O dragão chinês e o elefante indiano: Traços de similitude e de divergência nos
processos de abertura e reforma económica
«São três mil e quinhentos milhões. São mais jovens, trabalham e estudam mais
do que nós. Têm mais poupanças e mais capital para investir. Têm inúmeros
Prémios Nobel. Os seus salários são muitíssimo mais baixos do que os nossos.
Têm arsenais nucleares e exércitos de pobres. [ ]. A China e a Índia não são
apenas as duas nações mais populosas do planeta: são o novo centro do mundo,
[ ] o destino do século XXI decide-se aqui.» (Rampini, 2007, p. 13).
A progressiva integração da China e da Índia na economia global é um dos
fenómenos mais marcantes do início deste novo século e um dos principais
factores na alteração de paradigma ao nível do investimento internacional. Face
aos respectivos programas de reforma, iniciados entre os anos 1980 e 1990, cada
um daqueles países alterou substancialmente as condições dos seus mercados, de
forma a criar confiança nos investidores. Este fenómeno proporcionou
crescimentos exponenciais, provocando o que vulgarmente se denomina por
emergência económica asiática, mas que na verdade é mais um ressurgimento, dado
que ambos os actores já tinham ocupado lugares de destaque na economia
internacional até ao aparecimento da fractura Norte/Sul (Golub, 2006). Antes de
1800, os fluxos comerciais na Ásia eram bastante superiores aos fluxos intra-
europeus, apresentando uma produção industrial de cerca de 53% do total
mundial, além de possuírem um elevado nível científico e técnico (Golub, 2006).
Durante este século, aguarda-se que alguns dos países anteriormente mais pobres
possam vir a ocupar posições de dominação, ou pelo menos, de grande importância
na economia global. A consultora Goldman Sachs, num relatório de 2003, previu
que quatro economias apelidadas por BRIC ' Brasil, Rússia, Índia e China ' se
tornarão, eventualmente, nas quatro das seis maiores economias do mundo (Figura
1). Entre elas, a China ocupará a primeira posição, em termos do PIB, com 44
453 mil milhões de dólares, e a Índia a terceira, com 27 803 mil milhões de
dólares (Pelle, 2007).
Figura 1
Projecção da Goldman Sachs para as maiores economias mundiais em 2050
A deslocalização do centro gravitacional do crescimento económico mundial para
a Ásia foi impulsionado, entre outros factores, pelo advento do fenómeno da
globalização, caracterizado por uma tendência crescente da integração das
economias nacionais numa nova economia sem delimitações geográficas (Silva,
2005). Muitos países em vias de desenvolvimento encontraram na
desregulamentação internacional, proporcionada pelas políticas neoliberais de
Ronald Reagan e de Margaret Thatcher, uma oportunidade celestial para
procederem a transformações internas, criando condições excepcionais para
atrair capital. Só a República Popular da China (RPC), nos primeiros doze anos
de reforma, atraiu Investimento Directo Estrangeiro (IDE) num valor superior a
20 mil milhões de dólares, em que estavam incluídas mais de 30 000 empresas
(Overholt, 1995). Ao adoptarem tecnologia estrangeira, os dois gigantes criaram
condições excepcionais para a produção industrial, enquanto o crescente aumento
do poder de compra torna os seus mercados cada vez mais apetecíveis (Cavusgil
et al., 2002).
Muitas empresas ocidentais, desesperadas em reduzir custos, manter o
crescimento e lançar novos produtos, viram nos mercados emergentes asiáticos a
resposta ideal para os seus ensejos. Com os níveis gerais de literacia e
educação a aumentar, não foi difícil encontrar, a bom preço e em abundância,
trabalho qualificado. Não tardou que uma nova vaga de empresas chinesas e
indianas começassem a ganhar protagonismo na economia global, adquirindo
importantes sociedades estrangeiras e destronando algumas marcas ocidentais há
muito implantadas. São empresas com cadeias de produção globais, com elevados
índices de exportação, com quotas de mercado importantes em todos os
continentes, são competitivas em termos de preço, qualidade e design, para além
de apresentarem boas práticas de gestão (Agtmael, 2007).
