Participação associativa dos investigadores científicos em Portugal
Introdução
O associativismo científico é um dos elementos dos sistemas científicos menos
conhecidos e debatidos na sociologia da ciência. O desenvolvimento das
instituições e da comunidade científica em Portugal durante as últimas décadas,
produto de um aumento substancial do financiamento para a ciência, traduziu-se
também num crescimento do número de associações científicas no país. Ao mesmo
tempo, a internacionalização dos cientistas portugueses (patente na mobilidade
laboral para outros países, na publicação em revistas internacionais, na
participação em conferências e redes transnacionais) também sofreu um
substancial incremento. Neste contexto, as práticas associativas dos
investigadores portugueses, em associações nacionais e internacionais, surgem
como um fenómeno relevante para a plena compreensão do funcionamento do sistema
científico nacional.
Este artigo, tendo por base um projeto de investigação concluído em 20125 que
teve como objetivo central compreender o papel das associações científicas em
Portugal, procura fazer uma caracterização das práticas associativas dos
cientistas portugueses. Após um breve enquadramento teórico, são apresentados
dados relativos à pertença, motivações e modos de participação associativa dos
investigadores, registando-se as suas variações segundo as características
sociodemográficas e profissionais dos inquiridos.
1. Enquadramento
Enquanto tema de contacto entre a sociologia da ciência e a sociologia das
orga- nizações, o estudo do associativismo científico tem sido relativamente
pouco trabalhado por estas tradições sociológicas. O trabalho que se tem
desenvolvido em torno do associativismo científico tem-se focado sobretudo nas
suas organizações, as associações científicas e as suas funções contemporâneas,
mais do que nas práticas associativas dos cientistas. Schofer (2003) estudou o
desenvolvimento das associações científicas a nível internacional, com ênfase
no seu desdobramento enquanto organizações de natureza profissional e
organizações orientadas para a resposta a problemas sociais contemporâneos.
Outros trabalhos que procuraram identificar as funções e atividades das
associações científicas em sistemas científicos nacionais, como a Alemanha
(Schimank, 1988) ou Portugal (Delicado et al., 2011), encontraram uma
pluralidade de funções, desde o aconselhamento de políticas públicas, à
disseminação da ciência, passando pelo apoio profissional e a tradicional
comunicação entre pares através da organização de congressos e publicações. Os
trabalhos que incluem elementos sobre a adesão dos cientistas fazem-no a partir
da ótica das associações, isto é, focando sobretudo o recrutamento dos seus
associados ou dos seus órgãos sociais. Como exemplo temos o estudo de Mackie
(2000) sobre a caracterização dos associados do Instituto Inglês de Engenharia
Química ou o trabalho de Lees (2002) sobre a presença de mulheres nos órgãos
sociais de várias associações nacionais e internacionais de neuroquímica.
A adesão e participação em associações é, no entanto, um tema abundantemente
trabalhado em sociologia. Existem, por exemplo, vários estudos comparativos
sobre as taxas de pertença a associações em vários países ocidentais, que
identificam níveis baixos de associativismo em Portugal e nos outros países da
Europa do Sul, por oposição às elevadas taxas dos países da América do Norte e
da Escandinávia (Curtis, Baer e Grabb, 2001; Curtis, Grabb e Baer, 1992; Dekker
e Van den Broek, 1998; Schofer e Longhofer, 2011). Outros trabalhos procuram
diferenciar as taxas de pertença aos diversos tipos de associação, em países
como a França (Prouteau e Wolff, 2002), os Países Baixos (Bekkers, 2005) ou os
Estados Unidos da América (Putnam, 1995; Rotolo, 2000). Estes trabalhos diferem
no leque de associações consideradas, mas mesmo os mais exaustivos não exploram
o associativismo científico.
