Empreender na primeira pessoa: Uma entrevista com Artur Nunes
Empreender na primeira pessoa
Uma entrevista com Artur Nunes
Dado que este número especial da COeG é dedicado ao tema do empreendedorismo,
considerámos enriquecedor apresentar o testemunho de um empreendedor. Segue-se
uma breve Entrevista que retrata, por um lado, os desafios que um empreendedor
tem enfrentado desde a criação da sua empresa, e, por outro, a sua perspectiva
sobre o empreendedorismo em Portugal.
Empreendedor: Artur Nunes
-É licenciado em Psicologia Social e das Organizações
-Tem uma experiência de cerca de 15 anos em consultoria de gestão de recursos
humanos, enquanto consultor e director de áreas como formação, recrutamento e
selecção e desenvolvimento organizacional
-Foi docente de Psicologia das Organizações na Faculdade de Psicologia e de
Ciências da Educação da Universidade de Lisboa
-Actualmente: Managing Partnerda HUMANPERSI
Empresa criada: HUMANPERSI
-Designação: HUMANPERSI (Human Performance System)
-Fundada em 2002
-Número total de colaboradores: 5
-Objecto social: prestação de serviços de consultoria em gestão estratégica de
recursos humanos
-Missão: ser capaz de gerar valor nos clientes
-Modelo de actuação: foco na performance, através de uma intervenção sistémica
e integrada
Pergunta (P) - Como surgiu a ideia de criar a HUMANPERSI?
Resposta (R) - Foi um percurso quase natural. De há 8 anos para cá que
comecei a sentir que gostaria de ter o meu próprio negócio. No entanto, esta
minha vontade em ter um negócio próprio não era assim tão clara no início da
minha carreira. Mas à medida que fui adquirindo experiência e ocupando cargos
de gestão, essa necessidade foi-se desenvolvendo.
Explorando um pouco o meu percurso profissional, eu ocupei, fundamentalmente,
cargos de técnico durante os meus primeiros sete anos de actividade
profissional, como consultor de recrutamento e selecção, de formação e,
posteriormente, de desenvolvimento organizacional. Após estes sete anos,
comecei a ocupar cargos de direcção, onde desenvolvi muitas competências de
gestão. Durante a última fase da minha carreira profissional estive integrado
num grupo de consultoria em recursos humanos e, antes de sair apara abrir a
HUMANPERSI, eu para além de ocupar o cargo de Director, já era também sócio do
grupo. Portanto, entendo que este percurso evolutivo na minha carreira foi
quase natural, foi um progresso gradual, em que eu passei de uma área técnica
para uma área de gestão, e depois, desta área de gestão para uma situação de
participação na própria sociedade. Posteriormente, a passagem desta situação de
sócio para empreendedor envolveu outras variáveis, como a
"oportunidade", por um lado, e a discordância em termos
estratégicos, em relação ao grupo onde seu estava inserido, por outro. Antes de
sair do grupo, entrei em discordância em relação à estratégia que o grupo
pretendia adoptar. Como a minha participação no grupo não me permitia mudar o
rumo que o grupo pretendia seguir, entendi que devia seguir o meu caminho.
Curiosamente, lembro-me que, ainda bastante novo, preenchi o
"Questionário das Âncoras da Carreira" de Schein, e na altura, duas
âncoras emergiram como mais fortes: a criatividade empreendedora, que é
justamente o empreendedorismo, e a técnico-funcional. Portanto, que eu iria ter
um negócio próprio era muito evidente para mim a certa altura da minha
carreira, só faltava definir o momento.
P - Que motivos levaram à implementação da empresa?