O PROCESSO DE ABERTURA E REFORMAS ECONÓMICAS NA CHINA
O programa de abertura e reformas económicas (gaige kaifang) na República
Popular da China (RPC) foi iniciado formalmente com a terceira sessão plenária
do 11.º Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC), em Dezembro de 1978. Foi o
reabilitado Deng Xiaoping, conhecido pelo epíteto de «Pequeno Timoneiro», a
concretizar as acções propostas e discutidas naquela sessão. Esgotados por
vários anos de desconstrução social e económica devido ao «Grande Salto em
Frente» e à Revolução Cultural, os chineses sentiram um forte desejo de
mudança, ainda que a linha mais dura do partido, herdeira do maoismo,
procurasse manter o modelo ideológico anterior. Inicialmente confrontado com
Hua Guofeng, declarado como sucessor de Mao, Deng Xiaoping acabaria por levar a
melhor e prosseguir com o denominado programa das «Quatro Modernizações» (si ge
xiandaihua), segundo a sua própria interpretação. O plano foi proposto
inicialmente em 1975, pelo primeiro-ministro Zhou Enlai, e abrangia a
agricultura, a indústria, a defesa nacional, e a ciência e a tecnologia. Deng
procurou usar a praxis como critério básico na aplicação da teoria emanada pelo
PCC, passando-se de uma fase de «radicalismo ideológico» para outra de
«desenvolvimentismo» (Romana, 2005). Subtilmente, todavia, não entra em colisão
com a doutrina revolucionária, o que lhe poderia castrar a ascensão política,
antes propõe uma reinterpretação desse pensamento, num processo de
«desmaoização» gradual e suave (Lew, 2004). Ainda assim, no final da sessão do
Congresso de 1978, de forma clara, não deixou de salientar os males de que
padecia o Império do Meio, ao afirmar que «um partido, um país ou uma nação que
só obedeça aos textos, fossiliza o seu pensamento, acredita na superstição,
perde a sua capacidade de avançar e extingue a sua força vital» (Chen, 2007, p.
39).
Para Deng Xiaoping «não importava que o gato fosse branco ou preto, desde que
caçasse ratos». Isto porque a sua atenção se centralizava na obtenção de
resultados, inspirado no lema da «procura da verdade através dos factos»,
segundo a lógica da experimentação, curiosamente recuperado do legado de Mao.
Tratou-se de uma estratégia progressista e adaptativa, que podemos traduzir
pelo adágio popular «ir tacteando as pedras para atravessar o rio» (mo zhe shi
shiguo he), que, para além de juridicamente proveitoso, permitiu manter uma
dose substancial de controlo político (Trigo, 2003; Gu, 2005). A verdade é que,
ainda que fosse introduzido o biaotai no interior do partido, ou seja, a
oportunidade de «falar abertamente» e da consequente deflagração da denominada
«Primavera de Pequim», as transformações de índole política ficaram muito aquém
das económicas. O enquadramento institucional que regulava o funcionamento da
sociedade, incluindo a actividade empresarial, manter-se-ia dirigida pelas
directivas do PCC até aos dias de hoje (Trigo, 2003).
É no meio rural que se inicia o processo de transformação económica na RPC,
onde estava concentrada 80% da população do país, pois temia-se que uma
agricultura depauperada retardasse o desenvolvimento industrial. Na milenar
história chinesa, este sector sempre ocupou um papel relevante na economia e
foi através dele que a China se fechou ao mundo em 1949 e, novamente, por ele
se voltaria a abrir em 1978. Aqui se formou a célula das reformas, com o
aparecimento do sistema de Contrato de Responsabilização na Produção Agrícola,
que permitiu aos agregados familiares vender parte da produção nos mercados
livres (Trigo, 2003). Assim, passou-se de um modelo formado por comunas para
outro que permitia a fragmentação individual de propriedades por famílias. A
comuna ficou limitada a uma unidade político-administrativa que já não tinha
autoridade para controlar o uso da terra, a qual, num prazo teórico de 15 anos,
seria entregue aos camponeses, de modo a que cada parcela fosse da
responsabilidade de cada família e segundo as suas próprias decisões (Tamames e
Huerta, 2000). Em alguns casos, os agricultores aproveitaram a oportunidade
para mudar para outras actividades não agrícolas, conhecidas por Unidades
Familiares Especializadas (zhuanyehu), enquanto nas cidades os empresários
individuais de empresas industriais ou comerciais viram, em 1981, a sua
categoria empresarial, conhecida por geti gongshang hu, ser reconhecida pelo
Conselho de Estado (Trigo, 2003). Desta forma, a China dividia-se entre as geti
hu, localizadas nas zonas urbanas, e as zhuanyehu, nas zonas rurais, ambas
dependentes da capacidade individual dos seus agentes. Muitas geti hu, ao
alcançarem mais de 8 trabalhadores, tornavam-se siying qiye, ou seja, empresas
colectivas de propriedade privada, ainda que muitas vezes a identidade destas
fosse subvertida e a fronteira entre a esfera privada e pública se tornasse
muito ténue (Trigo, 2003).
