Dimensão ética da conduta das empresas e dos
trabalhadores: Factos empíricos de um estudo
exploratório realizado em Portugal
Introdução
O artigo apresenta uma selecção dos resultados empíricos do estudo realizado em Portugal por
Swiatkiewicz (2006) sobre a conduta ética das empresas e dos seus colaboradores. Não se discute
extensivamente a literatura dos assuntos expostos, contudo, faz-se uma referência explícita aos
autores que analisam cada um deles. Tendo em conta que os aspectos da dimensão ética da conduta
das empresas e dos trabalhadores, analisados neste artigo, se referem a questões fundamentais da
Ética Empresarial (ver Buchholz & Rosenthal, 1998; Lewicka-Strzalecka, 1999; Porebski, 2000;
Carr, 2003; Fisher & Lovell, 2003; Vitell & Paolillo, 2004), é possível omitir a redundante análise
teórica de cada um deles, pois parte-se do princípio que são do conhecimento do leitor familiarizado
com esta problemática.
A problemática do estudo cinge-se às seguintes questões: Será que os principais problemas
éticos enfrentados pelos trabalhadores das empresas, que funcionam noutros contextos culturais,
também são alvo da preocupação dos trabalhadores portugueses e com que intensidade? Existirá em
Portugal uma percepção da dimensão ética dos problemas da actividade das empresas e dos seus colaboradores e qual é a sua intensidade ou, pelo contrário, a dimensão pragmática limitará a capacidade
de exercer a agência moral? Será que as empresas em Portugal empreendem medidas formais para
sensibilizar os trabalhadores para o aspecto ético dos problemas, bem como para normalizar a conduta
ética dos vários intervenientes no exercício da sua actividade? Quais as atitudes dos trabalhadores
em relação a condutas comprometedoras das normas éticas e quais os seus factores explicativos?
O objectivo do presente artigo foi responder às questões: como é que os trabalhadores portugueses vêem determinados problemas éticos da actividade das empresas e dos seus colaboradores e
quais as atitudes dos trabalhadores em relação aos dilemas fundamentais da ética empresarial (dimensão
ética de problemas organizacionais, relações entre a dimensão legal e ética da acção, relações entre
a ética e a eficiência, principais deveres da empresa, ocorrência e denúncia de condutas não éticas
no trabalho, formalização e institucionalização da ética nas empresas); qual o nível de implementação
dos elementos de ética formal nas empresas (documentos escritos de ética, formação ética e aconselhamento ético) e, por fim, quais os factores (variáveis), individuais e institucionais, determinantes (condicionantes) da variação dos resultados.
O âmbito do estudo restringiu-se a empresas e seus trabalhadores de vários níveis de responsabilidade organizacional. O objecto da investigação foram as percepções, as atitudes e os comportamentos dos trabalhadores expressos em opiniões acerca da sua conduta e da de outros trabalhadores,
bem como da conduta das suas e de outras empresas em Portugal.
Revisão da literatura
O comportamento das empresas e dos seus trabalhadores compõe-se de um número quase
infinito de actividades e problemas que podem ser avaliados do ponto de vista ético, pois cada acto
pode ser objecto de um juízo moral, não existindo, contudo, actos pertencentes exclusivamente à categoria
dos actos morais (Firth, 1966; Ossowska, 1970/85; Grad, 1985; Sison, 2000; Lojewska-Krawczyk, 2001).
Este problema prático impôs-se ao estudo empírico, exigindo a limitação da problemática a uma parte
da realidade organizacional, na qual a dimensão ética dos problemas organizacionais fosse essencial e
confirmada por outros estudos. Outra questão prendeu-se com o desejo da comparação dos resultados
com outros estudos, o que limitou o enquadramento da problemática empírica.
Segundo Porebski (2000), na ética empresarial estabeleceu-se um círculo canónico de problemas
abordados por autores, considerados peritos nesta área. Os aspectos da dimensão ética da conduta
das empresas e dos seus trabalhadores, cujos resultados se apresentam e analisam mais adiante, fazem
parte deste círculo canónico a que se refere Porebski.
No dia-a-dia, os trabalhadores das empresas enfrentam problemas de carácter pragmático ou
prático, que também podem ter uma dimensão ética. Nas situações quotidianas verifica-se amiúde que
o mesmo acontecimento induz nas pessoas reflexões distintas e é avaliado do ponto de vista dos
diferentes critérios ou categorias. Uns podem ver aí problemas morais, nem sempre do mesmo género,
outros – pragmáticos, estéticos ou políticos (Bandura, 1991; Augustyniak-Kopka, 1994). As pessoas
diferem não apenas em termos de atitudes em relação aos mesmos valores morais e de escolha de
diferentes valores ou de diferentes preferências éticas, mas também no que diz respeito à capacidade
de reflexão ética, capacidade de expressar juízos morais (Augustyniak-Kopka, 1994). A percepção
da dimensão ética dos problemas organizacionais está estritamente relacionada com a problemática
do desenvolvimento moral humano, elaborada por Kohlberg a partir da teoria piagetiana (Kohlberg,
1990; Emler & Hogan, 1991; Augustyniak-Kopka, 1994; Rest et al., 1999). Ela constitui igualmente
um dos principais objectos de investigação da ética empresarial (Lovell, 2002, 2002a; Marnburg, 2003).
Segundo Bandura (1991) “os adultos compreendem vários princípios morais, mas usam-nos de modo
selectivo ou complementar, dependendo da acção conjunta de circunstâncias e do domínio do funcionamento” (p. 49). Vários autores sublinham o vazio existente entre percepção e acção moral e inconsistência de evidências empíricas (Bandura, 1991, 2001; Emler & Hogan, 1991; Oser, 1991; Marnburg,
2003). Pode-se ainda colocar a questão de saber até que ponto faz sentido questionar as pessoas acerca
da percepção da dimensão ética na sua actividade profissional, quando estão ocupadas com a actividade
económica ou organizacional? “A eficácia no âmbito organizacional é, frequentemente, tanto o efeito
como a causa de concentração intensiva numa área restrita de actividades particulares, à qual acompanha
uma falta de sensibilidade para outros aspectos da nossa acção” (MacIntyre, 1977/97, p. 243).