Este artigo procura contribuir para preencher esta lacuna, ao analisar as
práticas associativas dos investigadores portugueses. Centra-se exclusivamente
na participação em associações científicas nacionais e internacionais/
estrangeiras, mas tomando em conta três tipos distintos identificados em
Portugal (Delicado, Rego e Junqueira, 2013):
* Sociedades científicas disciplinares (SCD), o grupo mais numeroso entre as
organizações recenseadas (73%), cuja finalidade principal é a promoção de uma
determinada disciplina científica;
Associações de profissionais científicos (APC), um pequeno grupo de
organizações (5% do total recenseado) que está sobretudo ligado à
representação socioprofissional de trabalhadores em ciência, a maioria das
quais assume um caráter interdisciplinar, enquanto as restantes se distribuem
por diferentes áreas científicas;
Associações de divulgação científica (ADC) que representam perto de um
quarto das associações científicas recenseadas, englobando entidades tão
diversas como clubes de astronomia, organizações para o estudo e conservação
da natureza, associações arqueológicas ou grupos para a difusão de
tecnologias, e cujo fim primordial é a disseminação do conhecimento
científico. Por outro lado, há ainda que relevar que este artigo não dá conta
da diversidade de membros das associações científicas, uma vez que muitos não
são investigadores, mas esta questão já foi abordada noutra publicação
(Delicado et al., 2011).
2. Metodologia
Este artigo tem como principal sustentação empírica um inquérito aplicado a
investigadores em Portugal sobre as suas práticas associativas, com base numa
amostra não probabilística intencional, realizado entre novembro de 2011 e
janeiro de 2012. As práticas associativas aqui consideradas centraram-se na
pertença ou não a associações científicas nacionais e internacionais/
estrangeiras, nas motivações para a pertença e nas formas de participação na
vida destas organizações. São exploradas as variações segundo o tipo de
associação, o seu âmbito geográfico e as características sociodemográficas e
profissionais dos inquiridos.
No que respeita à constituição da amostra, na ausência de uma listagem de
contactos da comunidade científica portuguesa, teve de se proceder a uma
recolha prévia. Atendendo às dimensões da população em análise (de acordo com
os dados disponíveis, em 2011, haveria 86 mil investigadores em atividade em
Portugal) (GPEARI, 2011), optou-se por restringir a priorias disciplinas
científicas abrangidas. Foi assim escolhida uma disciplina por cada uma das
áreas científicas do financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia
(FCT)6: Física, Biologia, Ciências da Saúde, Engenharia Eletrotécnica e
Informática, Economia e Gestão e História.
No caso dos investigadores em Instituições Públicas de Investigação e
Desenvolvimento (I&D) foram selecionadas cinco unidades financiadas pelo
Programa Plurianual dentro de cada uma das disciplinas científicas, tentando
excluir unidades de dimensão reduzida, com classificação abaixo de Bom na
avaliação da FCT e com informação insuficiente sobre os contactos dos
investigadores, assumindo-se que um dos fatores relevantes é, de facto, o
desempenho científico dos investigadores considerados. Foram selecionados
também os Laboratórios Associados e Laboratórios de Estado ligados a estas
disciplinas.7
Procedeu-se, então, à recolha de todos os contactos de emailde investigadores
disponíveis nos websitesde 44 instituições (totalizando 3704, tendo-se depois
verificado que 112 não eram válidos, pelo que o universo do inquérito se cifrou
em 3592 indivíduos).
Procurou-se, ainda, adicionar à amostra os investigadores que trabalham em
empre- sas. Neste caso, foram selecionadas, entre as empresas com maior volume
de despesa em I&D, 24 empresas com investigação ligada às áreas escolhidas.
Visto que as empresas tendem a ser mais opacas no que respeita ao seu pessoal
(não disponibilizando listagens e contactos nos websites), optou-se por
contactar os departamentos de I&D, pedindo a sua colaboração na
distribuição do inquérito pelos seus investigadores.
Por forma a incluir nesta análise os investigadores estrangeiros que trabalham
em Portugal, foram criadas duas versões do questionário, uma em português e
outra em inglês. O inquérito foi disponibilizado online, através da plataforma
Surveymonkey.
