Estudo sobre a validação do “Modelo de Comportamento
Organizacional” de Meyer e Allen para o contexto português
Introdução
O conceito de comprometimento organizacional (organizational commitment) tem assumido
um papel de relevo na explicação dos diversos tipos de relações laborais existentes em contexto de
trabalho. Muitos têm sido os estudos que põem em evidência esta situação de centralidade do comprometimento organizacional, relacionando-o com outros modelos e variáveis antecedentes, correlacionadas ou consequentes (veja-se, por exemplo: Cohen, 2003; Meyer & Allen, 1997; Meyer, Becker,
& Vandenberghe, 2004; Meyer, Stanley, Herscovich & Topolnytsky, 2002; Mowday, Porter, &
Steers, 1982). Portugal não tem sido alheio a esta tendência, tendo aparecido diversos estudos em
que o elemento central é o comprometimento organizacional (veja-se, por exemplo: Botelho, 1996;
Carochinho, 1998; Carochinho, Neves & Jesuino, 1998; Ferreira, 2005; Ferreira, Diogo, Ferreira & Valente,
2006; Rego & Souto, 2004a; Rego & Souto, 2004b; Rego, Leite, Carvalho, Freire & Vieira, 2004;
Rodriguez, Franco & Santos, 2006). No entanto, não foram encontrados estudos de validação para o
contexto português, do “Modelo das Três Componentes do Comprometimento Organizacional” de
Meyer e Allen (1991), nem do instrumento proposto pelos autores (Meyer & Allen, 1997). É o que
se pretende com o presente estudo.
O Comprometimento Organizacional
Há um reduzido consenso quanto à definição do conceito de comprometimento no local de
trabalho, havendo várias definições estabelecidas (ver a revisão de algumas dessas definições em
Dunham, Grube, & Castaneda, 1994; Meyer & Allen, 1997; Meyer & Herscovitch, 2001; Meyer et
al., 2004; Mowday et al., 1982). Quanto à sua natureza, as diversas definições de comprometimento
organizacional podem ser agrupadas em três grandes categorias: as que têm em comum uma orientação
afectiva, as que são baseadas em custos e as que implicam uma responsabilidade moral por parte do
indivíduo em relação à organização (Meyer & Allen, 1997, p. 12). Por outro lado, o comprometimento
pode ser classificado em função do objecto para a qual está orientado: organização, função, ocupação,
carreira, objectivos, mudanças organizacionais, estratégias, sindicato, família. As diversas definições
têm em comum considerarem o comprometimento organizacional como uma ligação psicológica entre
o indivíduo e a organização e que “...(a) é uma força estabilizadora ou facilitadora, que (b) dá direcção
ao comportamento” (Meyer & Herscovitch, 2001, p. 301), ou ainda, confere sentido a uma pertença
social ou organizacional (Weick, 1995).
Apesar de inicialmente o comprometimento organizacional ter sido abordado como um constructo unidimensional (Mowday et al., 1982), estudos apontam para a sua multidimensionalidade
(Allen & Meyer, 1990; Meyer & Allen, 1997; Meyer et al., 2004; Hunt & Morgan, 1994; Rego et
al., 2004), podendo mesmo afirmar-se que essa multidimensionalidade explica melhor a compreensão
do comportamento individual em determinado contexto organizacional (Meyer & et al., 2004). É nesta
perspectiva multidimensional que Meyer e Allen (1991) propõem o “Modelo das Três-Componentes
do Comprometimento Organizacional” (Three-Component Model of Organizational Commitment),
segundo o qual o comprometimento assume simultaneamente uma componente afectiva (affective),
calculativa (continuance)1 e normativa (normative). Segundo este modelo, os colaboradores de uma
organização estão comprometidos através de relações de carácter emocional (comprometimento
afectivo), de relações transaccionais baseadas num investimento pessoal com vista a um determinado
retorno (comprometimento calculativo) e de sentimentos de obrigação e de dever moral para com a
organização (comprometimento normativo). O comprometimento organizacional é, assim, o estado
psicológico determinado simultaneamente por estas três componentes, que vão assumir diferentes
intensidades e através do qual se “...(a) caracteriza a relação do empregado com a organização, e (b)
tem implicações na decisão de continuar membro da organização” (Meyer & Allen, 1991, p. 67).