As relações entre a ética e a lei, estudadas por investigadores de outras áreas, constituem também
um problema-chave da ética empresarial (Lewicka-Strzalecka, 1999; Dunfee, 2001; Aharony & Geva,
2003), contudo, uma das lacunas do foro instrumental da ética empresarial resulta do facto de que “tanto
na teoria, como na prática, não existe nenhuma interligação real com o domínio da lei e, especialmente,
com a lei empresarial” (Luijk, 2000, p. 6). Segundo Dunfee (2001) “os dois domínios estão sinergética e
intimamente interligados. Estão de tal forma interligados, que nenhum dos dois pode fazer total sentido
ou ser notado sem o outro” (p. 319). Na literatura (Lewicka-Strzalecka, 1999; Hoch & Hamilton, 1999;
Aharony & Geva, 2003; Fisher & Lovell, 2003) distinguem-se duas orientações entre os aderentes à
ideia de que o cumprimento da lei constitui um imperativo ético na actividade económica e empresarial.
Na primeira reduz-se o dever ético exclusivamente à conduta conforme as leis vigentes; na segunda
considera-se a lei como condição necessária, mas insuficiente para uma conduta ética na actividade
empresarial. A salvaguarda de um estado de direito na actividade económica é comum para as duas
orientações (Lewicka-Strzalecka, 1999; Aharony & Geva, 2003).
Existem opiniões divergentes sobre as relações existentes entre o aspecto ético e eficiente da acção:
por vezes, considera-se que estas esferas são totalmente distintas e não se deve misturá-las; outras vezes,
julga-se que há entre elas uma relação de dependência positiva; noutros casos ainda, acha-se que esta
dependência é negativa (Argandoña, 1989; Vogel, 1991; Lewicka-Strzalecka, 1999; Husted & Allen,
2000; Hosmer & Chen, 2001; Koslowski, 2002). “Na literatura de gestão, a ética e a responsabilidade
social têm sido ligadas aos ‘objectivos’ organizacionais de maneiras variadas” (Husted & Allen, 2000,
p. 23). Paine (2000) transmite uma ideia semelhante, ao afirmar que “as relações entre a ética e a economia
nunca foram fáceis” (p. 319), contudo, conclui que “sempre vai haver tensões entre estas duas perspectivas. Mas é assim que deve ser. Sem essas tensões o mundo seria um espaço mais pobre, em todos
os sentidos do termo” (p. 329). “Não há ninguém que queira viver numa sociedade justa onde não
há nada para comprar nem numa sociedade rica e eficiente que aplica os seus recursos em fins
moralmente repreensíveis. /…/ A forma de coordenação por via da propriedade, da maximização
da utilidade ou do lucro, assim como por via do mercado não pode constituir o conteúdo da ordem
social e da acção individual, tal como esta forma não pode ser abandonada caso se queira assegurar a
liberdade e a eficiência na economia” (Koslowski, 2002, pp. 44-67). Na ética dos negócios assume-se,
em primeiro lugar, que a conduta ética (ou não ética) dos actores da vida económica condiciona o
funcionamento do sistema económico como um todo (Argandoña, 1989; Lewicka-Strzalecka, 1999;
Hosmer & Chen, 2001; Koslowski, 2002): há pessoas “convencidas de que a ética é essencial para a
actividade empresarial sustentável” (Enderle, 2004, p. 51). Em segundo lugar, aponta-se para a dependência
entre a dimensão ética da acção do indivíduo ou da empresa e o proveito que ele ou ela obtém dessa
acção (Lewicka-Strzalecka, 1999; Porebski, 2000; Paine, 2000; Husted & Allen, 2000): “o gestor deve
ser ‘justo’ não apenas porque isto está ‘certo’, mas também porque assim é eficaz” (Hosmer, 2000, p. 233).
Os sistemas económicos eficientes caracterizam-se pela fiabilidade generalizada, pelo cumprimento
de acordos e compromissos e pela “cultura de confiança” – um sentimento social em que a confiança é
uma norma e a sua falta é considerada uma patologia (Sztompka, 1997; Lewicka-Strzalecka, 1999).
Saber quais são ou devem ser as principais responsabilidades (deveres) da organização e dos seus
dirigentes máximos é uma problemática essencial da ética empresarial (Buchholz & Rosenthal, 1998;
Lewicka-Strzalecka, 1999; Hosmer, 2000; Husted & Allen, 2000; Fisher & Lovell, 2003; Enderle, 2004).
“‘A responsabilidade’ e, mais especificamente, a ‘responsabilidade social’, tornou-se o maior tema
do discurso social das actuais sociedades ocidentais” (Luijk, 2000, pp. 3-4). Na literatura, a discussão
sobre a responsabilidade social das empresas ou a cidadania organizacional, desenvolve-se em torno
de duas orientações extremas, polarizadas desde o início desta nova disciplina, uma pró-lucrativa
(envolvimento mínimo, influência socialmente neutra) e outra pró-social e pró-activa (Buchholz &
Rosenthal, 1998; Lewicka-Strzalecka, 1999; Sison, 2000; Lovell, 2002; Fisher & Lovell, 2003). “A procura
de resposta à questão perante quem e pelo quê as organizações económicas são responsáveis, levou
à formulação da teoria das partes interessadas (stakeholders)” (Gasparski, 2002, p. 22), que Luijk (2000)
considera central para a ética empresarial.