A proliferação das geti hu e das zhuanyehu, ligadas à indústria média e
ligeira, permitiu níveis de crescimento muito rápidos, apesar do reduzido
investimento inicial, passando o comércio externo a ocupar um lugar estratégico
no desenvolvimento do país. Ao mesmo tempo, foram introduzidas várias
alterações no sector industrial, de forma a torná-lo mais competitivo, e
deixou-se de usar a política de substituição das importações. Tornou-se
possível vender no mercado livre tudo o que se produzisse acima de uma certa
quantidade, reter divisas, aplicar investimentos na empresa e despedir
trabalhadores por ineficiência. Na política de reformas e abertura, destaca-se
também o melhoramento das infra-estruturas logísticas, nomeadamente o aumento
dos portos comerciais; a descentralização do direito de importação e
exportação, anteriormente condicionadas por organismos estatais e apenas
possível às empresas comerciais; o aparecimento de empresas vocacionadas para o
comércio internacional; a renovação do regime de licenças de importação e
exportação e outros instrumentos usados nas políticas comerciais; a alteração
do sistema cambial, anteriormente caracterizado por um sistema dual de câmbio,
entre outros (Wei, 2001). Em pouco tempo, a China tornou-se uma exportadora
inveterada de produtos de baixo custo de produção - têxteis e vestuário,
sapatos e brinquedos, inspirando-se num modelo tipicamente asiático, não do
Japão do pós-guerra, que assentou no desenvolvimento da indústria pesada, em
particular do ferro e do aço, mas do Japão da década de 1960, da indústria
ligeira, cujo lema era kei haku tan sho, ou seja, «leve, estreito, curto e
pequeno» (Henshall, 2005).
Entre 1980 e 1981, através da criação das denominadas Zonas Económicas
Especiais (ZEE), este país soube criar as condições técnicas e fiscais capazes
de atrair o investimento, a tecnologia e o conhecimento (know-how)
estrangeiros. A primeira destas zonas, em Shenzhen, na fronteira com Hong-Kong,
teve o intuito de aproveitar os excedentes de capital do empório britânico e,
além disso, preparar o retorno do território à soberania chinesa (Tamames e
Huerta, 2000). Este modelo era muito baseado nas Zonas de Processamento de
Exportações (ZPE), já existentes noutros países asiáticos, sendo as ZEE, no
entanto, de maior dimensão e com uma amplitude de actividades mais alargada
(Oliveira, 2002). Na verdade, além de servirem de «janelas» para o exterior,
por onde inevitavelmente «entravam as moscas e os mosquitos», tornaram-se
importantes laboratórios no processo gradualista de reformas internas.
Ao mesmo tempo, fruto do seu dinamismo diplomático, a China foi-se aproximando
do sistema económico internacional, começando a participar em várias
organizações. Em 1986, por exemplo, manifestou a sua vontade de retomar o lugar
de membro do Acordo de Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT) (Wei, 2001), o que
só viria a acontecer em 2001, já com esta organização transformada em
Organização Mundial do Comércio (OMC). Depressa todo o país, entusiasticamente,
seguiu os novos impulsos capitalistas, de tal forma que, em 1993, a
constituição chinesa passou a consagrar a economia nacional como sendo
«Socialista de Mercado» (Wei, 2001, p. 23). Na sua famosa viagem de «inspecção»
ao Sul da China, no início de 1992, Deng afirmou que «os mercados são
compatíveis quer com o capitalismo quer com o socialismo» (Trigo, 2003, p.
101).