Colaboradores com um comprometimento afectivo elevado estão entusiasmados com o trabalho
que realizam e empenhados em contribuir para o sucesso da organização, (Allen & Meyer, 1996; Meyer
& Allen, 1997; Meyer & Herscovitch, 2001; Meyer et al., 2004), não perspectivando a sua saída da
organização (Meyer et al., 2002). Um elevado comprometimento calculativo implica que os indivíduos
se vão esforçar no seu trabalho, tendo em vista unicamente a realização dos seus objectivos pessoais
(manutenção do emprego, remuneração, promoção, elevados custos associados à mudança ou ausência
de alternativas), permanecendo na organização enquanto não tiverem alternativas, ou devido aos
custos associados a uma mudança serem elevados (Meyer & Allen, 1997; Meyer & Herscovitch, 2001;
Meyer et al., 2004). Nesta perspectiva, o comprometimento calculativo está na linha da teoria dos
“side-bet” de Becker e do retorno dos investimentos (Rusbult & Farrell, 1983). Refira-se ainda a
possibilidade do comprometimento calculativo poder ser conceptualmente bidimensional (Meyer &
Allen, 1997; Meyer et al., 2002), correspondendo uma dimensão a “custos associados à mudança”
e a outra à “ausência de alternativas à actual situação”. No presente estudo optou-se por considerar
este constructo como unidimensional, conforme proposto por Meyer et al. (2002). Quanto ao comprometimento normativo os indivíduos sentem que têm uma responsabilidade moral para com a organização. Esse sentimento leva-os a realizarem de forma competente o seu trabalho, mas sem entusiasmo
e empenhamento, permanecendo na organização enquanto o sentimento de obrigação moral for suficientemente forte (Meyer & Allen, 1997; Meyer et al., 2004).
O modelo pressupõe que as três componentes do comprometimento organizacional sejam independentes entre si (Meyer & Allen, 1997; Meyer et al., 2002). No entanto, diversos estudos têm posto
em evidência relações entre elas. Refira-se em primeiro lugar a existência de uma relação positiva
entre o comprometimento afectivo e o comprometimento normativo (por exemplo, Meyer et al., 2002,
encontraram uma correlação de 0,63 e Rego et al., 2007 de 0,43). Apesar de se ter questionado a
independências destes dois constructos, tem-se optado por manter independência destas duas componentes de comprometimento organizacional (Meyer & Allen, 1997; Meyer et al., 2002). Vários
estudos não encontraram uma relação entre o comprometimento afectivo e o comprometimento
calculativo (por exemplo, Meyer et al., 2002, encontraram uma correlação de 0,05 e Rego et al., 2007,
de -0,09). Contudo, existem estudos que evidenciam a existência de uma relação entre estes dois
constructos. Veja-se por exemplo, o estudo de Makanjee, Hartzer e Uys (2006, p. 123) na África
do Sul, em que se obteve uma correlação de 0,43, ou o de Macamo (2007, p. 22) em Moçambique
em que foi obtida uma correlação de 0,78, bem como o estudo de Rego & Souto (2004b, p. 38) em
que foi obtida uma correlação de -0,24 para uma amostra portuguesa e de -0,27 para uma brasileira.
Quanto à relação entre o comprometimento calculativo com o normativo, os estudos têm evidenciado
uma fraca relação entre eles (por exemplo de 0,18 em Meyer et al., 2002 ou de 0,17 em Rego et al.,
2007). Todavia, realça-se o facto de que há estudos em que foi encontrada uma correlação entre o
comprometimento calculativo e o normativo (por exemplo, 0,43 em Makanjee et al., 2006, p. 123 ou
0,86 em Macamo, 2007, p. 22).
O Instrumento
Considerando o comprometimento organizacional como um constructo multidimensional, cada
uma das suas três componentes, afectiva, calculativa e normativa, pode ser medida através de uma
escala específica: Escala de Comprometimento Afectivo (“Affective Commitment Scale”), Escala de
Comprometimento Calculativo (“Continuance Commitment Scale”) e Escala de Comprometimento
Normativo (“Normative Commitment Scale”). Estas escalas são constituídas por afirmações representativas da dimensão específica que está a ser medida. A resposta é dada numa escala de tipo Likert
de 7 pontos, na qual (1) corresponde a “Discordo Totalmente” e (7) a “Concordo Totalmente”.
Numa primeira versão (Allen & Meyer, 1990) as três escalas eram constituídas por 8 itens cada,
num total de 24 itens, e apresentaram uma consistência interna, medida pelo coeficiente Alpha de
Cronbach, de 0,87 para a afectiva, de 0,75 para a calculativa e de 0,79 para a normativa. Botelho
(1996), utilizando estas mesmas escalas numa amostra portuguesa, encontrou coeficientes Alpha
de Cronbach de 0,74 para a afectiva, de 0,78 para a calculativa e de 0,65 para a normativa.
Na última versão proposta (Meyer & Allen, 1997), as escalas foram revistas passando a ser
constituídas por seis itens para a afectiva, três dos quais devem ser invertidos (itens 3, 4 e 6), sete
para a calculativa e seis para a normativa, dos quais um (item 1) deve ser invertido. A Escala de
Comprometimento Normativo foi profundamente revista e alterada, tendo sido proposta uma nova
formulação dos itens. As três sub-escalas, na versão revista, apresentam uma consistência interna
aceitável. Meyer e Allen (1997, p. 120) encontraram os seguintes valores de coeficientes Alpha de
Cronbach: 0,85 para a escala afectiva, 0,79 para a calculativa e 0,73 para a normativa. Foi esta última
versão das escalas que foi utilizada no presente estudo.