A conduta imprópria no local de trabalho, “um comportamento que viola as leis ou os padrões
éticos da organização” (Joseph, 2003, p. 27), é uma questão fulcral para muitas organizações. “A
conduta não ética continua ser uma característica persistente da actividade empresarial contemporânea,
não obstante o esforço para a responsabilidade social das empresas” (Barlow, 2005, p. 77). A conduta
não ética é um composto de complexidade estrutural, pessoal e situacional, embora não necessariamente
em proporções iguais” (Lovell, 2002, p. 152). A tentativa de participar (comunicar ou denunciar) condutas
impróprias no trabalho, transgressões na (ou da) organização pelos trabalhadores ou ex-trabalhadores
das organizações, que não tem como finalidade a obtenção de benefícios ou vantagens para o próprio,
designada em inglês por whistle-blowing, é um esforço empreendido para consciencializar os outros de
práticas consideradas ilegais, injustas, danosas ou prejudiciais (Buchholz & Rosenthal, 1998; LewickaStrzalecka, 1999; Porebski, 2000; Grant, 2002).
Existem várias maneiras de comunicar com os trabalhadores sobre a dimensão ética da conduta.
Geralmente acontece por via informal, em conversa sobre os aspectos éticos desta conduta, ou através
de influência e formação da conduta ética, bem como a aplicação dos valores éticos no trabalho, em
resultado do exemplo dado pelas chefias e pelos colegas por via da sua própria conduta (Joseph, 2000).
Nas pequenas empresas, onde “a linguagem de ética, enquanto filosofia moral, não faz parte do discurso
empresarial habitual, não sendo, porém, totalmente estranha” (Spence & Lozano, 2000, p. 52), para
comunicar questões éticas, basta utilizar instrumentos informais (Spence & Lozano, 2000; Guillén, Melé,
& Murphy, 2002). Nas grandes empresas, os mecanismos formais são essenciais para orientar a conduta
ética (Guillén, Melé, & Murphy, 2002; Schwartz, 2002). A formalização da ética clarifica os princípios
e as linhas orientadoras de conduta, transmitindo-os a todos os níveis organizacionais (Guillén, Melé,
& Murphy, 2002). Muitas das empresas promovem e implementam elementos de ética formal (códigos
éticos, códigos de conduta ou de boas práticas, auditorias éticas, formações/treinos éticos, declarações
de valores, declarações de princípios, missões ou credos das empresas, comissões ou unidades éticas,
boletins/brochuras/folhetos éticos, linhas telefónicas, etc.) que constituem um esforço deliberado, formal
e institucionalizado. As empresas americanas desenvolvem e implementam programas éticos cada vez
mais complexos. Para tal contribuiu significativamente Federal Sentencing Guidelines for Organizations
da Comissão Federal de Juízes dos EUA de 1991, que salvaguarda um tratamento menos rigoroso das empresas
transgressoras, possuidoras de programas éticos efectivos (US Sentencing Commission, 1991).
Metodologia
Na recolha de dados foi utilizado um inquérito por questionário que consistiu numa adaptação
do questionário de Lewicka-Strzalecka (1999) e dos questionários do Ethics Resource Center (Goodell,
1994; Joseph, 2000). Algumas questões (indicadores da variável dependente e variáveis independentes)
foram originais e inspiradas pela especificidade da realidade portuguesa, assim como pela literatura da
área em questão.
O questionário foi anónimo e auto-administrado pelos inquiridos. O inquérito foi realizado em
2004, excepto uma pequena parte da amostra, que serviu como teste de consistência do instrumento,
recolhida no ano anterior. Dos 653 questionários recolhidos, N=640 constituiu a amostra (por conveniência) sujeita a análise. 70% de respondentes eram trabalhadores-estudantes dos cursos profissionais,
de bacharelato, de licenciatura, de mestrado e de pós-graduação; 30% dos questionários foi recolhido
nas empresas ou através do processo de “bola de neve”. Em termos geográficos, o inquérito abrangeu,
em proporções diferentes, Setúbal, Lisboa, Faro, Loulé, Évora, Amadora, Sintra, Leiria e Porto.
Em todos os aspectos da dimensão ética da conduta das empresas e dos trabalhadores, discriminados na introdução a este artigo (ver acima) foi analisada a influência das variáveis (individuais e
institucionais) independentes (sexo, idade, nível de formação, antiguidade na empresa, nível de responsabilidade organizacional, sentimento de segurança de/no emprego e da carreira profissional, tipo de
propriedade e origem do capital da empresa, ramo de actividade, dimensão, idade e situação económico-financeira da empresa).
Ao longo do texto, entre parênteses, são apresentados os resultados dos testes de igualdade/
diferença das médias em grupos (teste t, teste F da One-Way Anova, e em caso de falta de homogeneidade
das variâncias teste Welch), o coeficiente Ró de Spearman para correlação entre duas variáveis ordinais,
o teste do Qui-quadrado de independência e o coeficiente V de Cramer de associação entre variáveis
qualitativas, assim como a dimensão da amostra (N), graus de liberdade e o nível de significância.
Assumiu-se o nível de significância estatística p=α≤0,10 como aceitável e os resultados como estatisticamente significativos.
Percepção da dimensão ética no trabalho
A grande maioria (85%) dos inquiridos declara enfrentar no seu trabalho problemas do foro ético,
apenas uma percentagem reduzida não encontra problemas éticos no trabalho ou não sabe responder à
questão.
O nível de reflexão ética na amostra cresce com a idade dos inquiridos (Ró=0,102; N=598;
p<0,05), e a dimensão da empresa (Ró=0,124; N=532; p<0,005). O nível de reflexão ética apresenta
uma tendência crescente com a ascendência na posição hierárquica ocupada na empresa (F=1,974;
N=600; Welch=2,035; p<0,10), excepto na categoria dos proprietários das empresas que, entre todas
as categorias, apresentam o nível mais reduzido de reflexão ética, contudo, 93% desta categoria são
proprietários das empresas com vinte ou menos trabalhadores.
