Pressupostos para a construção de uma sociologia das redes sociais
1. De que falamos, quando falamos de redes. Uma introdução
Falar em redes, tal como falar em campo, sistema e estrutura, vai muito para
além campo das várias ciências. Das ciências experimentais, passando pelas
aplicadas até às sociais e humanas, deparamo-nos com uma multiplicidade de
aplicações no uso dos conceitos, quadro que complexifica qualquer tentativa de
clarificação dos mesmos, gerando uma certa polissemia concetual.
A conceção de redes é também polissémica e remete-nos para uma multiplicidade
de sentidos e contra sentidos, quadro que se agudiza num contexto atual em que
as redes sociais atravessam uma multiplicidade de ângulos e fenómenos sociais.
O conceito de redes apresenta uma dinâmica descritiva e explicativa nos
diferentes fenómenos sociais, razão pela qual é fundamental diferenciar a
conceção de rede da conceção de rede social. Apesar da tradição filosófica de
cerca de uma centena de anos, na década de 90 do século XX, os estudos sobre
redes passaram a beneficiar de uma multiplicidade de significados associados à
globalização, sociedade da informação e cibercultura. Hoje, a rede remete-nos
para uma conceção ampla, que decorre do uso em vários domínios: redes
organizacionais, redes informáticas, redes virtuais, redes de comunicação,
entre outras, num quadro de heterogeneidade condicionado pelo marco teórico e
pelas opções metodológicas que nos ajudam a compreender a rede.
A trilogia de Manuel Castells (1999, 2000) foi uma das obras que mais
contribuiu para a discussão em torno do conceito de rede na teoria social,
partindo da globalização como objeto de análise. O argumento de Castells
consubstancia-se na tese de que o capitalismo está cada vez mais articulado em
redes mundiais de circulação de capitais e produtos, e que isso tem um impacto
preponderante nas pessoas e no mundo. Segundo Castells, as redes são globais e
as identidades, embora possam ser estimuladas pelo processo de globalização,
são locais (Castells, 1999). Igualmente a massificação das redes sociais
virtuais, que estamos a presenciar, remete-nos para um quadro de complexidade
em que importa compreender a arquitetura das interações sociais que daí
resultam.
Quando tratamos de redes sociais é indispensável um olhar com alguma acuidade
para a Teoria das Redes Sociais, a qual beneficia dos avanços teóricos e
metodológicos de várias ciências sociais. Resulta igualmente da consagração de
várias correntes e linhas teóricas da antropologia, da psicologia, da
sociologia e da matemática dos grafos, que sustentam a sua formalização
enquanto «nova forma» de olhar a realidade social.
As redes sociais são, hoje, redes de comunicação e interação que envolvem uma
linguagem simbólica, limites culturais e relações de poder. Nos últimos anos
surgiram como um padrão organizacional capaz de expressar, através da sua
arquitetura de relações, interações sociais, políticas e económicas de caráter
inovador, com a missão de ajudar a explicar alguns problemas atuais. São a
manifestação de uma nova forma de conhecer, pensar e concetualizar a realidade
social.
Com influências do pensamento sistémico, as redes sociais dão origem a novos
valores, a novas formas de pensar e a novas atitudes. Em 1954, pela primeira
vez, tomamos conhecimento do conceito de rede social (social network), por
intermédio do antropólogo britânico Jonh Barnes (1987), que analisou a
importância da amizade, do parentesco e da vizinhança como relações informais e
interpessoais na estruturação e na integração dos pescadores de uma pequena
comunidade. Para Barnes a vida social era considerada um conjunto de pontos
(nós) que se estruturavam em teias de relações.
O que distingue as redes sociais das redes espontâneas e naturais reside na
intencionalidade dos relacionamentos e nos objetivos comuns estabelecidos entre
os elementos que nelas interagem. Contudo, apesar destas características
especiais, a forma de operar das redes sociais traduz princípios semelhantes
aos que regem os sistemas vivos. Todavia, o conceito de redes sociais tem sido
utilizado nas ciências sociais e humanas de diferentes modos e sentidos. Num
sentido mais metafórico, refere-se a uma conceção da sociedade como sendo
construída por redes de relações interpessoais ou intergrupais. A noção de
redes é também usada como instrumento de análise de redes e conexões, sendo
mapeadas e classificadas no seu número, intensidade e qualidade de nós.
Se nos reportarmos a um exame histórico sobre os desenvolvimentos empíricos,
teóricos e matemáticos que se têm produzido na investigação sobre redes,
deveríamos convencer o leitor de que a análise de redes sociais cobre muito
mais aspetos do que um vocabulário intuitivamente sedutor, uma metáfora ou um
conjunto de imagens destinadas a dar conta das relações sociais, dos
comportamentos, das políticas ou das economias (Wasserman e Faust, 1998).
Para Mercklé, a análise de redes sociais “não é uma técnica que procura
simplesmente proceder a uma descrição das estruturas sociais, uma espécie de
‘sociografia' do mundo social” (2004: 93). Por outro lado, Molina (2001)
defende que a análise de redes sociais é uma técnica que permite fazer um
diagnóstico sobre uma determinada situação, como por exemplo um território,
numa lógica macro ou micro. Assim, para o autor, a análise redes sociais é
também uma ferramenta que possibilita ao investigador localizar estruturas
dentro de redes e construir novas perguntas e respostas.
