Padrões de mudança de casa e eventos de vida: uma análise das carreiras
habitacionais
Introdução
O mercado de habitação é considerado uma das esferas esquecidas dos estudos
sobre estratificação e desigualdades sociais (Kurz e Blossfeld, 2004). Assim
sendo, a mobilidade residencial dos indivíduos que enquanto produto do curso de
vida é capaz de incorporar e de refletir, numa escala macro, mudanças
geracionais profundas na sociedade portuguesa e, numa escala micro, clivagens
sociais entre os indivíduos ao nível dos seus eventos de vida, não tem sido
frequentemente alvo de uma análise sistemática. Este artigo pretende
precisamente discutir o conceito de mobilidade residencial, através de uma
análise que partindo dos eventos de vida dos indivíduos ' sejam eles da esfera
familiar, profissional ou outra ' se centra nos movimentos e nas decisões
residenciais que sustentam a dinâmica do mercado de habitação.
Estas questões serão abordadas com base nos dados quantitativos de um projeto
financiado pela Fundação para a Ciência e para a Tecnologia, intitulado
Trajectórias Residenciais e Metropolização: continuidades e mudanças na Área
Metropolitana de Lisboa (TDC/CS-SOC/102032/2008), amavelmente cedidos para
efeitos desta publicação.2 Esta componente quantitativa do projeto foi
concretizada pela aplicação de um inquérito à população nascida entre 1945-
1975, atualmente a residir na Área Metropolitana de Lisboa. A amostra pretendeu
garantir a representatividade dos vários escalões etários compreendidos no
intervalo mais lato atrás mencionado (Pereira, Ferreira, Ramos e Coto, 2012;
Site Oficial do Projeto).3
A análise centrar-se-á nos aspetos que, segundo a própria apreciação subjetiva
do indivíduo relativamente às casas por onde passa, subjazem às mudanças
residenciais ao longo do seu curso de vida, e é desenvolvida de duas formas. A
primeira abordagem consiste na caracterização das mudanças de casa dos
inquiridos e permite identificar, no todo das mudanças de casa registadas no
inquérito, e independentemente da sua ordem, da sua direção geográfica ou das
características sociais dos indivíduos, quais os eventos, motivos e estatutos
de curso de vida que mais justificam as mudanças de casa, e quais as suas
variações e oscilações ao longo do tempo social e individual (a unidade de
análise é a mudança de casa 4). Neste caso, a estratégia analítica utilizada é
descritiva uni e bivariada, com o auxílio do softwareestatístico SPSS IMB® para
os cruzamentos entre variáveis, e do Microsoft Excel para a organização prévia
dos dados. Na segunda abordagem, é feita uma análise de forma holística
(Cohler e Hostetler, 2002: 560; Nico, 2011: 248-258) das trajetórias
propriamente ditas, tendo-se em conta os padrões de mudanças de casa e
dedicando especial atenção ao regime de ocupação da casa e ao lugar de classe
do indivíduo (a unidade de análise é o indivíduo5). Nesta abordagem, a base de
dados foi trabalhada e codificada sem recurso a programação, e em Microsoft
Excel, folha de cálculo essa onde também foi construído o conjunto de imagens
representativas das trajetórias patentes no conjunto de Figuras_5. Para a
seleção das gerações e das classes sociais foram usados os filtros desta folha
de cálculo. A conjugação destas duas camadas analíticasdo fenómeno da
mobilidade residencial pretende contribuir para o conhecimento sociológico
acerca da forma como as carreiras habitacionais devem ser entendidas como
produto dos cursos de vida.
1. Carreiras habitacionais como produto do curso de vida
A mobilidade residencial é de difícil medição e definição. Tal tem sido
constatado tanto em investigações no território europeu como norte-americano
(Abramsson et al. inStrassmann, 2001). Como consequência, dada a complexidade
do fenómeno, os estudos sobre mobilidade residencial centram-se, por vezes, em
descrições e análises de movimentos no espaço que não são equivalentes entre si
(Lelièvre inStrassmann, 2001: 8). Tal complexidade justifica-se pelo facto de a
decisão de mudar de casa (a cabo dos agregados familiares constituídos por um
ou mais indivíduos) ser o resultado de uma estrutura específica de
oportunidades e constrangimentos e de permanecer ainda por explicar com detalhe
e precisão a relação entre a intenção inicial da mudança e a sua concretização
objetiva (Lelièvre e Lévy- Vroelant inStrassmann, 2001: 8). É neste contexto de
complexidade e opacidade que a mobilidade residencial é muitas vezes confundida
com migração. Esta última refere-se, porém, a movimentos de distâncias mais
longas que se justificam mais por estruturas de oportunidade económica e por
preferências climáticas (Morris e Winter, 1975: 83).
A relação causal entre mobilidade residencial e os eventos de vida é também de
difícil estabelecimento, na medida em que todo o tipo de mobilidade, seja ela
residencial ou profissional, é afetada por eventos de outras esferas da vida,
muito especialmente os familiares (Huinink, Vidal e Kley, 2011: 3). Dada a
grande interdependência entre os eventos de várias esferas da vida, o sentido
das relações causais entre a trajetória residencial e a restante trajetória
social do indivíduo e do agregado é de intricado estabelecimento. Neste artigo,
a mobilidade residencial ou carreira habitacional será tratada como variável
dependente, não obstante não terem sido utilizados modelos de regressão linear
ou outras análises que sigam paradigmas da causalidade. Ao invés disso, apenas
se assume que os eventos de vida como ter um filho, perder o emprego, formar
ou dissolver uma união conjugal estão associados à mobilidade residencial. As
necessidades e oportunidade de consumo de um agregado relacionadas com a
habitação mudam consoante as circunstâncias da vida (Rabe e Taylor, 2009: 1).