O nível de reflexão ética na amostra é mais elevado entre os trabalhadores cujas empresas
possuem documentos escritos de ética do que entre os trabalhadores provenientes das empresas sem
este tipo de documentos (t=3,111; N=506; p<0,005); o nível de reflexão ética difere segundo a situação
económico-financeira da empresa (F=6,036; N=588; Welch=5,812; p<0,005), sendo o mais reduzido
entre os trabalhadores das empresas em situação de equilíbrio (estabilidade).
Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas no nível da reflexão ética entre
os trabalhadores com diferentes níveis de escolaridade, embora se observe uma tendência positiva
entre as duas variáveis e uma correlação tão fraca que quase inexistente, porém, estatisticamente significativa (Ró=0,077; N=592; p<0,10).
Legalidade da conduta
Os inquiridos, na sua maioria, declaram-se determinados a cumprir as leis vigentes (85% concorda
com a opinião de que se deve sempre obedecer às leis, mesmo quando nos parecem desajustadas):
os homens concordam mais frequentemente com esta opinião do que as mulheres (t=-2,642; N=624; p<0,01).
Os inquiridos assumem maioritariamente a existência de limitações do foro extra legal (social,
ético, religioso) à liberdade de comportamento/acção (aquilo que não é prescrito por leis), discordando
62% da opinião de que tudo, o que não é proibido por lei, é permitido.
Os indivíduos de posições hierárquicas mais destacadas (administradores, directores e quadros
superiores; chefias e quadros intermédios) discordam mais frequentemente da opinião sobre a lei como
reguladora única de conduta do que as pessoas que ocupam níveis de menor responsabilidade organizacional: empregados e trabalhadores com vínculo precário (F=2,566; p<0,05; N=606; Welch=2,377;
p<0,10), excepto a categoria dos proprietários das empresas.
A concordância com esta última afirmação é também maior entre os trabalhadores das empresas
onde existem documentos escritos de ética do que entre os trabalhadores onde estes documentos não
existem (t=-2,469; N=503; p<0,05).
Relações entre a ética e a eficiência na actividade económica
52% dos trabalhadores concorda que actualmente em Portugal a conduta ética nos negócios
não compensa; 40% dos mesmos discorda desta opinião: os homens concordam mais frequentemente
com esta afirmação do que as mulheres (t=-4,468; N=586; p<0,001); as pessoas com menos formação
concordam mais frequentemente com esta opinião do que os indivíduos com formação mais avançada
(F=2,655; N=570; p<0,10); os trabalhadores das grandes empresas (500 ou mais empregados) concordam
mais frequentemente com esta afirmação (F=3,173; N=513; p<0,05) do que os das médias empresas
(21-500 pessoas).
89% dos trabalhadores concorda que a longo prazo o sucesso económico da empresa depende
do cumprimento dos princípios éticos: as pessoas que se sentem menos seguras de/no emprego manifestam
menor convicção acerca da relação causal positiva entre o desempenho ético e o desempenho económico
da empresa a longo prazo do que as pessoas que se sentem seguras (F=5,771; p<0,001; N=561;
Welch=5,212; p<0,005); as pessoas provenientes das empresas onde existem documentos escritos
de ética concordam mais com esta afirmação do que os trabalhadores das empresas onde estes não
existem (t=3,354; N=498; p<0,001).
76% dos inquiridos discorda da opinião que estabelece a dependência da conduta de acordo
com os princípios éticos da obtenção prévia de estabilidade financeira (primeiro é preciso ganhar
dinheiro, alcançar a estabilidade e, depois, pode-se dar ao luxo da ética): as mulheres discordam significativamente mais desta esta opinião do que os homens (t=-4,172; N=631, p<0,001); a discordância
cresce com o aumento do nível de formação (F=9,266; N=615; Welch=8,792; p<0,001); a gestão de
topo (administradores, gerentes, directores, etc.) expressa maior discordância em relação a esta opinião,
enquanto os empregados constituem a categoria que menos discorda desta opinião (F=2,536; N=623;
Welch=3,18; p<0,05).
A grande maioria dos trabalhadores (87%) concorda que numa situação de escolha entre uma
conduta ética e outra lucrativa, os empresários portugueses escolhem o lucro e, apenas 11% discorda
desta opinião: os homens concordam mais frequentemente com esta opinião do que as mulheres (t=-2,515;
N=620; p<0,05); os trabalhadores do sector público concordam mais frequentemente com esta
opinião do que os inquiridos das empresas privadas, sejam elas de origem nacional ou estrangeira
(F=2,519; N=596; p<0,10).
75% dos inquiridos conhecem, em Portugal, algumas empresas que merecem confiança, são
honestas, responsáveis e fidedignas, enquanto um em cada quatro não conhece nenhuma ou está indeciso:
quanto mais escasso é o poder organizacional do trabalhador tanto mais ausente de empresas honestas
surge o panorama empresarial português (Ró=0,165; N=565; p<0,001); as pessoas que se sentem pouco
ou nada seguras no/de emprego ou na carreira profissional conhecem menos empresas que mereçam
confiança do que os indivíduos que se sentem seguros (t=-2,652; N=523; p<0,01; os trabalhadores
do sector público conhecem menos empresas merecedoras de confiança do que os trabalhadores do
sector privado (F=11,764; N=553; Welch=12,122; p<0,001); os trabalhadores das empresas nas quais
existem documentos escritos de ética conhecem mais empresas merecedoras de confiança do que
os trabalhadores das empresas sem tais documentos (t=-2,052; N=475; p<0,05).