O número total de respostas recebido foi de 862 (22 foram preenchidas em língua
inglesa), o que corresponde a uma taxa de resposta aproximada de 24%. Esta taxa
de resposta pode ser considerada em linha com o que é habitual para esta
modalidade de administração do inquérito.8 Há, no entanto, que apontar alguma
tendência de enviesamento da amostra: haverá uma maior disponibilidade dos
membros mais interessados ou envolvidos nas associações para responderem ao
questionário (o efeito de saliência do inquérito, ou seja, o interesse que o
tema do inquérito suscita entre os inquiridos ' Sheehan, 2006). O Quadro_1
sumariza as características da amostra.
Quanto ao tratamento estatístico dos dados, foram utilizados três procedimentos
principais:
* testes de associação entre variáveis, cuja significância estatística das
relações foi avaliada com recurso a testes estatísticos apropriados para o
tipo de variáveis (teste de ?2 de independência entre duas variáveis, com
cálculo do V de Cramer; teste de correlação de Pearson; e teste de Kruskal-
Wallis quando não se verificou uma distribuição normal);
método de clusterhierárquico within group linkagecom a distância entre
casos medida por simple matching(rácio de correspondências) para as variáveis
sobre razões de adesão às associações;
análise de componentes principais com rotação varimaxpara explorar a
existência de agrupamentos de variáveis para construção de índices
(consistência interna avaliada pelo cálculo do a de Cronbach) para as
variáveis sobre participação em atividades das associações.
3. Pertença a associações científicas
Os dados recolhidos revelam uma taxa elevada de pertença associativa entre os
investigadores inquiridos, superior a 50% das respostas nas associações
nacionais e perto de 40% nas estrangeiras ou internacionais (Quadro_1). Estes
valores são francamente superiores à taxa global de pertença a associações da
população portuguesa, que, segundo o último European Values Survey (2008), se
cifra em 20% (substancialmente abaixo da média europeia de 44%). Porém, o mesmo
inquérito indica que as taxas de pertença associativa são superiores nos grupos
mais escolarizados (26% nos licenciados, 33% nos pós-graduados) e nos
especialistas das atividades intelectuais e científicas (30%), um resultado
rotineiramente demonstrado na literatura desta área (Curtis, 1971; Smith, 1994;
Warde et al., 2003).
Este resultado deve ser encarado, no entanto, com especial cautela, uma vez que
haverá uma maior propensão dos investigadores com envolvimento em atividades
asso- ciativas em responder ao inquérito poderá ser responsável pelo valor
elevado de pertença que é observado, ou seja, presume-se que os inquiridos com
filiação associativa tenham maior propensão também para o manifestar. Contudo,
isto não retira valor à observação de que, apesar da internacionalização da
ciência ao longo dos últimos anos, as associações científicas parecem continuar
a cativar o interesse dos investigadores portugueses.
Considerando os três tipos de associações (Quadro_2), constata-se que, entre os
inquiridos que são membros de associações, é mais comum a pertença a sociedades
científicas disciplinares, sobretudo estrangeiras ou internacionais, o que vai
ao encontro da distribuição por tipo de associação, pois este é o tipo mais
numeroso, conforme visto acima. Sendo estas de âmbito variado, verificou-se que
a pertença a sociedades disciplinares internacionais (ou regionais, por exemplo
europeias, ibéricas) é mais comum do que a pertença a associações de um país
estrangeiro específico (ex. americanas, britânicas, francesas).
Um pouco menos de metade dos inquiridos pertence a associações de profissionais
científicos e a pertença a associações de divulgação científica é mais rara,
sobretudo se de nível internacional.
A falta de trabalhos publicados nesta área específica do associativismo
científico torna difícil estabelecer comparações, mesmo tendo em conta a
abundância de estudos sobre pertença associativa. A comunidade científica é um
subgrupo muito particular dentro da sociedade, para o qual alguns do critérios
utilizados no estudo da variação da pertença a associações são difíceis de
aplicar, designadamente o nível de qualificações. Como acima se viu, este é um
dos fatores explicativos para a adesão a associações e, neste caso, a detenção
de um grau de ensino superior é um denominador comum a toda a comunidade
científica.