Deste modo, a mobilidade residencial é causada pela combinação dos
acontecimentos da educação, emprego, estado civil, habitação e características
e mudanças no seio do agregado (Myers, 1999: 871).
1.1. A transição residencial como processo
Cada mudança residencial deve ser encarada como um processo. Os indivíduos
mudam de residência seguindo uma série de etapas de formação de preferências e
de processos de tomada de decisão (Coulter, vam Ham e Feijten, 2010: 2). Há
essencialmente dois conceitos que encapsulam esta ideia de mudanças
residenciais como processo: o de residential trajectories(Rossi, 1955; Authier,
2010; Bonvalet e Brun, 2002) e o de housing carreers (Ineichen, 1981) (apesar
de alguns outros serem análogos, como o de housing pathways, de Clapham, 2002).
Segundo Rossi, a mobilidade residencial é proporcionada pela inadequação da
habitação atual, acompanhada pelo desejo de mais espaço, de mudança no tipo de
ocupação da casa e de menores custos a explicar o comportamento de realocação
(Rossi inRabe e Taylor, 2009: 1). Deste ponto de vista, à mobilidade social
está implícita a procura de uma maior adequação e de uma melhoria das condições
de habitabilidade e, consequentemente, a ideia de uma mobilidade social
ascendente baseada no acréscimo da qualidade da situação residencial. Estas
melhorias dizem implicitamente respeito a diferenças no regime de ocupação,
isto é, à mudança de regimes de ocupação por arrendamento para regimes de
propriedade ou outras formas de upgradedo estatuto residencial (Winstanley,
Thorns e Perkings, 2002), que serão exploradas neste artigo, sobretudo na
última secção. Já o conceito de housing careers(Ineichen, 1981) permite, além
disso, ilustrar as formas em que a motivação é constrangida e formada pelas
escolhas habitacionais disponíveis e dar conta das carreiras habitacionais
como processos associados não apenas a estruturas de constrangimentos e de
oportunidades específicas como também às escolhas individuais e aos processos
de decisão (Heath e Cleaver, 2003: 19).
As orientações mais comuns sobre mobilidade residencial incorporam, com
relativa variabilidade, aspetos dos dois referidos conceitos ( residential
trajectoriese housing careers). Butler, McAllister e Kaiser (1973)
conceptualizavam a mobilidade residencial como uma série de decisões
interligadas que envolviam as experiências passadas de mobilidade residencial,
as atuais preferências e intenções do indivíduo e o subsequente comportamento
de mobilidade residencial. Esta abordagem da mobilidade residencial como um
fenómeno que atravessa o tempo tem beneficiado, desde os anos 80 do século XX,
da perspetiva do curso de vida, na medida em que esta, ao ser um
updateanalítico da perspetiva do ciclo de vida, permite a identificação e a
análise de eventos da vida que não são necessariamente previsíveis e que têm em
conta as várias esferas da vida ' familiar, profissional, conjugal, etc. ', que
podem ter efeito na carreira habitacional (Coulter, vam Ham e Feijten, 2010:
4).6
1.2. Os temas da mobilidade residencial
Têm sido quatro os principais temas no estudo da mobilidade residencial
(Winstanley, Thorns e Perkings, 2002). Um deles, explorado no presente artigo,
está relacionado com o modelo da etapa de vida e da sua relação com a
mobilidade residencial, ou seja, com a forma como a mudança de residência serve
para acomodar as normas culturais relativas à propriedade, a necessidade de
mais espaço e, ainda, a mudança da composição etária e sexual da estrutura
familiar (Morris et al.,1976 inWinstanley, Thorns e Perkings, 2002: 815). O
segundo grande tema, explorado apenas de forma latente neste artigo, é o da
racionalidade económica, segundo o qual as mudanças de residência são tratadas
como sendo resultado de processos de tomadas de decisão baseados sobretudo em
racionalidade económica (Clark, 1982; McLeod e Ellis, 1982 inWinstanley, Thorns
e Perkings, 2002: 815). Estão também presentes na literatura os estudos mais
centrados no contexto e na comunidade envolvente, que ficaram de fora deste
artigo, bem como os aspetos mais relacionados com as direções geográficas das
mudanças residenciais, que se centram nos fatores ambientais da residência e
na relação entre os residentes e a vizinhança (Winstanley, Thorns e Perkings,
2002: 817). Por fim, um último tema no interior dos estudos sobre mobilidade
residencial prende-se com questões metodológicas, entre as quais com o facto de
o conhecimento em torno do fenómeno da mobilidade residencial poder ainda ser
muito deficiente e insuficiente (mais concretamente por nem sempre se usarem
dados longitudinais nem dados referentes a todo o agregado, em suma, por muitas
vezes se acomodar a complexidade do fenómeno à simplicidade dos dados exigida
pelos procedimentos e softwaresestatísticos) (Winstanley, Thorns e Perkings,
2002: 817).