A análise de redes sociais parte de um postulado clássico que define a dimensão
coercitiva dos fenómenos sociais e que define uma aproximação sociológica
depois de Durkheim. Este postulado procura as causas dos factos sociais nas
características dos desenvolvimentos estruturais em que eles se inserem. A
forma das redes pode ser tomada como um fator explicativo dos fenómenos sociais
analisados porque, por exemplo, determina a acessibilidade de alguns recursos
sociais, como o prestígio, a amizade, o poder, etc.
Esta lógica de rede assume-se como uma espécie de variável contextual de
elevada complexidade em que, partindo do contexto (estrutura), se procuram
explicações para os fenómenos, numa espécie de rutura com as análises
sociológicas ditas tradicionais.
Para Molina (2001) a análise de redes sociais centra-se no estudo das relações
estabelecidas entre um conjunto definido de elementos (pessoas, grupos ou
organizações), separando-se das análises sociológicas tradicionais que se
centram sobretudo nos atributos destes elementos.
Mitchell, citado por Mercklé, refere que a rede se assume como um “conjunto
particular de interligações (linkages) entre um conjunto limitado de pessoas,
com a propriedade suplementar que as características dessas inter relações
consideradas como uma totalidade, podem ser utilizadas para interpretar o
comportamento social das pessoas implicadas” (Mercklé, 2004: 93).
Para Degenne e Forsé (1994) a análise de redes sociais distancia-se da análise
sociológica tradicional, sobretudo ao nível das aproximações funcionalistas,
para uma corrupção “formal” do determinismo social. O constrangimento exercido
pelas estruturas sobre os indivíduos é um constrangimento débil, o qual torna o
indivíduo livre dos seus atos. Porém, importa sublinhar, na linha do que
defende Mercklé (2004), que a ambição da análise de redes sociais não é somente
perceber os “efeitos” das estruturas sobre os comportamentos, mas também
perceber os efeitos dos comportamentos sobre as estruturas sociais onde se
desenvolvem as interações.
Como é que as estruturas estáveis se cristalizam de forma a produzir estruturas
sociais estáveis? De uma forma quase consensual, os autores mais referenciados
na análise de redes sociais partem de hipóteses sobre a racionalidade do
comportamento relacional dos atores sociais, sem os quais parece não ser
possível explicar a emergência das estruturas sociais (Langlois, 1977; Wippler,
1978; Coleman, 1988; Burt, 1992; Flap, 1997; Forsé e Langlois, 1997; Mercklé,
2004).
Na sociologia, particularmente na teoria dos grafos, procura-se analisar a
dinâmica do grupo em função das relações que os seus membros estabelecem entre
si. Esta análise estrutural fornece indicadores que permitem identificar
algumas propriedades do grupo ou até mesmo caracterizar a influência que cada
indivíduo ocupa no grupo. Porém, apesar da simplicidade desta equação, há ainda
uma certa agitação teórico-concetual na construção de um objeto sociológico
para uma denominada sociologia das redes sociais. Este artigo, de natureza
teórica, procura encetar uma discussão de contexto sobre os pressupostos que
podem contribuir para a construção de uma sociologia das redes sociais. Os
pressupostos da abordagem das redes sociais, o olhar enquanto “novo” paradigma
nas ciências sociais e humanas e os pressupostos para a sociologia das redes
sociais são alguns contributos para o encetar reflexão teórica, num contexto em
que as redes sociais assumem uma função multifacetada.
2. Redes sociais. Contextos e tendências
O conceito de redes sociais abarca em si mesmo um conjunto de correntes
provenientes de várias disciplinas como a antropologia, a sociologia, a
psicologia e a matemática dos grafos (Fialho, 2008). A análise de redes sociais
tem a sua origem em teorias antropológicas (funcionalismo estrutural
britânico), psicológicas (Gestalt) sociológicas (sociometria e estruturalismo
funcional norteamericano) e em teorias matemáticas, como a teoria dos grafos.
Os conceitos fundamentais numa rede social são os atores, os nós e as ligações
que nos permitem, através da visualização gráfica, uma radiografia da estrutura
social. Para Requena Santos trata-se de “uma via muito interessante de
explicação da realidade social” (2003: 3). Um ator pode ser uma pessoa, um
grupo, uma empresa, ou seja, qualquer unidade social, enquanto uma ligação é a
conexão entre dois atores. Ao conjunto dos atores e as suas ligações chama-se
grupo e são denominados subgrupos quando os atores e respetivas ligações são
parte ou subconjunto do grupo. Ao conjunto de ligações de um tipo específico
entre os membros de um grupo chama-se relação.
Do ponto de vista da evolução cronológica, a génese das redes sociais remete-
nos para os anos 30 do século XX, tendo sido movida pelo interesse de estudar
as relações sociais em pequenos grupos sociais. Psicólogos alemães da
Gestaltabandonaram o seu país para se instalarem nos Estados Unidos da América,
onde desenvolveram várias linhas de investigação. Kurt Lewin estudou o conceito
de “distância social”, bem como a sua representação gráfica e formalização
matemática. Moreno desenvolveu sociometria, não como uma técnica mas como um
paradigma. Fritz Heider defendeu o pressuposto de que uma rede de relações
interpessoais se deve reger pelo “equilíbrio” ou “balanço” (Molina, 2001;
Fialho, 2008; Silva, Fialho e Saragoça, 2013). Esta ideia foi retomada, em
1965, por Harary, Norman e Cartwright, com a aplicação da análise de grafos à
análise social.