Porém, são detetáveis algumas diferenças entre os diversos graus de nível
superior (Quadro_3), tal como Prouteau e Wolff (2002) registaram entre
licenciados e pós-graduados: os doutorados (e sobretudo os que realizaram
provas de agregação) têm taxas de pertença associativa superiores aos
licenciados e mestres. Estes resultados são necessariamente compreendidos tendo
em conta que o grau de doutoramento é obtido sobretudo para fins de carreira
académica e neste sentido o envolvimento no sistema científico do qual as
associações são um dos agentes tenderá também a ser superior neste estrato da
população.
Quando é tida em conta a pertença aos diferentes tipos de associações (Quadro
3) encontramos a mesma tendência atrás apontada, mas apenas para as sociedades
científicas disciplinares. Existe um crescendo da taxa de pertença com a
variação de grau académico, que se inicia a partir do grau de mestrado. Apesar
de ser observada uma taxa mais reduzida para as associações de profissionais
científicos e de divulgação científica do que para as sociedades científicas
disciplinares, as duas primeiras parecem atrair os cientistas portu- gueses de
forma mais transversal aos vários graus académicos.
Estes dados parecem indicar que é a pertença a sociedades científicas
disciplinares que se torna mais revelante num momento de carreira relativamente
consolidado.
Como seria de esperar, a variação por escalão etário (Quadro_4) mostra uma
tendência semelhante à da variação por grau académico. O valor da taxa de
pertença a associações científicas aumenta ao longo dos escalões etários
apresentados.
Esta diferença mostra-se estatisticamente significativa tanto a nível nacional
como internacional. Já quando é especificada a pertença por tipo de associação,
a variação com a idade apenas se mantém estatisticamente significativa para as
sociedades científicas disciplinares nacionais.
A pertença a associações segundo a área disciplinar também é variável, em
função da organização de diferentes culturas disciplinares no interior da
comunidade científica (Knorr-Cetina, 1999; Nowotny, Scott e Gibbons, 2001). A
taxa de pertença a associações nacionais (Quadro_5) é superior entre os
investigadores que trabalham nas áreas das ciências da saúde e das ciências
sociais. Já os inquiridos da área das ciências da engenharia e das tecnologias
são os que têm a menor taxa de pertença.
No que respeita às associações de âmbito nacional, quando são tidas em conta as
variações por tipo de associação destaca-se a maior taxa de pertença a
sociedades científicas disciplinares dos inquiridos da área das ciências
exatas. As áreas das ciências da engenharia e das tecnologias e das ciências
sociais são aquelas em que esta proporção se revela mais reduzida. No caso das
associações de divulgação científica é de destacar a proporção de inquiridos
que trabalha na área das humanidades e pertence a este tipo de associação, que
é mais elevada entre todas as áreas disciplinares. Em segundo plano, destaca-se
também a taxa de pertença dos inquiridos das ciências sociais e das ciências
naturais. A variação por disciplina observada para as associações de
profissionais científicos não é estatisticamente significativa.
Considerando as associações de âmbito internacional, apenas é estatisticamente
significativa a variação por disciplina dos filiados nas associações de
profissionais científicos, destacando-se principalmente a área das ciências da
engenharia e das tecnologias, em que esta proporção é mais elevada, e a das
humanidades, em segundo plano.