R - Bom, foram vários os motivos. Mas, eu posso assegurar que o que é
verdadeiramente estimulante para mim é a ideia de poder desenvolver o meu
próprio projecto, isto é, a possibilidade de poder criar o projecto desde o
início, e de puder formatá-lo e moldá-lo, mesmo que seja pequeno. Eu comparo
esta sensação à de um escritor que escreve um livro ou a um engenheiro que
constrói um prédio, o que é verdadeiramente fantástico é ver a obra a nascer,
quase do zero… De facto, a função da gestão global não é para mim tão
apelativa. Sintetizando, o que me estimula verdadeiramente não é a gestão pela
gestão, mas sim a criação de um projecto. E nesse sentido, na última fase da
minha carreira, fui-me sempre afastando das oportunidades de ocupar funções de
gestão numa grande empresa. Inclusivamente, rejeitei ofertas que me foram
feitas nesse sentido, e fui delineando este percurso, que culminou na criação
do meu próprio projecto.
Um outro factor prendeu-se com a definição da visão norteadora deste projecto.
Eu fiz algumas formações nos EUA, e entretanto apercebi-me da necessidade de
intervir nas organizações de uma forma sistémica e integrada. Quando tal
aconteceu, eu apercebi-me que a estrutura do grupo onde eu estava inserido
deveria sofrer mudanças profundas na sua estrutura. Na altura, o grupo era
constituído por uma empresa de selecção, outra de formação, outra de
consultoria e uma outra de outsourcing. Ora, esta estrutura apresentava-se de
uma forma muito espartilhada e dividida, o que dificultava muito a
possibilidade de intervir nas organizações de forma sistémica e integrada. No
entanto, eu não estava na posição de conseguir alterar profundamente a
estrutura do grupo. Portanto, esta forma de intervenção sistémica e integradaé
o objectivo de actuação da HUMANPERSI, e nesse sentido, esta empresa foi
desenhada, desde o início, para permitir essa intervenção, apresentando uma
estrutura perfeitamente integrada.
P - O que é que entendes por intervenção sistémica e integrada?
R - Sermos capazes de intervir a todos os níveis nas organizações. Por
exemplo, até podemos contratar a pessoa mais adequada para uma determinada
posição, mas, se a organização apresentar problemas de liderança, que se podem
traduzir numa gestão desadequada dessa pessoa, essa pessoa pode sair da empresa
passados alguns meses… Pegando neste exemplo, podemos afirmar que esta
intervenção gerou muito pouco valor para o cliente. De outro modo, a
intervenção num determinado sub-sistema deve ser complementada com ajustamentos
no sistema como um todo.
P - Quais as principais dificuldades sentidas no momento de criação da
HUMANPERSI?
R - A meu ver, podemos identificar dois tipos de dificuldades. Uma
prende-se com o factor psicológico, com o medo que qualquer pessoa tem de ficar
totalmente entregue a si próprio. Eu partilho da opinião que o maior desafio
que qualquer empreendedor passa é precisamente o risco. E este risco assume
proporções ainda maiores quando o empreendedor se encontra numa situação
familiar em que os encargos com a casa, com os filhos, se revelam
consideráveis. Nessa situação, colocamos tudo em causa: ou temos sucesso e
conseguimos sobreviver, ou, então, não temos sucesso e não conseguimos
sobreviver. No meu caso, esta situação agravou-se, uma vez que eu enveredei na
criação da empresa em conjunto com a minha mulher…
A outra dificuldade esteve relacionada com a componente financeira. Nós temos
um sistema financeiro que é muito adverso ao risco. O objectivo da banca é
minimizar o risco, não é funcionar como uma empresa de capital de risco.
Portanto, o acesso ao crédito depende das garantias que eu dou em relação a
esse mesmo crédito. Durante a criação de uma empresa, nós temos um período que
é particularmente crítico, que é o período do break-even. Portanto, se não
tivermos uma almofada financeira, e, se pelo contrário, estivermos dependentes
do dinheiro que a própria actividade vai gerar, então temos que definir
"quanto tempo aguentamos", financeiramente, sem que a empresa
esteja ainda a gerar dinheiro. Sistematizando, posso assegurar que, na fase
inicial da criação de uma empresa, é essencial ter alguma almofada financeira.
E nesse sentido, eu considero que o verdadeiro empreendedor não é aquele que
herda um negócio de família, mas sim aquele que funda, ele próprio, um negócio.