Um dos alunos australianos de Radcliffe-Brow, o antropólogo Lloyd Warner
deslocou-se para Harvard, em 1929, para desenvolver um trabalho de investigação
científica com o seu colega Elton Mayo, psicólogo social. Ambos participaram
nos estudos de Hawthorne, desenvolvidos na Western Electric Company de Chicago.
Estes estudos tinham como principal objetivo a identificação da influência dos
aspetos psicológicos e sociais no rendimento dos trabalhadores. Estes estudos
foram realizados com muito rigor e durante muitos anos, com múltiplas
experiências interessantes para o quadro da teoria organizacional, psicologia
social, sociologia e antropologia. Destes estudos sublinha-se para a análise de
redes sociais a identificação de subgrupos (cliques) no sistema de relações
sociais.
Entre vários ganhos, os estudos de Hawthorne vieram possibilitar a
identificação de cliques, conjuntos de pessoas com laços informais que explicam
a sua conduta no quadro do seu trabalho. Mesmo sem recorrer a Moreno, foram
desenvolvidos sociogramas que procuraram evidenciar claramente a existência de
alguns agrupamentos de pessoas.
Warner abandonou o estudo antropológico que estava a realizar numa organização
para canalizar os seus esforços para o estudo de uma pequena cidade de New
England City, em Newburyport (conhecida como Yankee City). Regressou a Chicago
para se reagrupar a Radcliffe-Brown, onde iniciaram e desenvolveram o estudo
das comunidades do sul dos Estados Unidos. Estes estudos defenderam a tese de
que não só existem relações entre pessoas, mas também os grupos de que estas
fazem parte articulam-se entre si, numa complexa rede de relações que explica a
integração global no sistema social. Por influência destes investigadores
passou-se a ter em conta as matrizes que relacionam pessoas e situações, grupos
e classes sociais.
Também a análise etnográfica das estruturas elementares de parentesco de Claude
Lévi-Strauss, na década de 40, conduz-nos à importante noção de que “a ideia de
rede social é orientada para a análise e descrição dos processos sociais que
envolvem conexões que ultrapassam os limites dos grupos e categorias” (Fialho,
2008: 185).
Igualmente, em 1954, o conceito de rede social foi utilizado pela primeira vez
pelo antropólogo britânico John Barnes, que através da análise das relações
entre pescadores de uma pequena comunidade, considerou que a vida social era
considerada um conjunto de pontos (nós) que se estruturavam numa teia de
relações (Fialho, 2008; Molina, 2001).
Os anos 50 e 60 foram caracterizados por inúmeras investigações que identificam
a escola de Manchester como um marco essencial para a génese das redes sociais.
Entre vários investigadores destacam-se os nomes de: John Barnes, que em 1954
foi o primeiro investigador a utilizar o termo rede; Elisabeth Bott e os seus
trabalhos “Família e Rede Social”, que introduz o termo “conectividade”, em
1955; e por fim, Clyde Mitchell que, em 1969, advoga que a análise de redes
sociais possibilita uma visão complementar à visão tradicionalmente instituída.
Entre os contributos desta escola contam-se ainda os de Kapferer, a quem
pertence o conceito de “multiplicidade”, ainda hoje utilizado em análise de
redes sociais, bem como o contributo de Mayer, através da introdução dos
“vínculos fortes e vínculos débeis”.
Em meados dos anos 70, Harrison White com o seu grupo de Harvard – Lorrain,
Boorman, Breiger e Levine –, desenvolve modelos matemáticos das estruturas
sociais. Daqui resultou a conceção de medida de equivalência estrutural,
marcando decisivamente o quadro da investigação da análise de redes sociais,
possibilitando também uma rutura com a sociometria clássica, isto é, a passagem
da relação entre os atores para a relação entre as posições estruturais. Quase
simultaneamente, Ronald Burt, na Universidade de Chicago, expandia uma nova
técnica que tinha também por base o mesmo objetivo: enquadrar os atores em
categorias semelhantes ou distintas, de acordo com as relações semelhantes ou
distintas que mantinham na rede. Estes avanços foram decisivos: a interação dos
atores conduz até à definição das posições do sistema social; a partir da
relação entre essas posições à estrutura do todo. Com este passo, a análise de
redes deixa de se circunscrever única e exclusivamente ao processo de análise
de pequenos grupos e de redes ego-centradas em benefício da análise de
situações macroestruturais. Por outro lado, assiste-se ao surgimento de um
instrumento que permite identificar as posições e explicar os comportamentos em
situações sociais que aparentemente tinham uma estrutura subjacente, tais como
movimentos sociais, associações voluntárias e subculturas marginais.