1.3. Os motivos e os eventos da mudança residencial
A literatura que explora os motivos, as motivações, os triggerse os eventos de
vida que mais despoletam ou justificam a mudança de residência é vasta. Com
base nesta pode distinguir-se, em primeiro lugar, as mudanças de casa
voluntárias das involuntárias (Butler, McAllister e Kaiser, 1973) e, ainda, o
grau de escolha e dos constrangimentos envolvidos na mudança de casa. Esta
dimensão deve ser abordada tendo em conta a origem social dos indivíduos, o
contexto de vida concreto em que estes se encontram no momento da mudança de
casa e, ainda, o sentido ascendente ou descendente dessa mudança (em termos de
regime de ocupação, de tipologia da casa, de zona geográfica, de qualidade de
vida subjetiva, etc.).
Em segundo lugar, vale a pena destacar a ideia, muito presente na literatura,
de que à mudança de regime de ocupação de uma casa está necessariamente
associado um upgradeou um downgraderesidencial, ou seja, uma mobilidade
residencial ascendente ou descendente. A noção é a de que existe uma hierarquia
social entre o arrendamento e a propriedade, ou seja, de que nas sociedades
ocidentais, as mudanças consecutivas de casa revelam geralmente uma melhoria no
preço, tamanho e qualidade da residência, bem como a passagem de arrendatário a
proprietário em certa altura da vida (Helderman, 2007: 239). A passagem de
arrendatário a proprietário é considerada, por exemplo no contexto norte-
americano, uma componente do sonho americano, uma recompensa ou até um direito,
atribuído àqueles que seguiram de forma bem sucedida uma série de regras
económicas (Blum e Kingston, 1984: 159). Embora relacionados com aspetos
económicos e familiares e ainda com a integração na comunidade (Blum e
Kingston, 1984: 162), as casas ocupadas pelos seus proprietários, em comparação
com as casas ocupadas por arrendatários, são geralmente de melhor qualidade.
Tal reflete-se na diferença entre a satisfação com a habitação reportada pelos
proprietários e a reportada pelos arrendatários (Helderman, 2007: 241). Os
motivos encontrados na literatura para a mudança de casas próprias para casas
arrendadas prendem-se, portanto, com downgradesresidenciais, sendo
frequentemente resultado de eventos disruptivos como o divórcio, a separação ou
o desemprego; de mudanças para zonas muito distantes das suas origens; de
envelhecimento ou de perda de mobilidade ou autonomia física (Helderman, 2007:
240; Rabe e Taylor, 2009: 1).
Estas duas abordagens face aos motivos da mudança residencial partem de um
olhar mais macro-sociológico. Num olhar mais micro-sociológico, ainda que não
tocando necessariamente na visão mais subjetiva e qualitativa dos processos de
decisão da mudança residencial, encontram-se sobretudo três grandes clustersde
motivos e de eventos de vida para a mudança residencial: os motivos
relacionados com a família (que incluem tanto as uniões como as dissoluções
conjugais, entre outras situações, a explorar de seguida), os motivos
relacionados com o trabalho (mudar para mais perto do trabalho ou para perto de
um novo trabalho), e os motivos relacionados com envelhecimento e saúde
(Helderman, 2007: 240). Os motivos para a mudança residencial podem, assim, ser
considerados resultado de determinados stronge weak ties, na medida em que
podem ser resultado de eventos da esfera privada e familiar ou de eventos da
esfera pública e profissional (Granovetter, 1973 inBelot e Ermisch, 2006:2). De
uma maneira geral, os motivos para a mudança residencial apresentados neste
nível mais micro-sociológico estão associados ao conceito de housing stressque
é gerado quando os indivíduos residem num espaço, ou num bairro, que não dá
resposta às suas necessidades ou preferências (Coulter, vam Ham e Feijten,
2010: 2).
Os acontecimentos da esfera familiar, efetivos ou planeados e especialmente os
que se refletem diretamente numa alteração da estrutura e composição do
agregado (Belot e Ermisch, 2006: 5), têm consequências muito bem documentadas
na decisão e tipo de mudança residencial. Mudar de casa permite aos agregados
ajustar o seu contexto residencial a uma melhor resposta às suas necessidades e
preferências residenciais (Clark e Huang inCoulter, vam Ham e Feijten, 2010:
2). Tal vai ao encontro da teoria de Rossi e de Doling, segundo os quais o
housing stressestá intimamente relacionado com os ciclos de vida'
individuais (Coulter, vam Ham e Feijten, 2010: 3). Segundo estes ciclos, os
indivíduos vão alterando a sua estrutura doméstica à medida que a sua idade
avança e que ocorrem determinadas transições de vida, as quais vão provocando
housing stresse as respetivas reações ao mesmo (Coulter, vam Ham e Feijten,
2010: 3). Verifica-se também que quanto menos flexível é a estrutura familiar,
ou seja, quanto mais formal é o estado civil e maior é a presença de filhos,
menor a probabilidade de um indivíduo mudar de residência (Belot e Ermisch,
2006: 5). Assim, no que se refere ao estado civil ou à situação conjugal, tem
sido verificado que os indivíduos solteiros apresentam uma maior predisposição
para a mobilidade residencial do que os casados. Também a chegada de um (outro)
filho, o momento de saída de casa dos pais e a dissolução conjugal tendem a
proporcionar maior predisposição para a mobilidade residencial (Rabe e Taylor,
2009), como se pode confirmar nos dados aqui trabalhados. Com os casais, são as
situações de arrendamento e as mudanças profissionais (novo trabalho, reforma,
inatividade, etc.) que mais proporcionam a mobilidade residencial (Rabe e
Taylor, 2009). As mudanças familiares ao nível da parentalidade também exercem
efeitos ao nível da mobilidade residencial. Ter mais um filho estimula
proprietários e arrendatários a mudar de casa, mesmo que se mantendo nas
proximidades ou na mesma cidade, isto é, mudando as condições da habitação mas
não necessariamente do estilo de vida ou quotidiano (Kulu e Milewski, 2007:
571). As mudanças de situações de arrendamento para situações de propriedade
são também muito potenciadas pela chegada de um filho, sobretudo do primeiro
(Deurloo et al.,1994 inKulu e Milewski, 2007: 572).