4. Motivos de adesão a associações científicas
A literatura científica relativa às motivações para adesão às associações é
abundante e aponta tanto para fatores mais instrumentais como mais altruístas
que se conjugarão com perfis e trajetórias (Forsythe e Welch, 1983; Smith,
1994; Hwang, Grabb, e Curtis, 2005). No que diz respeito aos investigadores e
às associações científicas, assumindo o caráter profissional desta adesão, será
de esperar que os interesses individuais como a formação, a integração na
comunidade ou o prestígio assumam maior relevância que as motivações mais
abnegadas. No entanto, tal como foi já referido, as associações científicas
contemporâneas assumem um conjunto plural de funções, que apesar de ligadas de
uma forma ou outra à esfera científica, vão além da comunicação entre pares ou
do desenvolvimento do saber científico (Rilling, 1986; Schimank, 1988; Schofer,
2003; Delicado, Rego e Junqueira, 2013). Face a esta pluralidade, as razões que
levam os investigadores portugueses a aderir a estas organizações tornam-se
menos óbvias e é importante escrutiná-las de modo a perceber quais são as
motivações privilegiadas globalmente e como se distribuem entre a comunidade
científica e por tipo de associação. O contexto atual, de rápida
internacionalização da ciência portuguesa, com consequências para a relevância
científica das associações científicas nacionais, realça ainda mais esta
questão. Estão as associações científicas portuguesas condicionadas a competir
com as associações internacionais na oferta incentivos seletivos (Olson,
1998) capazes de captar o interesse dos investigadores, ou estará a adesão
também associada a motivações não utilitárias? Os trabalhos sobre outros tipos
de associativismo têm apontado no sentido da pluralidade de motivações para a
adesão a associações voluntárias. Knoke (1986) argumenta que o desenvolvimento
das ideias de Olson por outros autores tem levado ao enquadramento de elementos
não utilitários, como motivações identitárias, enquanto incentivos seletivos.
Outros trabalhos mais críticos têm concluído que os bens públicos ou bens
comunitários são tão relevantes para a adesão como os incentivos de natureza
utilitária (Dekker e Van den Broek, 1998; Gruen, Summers e Acito, 2000).
Examinando os dados (Quadro_6), é de salientar que as sociedades científicas
disciplinares atraem os seus membros pelos motivos utilitários de receber
informação, ter acesso a atividades e benefícios (congressos, publicações,
prémios) e fazer networking, mas também pelo sentimento de pertença a uma
comunidade (sobre o papel das associações científicas neste domínio, ver
Griffin, Green, e Medhurst, 2005).
As motivações para a pertença de associações científicas internacionais são
muito semelhantes às atrás elencadas. Porém, é de referir que, nas sociedades
científicas disciplinares estrangeiras, a oportunidade de networkingatinge
valores mais elevados que nas portuguesas (vários estudos demonstram a
importância de networkingna ciência, com efeitos sobre a produtividade e a
obtenção de contratos e de financiamento ' Van Rijnsoever, Hessels e Vandeberg,
2008). As associações de profissionais científicos estrangeiros são vistas como
uma mais importante fonte de informação atualizada e de acesso a congressos,
publicações ou prémios. Por outro lado, as associações de divulgação científica
estrangeiras são mais valorizadas pela representação de interesses que as
nacionais. Neste último grupo estarão então incluídas as associações
internacionais que Schofer (2003) designa como orientadas socialmente,
centradas em questões sociais como o desenvolvimento, o ambiente ou a paz, e
que terão funções de aconselhamento junto de organizações internacionais como a
ONU e a UNESCO.
A análise multivariada das motivações de adesão às associações foi restringida
às sociedades científicas portuguesas devido ao número reduzido de respostas
sobre os outros tipos de associação.12 As perguntas sobre adesão a este tipo de
associações foram sujeitas a um método de clusteringhierárquico ( within group
linkage)com a distância entre casos medida por simple matching(rácio de
correspondências), que identificou quatro grupos, correspondendo a perfis
motivacionais (Quadro_7).