Na linha da explicação das posições e comportamentos sociais, a teoria do ator
rede (ANT)1, de Law (1999), Latour (2005) e Callon (1999), que, apesar de
alguma controvérsia no quadro da sociologia crítica, veio enfatizar a ideia de
que os atores, humanos e não humanos, estão sistematicamente ligados a uma rede
social de elementos materiais e imateriais. Trata-se, aqui, nas palavras de Law
(1994), de uma sociologia de verbos e não de uma sociologia de nomes. Conceitos
como nível, camada, território, estrutura, sistema, entre outros,
recorrentemente utilizados no quadro das ciências sociais, não são
compreendidos como determinações, que estariam “por trás” dos processos
empíricos analisados. A teoria do ator-rede foi construída à luz de uma
perspetiva construtivista e sustentada nos conceitos de “tradução e rede” e de
dois dos princípios preconizados por Bloor (1976): o “princípio de
imparcialidade”, em que não devemos conceder um privilégio àquele que conseguiu
a reputação de ter ganho e de ter tido razão face a uma controvérsia
científica; e o “princípio de simetria”, em que os mesmos tipos de causas podem
explicar as crenças verdadeiras e as crenças falsas, contribuindo para a
compreensão do conceito de rede no quadro da sociologia contemporânea.
A teoria do processo e da figuração de Norbert Elias (1994) sustenta-se na
relação funcional da interdependência recíproca que se estabelece entre os
indivíduos que vivem em sociedade. Elias ultrapassa o campo das dicotomias já
determinadas, na medida em que estabelece, a priori, uma relação de
interdependência entre o indivíduo e a sociedade. Esta perspetiva pretende
construir modelos de análise e descodificar, a longo prazo, as alterações nas
estruturas sociais, de forma a que se possa visualizar o sentido do seu curso.
Outro contributo deste modelo concetual, além da noção processual, é a ideia de
figuração, assente na compreensão das organizações sociais (família, escolas,
cidades, estratos sociais) como sendo formadas pelas relações de
interdependência entre os indivíduos. No processo de figuração são analisadas
as dinâmicas das inclinações individuais que levam várias pessoas a agruparem-
se e formarem uma sociedade. Nesta linha, os sentimentos e os padrões de
comportamento individual são tidos em consideração com a análise da
macroestrutura social.
Em Elias (1994) e Latour (2005) é possível sustentar a ideia que não estamos
sozinhos nem afastados do mundo e que estamos ligados por uma teia de
interdependências que formam uma rede. Com esta lógica de rede de
interdependências de Elias, e com a rede de associações entre humanos e não
humanos de Latour, o papel que desempenham a trajetória dos sujeitos e a
ambivalência e a interdeterminação no fluxo da ação desaparecem.
Esta lógica da interdependência e da rede de associações preconizadas por Elias
e Latour, enquadra-se numa linha de complementaridade com a “liberdade dos
atos” de Goffman (2003). Isto é, a proposta de análise dos padrões de interação
de Goffman insere-se numa linha da sociologia que procura pensar a sociedade a
partir dos vínculos entre espaço e vida social. Na sua obra, o autor procura
estabelecer, por um lado, uma análise sociológica que visa conhecer o mundo
social ainda pouco conhecido por parte da sociologia, ou seja, manicómios,
prisões e conventos, os quais designou de instituições totais. Por outro lado,
procurou também analisar o comportamento dos atores sociais nos lugares
públicos onde o indivíduo beneficia de uma certa “liberdade” na prática dos
seus atos. Esta perspetiva analítica desvenda que, nesses locais, evoluem
formas de interação entre atores sociais que procuram, de várias formas, manter
a estruturação do eu (self), enquanto elemento inserido dentro de um contexto
social.
Numa linha mais formalista das interações sociais, os analistas de redes socais
dos anos 80 sustentam um grande boomno desenvolvimento da análise de redes
sociais. Entre estes avanços, destacam-se: o conceito de autonomia estrutural
de Burt (1992) e de embeddedness, em Granovetter (1973); o conceito de capital
social desenvolvido por Coleman (1988) e Granovetter (1973), entre outros; os
trabalhos de Marsden e Lin (1992), Friedkin (1984), Burt (1992) e Valente
(1995), que sustentam uma visão mais dinâmica da análise de redes, pois
postulam a Social Network Analysiscomo canais que os atores utilizam para
influírem nos comportamentos de outros.
A partir dos anos 80, a análise de redes sociais começou a ganhar maior
protagonismo, principalmente devido aos avanços no campo da matemática e da
estatística, bem como aos avanços técnicos da área da informática, com a
consolidação de aplicações para mapeamento da estrutura social. A divulgação
científica através de revistas on-line, a criação da organização profissional
INSNA (International Network for Social Network Analysis), a realização de
conferências e congressos da especialidade (Sunbelt), a dinamização de revistas
temáticas (Connections,Journal of Social Srtucture, Social Networks, Revista
Redes), a par da coleção especializada dirigida por Mark Granovetter na
Cambridge University Press, são marcos na consolidação da análise de redes
sociais enquanto metodologia científica.
Atualmente a análise de redes sociais é aplicada nas disciplinas de origem,
como a sociologia, a antropologia, a psicologia e a matemática dos grafos, como
também em áreas como a ciência política, a economia, a física, a biologia e a
informática, entre outras.