Objectivos do estudo
O objectivo do presente trabalho é, em primeiro lugar, contribuir para o estudo da validação
do “Modelo das Três-Componentes do Comprometimento Organizacional” de Meyer e Allen (1991),
representado na Figura 1, para o contexto português e face à amostra recolhida. O constructo em
causa é o Comprometimento Organizacional, definido através de uma componente Afectiva,
Normativa e Calculativa. O modelo pressupõe uma relação positiva entre a componente afectiva e
a normativa, e a ausência de relação com a calculativa. A validade teórica deste modelo foi estabelecida
pelos autores (Allen & Meyer, 1996; Meyer & Allen, 1997). Foram consideradas como variáveis latentes
as três componentes do comprometimento organizacional, medidas pelos itens que constituem cada
uma das escalas propostas pelos autores (Meyer & Allen, 1997), itens esses que são as variáveis observáveis.
Um segundo objectivo consiste em adaptar para português as três escalas de diagnóstico do comprometimento organizacional propostas por Meyer e Allen (1997) e estudar as suas propriedades psicométricas, face à amostra recolhida. Este segundo objectivo corresponde a um estudo exploratório
de validação, para o contexto português, do instrumento proposto por Meyer e Allen (1997).
Adaptação das sub-escalas para o contexto português
Inicialmente as escalas foram traduzidas literalmente, sem ter havido uma grande preocupação
de adaptação linguística. Seguidamente foram corrigidas de forma a ficarem num português corrente e
fluente. Neste processo de tradução teve-se em consideração a versão proposta por Botelho (1996)
e as versões utilizadas por Rego e Souto (2004a; 2004b). Essa primeira versão em português foi
retrovertida para inglês por um professor de inglês, sendo o resultado comparado com o original.
Foram depois introduzidas alterações à primeira versão. A nova versão foi sujeita à apreciação de
15 indivíduos (gestores e técnicos de recursos humanos, professores universitários e professores de
português) que, para o efeito, foram entrevistados individualmente. Com as observações e recomendações recolhidas formulou-se a versão de cada uma das três escalas que iria ser pré-testada.
Realizou-se em seguida o pré-teste, tendo-se utilizado uma metodologia cognitiva, que se centrou
no processo mental de resposta do sujeito (Krosnick, 1999). Tinha-se como objectivo identificar, por
um lado, más interpretações das questões e, por outro, dificuldades em responder (Krosnick, 1999).
Para que o questionário pudesse ser utilizado em diferentes níveis populacionais, optou-se por
realizar, dois pré-testes: um primeiro orientado para funções fabris e um segundo para as restantes
(Krosnick, 1999).
O primeiro pré-teste envolveu 13 sujeitos com funções de supervisor ou operador fabril,
empregados de uma empresa farmacêutica nacional, caracterizada por ter produção de medicamentos.
O questionário foi aplicado a grupos de três elementos, de forma faseada, escala a escala. No fim da
aplicação de cada escala foi discutida a interpretação dada a cada questão, as dificuldades sentidas e o
significado de termos específicos usados na formulação de cada item. Com base nos comentários
obtidos, foi realizada uma nova revisão das três escalas.
Com essa nova versão do questionário foi realizado o segundo pré-teste. Este envolveu 32
indivíduos, estando representadas funções de direcção, gestão, técnicas e administrativas. Neste
segundo pré-teste, para além da empresa atrás referida, foi incluída uma outra empresa, também
farmacêutica, mas multinacional e sem produção fabril. O questionário foi aplicado, a grupos de seis
elementos. Após o preenchimento, os participantes foram questionados no sentido de identificaram as
principais dificuldades em responder, o porquê dessas dificuldades, e a forma como o questionário
podia ser melhorado para optimizar as respostas. Com base nas observações dos sujeitos, efectuou-se
uma última revisão do questionário, chegando-se à sua versão final.
Por fim, procedeu-se a uma ordenação aleatória dos itens que constituem cada sub-escala,
através de um número de ordem gerado aleatoriamente com recurso ao Excel. Manteve-se a escala
de resposta de tipo Likert de 7 pontos, proposta pelos autores (Meyer & Allen, 1997). Manteve-se também
a formulação negativa de alguns itens. No Quadro 1 são descritos os itens de cada sub-escala, sendo
representado por (R) os itens cuja escala terá de ser invertida.