Os resultados permitem destacar dois perfis em extremos opostos, um primeiro
(identitários) em que é valorizada a função das associações enquanto
integradores na comunidade científica e outro (utilitários) em que é
valorizado principalmente o acesso a atividades das associações. Os dois perfis
restantes combinam as razões de pertença a uma comunidade científica com
outros. Os indivíduos classificados como identitários/ utilitários apontam o
acesso a eventos científicos e a informação sobre estes eventos como razões
importantes. Já os comunitários valorizam a possibilidade de contribuir para
a promoção da cultura científica na sociedade, o acesso a informação sobre
eventos e a possibilidade de fazer networking.
Os perfis motivacionais apresentam uma distribuição diversa segundo as
características dos inquiridos. Em termos de variações por idade (Quadro_8), é
interessante notar que os indivíduos de perfil Identitáriotêm um nível etário
mais elevado quando comparado com os restantes perfis, revelando que é entre os
inquiridos de idade mais avançada que encontramos quem adira às associações
sobretudo por razões de pertença à comunidade científica. Por outro lado, os
perfis que mais valorizam o acesso a eventos (Identitários/utilitáriose
Utilitários) são aqueles que concentram investigadores mais jovens. Já o grupo
denominado Comunitários, que tem como fatores distintivos razões de promoção da
cultura científica e de oportunidades de networking, revela um perfil de idade
intermédio. Para as variações por grau académico mantém-se a tendência
observada para a variação por idade.
Tanto o agrupamento Identitárioscomo o Comunitáriosconcentram mais inquiridos
com agregação do que os dois restantes grupos, enquanto o inverso se verifica
para os inquiridos com licenciatura e mestrado. Também é relevante notar que os
inquiridos com doutoramento se distribuem de forma aproximadamente uniforme
pelos quatro perfis identificados.
Os inquiridos das ciências sociais distribuem-se de forma aproximadamente
uniforme por todos os perfis motivacionais. Já nas restantes áreas
disciplinares é possível identificar algumas diferenças. Os inquiridos das
ciências exatas e das ciências da engenharia e tecnologias mostram um padrão
semelhante, de maior presença nos perfis Identitários(em primeiro plano) e
Comunitários(em segundo), ou seja, os grupos em que o acesso a eventos das
associações se mostra menos importante como razão para a adesão. Entre as
ciências da saúde, verifica-se precisamente o inverso, com a maior proporção
nos perfis Identitários/Utilitáriose Utilitários, em que o acesso a eventos
científicos é relevante como razão de adesão. Já os inquiridos das humanidades
revelam dar importância sobretudo à pertença a uma comunidade científica, pela
sua concentração no grupo Identitários, enquanto os das ciências naturais
destacam sobretudo o acesso a eventos (Utilitários) ou uma combinação de
pertença à comunidade científica com acesso a eventos (Identitários/
Utilitários) ou com atividades de divulgação (Comunitários).
5. Participação em atividades das associações científicas
A pertença a associações é um indicador importante mas insuficiente para
caracterizar o associativismo científico porque a variação de grau de
compromisso entre os membros de uma associação é geralmente bastante
significativa. Em muitos casos, as associações são compostas por um grupo de
sócios nominais, cuja participação se limita à pertença, um grupo de sócios
ativos, que participam nas atividades organizadas, e um grupo mais reduzido de
voluntários, que trabalha na organização dessas atividades e na manutenção da
associação (Bekkers, 2005; Freire, 2004; Torpe, 2003).
No que respeita às formas de participação nas associações científicas
portuguesas (Quadro_9), se as mais comuns (pagar quotas, ler publicações) são
transversais aos três tipos de associações, algumas são mais frequentes em
alguns tipos, como a participação em congressos nas sociedades científicas
disciplinares e outras distinguem-se pelos baixos valores atingidos: menos de
metade dos investigadores membros das associações de divulgação científica vota
nos seus processos eleitorais, menos de um terço dos sócios das associações de
profissionais científicos faz trabalho voluntário ou colabora nas publicações.