Do ponto de vista da investigação podemos encontrar dois tipos de estudos. Por
um lado, o estudo da “rede total”, no qual o investigador estuda os laços de
todos os atores que compõem o universo em estudo; e, por outro lado, as redes
“egocêntricas”, em que o ponto de partida é o indivíduo (ego) que se encontra
no centro da rede. Este tipo de estudo assume uma maior preponderância em temas
como a integração social, o acesso a recursos e a estrutura de interações de um
dado indivíduo.
Em Portugal, contudo, “a investigação em análise de redes sociais ocupa ainda
um lugar muito modesto o que, comparativamente com países como Espanha e
França, não assume grande expressão” (Fialho, 2008: 21). Destacam-se apenas
alguns trabalhos: Varanda (2000, 2005), Portugal (2005, 2007) e os trabalhos de
Silva, Fialho e Saragoça (2013), concretizados no livro Iniciação à Análise de
Redes Sociais. Casos práticos e procedimentos com Ucinet.
3. Um novo paradigma nas ciências sociais? Ou uma metodologia de corte com as
lógicas tradicionais de investigação social?
Para Kuhn (1972) o paradigma refere-se àquilo que é partilhado por uma
comunidade científica, uma forma de fazer ciência, uma matriz disciplinar. Por
outro lado, um paradigma é um conjunto de soluções de problemas concretos, uma
realização científica estruturada que fornece os instrumentos conceptuais e
instrumentais para a solução de problemas. O paradigma é uma conceção de mundo
que engloba um conjunto de teorias, instrumentos, conceitos e métodos de
investigação.
Pensar a análise de redes sociais como um novo paradigma nas ciências sociais é
um exercício arrojado mas, simultaneamente, um enorme desafio do ponto de vista
da sua sustentação teórico-metodológica. Porém, há um enorme campo de
divergência de pontos de vista, apesar da interseção de alguns elementos.
Todavia, desde os finais da década de 90 que diversas obras vêm defendendo a
emergência de uma nova “ciência das redes” (Watts, 2003), que usa o conceito
como forma de apreender as interconexões do mundo contemporâneo. Como já foi
referido anteriormente, nas ciências sociais, a análise das redes tem sido
sempre um campo, por excelência, de interdisciplinaridade. Os pioneiros dos
estudos das redes sociais chegam-nos da sociologia, da psicologia social e da
antropologia, os quais procuravam soluções para problemas teóricos e empíricos
que os investigadores não conseguiam resolver à luz dos quadros conceptuais
dominantes nas suas disciplinas.
Durante a segunda metade do século XX, o conceito de rede social tornou-se
central na teoria sociológica e abriu caminho a inúmeras discussões sobre a
existência de um novo paradigma nas ciências sociais. Os sinais do seu
dinamismo e da sua consolidação institucional, já descritos anteriormente, em
muito contribuíram para a manutenção de uma discussão em torno desta “nova”
forma de compreender e de descodificar a realidade social como se de um novo
paradigma se tratasse no quadro das ciências sociais e humanas.
Mitchell (1974) questiona pela primeira vez se a análise de redes sociais
constitui uma nova teoria sociológica. Trinta anos depois, na sua obra
Sociologie des réseaux sociaux, Mercklé (2004) retoma a discussão e lança a
questão: “Será a análise de redes sociais realmente um novo paradigma
sociológico?”. Para este sociólogo francês, a análise das redes sociais não é
uma mera técnica que procura unicamente proceder a uma descrição das estruturas
sociais, uma espécie de “sociografia” do mundo social. Por outro lado, Molina
(2001) sustenta que a análise de redes sociais é uma técnica que permite fazer
um diagnóstico sobre uma determinada situação, numa lógica macro ou micro,
sendo também uma ferramenta que possibilita ao investigador localizar
estruturas dentro de redes e construir novas perguntas e respostas (Fialho,
2008). Num outro extremo da discussão, Berkowitz (1982) advoga que a análise
estrutural de redes sociais é um novo paradigma e que trouxe uma revolução
científica, pelo facto de ter vindo a desenvolver uma nova linguagem entre
especialistas, possibilitando a comunicação entre eles de forma não ambígua.
Apesar desta dicotomia entre metodologia e paradigma, creio que catalogar a
análise de redes sociais como uma simples metodologia matemática e estatística
ao serviço da representação das estruturas sociais é contribuir para um certo
reducionismo desta categoria sociológica e, simultaneamente, restringir as
potencialidades que lhe estão inerentes. Objetivamente há um corpo metodológico
consolidado; há uma consolidação teórica com epicentro nos anos 70, sobretudo
por ação dos trabalhos teóricos de Mark Granovetter em torno dos laços fortes e
fracos nas redes sociais, bem como os de Burt (1992), Wellman (1983 e 1988),
Degenne e Forsé (1994), entre outros.
Segundo Sílvia Portugal (2005), na teoria sociológica não existe um paradigma
dominante, sendo visível, por outro lado, que o próprio campo interno da
disciplina não é constituído por uma teoria “unificada” (Portugal, 2005).
