% na década de 2000 (n=806). O
índice de crescimento do número de artigos publicados apresentou valores
elevados até à década de 1990, estabilizando um pouco na passagem para década
de 2000, apesar do números de artigos ter aumentado novamente. Estes dados
ajudam a vincar ainda mais os diferentes compassos evolutivos da sociologia em
Portugal, o que, no fundo, representa o que se tentou defender e demonstrar
neste trabalho.
Conclusão
Para se elaborar um roteiro retrospetivo da sociologia portuguesa teve que se
recorrer a diversas fontes e recursos. Uma das grandes benesses deste texto
prende-se com a integração e articulação de dados e caracterizações publicadas
ao longo da história por diferentes protagonistas. Com base nesses recursos foi
possível registar e colocar em evidência um conjunto de acontecimentos,
integrando-os num quadro analítico articulado.
A constituição dessa plataforma de análise permitiu que se desenvolvesse uma
proposta de compreensão da evolução da sociologia portuguesa à luz de
diferentes estádios evolutivos. Acredita-se que a proposta apresentada arroga
capacidade de refletir e descrever, de uma forma faseada e sumária, a história
da sociologia em Portugal. A caracterização efetuada colocou em evidência um
processo de consolidação institucional amplamente sustentado no aumento das
liberdades sociais e no incremento das procuras sociais. O desenvolvimento foi
fruto da expansão das liberdades e garantias sociais porque durante várias
décadas esteve sujeita a forte repressão, fazendo com que o exercício
sociológico não deixasse de ser perspetivado como um ato de revolta, de
oposição e de liberdade.
A necessidade de compreensão social da sociedade portuguesa também impulsionou
a procura da sociologia e dos recursos que potenciava. As lógicas e os
mecanismos que presidemà formação dessas procuras estão identificados nos seus
contornos globais e têm que ver com aquilo que autores como Touraine ou
Giddens, entre outros, designam pela crescente capacidade das sociedades
modernas se pensarem em si próprias (Machado, 1996: 50). Tal como as demais
sociedades ocidentais, também a sociedade portuguesa sentiu a necessidade de se
tornar mais reflexiva.
As décadas de 1990 e 2000 foram o período societal em que as liberdades e
procuras sociais foram mais potenciadas, favorecendo um crescimento e
qualificação sem precedentes da comunidade científica (Almeida, 2004: 25). Por
um lado, representam um período de consolidação mas, por outro lado, também
representam a época de maior desenvolvimento e projeção da sociologia em
Portugal. Para este progresso em muito contribuiu o aumento significativo da
oferta formativa na área, das saídas profissionais, das oportunidades de
investigação, das fontes de publicação da reflexão sociológica e a normalização
das rotinas de financiamento da investigação (idem). Esta evolução teve o seu
auge na criação de Laboratórios Associados, atributo que é concedido, em 2002,
a duas unidades de investigação que também são referência para o estudo
sociológico em Portugal: o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra
e o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
O trabalho iniciado com esta análise contribuiu para que se estabelecessem os
alicerces de um quadro conceptual que sustentasse o desenvolvimento de outros
eixos analíticos com capacidade de potenciarem o aprofundamento da
caracterização da evolução e conformação da sociologia em Portugal. As
reflexões e análises efetuadas abriram algumas janelas de oportunidade para o
futuro. Uma dessas possibilidades será o complemento do roteiro reflexivo
realizado com a especificação das problemáticas mais trabalhadas no âmbito das
três importantes fontes de produção sociológica identificadas no âmbito do
presente texto: as teses de doutoramento registadas, os projetos de
investigação financiados e os artigos publicados nas revistas de referência
para a sociologia portuguesa. Esse trabalho poderá funcionar como um
complemento de caracterização do trajeto evolutivo da sociologia portuguesa,
permitindo, ainda, que se efetue uma identificação e estruturação temática de
uma parte relevante da produção sociológica disponível em Portugal. Essa
produção também é uma parte importante da história da sociologia portuguesa,
tal como o serão as problematizações e temáticas que lhe estão subjacentes.
Notas
1Instituto de Sociologia da Universidade do Porto (Porto, Portugal). Endereço
de correspondência: Instituto de Sociologia - Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, Gabinete 251 (Torre B ' Piso 2)
2 Licenciatura em sociologia do trabalho.
3 Licenciatura em sociologia das organizações.
4 Não foi possível efetuar o mesmo procedimento para o ano de 2008 devido a
omissões na base de dados.