Eu vejo este primeiro período até ao break-even, como o mais crítico, na medida
em que, se os empreendedores não possuírem a tal almofada financeira, correm um
grande risco de não se aguentam financeiramente e de serem obrigados a encerrar
a empresa. Portanto, quando o empreendedor consegue gerar receitas suficientes
para assegurar a sobrevivência da sua empresa, bom então podemos afirmar que
está ultrapassado o primeiro grande obstáculo.
Depois, colocam-se outros grandes obstáculos que é o ser capaz de crescer. Eu,
de facto, comparo a empresa a um bebé. No início, a empresa é muito frágil e
qualquer acontecimento a pode deitar abaixo. E nós, aqui em Portugal, vivemos
numa cultura profundamente adversa ao risco. As pessoas tendem a procurar o
emprego estável, em que o ordenado chega sempre ao fim do mês. A maioria das
pessoas não consegue compreender o que leva alguns a aventurarem-se, sem
possuírem as garantias suficientes de que o negócio irá ter êxito.
O outro desafio prende-se com o crescimento da empresa de uma forma sustentada,
isto é, conseguir que a empresa não se volte a desequilibrar. E temos aqui um
paradoxo: para fazer crescer o negócio temos que investir, mas ao investir,
vamos aumentar o risco. Tomemos, como exemplo, que eu decido aumentar a minha
estrutura, contratando uma nova pessoa. Esta pessoa representa um activo para a
minha empresa, mas representa, também, um custo. E portanto, é preciso ponderar
o valor dos encargos fixos, porque eu depois tenho que conseguir gerar
mensalmente, receitas que ultrapassem esses custos fixos… Agora, a decisão de
não investimento no aumento da estrutura também tem riscos. Perante esta
decisão, a empresa fica demasiado frágil, pois não consegue desenvolver
competências críticas suficientes. Portanto, esta decisão entre crescer ou
manter é uma questão paradoxal. E risco, bom, esse está sempre presente…
P - E os clientes, também desempenharam um papel importante na criação da
empresa?
R - Esse é um factor que pesa em muito no êxito de uma empresa! Eu na
altura levei comigo uma carteira de clientes, que já me conheciam e apreciavam
o meu trabalho. Na minha perspectiva, na área da consultoria, o êxito de uma
nova empresa está dependente de uma rede de contactos, de clientes que
valorizem o trabalho dos empreendedores. Mas, também considero que o factor
sorte aqui também intervém. De facto, na altura eu tive alguma sorte em apostar
em alguns clientes que eu sentia que tinham confiança em mim para continuar a
apostar, porque também já conheciam o meu trabalho, e não tinham demasiado
receio em apostar numa empresa nova. Esta situação facilitou em muito o
processo de crescimento inicial da HUMANPERSI.
Na minha óptica, aquela ideia de que uma pessoa, num determinado período da sua
vida, decide ser empresário assim, de uma forma repentina, é pura ficção. Com
excepção, claro, dos casos em que as pessoas assumem um negócio de família, mas
essas pessoas, na minha perspectiva, não são, verdadeiramente, empreendedoras.
Eu digo isto porque, entre tomar a decisão de abrir um negócio e conseguir
reunir as condições para a materializar, minimizando, também, os riscos
pessoais, há todo um conjunto de factores que têm que ser conseguidos. E aqui,
entra, claramente, a componente comercial, que não se constrói de um momento
para o outro, na medida em que envolve não apenas o estabelecimento de
contactos, mas também o ter tempo para demonstrar o nosso trabalho. Eu posso
afirmar que o único capital que eu possuía verdadeiramente quando decidi abrir
a empresa era a minha experiência, quer em termos comerciais, quer em termos
técnicos. Atenção, estou a falar de mim, mas também da minha equipa. Esse é
outro mito que se criou em torno do empreendedorismo. A meu ver, poucos
empreendedores arrancaram totalmente sozinhos para um negócio. Na altura em que
nós arrancámos, éramos quatro pessoas, éramos uma excelente equipa! E é
importante que a equipa que arranca com uma nova empresa partilhe uma cultura
de risco. Na verdade, toda a equipa está no mesmo barco e está a partilhar
risco.