Em suma, assumir a análise de redes sociais como mais uma metodologia no quadro
das ciências sociais em geral, e da sociologia em particular, é estabelecer um
certo reducionismo míope e negar os avanços (mais que recuos) em termos de
consolidação teórica. Falar em teoria das redes é indiscutivelmente uma fase da
discussão consolidada. Apelar ao reducionismo aqui referido é negar a
evidência. Pensar na análise de redes sociais como um novo paradigma nas
ciências sociais e humanas é para já abusivo, atendendo a que não se verifica
uma hegemonia face a outras correntes que deambulam no quadro da ciência
social. Aliás, a própria ciência social é feita de contradições, ambições e
complementaridade em torno de várias questões teóricas. Pensar o conceito de
rede social como uma categoria da análise sociológica é naturalmente um
pressuposto que beneficia de um relativo consenso, sobretudo quando se trata de
radiografar a estrutura social com um nível de aproximação muito significativo.
4. Para uma sociologia das redes sociais
É hoje profundamente consensual o reconhecimento da sociologia como ciência. A
afirmação metodológica, a consolidação do(s) objeto(s) de estudo e
multiplicidade de perspetivas teóricas que fundamentam o campo social permite-
nos, com alguma certeza e sem ambiguidades, o reconhecimento da sua
cientificidade. Porém, toda a ciência é feita de avanços e retrocessos.
Todavia, a complexidade inerente à fundamentação do rigor e da objetividade
sociológica é hoje, mais do que nunca, um ponto que nos remete para uma crise
feita de uma mescla de objetos sociológicos, proveniente das várias sociologias
especializadas. Pensar numa sociologia das redes é uma tarefa árdua, atendendo
às hesitações que encontramos na dificuldade de definir o seu objeto. É esse o
desafio.
Elias (1994) sustenta que o objetivo central das ciências sociais é observar o
processo de interação entre os indivíduos, na medida em que considera a
interdependência entre as ações singulares e as ações plurais no círculo
societário. Deste modo, para os analistas de redes sociais, a unidade de
análise nos estudos de rede não se baseia unicamente na avaliação do conjunto
de indivíduos autónomos, mas na possibilidade de apreensão dos elementos que os
unem, que os isolam e que os interligam em torno de características que lhe são
próprias. Tal como Elias, também Durkheim e Mauss pretenderam desenvolver nos
seus trabalhos este conceito, ao estudar os grupos sociais como unidades
interdependentes para superação da dualidade de interpretações (ação e
estrutura) que tem dominado o pensamento social.
No quadro dos analistas de redes sociais ou até mesmo para os sociólogos
analistas de redes sociais, o ponto de partida é complexo. Se, por um lado,
Simmel é visto como o principal fundador das lógicas e fórmulas que sustentam a
análise de redes sociais, enquanto processo descodificação das estruturas que
emergem das interações sociais, por outro lado, há uma outra linha que coloca
em Moreno e a sua sociometria, nos anos 30, como o ponto de partida para a
análise de redes sociais. Este último ponto de partida é aquele que parece mais
consistente e consensual entre os analistas de redes sociais. Por um lado, ao
contrário de Moreno, o trabalho de Simmel não utiliza o conceito de rede,
excetuando o trabalho do seu aluno Leopold Von Wiese (1932). Por outro lado, a
representação gráfica da estrutura social iniciada com Moreno, coloca-o num
patamar de maior relevância na construção da teoria das redes. Contudo, este
destaque não é uma refutação da lógica simmeliana no campo das redes sociais,
antes pelo contrário.
Para o sociólogo Michel Forsé (2002), um dos contributos de Simmel reside num
simples ponto metodológico, em que a relação entre dois elementos constitui uma
forma sociológica. Na linguagem das redes, esta relação designa-se por “díade”
e caracteriza-se por uma unidade relacional elementar. Porém, é meramente
redutor pensar no termo de rede como uma mera ligação entre atores. Segundo
Nadel (1957), se assim fosse, para nos reportarmos à ligação entre pessoas já
tínhamos o termo relação. As consequências da ligação entre um par de nós (ou
atores) pode afetar de forma significativa o par adjacente, muito para além da
simples ausência ou existência de relação. Deste modo, a díade, tal como as
tríades, constitui-se como uma escala de observação que nos permite uma
compreensão das relações que vão muito para além da simples métrica. Há
consequências, influência, associação e interdependência entre as relações, em
detrimento da lógica aditiva da relação e em benefício de uma lógica
combinatória que nos permite estudar as estratégias de coalizão, mediação e
transitividade das relações.
A construção de modelos teóricos na análise de redes sociais com o objetivo do
distanciamento dos modos substancialistas de conhecimento do social já vem do
século XIX, com os contributos de Durkheim, Marx, Simmel, entre outros. Para
Simmel (2002), por exemplo, os grandes sistemas e organizações supraindividuais
eram considerados como uma consolidação das interações imediatas produzidas ao
longo da vida dos indivíduos, não possuindo existência prévia em relação aos
sujeitos sociais. A sociedade não se constitui como uma substância, algo
concreto em si mesmo, mas como um acontecer. São os processos de “sociação” e
não a sociedade em si mesma o foco privilegiado da análise (Simmel, 2002). Esta
abordagem distancia-se da lógica do substancialismo que caracteriza, e de certa
forma ainda se vai perpetuando, no pensamento das ciências sociais nas
múltiplas vertentes. Esta perspetiva pode ser vista em dois tipos de
abordagens. Por um lado, nas abordagens individualistas como, por exemplo, a
teoria da escolha racional; e, por outro, nas abordagens holistas,
referenciadas em diferentes tipos de unidades pré-construídas: grupos, nações,
sociedades, estruturas ou sistemas sociais. Contudo, nestas duas abordagens, o
social é considerado como sendo constituído por entidades autorreguladas e
autodeterminadas, tomadas como chave explicativa dos fenómenos sociais. Uma
segunda vertente do substancialismo define os agentes sociais pelas suas
características intrínsecas, descritas a partir de um conjunto diferenciado de
atributos ou variáveis, cuja incidência, de forma isolada ou combinada, vem
decifrar o comportamento das entidades analisadas (Emirbayer, 1997).