Quadro 1
Escalas do Comprometimento Organizacional (Baseado em Mayer & Allen, 1997, pp. 118-119)
Sub-Escala do Comprometimento Organizacional Afectivo
02: Não me sinto “emocionalmente ligado” a esta empresa (R)
06: Esta empresa tem um grande significado pessoal para mim
07: Não me sinto como “fazendo parte da família” nesta empresa (R)
09: Na realidade sinto os problemas desta empresa como se fossem meus
11: Ficaria muito feliz em passar o resto da minha carreira nesta empresa
15: Não me sinto como fazendo parte desta empresa (R)
Sub-Escala do Comprometimento Organizacional Calculativo
01: Acredito que há muito poucas alternativas para poder pensar em sair desta empresa
03: Seria materialmente muito penalizador para mim, neste momento, sair desta empresa, mesmo que o pudesse
fazer
13: Uma das principais razões para eu continuar a trabalhar para esta empresa é que a saída iria requerer um
considerável sacrifício pessoal, porque uma outra empresa poderá não cobrir a totalidade de benefícios que
tenho aqui
14: Neste momento, manter-me nesta empresa é tanto uma questão de necessidade material quanto de vontade
pessoal
16: Uma das consequências negativas para mim se saísse desta empresa resulta da escassez de alternativas
de emprego que teria disponíveis
17: Muito da minha vida iria ser afectada se decidisse querer sair desta empresa neste momento
19: Como já dei tanto a esta empresa, não considero actualmente a possibilidade de trabalhar numa outra
Sub-Escala do Comprometimento Organizacional Normativo
04: Eu não iria deixar esta empresa neste momento porque sinto que tenho uma obrigação pessoal para com
as pessoas que trabalham aqui
05: Sinto que não tenho qualquer dever moral em permanecer na empresa onde estou actualmente (R)
08: Mesmo que fosse uma vantagem para mim, sinto que não seria correcto deixar esta empresa no presente
momento
12: Sentir-me-ia culpado se deixasse esta empresa agora
10: Esta empresa merece a minha lealdade
18: Sinto que tenho um grande dever para com esta empresa
Caracterização da Amostra
Para a constituição da amostra foram utilizadas três empresas2: uma nacional da área das tecnologias de informação, com sede em Lisboa e delegação no Porto, outra nacional a operar na área
dos transportes e sedeada em Lisboa, e uma multinacional da área farmacêutica, sedeada em
Lisboa e com uma unidade de produção em Viseu. A aplicação dos questionários foi presencial.
A amostra é, assim, de conveniência, sendo constituída por 461 sujeitos com um contrato efectivo
de trabalho e uma antiguidade superior a 1 ano. Com estas condições pretendia-se controlar, por um
lado, a variável estabilidade profissional e, por outro, a influência directa do processo de socialização
na formação do comprometimento organizacional (Clugston, Howell & Dorfman, 2000).
A amostra é constituída por 60,5% de sujeitos do sexo feminino e 39,5% do masculino, predominando as áreas técnicas (43,2%) e de produção (32,1%). Menos representadas estavam as
áreas administrativas (14,1%) e de Marketing/Vendas (10,6%). Verifica-se que 64% dos inquiridos
possuíam o grau académico de licenciatura e 29,3% até ao 12.º ano. Em contrapartida, 4,6% dos
sujeitos tinham habilitações até ao 9.º ano, 1,5% até ao 6º ano e 0,4% até ao 4.º ano.
A amostra apresenta uma média de idades de 33,3 anos, com um desvio padrão de 7,53 anos,
sendo a idade mínima de 19 anos e a máxima de 60 anos. Verifica-se que 80,7% dos sujeitos têm
uma idade inferior a 39 anos (Quadro 2).
Quanto à antiguidade na empresa a média é de 7,9 anos, com um desvio padrão de 6,58 anos,
sendo a antiguidade mínima de 1 ano e a máxima de 38 anos. Verifica-se que 74,6% dos respondentes
têm uma antiguidade inferior a 9 anos (Quadro 3).
Apesar de se tratar de uma amostra de conveniência, considera-se que pode contribuir para o
estudo da validação, no contexto português, do modelo de comprometimento organizacional de Meyer
e Allen (1991), bem como das escalas que lhe estão associadas (Meyer & Allen, 1997). Todavia, os
resultados e conclusões devem ser perspectivados como relativos a esta amostra. Assim, há a necessidade de estes serem posteriormente confirmados através da realização de outros estudos similares,
utilizando diferentes amostras.
Resultados
Na análise dos dados foi utilizado o SPSS 14.0, com excepção das análises factoriais confirmatórias para as quais foi utilizado o LISREL 8.80.