A HUMANPERSI foi criada em 2002, na altura em que Portugal estava a entrar na
crise. E lembro-me que, nessa mesma altura, fui confrontado com essa situação,
ou seja as pessoas questionaram-me como é que eu era capaz de abrir uma empresa
num momento de crise… E de facto, embora a criação da empresa possa ser
entendida como um momento de ruptura com o passado, eu entendo que o processo
que deu origem a esta empresa não foi, de forma alguma, abrupto. Porque, na
realidade, eu tinha um grande backgroundem termos de experiência técnica, de
gestão e tinha, igualmente, uma rede de contactos relativamente sólida. E estas
condições aumentavam a probabilidade de êxito da HUMANPERSI.
P - Então, a teu ver, o empreendedorismo jovem enfrenta algumas
dificuldades?
R - A questão dos jovens empreendedores é uma questão complexa. Claro que
depende do sector de actividade onde se abre o negócio, porque há sectores
protegidos e sectores que não são assim tão protegidos. Por exemplo, se eu
tiver capacidade de investimento, eu posso abrir uma farmácia, e, sei que à
partida não terei outras farmácias nas imediações da minha. Estamos a falar de
um negócio relativamente protegido. Agora, o sector da consultoria já não é
assim, funciona em mercado aberto, onde a concorrência é, de facto, muito
considerável. O mercado da consultoria é muito exigente, porque muitas empresas
pura e simplesmente não sobrevivem. Portanto, para entrar neste mercado, é
necessária uma grande preparação, que exige muito tempo. Ora os jovens
empreendedores não têm, ainda, o capital de experiência que lhes permita
minimizar o próprio risco. Porque não chega ter uma boa ideia. Eu sou cada vez
mais céptico em relação às boas ideias. Eu até posso ter uma boa ideia, mas se
esta não tiver associados factores de diferenciação e de competição bem
sustentados, a ideia só é boa durante uns meses. Portanto, é importante ter
boas ideias, mas assegurarmo-nos que, quando aplicamos as ideias no mercado,
temos uma base de sustentação e uma boa capacidade de crescimento em termos de
empresa. Até porque, esta questão da originalidade tem muito que se lhe diga.
Não me interessa apostar em ser o único no mercado a fazer uma determinada
actividade. A nossa aposta deve ser em trabalhar para sermos os melhores!
Aliás, as boas ideias são facilmente copiáveis. Portanto, se eu for o único no
mercado a fazer uma actividade, tal só é indicativo de que a minha ideia não é
uma boa ideia. Sintetizando, a meu ver, é perigoso basear as minhas capacidades
para abrir um negócio, na minha capacidade para gerar uma boa ideia de negócio.
P - Quais asmais-valias da HUMANPERSI que têm assegurado o seu
desenvolvimento sustentado ao longo do tempo?
R - As mais-valiasda HUMANPERSI situam-se fundamentalmente na nossa visão
integrada da intervenção. É por exemplo, sermos capazes de delinear um modelo
de competências que vai ter impacto ao nível da selecção, da formação, dos
incentivos, das carreiras. Isto não é nada de novo. Há muito que se fala no
âmbito da gestão de recursos humanos da importância de conceber os modelos de
competências segundo uma lógica integrada. A verdade é que nós não vemos nada
disto na prática. E portanto, se a gestão de recursos humanos não é encarada
segundo esta lógica integrada, então a gestão de recursos humanos não é vista
como estratégia para o alcance dos resultados organizacionais. E, para dar um
exemplo, a formação deixa de ser encarada como estratégia, porque não se
consegue perceber o seu valor-acrescentado, passando, antes, a ser
perspectivada como um custo. Sistematizando, esta visão integrada da gestão de
recursos humanos é, claramente, uma mais-valiada HUMANPERSI. Outro ponto forte
da nossa empresa é o conceito de parceria. De grosso modo, nós pretendemos ser
parceiros dos nossos clientes, e não tanto fornecedores. Neste sentido,
procuramos estabelecer relações muito próximas com o cliente, baseadas na
confiança, no à-vontade, indo ao encontro das suas reais necessidades.