Acima de metade dos inquiridos, que declararam conhecer em Portugal empresas que merecem
confiança, indica como honestas, responsáveis e fidedignas as empresas nacionais e pouco mais de
1/3 indica as empresas de origem estrangeira: a maioria dos trabalhadores das empresas com capital
nacional (privadas ou públicas) indica como honestas as empresas portuguesas, enquanto os trabalhadores das empresas com capital estrangeiro indicam as empresas estrangeiras (χ2=29,426; g.l.=2;
p<0,001; V=0,284); as empresas portuguesas são indicadas como honestas pela maioria dos trabalhadores das empresas de serviços, da banca e dos seguros, assim como por grande parte dos inquiridos
do comércio e da construção civil, enquanto a maioria dos trabalhadores da indústria confia principalmente nas empresas estrangeiras (χ2=17,077; g.l.=8; p<0,05; V=0,150); com o aumento da idade dos
inquiridos observa-se uma diminuição relativa de confiança nas empresas de origem estrangeira e
um aumento de confiança nas empresas de origem nacional (χ2=9,025; g.l.=2; p<0,05; V=0,157); a
confiança dos inquiridos nas empresas nacionais cresce com o aumento dos anos de trabalho na
empresa, enquanto a imagem ética das empresas estrangeiras que operam em Portugal se deteriora
(χ2=13,867; g.l.=2; p<0,001; V=0,192); a confiança dos inquiridos nas empresas nacionais cresce
com o aumento do sentimento de segurança de/no emprego (χ2=18,787; g.l.=6; p<0,005; V=0,155).
3/4 dos inquiridos, que declarou conhecer em Portugal empresas que merecem confiança, acha
honestas, responsáveis e fidedignas as empresas privadas, os restantes escolhem empresas públicas,
mistas ou não têm opinião formada: a percentagem de homens que confia no sector privado é menor
do que de mulheres (χ2=9,55; g.l.=3; p<0,05; V=0,153), porém os dois grupos confiam maioritariamente nas empresas do sector privado; com o aumento da idade diminui a percentagem de pessoas
que confiam nas empresas privadas (χ2=6,782; g.l.=2; p<0,05; V=0,139), mas os três grupos etários
em análise confiam maioritariamente nas empresas do sector privado; a percentagem de pessoas do
sector público que confia no sector privado é menor do que do sector privado (χ2=8,264; g.l.=2;
p<0,05; V=0,155), porém, todos confiam maioritariamente nas empresas do sector privado; a percentagem dos trabalhadores das empresas mais antigas no mercado (dez ou mais anos de idade) que
confiam no sector privado é menor do que a percentagem dos trabalhadores das empresas com poucos
anos de actividade (χ2=8,246; g.l.=1; p<0,005; V=0,162); contudo, os dois grupos confiam maioritariamente nas empresas do sector privado.
Quatro em cada dez inquiridos considera honestas, responsáveis e fidedignas as grandes empresas,
três em dez as médias, dois em dez as pequenas e quase um em dez está indeciso: os homens confiam
maioritariamente nas grandes empresas, enquanto a confiança das mulheres está distribuída quase
equilibradamente entre as grandes, médias e pequenas empresas (χ2=10,072; g.l.=2; p<0,01; V=0,164);
a maioria dos inquiridos de todos os níveis hierárquicos confia nas grandes e, seguidamente, nas médias
empresas, com excepção da categoria dos proprietários que confiam principalmente nas pequenas empresas
(χ2=20,141; g.l.=8; p<0,01; V=0,165); os trabalhadores das grandes empresas confiam maioritariamente
nas empresas desta dimensão, assim como grande parte dos trabalhadores das médias empresas, enquanto
os inquiridos das pequenas empresas apostam principalmente nas empresas semelhantes às suas (χ2=40,097;
g.l.=4; p<0,001; V=0,245).
Quase sete em cada dez inquiridos acha honestas, responsáveis e fidedignas principalmente as
empresas estabilizadas e quase três em dez as empresas que estão em fase de desenvolvimento: a percentagem de homens que confia nas empresas estabilizadas é maior do que a de mulheres (χ2=5,607; g.l.=1;
p<0,05; V=0,123); a percentagem dos inquiridos que confia nas empresas estabilizadas aumenta
com a idade do inquirido (χ2=10,628; g.l.=2; p<0,005; V=0,170), a antiguidade do inquirido (χ2=7,4;
g.l.=2; p<0,05; V=0,143) e com a idade da empresa representada pelo inquirido (χ2=6,704; g.l.=1;
p<0,01; V=0,141), reduzindo-se, ao mesmo tempo, a confiança depositada nas empresas em desenvolvimento; a percentagem dos inquiridos que confia nas empresas estabilizadas é maior entre os
inquiridos provenientes das empresas com situação económico-financeira estável do que entre os inquiridos,
cujas empresas se encontram numa situação difícil/declínio ou em desenvolvimento (χ2=6,032; g.l.=2;
p<0,05; V=0,129).
Quase 3/4 dos inquiridos considera a sua própria e as outras empresas honestas, responsáveis e
fidedignas, 19% está indeciso e 7% acha a maioria das outras empresas (e não a sua própria) honestas,
responsáveis e fidedignas: a percentagem de pessoas, que considera honestas a sua própria e as outras
empresas é superior nos dois grupos etários mais velhos (“25-29 anos” e “30 ou mais anos”) do que a
percentagem do grupo etário mais novo – “até 24 anos” (χ2=9,887; g.l.=4; p<0,05; V=0,131); a
percentagem de trabalhadores que considera honestas a sua própria e as outras empresas é superior
entre os inquiridos que se sentem seguros de (no) emprego do que entre os trabalhadores que se
sentem pouco ou nada seguros de (no) emprego (χ2=10,538; g.l.=2; p<0,005; V=0,196).
Principais responsabilidades (deveres) da empresa
A grande maioria dos inquiridos portugueses (89%) concorda com a opinião de que o lucro
constitui o principal objectivo da actividade da empresa, apenas 12% discorda ou não tem opinião
formada: concordam com esta opinião mais frequentemente os mais jovens do que os mais velhos
(t=-3,171; N=625; p<0,005); os empregados e as chefias/quadros intermédios do que a gestão de topo
ou os proprietários (F=2,261; N=626; p<0,10); as pessoas que trabalham em empresas maiores (com
mais de 500 trabalhadores) do que as das pequenas empresas – até vinte trabalhadores (F=2,661;
N=548; p<0,10); os trabalhadores das empresas mais antigas no mercado (dez ou mais anos) do que os
das mais novas – até dez anos (t=1,981; N=564; p<0,05); os inquiridos provenientes das empresas
do ramo industrial do que os das empresas que prestam serviços (F=2,289; N=573; p<0,10; Welch=2,726;
p<0,05).