A relação entre trajetória profissional e mudança de residência,
independentemente da distância e da direção entre a origem e o destino, é forte
e está também muito bem documentada na literatura, nomeadamente das migrações
económicas. De acordo com o modelo económico neo-clássico, os indivíduos estão
dispostos a mudar de casa se obtiverem com isso um maior rendimento ou puderem
encontrar melhores empregos mais adequados às suas qualificações, tendo
portanto em conta que a mais-valia financeira excede os custos da própria
mudança (Huinink, Vidal e Kley, 2011: 3). A relação causal entre estas duas
trajetórias tende a estabelecer que a mobilidade residencial é um instrumento
para a mobilidade ocupacional ascendente (Huinink, Vidal e Kley, 2011: 5), ou
seja, para os indivíduos que têm como objetivo uma trajetória de mobilidade
ocupacional ascendente, a propensão para a mobilidade residencial é maior,
independentemente da distância entre a origem e o destino geográfico (Huinink,
Vidal e Kley, 2011: 27).
2. Mudanças de casa e efeitos do curso de vida
Em teoria, as mudanças de casa podem ocorrer em qualquer altura da vida. No
entanto, dada a relação próxima deste evento com outras circunstâncias e
constrangimentos sociais, as mudanças de casa tendem a ser relativamente
limitadas, apesar de variarem com a idade, período histórico, situação e
estrutura familiar e profissional, entre outros fatores já mencionados. Na
amostra aqui considerada foram identificadas 3651 mudanças de casa (as casas de
partidanão foram contabilizadas para este efeito, a não ser quando se
consubstanciaram enquanto casa de regresso). Entre os indivíduos atualmente
residentes na Área Metropolitana de Lisboa, a grande maioria mudou de casa
apenas uma ou duas vezes (39% e 29% das mudanças de casa, respetivamente),
sendo muito menores as percentagens de mudanças de casa em número mais elevado
(16% em 4 casas, 8% em 3% em 6, sendo progressivamente mais residual).
Mesmo em trajetórias residenciais relativamente curtas, em que as mudanças de
casa são, em média e em moda, limitadas, encontram-se diferenças consideráveis
entre a casa de partida e as subsequentes, tanto no que se refere ao tipo de
casa como ao regime de ocupação. Estas diferenças denotam, desde já, processos
de mobilidade ora ascendente ora descendente. Deste modo, e apesar dos tipos de
casa mais frequentes entre os atuais habitantes da Área Metropolitana de Lisboa
serem, nas casas de partida e nas de chegada, os apartamentos (novos e usados)
e as moradias (novas e usadas), algumas distinções são relevantes. Nas casas de
partida, são os imóveis usados que predominam, sobretudo as moradias, mas
seguidas dos apartamentos, o que está relacionado com o facto de a origem de
muitos dos atuais residentes da área metropolitana de Lisboa serem zonas mais
limítrofes ou fora da mesma, eventualmente zonas mais rurais. Os tipos de casas
predominantes nas casas de chegadas (que incluem, mas não apenas, a casa atual)
refletem de certa forma o parque habitacional da zona metropolitana em análise.
Assim sendo, o apartamento é o tipo de casa predominante, sobretudo o usado
(com mais de 60% do total de casas de chegada), seguido do apartamento novo com
mais de 15% do total de casas de chegada (Quadro_1).
As moradias, sobretudo as usadas, mas também as novas, sofrem entre as casas de
partida e as casas de chegada de um acentuado decréscimo, fruto simultaneamente
da menor oferta e da menor procura deste tipo de casas em contexto urbano e
cosmopolita. Apesar de permanecerem residuais, entre as casas de chegada são as
casas tipicamente transitórias e associadas a uma fase específica da vida
estudantil como os colégios internos, as residências de estudantes ou o aluguer
de quarto ou parte de casa que são mais frequentes.