Se, por um lado, Barnes introduziu o conceito de “rede social” na análise
social, é Milgram que desenvolve o primeiro esforço para demonstrar
empiricamente algumas das intuições da rede. Estas intuições vão ao encontro da
sociologia formalista simmeliana que não se deve centrar exclusivamente no
nível microssociológico (indivíduo), nem no macrossociológico (sociedade no seu
conjunto), mas nas formas sociais que resultam das interações entre os
indivíduos: nível mesosociológico. Esta sociologia das formas de ação recíproca
de Simmel (2002) é, para Forsé (2002), uma ciência das estruturas das relações
sociais.
Na sociologia, a análise de redes sociais está configurada pela influência de
várias correntes com orientação metodológicas e epistemológicas diferenciadas.
Com alguma regularidade, encontramos o conceito indexado a uma metodologia,
técnica estatística e/ou matemática enquanto que, no oposto, encontramos uma
utilização normativa, ética e valorativa do termo. De qualquer forma, qualquer
uma destas posições extremadas, alimenta uma falta de consenso que em muito
poderia contribuir para uma consolidação das redes sociais como categoria
nuclear no quadro da sociologia em particular e da teoria social em geral.
Pela influência do pensamento sistémico, as redes dão origem a novos valores,
novas formas de pensar e, consequentemente, a novos comportamentos e atitudes.
Face aos vários progressos na interpretação das redes sociais, a atual
emergência de novos valores e de novas formas de pensar está intimamente
associada ao desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação, às
inovações e às novas descobertas do pensamento científico. O que distingue as
redes sociais das redes espontâneas e naturais são os objetivos comuns
estabelecidos entre os atores que interagem nessa rede e a intencionalidade dos
relacionamentos. O conceito de rede surgiu a partir do estudo dos sistemas
vivos e a forma de operar das redes sociais traduz princípios semelhantes aos
que regem os sistemas vivos.
Todos os seres vivos compõem ecossistemas dinâmicos, que integram uma paisagem.
Nesse ambiente, as suas vidas entrelaçam-se numa teia de relações
caracterizadas por cooperação, competição, predação, simbiose ou parasitismo.
Esse sistema interligado e delicadamente equilibrado fornece alimento e abrigo,
bem como regulação de energia e reprodução. Cada membro da comunidade tem um
papel essencial para manter essa rede em equilíbrio. Na natureza não existem
hierarquias, somente redes dentro de redes; não existem partes independentes,
mas uma teia inseparável de relações. A capacidade de operar sem hierarquia
parece ser, assim, uma das mais importantes propriedades distintivas da rede.
O homem é um ser gregário; desde os tempos mais remotos que sente necessidade
de se agrupar, de trabalhar e viver em conjunto e, portanto, de viver em
relação. As redes são maneiras de apresentar, visualizar e/ou investigar
relações entre esses indivíduos. Alega-se que as redes sociais são modos de
representação de estruturas sociais. Esse conceito só passa a ser inteligível
se admitirmos que a “estrutura” é conhecida pelas configurações recorrentes das
relações entre os indivíduos. Assim, a rede é “anterior” ao grupo em termos
ontológicos, portanto, o grupo é um fenómeno que ocorre na rede. Ao invés de
dizer que redes são formas de representação de agrupamentos, seria adequado
dizer que agrupamentos são configurações de rede. A ideia de que os atores
sociais determinam o comportamento da sociedade quando se agrupam de uma
determinada maneira decorre de uma incompreensão da rede, ou seja, de uma
incompreensão de que o ‘ator' é produzido pela tal estrutura social, isto é,
pela rede. É importante referir que os indivíduos não são atores se não
interagirem; e quando interagem já são rede.
Quando se agrupam, segundo Recuero (2006), não o fazem somente a partir de
supostas escolhas individuais, baseadas nas suas características distintivas,
visto que já estão sob o influxo da dinâmica de rede. Os seres humanos são
seres sociais, exibem as suas qualidades intrínsecas numa encruzilhada de
fluxos e identidades que se formam a partir da interação com outros indivíduos.
Deste modo, a pessoa funciona como um continuumde experiências e de
relacionamentos e comporta-se como um ator nevrálgico, por estar imersa num
ambiente de constante interação, a qual influi na sua estruturação individual.
Existem diversas razões que contribuem para a composição das ligações, as quais
têm origem na diversidade de papéis que o indivíduo assume, como participante
de um grupo. Esta perspetiva é partilhada por Boissevain (1979), o qual defende
que o conceito sociológico de papel corresponde às normas e às expectativas que
se aplicam à pessoa que ocupa uma determinada posição. Através dos papéis
desempenhados, o indivíduo entra em contacto com outros para partilhar
atividades de interesse comum. Boissevain (1979) sustenta ainda que a
estratificação dos papéis desempenhados pelos indivíduos ajuda a categorizar o
tipo de relação.