Considerando a percentagem de respostas (Quadro 4) em cada uma das categorias da escala
de resposta verifica-se que, no caso do comprometimento organizacional afectivo, a maioria dos
sujeitos dão uma resposta no sentido da concordância com as afirmações desta sub-escala. Pelo contrário,
no caso do comprometimento organizacional calculativo, verifica-se uma tendência oposta, apesar de
não ser tão acentuada. Na realidade há uma maioria de respostas de discordância com as afirmações
desta sub-escala. Este padrão de resposta já não é tão visível quanto ao comprometimento organizacional normativo, apesar de as respostas serem no sentido da discordância com as afirmações. No
entanto, destaca-se os itens 05 “Sinto que não tenho qualquer dever moral em permanecer na empresa
onde estou actualmente (R)” (já depois da resposta ter sido invertida) e 10 “Esta empresa merece a
minha lealdade”, nos quais se verifica uma tendência de resposta no sentido da concordância.
Estes resultados estão em linha com uma elevada consistência interna de cada uma das três
sub-escalas, apresentando cada uma delas coeficientes Alpha de Cronbach superiores a 0,70 (Nunnally,
1978), conforme se pode observar no Quadro 5. Quanto à sub-escala do comprometimento organizacional afectivo obteve-se um coeficiente Alpha de Cronbach de 0,91. Este resultado é superior aos
que os autores encontraram: 0,85 (Meyer & Allen, 1997) e 0,82 (Meyer et al., 2002). Quanto à
sub-escala do comprometimento organizacional normativo obteve-se um coeficiente Alpha de
Cronbach de 0,84, superior ao de 0,73 encontrado pelos autores (Meyer & Allen, 1997; Meyer et al.,
2002). Por fim, obteve-se um coeficiente Alpha de Cronbach de 0,91 para a sub-escala do comprometimento organizacional calculativo, também superior ao de 0,79 (Meyer & Allen, 1997) e de 0,76
(Meyer et al., 2002).
Realizou-se em seguida uma análise factorial exploratória, tendo para isso sido utilizado o método
de estimação por máxima verosimilhança. Assumiu-se, nesta fase que a escala de medição das variáveis
pode ser considerada como quantitativa. Pretendia-se com esta análise verificar a validade factorial,
não só da escala do comprometimento organizacional como um todo, mas também de cada uma das
sub-escalas.
Assim, e numa primeira fase, efectuaram-se análises separadas para cada uma das três sub-escalas,
tendo em cada uma delas sido identificado um único factor, saturado pelos itens correspondentes à
componente do modelo medida por essa escala.
Posteriormente, foi realizada uma análise factorial exploratória conjunta das três sub-escalas, tendo
sido pedida uma solução com três factores com rotação varimax. As estimativas obtidas apresentam-se
no Quadro 5.
O primeiro factor corresponde à componente afectiva do comprometimento organizacional,
com factor loadings elevados para os seis itens que medem esta componente. O segundo factor
corresponde à componente calculativa, com factor loadings elevados para os sete itens que medem
esta componente. Por fim, o terceiro factor corresponde à componente normativa, com factor loadings
elevados para os itens de medida desta componente. Refira-se que, tendo-se encontrado um valor
da estatística do qui-quadrado de 376,548 com 117 graus de liberdade e uma significância de 0, há
que rejeitar a hipótese nula de que o modelo factorial com três factores reproduz a estrutura de correlações da população (Salgueiro, 2008). Note-se, no entanto, que a análise factorial exploratória clássica
trata as variáveis ordinais (escalas de tipo Likert) como contínuas, pelo que os resultados obtidos
não serão internamente fiáveis, não sendo também possível aferir da normalidade da distribuição
conjunta das variáveis. Assim, os resultados obtidos, dever-se-ão interpretar em termos descritivos
e teóricos. E, no presente caso, o modelo factorial encontrado é explicado pelo quadro teórico estabelecido e descrito anteriormente.
A análise detalhada dos factor loadings e das comunalidades (proporção de variância de cada
variável inicial explicada pelos três factores extraídos) permitiu identificar dois itens do terceiro factor,
correspondendo à componente normativa do comprometimento organizacional, pouco ajustados ao
modelo factorial (Quadro 5). São eles o item 10 (“Esta empresa merece a minha lealdade”) que
apresenta uma comunalidade de 0,190 e um factor loading de 0,36 com o factor 3 e o item 18
(“Sinto que tenho um grande dever para com esta empresa”), que apresenta uma comunalidade de
0,386 e um factor loading de 0,60. Estes resultados permitem questionar a presença dos itens 10 e
18 no modelo, e serviram de base para a análise factorial confirmatória em LISREL. Contudo, e
porque o LISREL permite estimar modelos com variáveis ordinais calculando correlações polychoric,
optou-se por testar um modelo da análise factorial confirmatória assumindo que as variáveis observadas
são ordinais, já que foram medidas em escalas de tipo Likert. O método de estimação mais
recomendado para modelos com dados ordinais, face à dimensão da amostra disponível, é o método
da máxima verosimilhança robusto (Robust Maximum Likelihood). Para aferir da presença dos
itens 10 e 18 no modelo factorial foi decidido testar três modelos diferentes. O primeiro modelo é
constituído pelos 19 itens propostos por Meyer e Allen (1997), mantendo-se assim as escalas originais.