O regime de ocupação da casa verificado é, tanto nas casas de partida como nas
casas de chegada, bastante binário. Somados, os casos de propriedade e os de
arrendamento atingem percentagens acima dos 90%. No entanto, entre as casas de
partida, o regime de ocupação em mais de 50% é o de propriedade, enquanto nas
casas de chegada essa percentagem é mais reduzida, rondando os 40%. Estes
resultados não contradizem a ideia de uma hierarquia social entre a propriedade
e o arrendamento, na medida em que entre as que chamamos de casas de chegada
estão as casas transitórias (por excelência ocupadas por arrendamento) e que
entre as mudanças de casa estão previsivelmente sobre representadas as
situações de arrendamento (dado que a mudança a partir de casa própria é, como
vimos acima, muito menos provável). Aliás, como se poderá confirmar na última
parte deste artigo, na maior parte de últimas habitações o regime de ocupação
é, em todas as gerações e na grande maioria das classes sociais, o da
propriedade (Conjunto de Figuras_5). As razões identificadas pelos indivíduos
para mudar de casa são bastante diversificadas.7 Os motivos mais mencionados
confirmam as teorias atrás apresentadas e estão relacionados com mudanças na
estrutura familiar (35% do total de razões apontadas), como o nascimento de
filho(s) ou a saída dos filhos de casa (o que reflete fases diferentes do curso
de vida), o fortalecimento de redes familiares ou acolhimento de familiares em
casa e, sobretudo, com a entrada na corresidência conjugal (em 86% dos casos
relacionados com a família). Este bloco de motivos familiares é seguido de um
bloco de motivos escolares e sobretudo profissionais (26%). Ainda com expressão
significativa, 20% dos motivos apontados são aspetos exógenos (relacionados com
a zona, vizinhança ou infraestruturas) e endógenos (tipologia, dimensão,
condições de habitabilidade) da habitação. Este três blocos de motivos refletem
de forma evidente os temas abordados na literatura sobre mobilidade
residencial. As respostas que estão relacionadas com eventos negativos e
disruptivos no curso de vida (dissolução conjugal, viuvez, doença, dificuldades
financeiras, etc.) e que denotam evidentemente mudanças involuntárias de casa
estão representadas em cerca de 9%. Com os restantes cerca de 9% estão as
razões associadas apenas com a primeira saída de casa dos pais ou do agregado
doméstico de origem, concretizada per se, isto é, sem nenhum motivo
profissional, educacional ou conjugal adicional.
Num olhar micro do curso de vida, pode verificar-se que certas tipologias de
casa estão associadas a certos momentos da vida, reflexo de períodos
demograficamente densos (constituídos por autonomizações residenciais,
inícios de corresidência conjugais, nascimento de filhos, etc.), do qual a
transição para a vida adulta é provavelmente o melhor exemplo (Rindfuss, 1991)
(Figura_1).
Pode, nesse sentido, verificar-se que as residências transicionais como os
colégios internos, residências de estudantes ou quartos ou partes de casa
(associados ao período jovem- adulto), como os lares e os quartéis ou como as
casas mais degradadas, tendem a ser experienciadas nas segundas, terceiras ou
quartas residências, para dar de seguida lugar aos tipos mais frequentes de
casas de chegada (e também de partida): os apartamentos e as moradias novas e
usadas. Mesmo entre estas quatro predominantes categorias, pode verificar-se
que as últimas casas tendem a ser tendencialmente mais novas do que usadas, o
que vem contribuir para confirmar a ideia de uma mobilidade residencial
ascendente ao longo da vida.
A ideia de uma mobilidade ascendente ao longo do curso de vida individual, pelo
menos no que toca à passagem de um regime de ocupação de arrendamento para o de
propriedade, confirma-se, de certa forma, no cruzamento entre o escalão etário
e esse evento. À medida que se avança no curso de vida aumenta o número de
compras de casa e aumentam também as mudanças de casa relacionadas com a casa
propriamente dita, seja com as suas condições endógenas, seja com as suas
condições exógenas. Desta forma, o regime de ocupação associado a cada mudança
de casa está relacionado não só a um momento específico do curso de vida como
também a diferentes motivações, voluntárias ou involuntárias (Figura_2).
As mudanças por motivos de trabalho e de estudo encontram maior presença nas
mudanças de casa para situações de arrendamento, por serem situações por
natureza mais provisórias, transitórias e flexíveis que tendem a ser melhor
respondidas por investimentos mais rápidos e a curto prazo. O mesmo sucede, em
menor escala e com menor diferença entre os dois regimes, no caso dos eventos
disruptivos, que tendem a exigir ao individuo uma mudança rápida, mais flexível
e de menor custo do que a que se consubstancia com a mudança para uma casa
própria. Pelo contrário, os eventos familiares associados a mudanças na
estrutura do agregado doméstico (como a entrada na conjugalidade ou o
nascimento de um filho), as mudanças proporcionadas por insatisfações com a
tipologia ou condições de conforto da casa ou com a sua envolvente,
infraestruturas ou vizinhança, são muito mais frequentes entre as mudanças para
casa própria. Estes dois conjuntos de eventos são, por definição ou por desejo,
encarados como mais irreversíveis ou pelo menos de mais lenta ou imprevisível
alteração.
A variabilidade das razões que justificam as alterações da residência é
sintomática de mudanças sociais ao nível do curso de vida numa perspetiva mais
macro, isto é, tendo em conta o momento histórico ou social em que o evento
ocorreu; e também numa perspetiva mais micro, isto é, tendo em conta o momento
da vida individual em que a mudança de casa ocorreu (Figuras_3_e_4).