P - Quais os grandes desafios que a HUMANPERSI enfrenta nos próximos
anos?
R - São, certamente, o crescimento e a consolidação da empresa. Nós temos
pouco mais de três anos de existência e temos tido taxas de crescimento na
ordem dos 35% ao ano. Portanto, agora temos que ter capacidade para fazer
crescer a estrutura na justa medida em que somos capazes de gerar mais negócio.
E aqui temos um dilema: por um lado, temos que fazer crescer a estrutura em
função do crescimento do negócio, mas por outro lado, a expansão do próprio
negócio está dependente do crescimento da estrutura. Atendendo a estas duas
valências, posso assegurar que, na prática, tenho procurado crescer de forma
relativamente flexível, isto é, às vezes dou dois passos para a frente e um
para trás…
Há, em minha opinião, um outro desafio que eu considero muito importante e que
tem que ver com a robustez da equipa. Nesta área da consultoria há poucas
pessoas com um perfil mais sénior e há muitas pessoas com um perfil mais
júnior, e neste sentido, estas pessoas mais juniores têm que passar por um
período de aprendizagem muito rápido, para que possam ganhar autonomia e
empowerment, para estarem preparadas para funcionar como uma espécie de linha
intermédia, capaz de suportar a estrutura da empresa. Portanto, o grande
desafio que se coloca à HUMANPERSI é deixar progressivamente de se apoiar
exclusivamente nos consultores seniores, passando a depender, também, de outros
pilares, para que possa crescer de forma sustentada.
Um outro desafio que se coloca à nossa empresa é a internacionalização. Hoje em
dia é muito complicado para qualquer empresa portuguesa pensar apenas no
mercado português. Agora, para tal é preciso definir uma estratégia muito
clara. Neste momento nós já estamos em Moçambique, o que constitui um primeiro
passo na concretização desta estratégia. Mas nós não pretendemos ficar por
aqui.
Agora, internacionalizar implica, em primeiro lugar, conhecer quais são as
nossas mais-valiase que interesses é que nós poderemos ter para o nosso
mercado-alvo. Por exemplo, para mercados como Moçambique, Angola ou Brasil,
podemos ter como interesse o facto de falarmos português. Agora, atenção que
todos estes desafios se vão colocando de forma progressiva, para crescermos de
forma sustentada. Até porque, neste momento, conhecemos bastante melhor o
mercado em Portugal, e precisamos de consolidar o nosso know-howe a sua
actividade no mercado português. Agora, se pretendemos crescer, temos que olhar
à volta, para os mercados emergentes, por exemplo.
P - Quais foram as tuas características pessoais mais determinantes para
o arranque e o desenvolvimento da empresa?
R - Em primeiro lugar, e agora vou-me recorrer de um termo da psicologia,
o facto de eu valorizar muito o locusde controlo interno. Esta característica
faz-nos acreditar que somos nós que conduzimos os acontecimentos e faz-nos
rejeitar a ideia de que são os acontecimentos que nos conduzem a nós…
Outro aspecto prende-se com o facto de eu não ter muito medo do risco. Acho que
me fui habituando a correr riscos ao longo da minha vida. Esta característica
tem sido muito importante, na medida em que me faz contar muito comigo próprio
e, por outro lado, tem-me ajudado a ultrapassar muitos entraves, porque tendo a
não os encarar assim tanto como entraves. E para ilustrar esta ideia,
poderíamos falar, novamente, do sistema financeiro, ou da burocracia do estado.
Qualquer empreendedor depara-se, sem dúvida, com uma enorme quantidade de
burocracia. Ora, quando temos uma empresa pequena, dificilmente poderemos ter
alguém a tratar da papelada, e temos que ser nós. E demora, de facto, tudo
muito tempo. Agora, também confesso que neste momento me apetece começar a
reduzir o risco e tenho estado a trabalhar para isso. Esta ideia de começar do
zero é cansativa e esgotante.