95% da amostra espera da sua empresa que esta faça o que está certo e não apenas o que dê
lucro, independentemente de todas as características individuais e institucionais, excepto uma – as
pessoas que se sentem seguras de/no emprego – concordam mais frequentemente com esta afirmação
do que os indivíduos pouco ou nada seguros (t=-2,79; N=575; p<0,01).
Os trabalhadores diferenciam os stakeholders, pelo interesse dos quais a empresa deve zelar
em primeiro lugar (clientes, trabalhadores e accionistas/proprietários), os stakeholders, cujos interesses
a empresa deve ter em atenção em segundo lugar (comunidade local/público em geral e chefias), assim
como, as partes interessadas, perante as quais a responsabilidade da empresa é mais restrita (distribuidores, fornecedores e famílias dos trabalhadores).
Os inquiridos vêem poucas justificações para a violação dos deveres deontológicos da empresa.
As justificações do incumprimento dos princípios apresentados resumem-se a casos previstos ou omissos
na lei, reciprocidade nas relações e situações que podem pôr em causa o bem-estar da empresa (sobrevivência, solvabilidade, desenvolvimento, etc.).
Os princípios, cujo cumprimento é mais rigoroso (onde se admite menos excepções à regra),
dizem respeito à preservação dos direitos dos trabalhadores, ao respeito das leis vigentes, à execução
das obrigações fiscais e à segurança dos bens produzidos e dos serviços prestados. A preservação do
meio ambiente durante o processo de fabrico; a informação exacta e actualizada sobre os produtos e
serviços; o respeito pelos contratos, acordos e compromissos assumidos, assim como a não divulgação
a terceiros de informação obtida dos clientes constituem o segundo subgrupo de princípios, em termos
de rigor do seu cumprimento declarado pelos inquiridos. O princípio tratado pelos inquiridos de forma
mais flexível foi aquele que apela para a competição leal com a concorrência.
Ocorrência e denúncia de condutas não éticas (abusos) no trabalho
Menos de metade dos inquiridos (47%) observam condutas comprometedoras de normas éticas
nas suas próprias empresas: os homens, em comparação com as mulheres, observaram mais frequentemente essas condutas (t=-2,717; N=533; p<0,01). A frequência da percepção de condutas impróprias
na empresa cresce com a idade dos trabalhadores (Ró=0,109; N=522; p<0,05), a sua antiguidade na
empresa (Ró=0,098; N=515; p<0,05) e com a dimensão da empresa representada pelo inquirido
(Ró=0,205; N=467; p<0,01).
Acima de 2/3 dos inquiridos, que assistiram nas suas empresas a condutas impróprias, não
apresentaram queixa sobre o sucedido: a percentagem de pessoas que apresenta queixas de conduta
imprópria no trabalho cresce com o aumento da idade (χ2=7,671; g.l.=2; p<0,05; V=0,162), da antiguidade
na empresa (χ2=7,661; g.l.=2; p<0,05; V=0,164) e com a ascensão na posição hierárquica (χ2=8,522;
g.l.=4; p<0,10; V=0,171); a percentagem de pessoas que apresenta queixas de conduta imprópria
no trabalho é maior entre as pessoas que se sentem seguras de/no emprego do que entre as pessoas
pouco ou nada seguras de/no emprego (χ2=4,506; g.l.=1; p<0,05; V=0,127).
Os inquiridos ao escolherem as razões para não apresentarem queixa de conduta não ética no
trabalho, em primeiro lugar mencionam que não querem arranjar problemas (73%), depois que não
acreditam que sejam tomadas medidas adequadas (56%) e, em terceiro lugar, que associam este tipo
de conduta à denúncia (bufo) (49%). As razões mais raramente indicadas pelos inquiridos são: não há
ninguém que o faça (13%), não querem mexer em esquemas que lhes são benéficos (21%) ou acham
que isso não lhes diz respeito (31%).
A grande maioria dos inquiridos escolhe a formação dos trabalhadores (80%) e a conduta ética
das chefias (70%) como duas das melhores medidas para combater a conduta não ética nas empresas.
Seguem-se outras em queda percentual significativa: mudanças organizacionais na empresa – 39%;
aumento do controlo – 24% e alteração de algumas leis – 15%.
Institucionalização e formalização da conduta ética
49% dos trabalhadores confirma a existência de princípios escritos de ética na empresa (códigos
de conduta, manuais de boas práticas, declarações de valores, credos, missões ou visões da empresa
com valores éticos incorporados), enquanto 51% nega a sua existência ou não sabe responder à questão,
o que significa que, caso existam, não funcionam mesmo.
O conhecimento da existência de documentos éticos na empresa cresce com o aumento do nível
de responsabilidade organizacional, excepto a categoria dos proprietários (χ2=33,029; g.l.=8; p<0,001;
V=0,162); a existência de documentos éticos na empresa é confirmada por mais trabalhadores que se
sentem seguros de/no emprego do que os nada seguros (χ2=8,035; g.l.=2; p<0,05; V=0,118); a existência
de documentos éticos é maior nas empresas privadas de origem estrangeira do que nas nacionais, privadas
ou públicas (χ2=24,774; g.l.=4; p<0,001; V=0,143); verifica-se uma tendência positiva entre a existência
de documentos éticos e a dimensão da empresa (χ2=62,012; g.l.=4; p<0,001; V=0,238); é maior a
percentagem de empresas com documentos de ética entre as empresas mais antigas no mercado do
que entre as mais novas (χ2=3,289; g.l.=1; p<0,10; V=0,084); é maior a percentagem das empresas
do sector da banca e dos seguros que possuem documentos de ética do que a percentagem das empresas
de outros ramos de actividade – construção civil, serviços, comércio ou indústria – (χ2=29,719; g.l.=8;
p<0,001; V=0,161); é maior a percentagem de empresas em situação económico-financeira estável
ou em fase de desenvolvimento que possuem documentos de ética do que a percentagem de empresas
que se encontram numa situação de declínio ou com problemas transitórios (χ2=19,696; g.l.=4; p<0,001;
V=0,127).