Assim sendo, numa perspetiva mais macro sociológica do curso de vida, pode
verificar-se que, em meados do século XX, as mudanças de casa ocorrem por duas
grandes ordens de motivos, muito provavelmente relacionadas entre si: as
relacionadas com os aspetos endógenos e exógenos da habitação e as relacionadas
com a procura de trabalho ou entrada no mercado de trabalho. Esta última ordem
de razões sofre no período seguinte um acentuado aumento, com consequente
diminuição proporcional das mudanças ocorridas por motivos relacionados com a
casa propriamente dita, e com o aumento proporcional de outras ordens de razões
para a mudança (entre os quais se destacam os eventos familiares, os eventos
disruptivos e ainda o desejo de autonomização). Consolidado no período pré-
revolução, as saídas de casa por motivos relacionados com o trabalho e com os
estudos tendem a diminuir, fruto de um acentuado decréscimo de processos de
migração interna e apesar de um aumento comedido das mudanças de casa
relacionadas com a alteração de residência para frequência de ensino,
nomeadamente superior. A centralidade dos eventos familiares como motivo para a
mudança de casa (especialmente para a primeira), com grande destaque para a
entrada na conjugalidade tem, desde o período pré-revolução, sido mantida
(Nico, 2011). Estes eventos são ainda hoje os que proporcionalmente mais se
associam às mudanças de casa.
Pode verificar-se, porém, que as mudanças de casa que resultam de adaptações a
eventos disruptivos têm vindo a ganhar relevo desde 2001. Este novo destaque
tem fundamentalmente a ver ora com processos de dissolução conjugal ora com
dificuldade financeira em manter o encargo mensal com a casa (eventualmente
decorrente de situações de desemprego). Estas alterações diacrónicas nas razões
por detrás da mudança de casa vão ao encontro de tendências demográficas fortes
na sociedade portuguesa, das últimas décadas; como a desinstitucionalização das
relações conjugais (mas persistência da importância dos eventos conjugais ' de
entrada ou dissolução ' no desenrolar do restante curso de vida); e, mais
recentemente, o expressivo aumento da taxa de desemprego.
Por outro lado, numa perspetiva mais micro-sociológica do curso de vida pode
verificar-se que a principal razão para a mudança de casa está também
profundamente relacionada com o momento da vida, aqui operacionalizado através
do escalão etário, em que o evento ocorreu. As mudanças de casa até aos 15 anos
do indivíduo deverão dizer evidentemente respeito a eventos ocorridos no seio
do seu agregado doméstico, mais do que concretamente na sua vida, e por esse
motivo não lhes será dado aqui grande destaque. O período seguinte, dos 16 aos
24 anos de idade, é o intervalo etário no qual a maioria dos eventos que
despoletam mudanças de casa está relacionada com a esfera familiar,
nomeadamente com a entrada na conjugalidade mas também na parentalidade. Com o
passar dos anos, a importância dos acontecimentos familiares na decisão e
concretização da mudança de casa diminui, dando lugar a outros dois blocos,
alegadamente antagónicos, de eventos. Um destes está relacionado com a
habitação propriamente dita, como, por exemplo, com um modelo de casa
indesejado, a limitada dimensão ou as suas condições de habitabilidade
(antiguidade ou funcionalidade). Esta ordem de motivos leva os indivíduos a
mudar para habitações claramente melhores. Assim sendo, ao longo da vida dos
indivíduos, parece ocorrer um aumento das mudanças de casa pautadas pela
procura de maior conforto da habitação e de satisfação com a zona envolvente,
ao qual está latente a ideia de uma mobilidade residencial ascendente. Contudo,
na segunda ordem de motivos está latente uma alegada trajetória de mobilidade
residencial descendente, na medida em que as mudanças de casa são fruto de
eventos negativos e disruptivos do curso de vida como dissolução conjugal,
viuvez ou dificuldade em manter o encargo com a habitação.
3. Carreiras habitacionais e mudanças geracionais e sociais
As carreiras habitacionais dos indivíduos refletem e acarretam diferenças
sociais sincrónicas e diacrónicas da sociedade onde se desenvolvem. O estudo
dos momentos de mudança de casa, dos períodos de permanência nas mesmas e da
sua heterogeneidade por geração e lugar de classe contribui para uma análise
sobre mudança social. O conjunto de figuras seguinte ilustra estes dados
precisamente por coorte etária e lugar de classe (conjunto de figuras_5).
A ideia, atrás referida, de que entre as situações de arrendamento e de
propriedade existe, a la longue, uma hierarquia social em que as mudanças de
situações de arrendamento para situações de propriedade sugerem claramente
trajetórias de mobilidade social ascendente (e que as situações inversas
sugerem um downgraderesidencial causado por eventos negativos ou disruptivos do
curso de vida) (Helderman, 2007: 239), pode confirmar-se nesta amostra
delimitada pela Área Metropolitana de Lisboa. De facto, embora menos
frequentemente nas coortes etárias mais velhas e nas classes sociais da base, é
visível a predominância dos casos que ilustram processos de mobilidade
habitacional ascendente (de arrendamento como casa de partida e propriedade na
casa de chegada) face aos que ilustram processos de mobilidade descendente.