Na atualidade o debate sobre redes sociais ocupa um lugar estratégico na
construção e invenção de novos instrumentos teóricos, capazes de aprender a
realidade social e a construção da sociabilidade, expressando a complexidade
das relações e interações presentes nos processos que estruturam as relações
sociais (Fontes e Martins, 2004; Molina, 2001; Silva, Fialho e Saragoça, 2013).
Defendido pelos referidos autores, o debate sobre redes sociais responde às
exigências de complexidade da teoria social, na medida em que parte de
múltiplas necessidades práticas ligadas ao desenvolvimento de novas
metodologias de intervenção e participação social, colocadas pelas políticas
públicas e movimentos sociais, configurando-se como um instrumental de análise
e construção da nova ordem social.
Em suma, perante as rápidas mudanças sociais, e em especial com a transformação
qualitativa nas formas de relação, o estudo das redes adquire importância e
interesse acrescidos, pois poderá aportar contributos para melhor
compreendermos e descodificarmos a vida em sociedade no presente. Esta
metamorfose no quadro de uma perspetiva teórico-metodológica das redes permite
focalizar a compreensão do “mundo da vida” (Habermas, 1981), em que as práticas
sociais se deslocam do sistema formal (Estado, mercado e ciência), incorporando
um fenómeno complexo que poderá abarcar múltiplos aspetos da vida social.
Notas finais
Não há consenso sobre este novo paradigma nas ciências sociais. Para Berkowitz
(1982), a análise estrutural de redes sociais é um novo paradigma que veio
desenvolver uma “revolução científica”, sobretudo pelo facto de ter vindo a
desenvolver uma nova linguagem entre especialistas, a qual permite comunicar
entre eles de forma não ambígua. Numa linha mais moderada, também Degenne e
Forsé (1994) sustentam que a análise estrutural se encontra em vias de se
constituir como um verdadeiro paradigma. Porém, tal como já foi referido
anteriormente, considerar a análise de redes sociais como um novo paradigma nas
ciências sociais é excessivo, mas falar nela apenas como metodologia para
decompor a estrutura social é limitativo. Assim sendo, a linha de Degenne e
Forsé parece ser a mais adequada ao momento: está em vias de se constituir
enquanto paradigma, mas a sua hegemonia enquanto corrente do pensamento social
ainda carece de uma colossal consolidação.
Porém, a linguagem especializada que sustenta a análise de redes sociais e
alimenta o discurso de uma “espécie de elite” de cientistas sociais que vão
regularmente criando novos métodos e técnicas de análise das estruturas
sociais, dá corpo a uma panóplia de novas técnicas e teorias de análise e
compreensão dos fenómenos sociais. Todavia, esta linguagem especializada tem
funcionado como um obstáculo a novos cientistas sociais que, numa zona de
conforto, se mantêm nas análises sociológica ditas tradicionais.
Pensar na análise de redes sociais como uma simples metodologia estatística ou
matemática é reduzir as suas potencialidades, no quadro de um conjunto de
potencialidades que podem ser usufruídas pelos sociólogos. No caso da análise
estrutural já podemos encontrar um corpo metodológico sólido e sofisticado que
beneficia da acumulação de trabalhos realizados, sobretudo durante e após os
anos 70.
Além das demarcações anteriores, a análise de redes sociais é indiscutivelmente
uma enorme ferramenta teórico-metodológica para a sociologia, um quase
paradigma nas ciências sociais, que permite, de uma forma estratégica, uma
compreensão muito elaborada sobre os significados das interações sociais nos
mais diversos contextos. Permite ao sociólogo uma integração na sua análise de
diferentes perspetivas (individuais e coletivas) sobre as relações
estabelecidas não só entre os atores, como também entre os atores e os sistemas
em que estão integrados.
Outro dos méritos atribuídos à análise de redes sociais é ter colocado no
centro da análise as relações sociais entre atores, as quais se constituem como
unidade de análise. Com alguma frequência encontramos na sociologia atual o
termo redes sociais sem que este seja diferenciado de outros, como relação
social, vínculo, interação, etc. Igualmente encontramos com alguma frequência a
distinção entre usos metafórico e normativo da análise de redes sociais,
tornando-se um imperativo ir para além da metáfora e sustentar uma lógica de
modelos explicativos das interações sociais dos atores envolvidos no sistema.
Tal como nos métodos de investigação tradicionais, a delimitação dos objetos de
investigação é sempre uma tarefa complexa. Aqui há uma nota muito importante.
Todos nós sabemos onde começa a rede, mas não sabemos até onde pode ir o
conjunto de interações do ator. Por esta razão, há uma necessidade meticulosa
de delimitação da rede como estratégia de reduzir o grau de complexidade da
delimitação.
Por último, a análise de redes sociais é uma abordagem privilegiada para
compreender a existência de relações fortes entre os indivíduos, mapear a sua
conetividade, coesão e densidade, bem como a frequência das interações, entre
outras métricas, funcionando como uma radiografia analítica dos grupos,
organizações ou atores individuais. Este formalismo (Forsé, 2002) é,
inquestionavelmente, o maior contributo da análise de redes sociais para a
descodificação da complexidade da estrutura social.