Tendências muito semelhantes são encontradas no que respeita às associações
científicas estrangeiras ou internacionais, ainda que a distância geográfica
implique um menor grau de envolvimento nas atividades das associações fora de
Portugal, com a exceção dos congressos e publicações. O nível participação na
vida das associações parece ser sistematicamente mais baixo nas associações de
divulgação científica, à exceção da categoria beneficia de outras atividades
da associação. As diferenças entre sociedades científicas e associações de
profissionais são ténues, ainda que as taxas de participação nas atividades das
primeiras são consistentemente superiores.
A análise multivariada das formas de participação associativa foi também
restrita às sociedades científicas portuguesas, pelas razões acima indicadas.
Neste caso procedeu-se a uma análise de componentes principais com rotação
varimaxpara explorar a existência de agrupamentos de variáveis para construção
de índices. Os grupos de variáveis com valores elevados (destacadas no quadro)
para uma mesma componente tiveram a sua consistência interna avaliada pelo
cálculo do a de Cronbach. O índice resultante varia de 1 (nunca participa nas
atividades) a 3 (participa regularmente em todas as atividades).
Os dados observados apresentam a formação de três componentes principais
(Quadro_10).
A primeira (C1), mais explicativa da variância dos dados, está relacionada com
atividades de maior envolvimento na associação, seja nos processos de decisão
formal (voto, participação em assembleias), na produção de conteúdos e
organização de atividades ou no recrutamento de novos membros. Os outros dois
componentes estão relacionados com o consumo de conteúdos produzidos pelas
associações e o mero pagamento de quotas (C3) e com a participação em eventos
científicos e o benefício de outras atividades (C2).
Em cada caso foi analisada a consistência interna das variáveis destacadas para
as três componentes. Apenas na primeira é possível construir um índice para as
variáveis associadas à primeira componente de cada caso, pois apenas apresentam
um valor aceitável de consistência interna (a = 0,905).
Quando se tem em conta a variação das componentes identificadas (Quadro_11)
observa-se uma relação entre o índice que representa as atividades de maior
envolvimento nestas associações e as variáveis associadas à progressão na
carreira científicaidade e grau académico. Em todos estes casos, as respostas
que se identificam com posições mais avançadas na carreira estão relacionadas
com um maior grau de participação nestas ativi- dades de maior envolvimento.
Conclusão
Os dados recolhidos através de um inquérito por questionário a investigadores
em Portugal sobre a participação em associações científicas permitem observar
uma elevada taxa de pertença a estas organizações. No entanto, estes resultados
devem ser encarados com alguma cautela devido à técnica utilizada na
distribuição do inquérito.
Os resultados obtidos permitem também destacar a importância do grau académico
(de certa forma indicativo de uma determinada posição na carreira) para o
envolvimento associativo. Tal parece mostrar o que a literatura tem vindo a
defender para a generalidade da população, ou seja, que quanto mais instruídos,
mais civicamente ativos. Os inquiridos com graduações mais elevadas (e por
inerência mais velhos) não só tendem a pertencer mais a sociedades científicas
disciplinares portuguesas ou estrangeiras/internacionais, mas também a terem um
maior envolvimento nas atividades dessas associações. Contudo, a inexistência
de outros estudos torna difícil perceber se esta variação está relacionada com
a progressão na carreira profissional ou representa uma mudança de atitude dos
novos investigadores face ao associativismo que se tem verificado para outro
tipo de associações. Por outro lado, no que respeita às associações científicas
estrangeiras, a internacionalização implica algum capital social e científico
que os mais novos ainda não terão, pelo que as associações nacionais parecem
poder funcionar como uma porta de entrada para primeiras experiências na
comunidade científica.
Este inquérito mostra também que os investigadores mais velhos parecem encarar
a participação nas associações científicas nacionais de forma diferente dos
mais jovens, revelando-se mais motivados por sentimentos de pertença ou
orientados para a sociedade enquanto os mais novos são mais instrumentais.
Encontramos sinais de que as associações nacionais conseguem captar o interesse
dos jovens cientistas através dos serviços que oferecem (congresso,
publicações), mas não dos investigadores mais velhos, que tendem a manter-se
ligados às associações por motivações de cariz menos utilitário. Nas
associações internacionais, onde recai o foco da comunicação entre pares, estas
diferenças etárias não foram detetadas.