Assim sendo, na classe dos Empresários, Dirigentes e Profissionais Liberais
(EDL) e em todas as coortes etárias consideradas, as mudanças de casa dos
indivíduos relevam que as situações predominantes são aquelas que ou partem de
situações de propriedade e nelas se desfecham (tanto quando é possível
averiguar isso nas coortes mais recentes, cujas trajetórias estão de certa
forma incompletas) ou, partindo de situações de arrendamento, conduzem a
situações de propriedade. No entanto, e mesmo para os indivíduos atualmente
situados na classe dos EDL, é notório que no caso da coorte mais recente as
situações provisórias e alegadamente transitórias de arrendamento de casa são
mais longas do que nas coortes passadas. Tal refletirá em diferentes escalas '
difíceis de determinar com os dados aqui disponíveis ' as mudanças profundas na
composição desta classe social (sobretudo de recursos escolares, com o aumento
dos mesmos) e a acrescida dificuldade em atingir estabilidade profissional no
presente momento histórico e económico em Portugal, mesmo para este grupo
social.
No caso dos Profissionais Técnicos e de Enquadramento (PTE), o percurso da
coorte dos 55 aos 64 anos aproxima-se mais do dos observados para as classes
mais baixas, registando elevados níveis de reprodução social do arrendamento.
Assim sendo, neste escalão etário, a reprodução social do arrendamento aparenta
ter sido mais consequência de um efeito de episódio histórico ' neste caso o
congelamento das rendas fruto de políticas do Estado Novo (Melo, 2007) ', do
que de efeitos da estrutura social. O caso dos Trabalhadores Independentes
(TI), por sua vez, começa a demonstrar a tendência geral aqui encontrada e mais
claramente visível nos extremos da escala social: quanto mais elevada a posição
social, mais visível a predominância de casos em que tanto as casas de partida
como de chegada são próprias, em que os períodos de arrendamento são mais
curtos e em que os casos de reprodução social do arredamento são mais
residuais. Assim sendo, no grupo dos TI, especialmente na coorte mais recente,
a maior parte dos indivíduos vive atualmente em regime de arrendamento, o que
relevará de uma de três ou da conjugação das três seguintes situações: períodos
vividos em arrendamento mais longos; um crescimento das situações da reprodução
social do arrendamento; um aumento da ocorrência de mobilidade habitacional
descendente.
No caso dos Empregados Executantes (EE) e dos Operários (O) é clara uma
predominância, por comparação às restantes classes, de casos em que a infância
e o período anterior à autonomização habitacional foram vividos em contexto de
arrendamento; de episódios de reprodução dessa experiência de arrendamento nas
suas próprias vidas (ou seja, por casas de chegada em situações de
arrendamento), isto é, uma maior predominância da reprodução social do
arrendamento em todas as coortes; e ainda, sobretudo no grupo dos O e de um
ponto de vista diacrónico, um crescimento dos casos de mobilidade residencial
descendente.
Para resumir, à exceção do que se parece ter passado na coorte dos 55 aos 64
anos, a que mais diretamente terá sofrido os efeitos dos congelamentos das
rendas no período do Estado Novo e que durante largos anos permaneceram
intocáveis, as diferenças entre as classes sociais ' mesmo tendo em conta que
estas também são produtos diacrónicos e que apesar de um rótulo único, a sua
composição interna é muito heterogénea ' parecem ser mais marcadas do que as
geracionais ou do que os episódios ou períodos históricos. A principal
tendência diacrónica a apontar é de facto uma maior predisposição ' causada por
uma mais alargada estrutura de oportunidades e de mobilidade profissional ou,
pelo contrário, por uma maior vulnerabilidade a eventos desencadeadores de
processos de mobilidade habitacional descendente ' para as situações de
arrendamento.
Conclusões
As mudanças de casa são processos que, para além de envolverem uma série de
decisões tomadas em contextos sociais, habitacionais e históricos específicos e
que desenham, conjuntamente, carreiras habitacionais, devem também ser
entendidas como indicadores que permitem analisar, sob a perspetiva do curso de
vida, a mudança social. Neste artigo, e com base em dados do projeto
Trajectórias Residenciais e Metropolização: continuidades e mudanças na Área
Metropolitana de Lisboa, a estrutura social dos padrões de mudança de casa foi
abordada tendo em conta essencialmente o regime de ocupação da casa, o evento
de vida associado pelo próprio indivíduo à mudança de casa, o lugar no tempo
social e individual dessa mudança, e ainda as alterações mais vastas de nível
geracional e social ocorridas nas carreiras habitacionais dos indivíduos nas
últimas décadas. Estes indicadores permitem analisar a hipótese de que a
mobilidade residencial ascendente é provocada por mudanças de casa voluntárias,
por mudanças de situações de arrendamento para situações de propriedade, por
upgradesnos aspetos exógenos ou endógenas da casa propriamente dita, e é
motivada por eventos de vida não disruptivos.
Com este artigo pretendeu-se usar o potencial do mercado de habitação enquanto
indicador que contribui para o entendimento dos processos de estratificação, de
desigualdades sociais (Kurz e Blossfeld, 2004) e de mudança social. Através de
análises macro e micro do curso de vida, foi então possível verificar o forte
impacto que determinados períodos históricos (como no caso Português, o do
Estado Novo) e determinados momentos e eventos da vida têm nas trajetórias
habitacionais dos indivíduos, e de que forma diferentes estratos sociais afetam
e são afetados por estas mesmas trajetórias. Longe de ter esgotado todo o
mencionado potencial, este artigo lança para linhas de investigação futuras as
respostas a algumas questões, entre outras: como competem e são negociados, num
mesmo agregado familiar, os vários motivos para a mudança de casa?; como
responde o mercado de habitação, nomeadamente de arrendamento, a estas mudanças
mais recentes na esfera familiar e profissional?; como se processa a reprodução
social do regime de ocupação no interior de uma mesma família?