96% dos trabalhadores portugueses que confirmaram a existência de regras ou princípios escritos
de ética na empresa considera estes princípios úteis no trabalho. As mulheres mais frequentemente
do que os homens reconhecem a utilidade dos princípios éticos escritos (t=2,183; N=308; p<0,05).
20,5% dos inquiridos confirma a realização na empresa de formação no âmbito da ética, enquanto
80% nega a sua ocorrência ou não sabe responder a esta questão.
A formação no âmbito da ética é mais frequentemente organizada nas empresas privadas de
origem estrangeira do que nas empresas nacionais, privadas ou públicas (χ2=37,787; g.l.=4; p<0,001;
V=0,176); a organização da formação no âmbito da ética apresenta uma tendência positiva com a
dimensão da organização (χ2=59,333; g.l.=4; p<0,001; V=0,232); a organização da formação é uma
prática mais frequente no sector da banca e dos seguros, bem como no comércio, do que na construção
civil ou nos serviços (χ2=15,848; g.l.=4; p<0,005; V=0,171); a organização de formação é uma prática
mais frequente nas empresas com situação económico-financeira equilibrada ou em desenvolvimento
do que nas empresas em fase de declínio (χ2=21,86; g.l.=4; p<0,001; V=0,134).
Os trabalhadores que confirmaram a realização de formação no âmbito da ética pela empresa,
em 95% consideram essa formação útil no trabalho.
22% dos trabalhadores confirmou a existência na empresa de uma secção (unidade, linha telefónica
ou responsável) que trate de problemas éticos ou à qual se possa recorrer em caso de dúvidas relacionadas com uma conduta imprópria.
Discussão e conclusões
A declaração da percepção da dimensão ética dos problemas enfrentados no trabalho não
predetermina uma conduta coerente com os valores declarados. Já vários autores (Oser, 1991; Bandura,
1991; Augustyniak-Kopka, 1994; Lovell, 2002, 2002a; Marnburg, 2003) chamaram a atenção para
o facto de as declarações não darem necessariamente origem a actos ou de as afirmações sobre a reflexão
ética não se traduzirem na escolha de acções éticas e na resolução de conflitos éticos (ou morais e
pragmáticos). Joseph (2003) constata que quase 1/3 dos trabalhadores norte-americanos afirma perdoar
aos seus colegas práticas eticamente duvidosas, demonstrando até respeito por aqueles, que assim
alcançaram sucesso. Eastman, Eastman e Eastman (1996) verificaram que os profissionais de seguros,
apesar de declararem impossível o seu envolvimento numa conduta não ética, tendem a envolver-se
mais activamente numa conduta não ética quando podem obter benefícios profissionais do que nas
situações da vida privada. A correlação positiva verificada no presente estudo entre a reflexão ética
e a idade dos inquiridos confirma esta tendência geral e universal (Bandura, 1991; Rest et al., 1999). A
diferenciação do nível de reflexão ética segundo a existência/ausência de documentos escritos de ética
na empresa sugere o impacto positivo da implementação dos elementos de ética formal nas empresas a
nível cognitivo.
A falta de diferença de opinião entre os inquiridos das empresas com documentos éticos e sem
eles no que diz respeito à obediência incondicional à lei, demonstra que, ao contrário da tese de Luijk
(2000), a existência (ou a falta) de documentos de ética formal na empresa pode não ter o impacto
esperado, mas também é possível que a obediência à lei não esteja incorporada nestes documentos
ou que as declarações éticas das empresas em Portugal e as suas condutas efectivas constituam duas
realidades distintas.
Os inquiridos, discordando na sua maioria da afirmação de que tudo, o que não é proibido
por lei, é permitido, assumem a existência de limitações do foro extra-legal (social, ético, religioso) à
liberdade de comportamento, contudo, uma concordância significativamente maior com esta afirmação
entre os trabalhadores das empresas, onde existem documentos escritos de ética, do que entre os
indivíduos provenientes das empresas sem estes documentos pode significar que a formalização e a
institucionalização da ética nas empresas em Portugal provoca cegueira ou rigidez na reflexão dos
trabalhadores, restringindo a ética ao que está prescrito e suprimindo a responsabilidade das pessoas
pela avaliação de actos que ultrapassam normas ou princípios escritos, assim como desculpabilizando,
por vezes, actos potencialmente imorais, desde que não mencionados no código ético ou noutro documento
escrito. Aguiar (2000) chama a atenção para os potenciais efeitos perversos da ética formal, tais como:
a inibição do desenvolvimento da consciência moral, a perda de liberdade e de autonomia das pessoas.
O resultado verificado pode ser também justificado pela discrepância entre as declarações éticas e o
comportamento real nas empresas (Lewicka-Strzalecka, 1999; Lovell, 2002, 2002a; Gasparski et al.,
2002). Mas também é possível que a ética formal existente nas empresas não estimule para a reflexão,
mas seja antes percebida como uma extensão da lei geral de carácter obrigatório e indiscutível. “A ênfase
nas regras éticas fixas retira ao empregado a necessidade de reflectir sobre o seu comportamento do
ponto de vista ético” (Nijhof, Fisscher, & Looise, 2000, p. 36).