Um outro ponto forte é o gosto que eu tenho pela vertente comercial. Gosto
muito de contactar com o cliente e de, passo a expressão, "vender
ideias". Atrai-me muito o estar com o cliente, o detectar as suas
necessidades e procurar ir de encontro a essas mesmas necessidades, por forma a
fazer o cliente satisfeito. No fundo, o que eu estou a fazer é a ajudar a
organização a solucionar um problema, e eu gosto de ajudar. E para isso, eu
tenho que vender as minhas ideias… o que eu também acho, verdadeiramente,
estimulante!
P - Remetendo, agora, para o empreendedorismo, em sentido mais lato,
quais os factores que consideras mais determinantes para a criação de empresas
em Portugal?
R - Há factores que, inicialmente poderíamos pensar que ajudam na criação
de empresas, mas que na realidade não ajudam tanto assim, como é o caso da
banca. Mas, importa debruçarmo-nos mais sobre os factores positivos… Um aspecto
que eu encaro como bastante positivo e que ajuda bastante na criação de novas
empresas são as sociedades de garantia mútua. Estas sociedades, no fundo,
ajudam os pequenos empresários a obter capacidade de negociação junto da banca,
facilitando a obtenção de garantias. Eu posso dizer que tive apoio de uma
dessas entidades.
Agora, encontramos grandes dificuldades em relação ao empreendedorismo bem
enraizados na nossa cultura, por exemplo. Quando comparamos Portugal com outros
países, como por exemplo os EUA, apercebemo-nos de como são grandes as
diferenças. Nos EUA, poderíamos afirmar que é relativamente normal as pessoas
fazerem mais do que uma tentativa para ter o seu próprio negócio, dado o
elevado dinamismo da própria economia. Uma pessoa pode cair, que de uma forma
relativamente rápida, se consegue levantar. Em Portugal, quem cai, dificilmente
se consegue levantar, face ao acumular de dívidas que têm de pagar.
Pensando num outro aspecto positivo, podemos nomear o Centro de Formalidade de
Empresas, que, de facto, veio facilitar em grande medida o processo de criação
de empresas em Portugal.
P - Como perspectivas o desenvolvimento do empreendedorismo em Portugal?
R - Eu, a curto-prazo, não sou muito optimista quanto ao desenvolvimento
do empreendedorismo em Portugal, mas se pensarmos a longo-prazo, eu já sou
bastante optimista. Julgo que vamos atravessar uma fase de mudanças profundas
na sociedade portuguesa, fundamentalmente de natureza cultural. Estou convicto
que vamos assistir ao nascimento de uma nova geração de empresários. Claro que
este processo vai levar alguns anos. Um dos factores que pode vir a contribuir
para esse aceleramento será o corte dos financiamentos comunitários. Isto
porque, a meu ver, as empresas realmente boas, vão aproveitar o próximo quadro
comunitário de apoio para se modernizarem e se tornarem mais competitivas.
Depois do corte dos financiamentos, a economia vai ter que se regenerar, e
portanto, as empresas que até agora viveram dos subsídios não vão conseguir
sobreviver… Outras empresas serão criadas e serão, seguramente, mais
competitivas. E, consequentemente, vamos assistir ao aumento da concorrência no
nosso mercado, o que é muito positivo. A concorrência obriga-nos a actualizar
os conhecimentos, a inovar, a procurarmos estar cada vez mais competitivos. Se
nós somos bons, isso deve-se, em alguma medida, ao facto de termos
concorrência. A meu ver, a falta de concorrência atrofia o desenvolvimento do
negócio. Tomemos o exemplo da Banca, onde a concorrência é extremamente feroz,
mas que tem progredido imenso em todos os sentidos, e que está bastante bem.
Obrigada, Artur, pela tua colaboração!
[ Entrevista conduzida porPatícia Jardim da Palma ]
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