O diagrama deste modelo encontra-se representado na Figura 1. No segundo modelo retirou-se o
item 10 (“Esta empresa merece a minha lealdade”). No terceiro modelo, foi também eliminado o
item 18 (“Sinto que tenho um grande dever para com esta empresa”).
Na análise factorial confirmatória do primeiro modelo os pesos factoriais (factor loadings)
foram superiores a 0,70, com excepção dos itens da sub-escala normativa 10 (“Esta empresa
merece a minha lealdade”), que foi de 0,35, e 18 (“Sinto que tenho um grande dever para com esta
empresa”), que foi de 0,62. Os indicadores de goodness-of-fit estão no limite da aceitabilidade
(Salgueiro, 2008), tendo-se verificado um valor da estatística do qui-quadrado de 603,28, com 149
graus de liberdade e um RMSEA de 0,081. No segundo modelo, em que foi eliminado o item 10,
os pesos factoriais não se alteraram. A estatística de qui-quadrado é de 512,96, com 132 graus de
liberdade e o RMSEA é de 0,079. No terceiro modelo, foram eliminados da sub escala normativa
os itens 10 e 18. O valor da estatística do qui-quadrado é de 484,04, com 116 graus de liberdade e
o RMSEA é de 0,083. Quando se consideram as medidas que permitem comparar a goodness-of-fit
dos três modelos, é o modelo 3 que apresenta os valores de AIC, CAIC e ECVI mais baixos
(Quadro 6), pelo que foi considerado como sendo o mais aceitável (Salgueiro, 2008).
No contexto português, e face à amostra em estudo, o modelo do comprometimento organizacional proposto encontra-se representado na Figura 2. As estimativas obtidas para os pesos factoriais
numa solução estandardizada (em que os factores latentes têm variância unitária) para o terceiro modelo
em estudo variam entre 0,69 e 0,86, variando as correlações entre as variáveis latentes de -0,51 e 0,48.
Os resultados levam a concluir que, para a amostra utilizada no presente estudo, as escalas
estudadas vão permitir medir as componentes afectiva, calculativa e normativa do comprometimento
organizacional, apesar de terem sido eliminados os itens 10 e 18 da escala normativa. Por outro lado, o
“Modelo das Três-Componentes do Comprometimento” de Meyer e Allen (1991) não é confirmado,
na medida em que as relações entre as variáveis latentes – as três componentes do modelo – que
foram encontradas, não estão em linha com o quadro teórico estabelecido.
Salienta-se em primeiro lugar a correlação negativa entre a componente afectiva e a calculativa
do comprometimento organizacional (-0.51), resultado esse que não é previsto pelo quadro teórico.
Refira-se, porém, que este resultado é consistente com o estudo de Rego e Souto (2004b) quando
encontraram igualmente uma correlação negativa, embora menos acentuada (-0,24) entre o comprometimento organizacional afectivo e o calculativo.
Os resultados empíricos encontrados nos diversos estudos têm sugerido que o comprometimento
organizacional afectivo e normativo estão correlacionados entre si, levando a ser questionado se estas
duas variáveis são na realidade independentes uma da outra ou se correspondem a uma mesma variável
(Meyer & Allen, 1997; Meyer et al., 2002), conforme já referido. O mesmo se verifica em estudos
realizados em Portugal (Rego & Souto, 2004a; Rego & Souto, 2004b; Rego et al., 2007). Ao contrário
dos resultados empíricos, verificou-se, no presente estudo, uma correlação de -0.04, sugerindo a
ausência de relação entre estas duas variáveis.
Também a relação entre a componente calculativa e a normativa não está em linha com os
resultados empíricos, que sugerem uma ausência de relação entre estas duas componentes (Meyer
& Allen, 1997; Meyer et al., 2002). Esta ausência de relação é também confirmada no contexto português
(Rego & Souto, 2004a; 2004b). No presente estudo encontrou-se uma correlação de 0.48 entre a
componente calculativa e a normativa.
Apesar de haver resultados contraditórios, tem-se verificado uma baixa correlação entre as
três componentes do comprometimento organizacional e a idade e a antiguidade (Meyer et al., 2002).
Face aos resultados encontrados, e que não confirmam o modelo teórico estabelecido, questionou-se a
influência da idade e da antiguidade nas relações verificadas entre as três componentes do comprometimento organizacional. Nesta linha, realizou-se uma análise factorial confirmatória multi-grupos
com o intuito de testar o possível efeito moderador quer da idade, quer da antiguidade, na estrutura
de correlações entre as três componentes do comprometimento organizacional.