Os Portugueses durante o ano de 2004, ano da realização do inquérito, eram diariamente informados pelos meios de comunicação social sobre despedimentos em grupo de trabalhadores, o fecho ou
a falência das empresas, o abandono das instalações fabris pelos proprietários, a deslocação das unidades
de produção para fora do país, a ocupação e vigia das instalações pelos trabalhadores, etc. Perante
estes factos a imagem ética dos empresários portugueses não podia ser muito positiva. Apesar de esse
ano não dar grandes sinais da desejada retoma económica, três quartos do total dos inquiridos afirmava
conhecer em Portugal empresas de confiança, honestas, responsáveis e fidedignas. Quanto mais elevada
a posição ocupada na hierarquia organizacional, mais positiva se apresenta a imagem do tecido empresarial
em Portugal e, inversamente, quanto mais escasso o poder organizacional do trabalhador mais ausente
de empresas honestas, responsáveis e fidedignas surge o panorama empresarial português. Os trabalhadores das empresas com documentos de ética conhecem significativamente mais empresas merecedoras
de confiança do que os trabalhadores das empresas sem estes documentos, o que pode, uma vez mais,
significar a influência positiva da implementação da ética formal nas empresas. As pessoas que se
sentem pouco ou nada seguras no emprego ou carreira profissional conhecem significativamente menos
empresas de confiança, honestas, responsáveis e fidedignas do que os indivíduos que se sentem seguros
de/no emprego. A relação causal entre o sentimento de segurança de/no emprego e o conhecimento de
empresas merecedoras de confiança em Portugal, se existir alguma, não é óbvia, pois os cenários
hipotéticos podem ser vários: a confiança depositada nas empresas pode contribuir para o aumento
do sentimento de segurança de/no emprego dos trabalhadores, como pode ser igualmente provável que
o sentimento de segurança contribua para o aumento da confiança depositada nas empresas, podendo
verificar-se o mesmo no caso inverso, ou seja, no que diz respeito ao sentimento de insegurança e à
falta de confiança nas empresas. Estamos, portanto, perante uma situação de interdependência e não de
relação de causalidade. Assumindo a visão de confiança de Sztompka (1997), de Newton (2004) e de
outros autores (Ossowska, 1970/85; Arrow, 1974/85), como uma explicação do resultado obtido, teremos,
então, uma situação de reforço mútuo (positivo ou negativo) entre o sentimento de segurança de/no
emprego e a confiança depositada nas empresas, um círculo virtuoso, ou então, um círculo vicioso, com
todo um conjunto de fenómenos/características (positivos ou negativos) que os acompanha (sociais,
económicos, institucionais, políticos, culturais, etc.).
A conceptualização de confiança proposta por Sztompka (1997) explica bem o decréscimo
significativo de confiança nas empresas nacionais com a redução do sentimento de segurança
de/no emprego e o aumento de confiança nas empresas de origem estrangeira por pessoas que se
sentem inseguras e, por isso, recorrem a mecanismos compensatórios ou substitutos: a transposição
ou externalização da confiança para as empresas não nacionais.
A situação em que a confiança depositada pelos inquiridos nas empresas aumenta com a dimensão
destas parece paradoxal, pois opõe-se à realidade do tecido empresarial existente num país com 99,5%
de pequenas e médias empresas (Estrutura Empresarial Nacional, 2002). A imagem de uma pequena
empresa portuguesa, funcionando com grande margem de informalidade (Portugal 2010: Acelerar
o crescimento da produtividade, 2003), falta de transparência nas transacções, falta de segurança,
baixa produtividade, custos de actividade relativamente elevados, paternalismo nas relações laborais
(Lopes & Correia, 2003; Santos, 1999), comunicação com o mercado limitada e restrita ao âmbito
local, etc., difere muito da imagem de marca de uma empresa grande (economias de escala e de
experiência, custos decrescentes, grandes campanhas promocionais, simbologia e mitologia das marcas,
etc.), desejada ou mesmo cobiçada por quase todos numa sociedade de consumo e continuamente
materialista, como é a sociedade portuguesa segundo Freire (2003).
Excepto os proprietários, o conhecimento da existência de documentos éticos na empresa cresce
com o aumento do nível hierárquico. Daqui resulta que quem está mais acima na hierarquia organizacional, está mais bem informado, o que pode provar o funcionamento aparente apenas de alguns
documentos éticos, pois “se perguntarmos aos quadros superiores, às chefias /…/ se a firma possui
um código, ficaremos a saber da existência deste código no sentido formal; se perguntarmos o mesmo
aos trabalhadores, ficaremos a conhecer a recepção efectiva deste código” (Lewicka-Strzalecka, 1999,
pp. 87-88).
O conhecimento da existência de documentos éticos na empresa é significativamente maior
entre os trabalhadores que se sentem seguros de/no emprego do que entre os indivíduos pouco ou
nada seguros – a existência e o funcionamento efectivo desses princípios na empresa talvez contribuam, pelo menos em parte, para o sentimento de segurança de/no emprego.
A percentagem de empresas de origem estrangeira que possuem documentos escritos de ética e
organizam formação ética é significativamente maior do que a das empresas nacionais, privadas ou
públicas. A mesma tendência foi verificada na Polónia por Lewicka-Strzalecka (1999) e por Melé,
Garriga e Guillén (2000) e Guillén, Melé e Murphy (2002) na Espanha. A dependência positiva entre a
dimensão da empresa e a existência de documentos éticos na empresa, assim como a organização de
formação ética pela empresa, verificadas no estudo português, foram também observadas noutros estudos
(Goodell, 1994; Lewicka-Strzalecka, 1999; Joseph, 2000; Guillén, Melé, & Murphy, 2002).
A organização de formação ética é significativamente mais frequente nas empresas com situação
económico-financeira equilibrada ou em desenvolvimento do que nas empresas em fase de declínio ou
com problemas transitórios, o que é grave porque, “quando os tempos são duros e o risco ético é mais
elevado, os programas éticos podem ser mais importantes para as organizações e os seus empregados”
(Joseph, 2003, p. iii). Isto confirma que a necessidade de apertar o cinto faz sobressair o pragmatismo
em detrimento da dimensão ética (Carr, 2003).