Os dados permitiram verificar que os vários tipos de razões apontadas pelos
indivíduos atualmente residentes na AML para as suas mudanças de casa
correspondem aos vários triggersda mudança de casa identificados na literatura
(Winstanley, Thorns e Perkings, 2002: 815). Estas razões são, nomeadamente, as
relacionadas com a esfera privada e familiar, que justificam cerca de 35% do
total de motivos apontados para mudar de casa (sobretudo no que se refere à
entrada na conjugalidade) e que se coadunam com as perspetivas do modelo de
etapas de vida; seguidas das relacionadas com a mobilidade ocupacional e
profissional, eventualmente baseada em racionalidade económica; e, por fim, as
relacionadas com os aspetos exógenos e endógenos da casa propriamente dita.
Acrescente-se aqui a importância dos eventos disruptivos do curso de vida que,
no total das mudanças de casa verificadas, justificam 9% das mesmas. Estes
eventos de vida, porque caracterizados por momentos específicos do curso de
vida ou por momentos de cariz positivo ou negativo ' que implicam mudanças
voluntárias ou involuntárias de casa ', estão também relacionados com o regime
de ocupação da casa. Assim sendo, as mudanças de casa por motivos educacionais
ou profissionais são mais frequentes nos casos de arrendamento, bem como
sucede, numa menor escala, com os eventos disruptivos de vida. Pelo contrário,
as mudanças do foro familiar ou as que se caracterizam por pretenderem corrigir
ou melhorar aspetos endógenos ou exógenos da habitação são mais frequentes nos
casos de mudança para regime de propriedade.
Os motivos para mudar de casa sofrem alterações ao longo da vida. Se as
primeiras mudanças acarretam alterações na estrutura familiar propriamente dita
e estão muito relacionadas com eventos de ordem familiar, as seguintes serão
pautadas ou por processos de mobilidade habitacional ascendente nomeadamente
através da melhoria das condições casa ou da sua envolvente ou, em menor
proporção, por processos de mobilidade habitacional descendente caracterizados
por mudanças de casa involuntárias, justificadas por momentos negativos e
disruptivos de vida. Por fim, uma análise das carreiras habitacionais por
geração e classe social permite-nos concluir que, à exceção de um período
histórico pautado pelo congelamento das rendas (durante o Estado Novo) que veio
criar uma certa homogeneização dos percursos nas várias classes sociais (à
exceção dos EDL), inflacionando a predisposição para situações mais longas ou
finais de arrendamento, as diferenças sociais parecem ser mais marcantes do que
as geracionais. De uma maneira geral, o que se verifica também é que quanto
mais elevada a posição social do indivíduo, mais predominante é a experiência
de casa própria, tanto como casas de partida como de chegada, com períodos
menos frequentes e mais curtos de regimes de ocupação pelo arrendamento.
Notas
1 Investigadora de Pós-Doutoramento do Instituto Universitário de Lisboa
(ISCTE-IUL), Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-IUL) (Lisboa,
Portugal). Endereço de correspondência: CIES-IUL, Edifício ISCTE, Av. das
Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, Portugal. E-mail: magda.nico@iscte.pt
2 Mais informações podem ser consultadas no site oficial do projeto (http://
www.trajectorias-_residenciais.com).
3Os três grupos etários construídos pela equipa do projeto são os nascidos
entre 1945-1954, entre 1955-1964 e entre 1965-1975. Esta divisão consubstancia-
se também historicamente: a primeira coorte terá vivido a sua autonomia
residencial durante o período ditatorial; a segunda coorte no pós-transição
democrática, entre a revolução de 1974 e a adesão à então Comunidade Económica
Europeia; e a terceira coorte terá vivido a sua autonomia residencial durante
os efeitos de modernização cultural, social, económica e educacional (Pereira,
Ferreira, Ramos e Coto, 2012: 7). A diferenciação empiricamente verificada
entre as trajetórias destas coortes etárias pode ser consultada em Pereira,
Ferreira, Ramos e Coto (2012: 9).
4 N= 3651.
5 N=1500.
6 A título de exemplo, ver investigação qualitativa circunscrita à primeira
saída de casa dos pais de uma camada mais jovem da população (dos 26 aos 32
anos em 2009), pretendeu identificar como é que eventos da vida que costumam
passar despercebidos em análises mais estandardizadas, nomeadamente os amorosos
(Nico, 2012), tiveram efeitos diretos (ainda que não absolutos) nas carreiras
habitacionais dos jovens adultos (Nico, 2011: 235-297).
7 Só foi considerada a primeira numa hierarquia de três selecionada pelos
respondentes.
8 Antes de mais, algumas notas para a leitura destas figuras: em cada linha
está representada uma trajetória individual e cada mudança de tom representa
uma mudança de casa. Em coluna estão representados os anos de vida do
indivíduo. Os resultados foram apresentados por geração (três, em coluna) e por
classe social (cinco, em linha).
9 Para uma consulta dos Mapas de carreiras habitacionais por geração e classe
social que têm em conta o número de casa, que serviu de base à presente
análise, consultar https://www.academia.edu/5583212/
Conjunto_de_figuras_5._Mapas_de_carreiras_habitacionais_por_geracao_e_classe_social