Foram constituídos dois grupos etários, um com 202 sujeitos com uma idade igual ou inferior a
30 anos e outro grupo com 258 sujeitos com uma idade superior a 30 anos. Verificou-se um valor da
estatística do Qui-Quadrado de 581,77, com 232 graus de liberdade para o modelo sem restrições
de igualdade entre grupos, enquanto que para o modelo que restringe a matriz de correlações a ser
igual nos dois grupos etários, obteve-se um valor da estatística do Qui-Quadrado de 593,35 com 235
graus de liberdade. Assim, a diferença dos Qui-Quadrados é de 11,58, com 3 graus de liberdade.
Sendo o valor da estatística do Qui-Quadrado com 3 graus de liberdade e para um nível de significância de 5% de 7,81, a hipótese nula da invariância da matriz de correlações nos dois grupos é rejeitada.
Assim, pode concluir-se pela existência de diferenças significativas na estrutura de correlações obtidas
para os dois grupos etários (Quadro 7).
Mantém-se para os dois grupos etários a correlação negativa entre o comprometimento organizacional afectivo e o calculativo, sendo respectivamente de -0,55 e -0,46. As grandes diferenças
verificam-se em relação ao comprometimento organizacional normativo. Por um lado verifica-se que a
correlação entre o normativo e o afectivo tem tendência a ser atenuado com o aumento da idade, passando
de 0,10 para -0,08. Por outro lado, a correlação com o calculativo tem tendência a ser mais forte
com o aumento da idade, passando de 0,20 para 0,59.
O mesmo tipo de questão põe-se em relação à antiguidade: Será que a antiguidade na empresa
afecta a correlação entre as três componentes do comprometimento organizacional, tal como se
verificou com a idade? A mesma abordagem foi utilizada para a antiguidade, tendo sido constituído
um grupo com 231 sujeitos com uma antiguidade inferior ou igual a 5 anos, e outro com 230 sujeitos
com uma antiguidade superior a 5 anos. Obteve-se para o modelo de análise multi-grupos sem restrições
entre os dois escalões da antiguidade um valor da estatística Qui-Quadrado de 607,85 com 232 graus de
liberdade e para o modelo com restrição de igualdade da matriz de correlações, obteve-se um valor
da estatística do Qui-Quadrado de 625.68 com 235 graus de liberdade. A diferença de valores das
estatísticas do Qui-Quadrado de 17,83 com 3 graus de liberdade, leva a rejeitar a hipótese nula de
invariância da estrutura de correlações entre as 3 componentes do comprometimento organizacional nos 2 escalões da antiguidade considerados, para um nível de significância de 5%. Pode-se
pois concluir que, face à amostra utilizada, os dois grupos de antiguidades apresentam diferenças
significativas na estrutura de correlações entre as tês componentes do comprometimento organizacional (Quadro 8).
Ao aumentar a antiguidade, mantém-se a correlação negativa entre o comprometimento
organizacional afectivo e o calculativo, apesar da antiguidade atenuar esta relação (respectivamente de -0,56 para -0,39). Por outro lado, verifica-se uma mudança no sentido da relação do comprometimento organizacional normativo. Assim, a correlação de 0,24 com o afectivo passa para a
ausência de correlação (-0,02) com o aumento da antiguidade. E, por outro lado, com a antiguidade,
verifica-se um aumento da correlação com o calculativo, passando esta de 0,19 para 0,54.
Os resultados obtidos no presente estudo sugerem que há uma influência das variáveis
demográficas idade e antiguidade na estruturação das componentes do comprometimento organizacional, contrariando a conclusão de Meyer et al. (2002) da não influência.
Discussão, conclusões e estudos futuros
Os resultados obtidos não permitem validar o modelo de comprometimento organizacional
proposto por Meyer e Allen (1991) para o contexto português e face à amostra recolhida, na medida
em que, as relações entre as três componentes do modelo não confirmam o quadro empírico estabelecido (Meyer et al., 2002). Saliente-se, no entanto, que foi encontrada uma estrutura constituída por
três factores correspondentes respectivamente às componentes afectiva, normativa e calculativa.
Apesar das reservas já apresentadas quanto ao ajustamento do modelo, pode concluir-se, que é
confirmada mais uma vez a estrutura tridimensional do comprometimento organizacional proposta
por Meyer e Allen (1991) e que vem “... resistindo às contingências amostrais e culturais” (Rego &
Souto, 2004a, p. 160).
Quanto ao instrumento utilizado para medir as três componentes do comprometimento organizacional, os resultados permitem afirmar que, para a amostra utilizada, os itens – variáveis
observáveis – de cada uma das três escalas medem a componente – variável latente – que seria
pressuposto medirem e apresentam elevada consistência interna.