Finalmente, importa referir as variações derivadas da área disciplinar.
Destaca-se a maior taxa de pertença associativa das ciências da saúde e sociais
(no que respeita a associações nacionais) e das ciências da engenharia e
tecnologias (nas associações estrangeiras). Os inquiridos das ciências da
engenharia e das tecnologias, juntamente com os das ciências exatas, mostram-se
também mais propensos ao que designamos de perfil motivacional de cariz
identitário ou comunitário. Já os inquiridos das ciências sociais são os que
mais apresentam um perfil utilitário.
Em suma, estes resultados permitem obter uma primeira caracterização geral de
um fenómeno pouco estudado, mesmo a nível internacional, a participação dos
investigadores nas associações científicas. Neste sentido, a compreensão do seu
envolvimento nas associações implicará, necessariamente, um trabalho
complementar, quer com vista a explorar outras variáveis, quer recorrendo a
outras técnicas de recolha de dados, que permitam identificar, porventura,
representações e práticas efetivas diferenciadoras deste grupo particular da
população. Em todo o caso, os resultados deste inquérito fornecem pistas
indispensáveis para a prossecução do seu estudo.
Notas
1 Doutorando em Sociologia do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de
Lisboa (ICS-UL) (Lisboa, Portugal). Endereço de correspondência: Instituto de
Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Rua Professor Aníbal de
Bettencourt, 9, 1600-189 Lisboa, Portugal. E-mail: luis.junqueira@ics.ul.pt
2 Socióloga. Investigadora auxiliar do Instituto de Ciências Sociais da
Universidade de Lisboa (ICS-UL) (Lisboa, Portugal). E-mail:
ana.delicado@ics.ul.pt
3 Socióloga. Investigadora auxiliar do SOCIUS-ISEG ' Centro de Investigação em
Sociologia Eco- nómica e das Organizações, Instituto Superior de Economia e
Gestão da Universidade Técnica de Lisboa (Lisboa, Portugal). E-mail:
raquerego@iseg.utl.pt
4 Socióloga. Professora auxiliar convidada do Departamento de Sociologia do
Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa ' Instituto
Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) (Lisboa, Portugal). E-mail:
cristina.conceicao@iscte.pt
5 Projeto SOCSCI Sociedades científicas na ciência contemporânea, financiado
pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (PTDC/CS-ECS/101592/2008),
desenvolvido no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, em
cooperação com o CIES-UL e o SOCIUS-ISEG (www.socsci.ics.ul.pt).
6 Procurou-se evitar a sobreposição com disciplinas já exploradas nos estudos
de caso do projeto em que o inquérito se insere.
7 Com a exceção do Centro de Estudos Sociais (Laboratório Associado), que foi
adicionado como instituição da área das ciências sociais, devido à ausência de
Laboratórios associados da área científica de economia e gestão.
8 As taxas de resposta dos inquéritos a estudantes de ensino superior ou
pessoal docente e investigador das universidades têm variado entre 19,3% e
47,2% (Kaplowitz, 2004; Sheehan e Grubs, 1999).
9 Não foram encontradas variações estatisticamente significativas respeitantes
a esta variável.
10 Apesar de a agregação não ser formalmente um grau académico, mas sim um
título que permite o acesso à posição de professor catedrático, foi decidido
manter esta distinção na análise bivariada por ser, em muitos casos, fonte de
uma variação estatisticamente significativa.
11 Não foram encontradas variações estatisticamente significativas respeitantes
a esta variável.
12 As sociedades disciplinares estrangeiras foram excluídas por limitações de
espaço.
13 As respostas sobre participação nas associações foram dadas sobre a forma de
uma escala com 3 itens: Nunca', Ocasionalmente' e Frequentemente'. De forma
a simplificar a apresentação destes dados, o quadro regista a soma dos valores
das duas últimas categorias.