Interessa também analisar com algum detalhe os resultados obtidos para alguns dos itens de
cada escala. O item 19 da sub-escala calculativa “Como já dei tanto a esta empresa, não considero
actualmente a possibilidade de trabalhar numa outra” encontra-se no limiar da aceitabilidade (factor
loading de 0,69). Nos cinco estudos realizados em Portugal, em que foram utilizadas escalas de Meyer
e Allen, não foi considerado este item (Botelho, 1996; Ferreira, 2005; Rego & Souto, 2004a; Rego
& Souto, 2004b; Rego et al., 2007). Apesar de não ter sido testada no presente estudo a sua
exclusão, sugere-se que, em estudos futuros, seja testado um modelo que considere tal hipótese.
Os resultados obtidos levaram à eliminação de dois itens da sub-escala normativa do comprometimento organizacional, uma vez que o modelo resultante possui melhor ajustamento modelo-dados: São os itens 10 “Esta empresa merece a minha lealdade” e 18 “Sinto que tenho um grande
dever para com esta empresa”. Comparando com os cinco estudos atrás referidos, verifica-se também
que estes itens não foram considerados. Tendo em conta o conteúdo semântico dos dois itens eliminados, verifica-se que ambos expressam uma ligação moral para com a organização, muito na linha da
ética protestante (Weber, 1905/1983). Tal facto leva a questionar o papel dos valores na determinação
do tipo de relações entre as três componentes, bem como na formação de um comprometimento
específico e concreto para um determinado contexto organizacional. Assim, realça-se a necessidade de
estudos, na linha dos de Kidron (1978), que estabeleçam a antecedência dos valores na formação do
comprometimento organizacional, tais como a espiritualidade organizacional (Rego et al., 2007).
Onde se verifica uma maior diferença nos resultados obtidos em relação ao modelo de Meyer e
Allen (1991) é nas relações entre as três componentes do comprometimento organizacional. Em
primeiro lugar, a relação inversa entre a componente afectiva do comprometimento organizacional
e a calculativa, chama a atenção para a importância dos laços afectivos na relação do sujeito com a
organização. Na realidade, os resultados sugerem que quanto maior for a ligação afectiva menor é
a importância que assume a relação transaccional de cariz instrumental. Surge assim a necessidade
de se identificarem melhor as condições que determinam esta relação, bem como, caso se verifique
de uma forma continuada, as suas consequência, nomeadamente nas práticas de gestão de recursos
humanos (Rodriguez et al., 2006).
Por outro lado, destaca-se a relação encontrada entre a componente normativa e a calculativa,
que vai também contra o estabelecido no quadro teórico. Salienta-se o papel “flutuante” desta componente, podendo-se colocar a hipótese de estudo de a componente normativa se associar, sob certas
condições, à afectiva e, sob outras, à calculativa. Neste caso há que identificar as condições presentes
numa e noutra situação. Mais ainda, verificou-se que esta relação se torna muito mais acentuada
com o aumento da idade e da antiguidade. Este resultado sugere que as relações de lealdade e de
ética para com a organização possam assentar muito mais numa base transaccional do que transformacional, podendo traduzir-se na afirmação de que a lealdade que a organização poderá esperar do sujeito
depende dos recursos materiais que o sujeito recebe. Reforça-se assim a teoria dos “side-bet” e do
retorno dos investimentos pessoais enquanto origem do comprometimento organizacional calculativo
(Meyer & Allen, 1991; Rusbult & Farrell, 1983).
O presente estudo pretendeu testar, no contexto português, usando uma amostra de conveniência, o “Modelo das Três-Componentes do Comprometimento Organizacional” de Meyer e
Allen (1991), bem como o instrumento a ele associado (Meyer & Allen, 1997). Em primeiro lugar,
foi confirmada a estrutura tridimensional do comprometimento organizacional. Em segundo lugar,
verificou-se a acuidade do instrumento para a medição dessas três componentes. Em terceiro e último
lugar, as relações entre as componentes do comprometimento organizacional, previstas no quadro
teórico e empírico, não foram verificadas, não tendo sido validado o modelo em causa. Por outro lado,
as relações obtidas entre as três componentes levam a questionar o carácter contextual do comprometimento organizacional. Assim, é importante o estudo da influência de variáveis contingenciais, nomeadamente valores, cultura, condições socio-económicas, gestão de recursos humanos, na formação do
comprometimento organizacional.
Refira-se a terminar que, tendo sido utilizada uma amostra de conveniência, há a necessidade de
confirmar estes resultados com outras amostras, sugerindo-se mesmo o recurso a um maior número
de organizações (empresas ou não) na constituição da amostra, de forma a controlar eficazmente a
influência de variáveis contingenciais.