Para acompanhar o crescimento económico e a modernização do país, foi
indispensável a formação de quadros especializados, sobretudo em áreas
tecnológicas e de gestão, depois de vários anos de destruição intelectual. Deng
Xiaoping, para colmatar este défice, anunciou um programa de pesquisa
científica para 800 mil trabalhadores, a criação de novas universidades e o
regresso dos cientistas que foram mandados para os campos durante a Revolução
Cultural. Na nova constituição de 1978 ficou explicitamente consagrada a
preocupação para uma viragem técnica no país, onde se inclui o envio de
estudantes para receberem formação no estrangeiro (Spence, 1996). Segundo
Zhibin Gu (2005), mais de 23,5 milhões de chineses trabalham para empresas
estrangeiras e, segundo dados de 2004, o número de licenciados a entrarem no
mercado de trabalho é de cerca de 4 milhões por ano. Ao mesmo tempo, o país foi
sentindo a melhoria das condições de vida dos seus cidadãos e o despoletar de
um enorme mercado consumidor. São milhões de bocas, pés e mãos seduzidos pelo
marketing internacional, suscitando uma rápida transformação dos padrões de
vida, em que se destaca a transformação ao nível da mobilidade humana com a
introdução de milhões de automóveis nas estradas chinesas. Dispensados das
improdutivas indústrias nacionais e libertados dos campos, milhões de chineses
foram seguindo rumo às principais cidades à procura de novas oportunidades, num
êxodo de dimensões anormais. Toda esta transformação social é, na verdade, um
dos mais inesquecíveis acontecimentos económicos da história contemporânea
chinesa e um marco singular na história da humanidade. Nunca, em tão curto
espaço de tempo, um tão grande número de pessoas, em simultâneo, viram
melhoradas as suas condições de vida (Overholt, 2005). O economista americano
Jeffrey Sachs chega a referir que «a China é o mais belo êxito de
desenvolvimento que o mundo alguma vez conheceu» (Izraelewicz, 2005, p. 13).
Tudo isto porque, em 1978, quando o Império do Meio iniciou o programa de
reformas e abertura era uma das mais pobres economias do mundo.
O PROCESSO DE ABERTURA E REFORMAS ECONÓMICAS NA ÍNDIA
A Índia é actualmente a décima maior economia do mundo, mas em termos de PIB
medido em paridade de poder de compra (PIBppc) é já a terceira, além de ser o
segundo país que mais cresce no mundo depois da China. No entanto, até há pouco
menos de duas décadas era uma economia debilitada e isolada do resto do mundo.
Nos anos 1980 deram-se as primeiras políticas de abertura à iniciativa privada,
depois das nacionalizações dos anos precedentes, mas o período que marca
efectivamente a abertura indiana inicia-se com as reformas conduzidas pelo
então Ministro das Finanças, Monmahmed Singh, o actual primeiro-ministro. No
início da década de 1990, as crises fiscal e da balança de pagamentos
mergulharam e conduziram à liberalização da economia. As reformas de mercado de
1991, semelhantes em muitos aspectos àquelas que estavam a acontecer na RPC,
caracterizam-se pela abertura de um conjunto de domínios anteriormente vedados
ao sector privado, incrementando a concorrência interna; eliminação das
barreiras alfandegárias às importações; licenciamento; supressão das restrições
ao IDE, passando este a ser encorajado; redução da burocracia; liberalização do
regime da taxa de câmbio; e reforma dos mercados de capitais (Ghosh, 2003).
Apesar da desregulamentação do mercado ter sido progressiva, e pautada
simultaneamente por cautela política e racionalidade económica, foi notória a
passagem de uma perspectiva antinegócio para uma orientação pró-mercado.
A liberalização da economia foi decisiva para o crescimento económico do país,
uma vez que o modelo socialista de economia planificada adoptado por Jawaharlal
Nehru, que se tornou o primeiro-ministro após a independência em 1947, foi
muito intervencionista e gerou muita pobreza e corrupção. O domínio colonial
britânico deixou marcas profundas na economia e na estrutura social da Índia e
um país avesso ao exterior, levando à introdução de um modelo de
desenvolvimento económico auto-suficiente, que não necessitasse de depender dos
mercados globais, do comércio internacional e do investimento estrangeiro
(Sachs, 2006). Aliado ao isolamento económico, com uma redução drástica das
importações, optou-se por um sistema de fortes controlos estatais com
restrições ao licenciamento em várias indústrias, caindo-se no exagero de serem
necessárias licenças para quase tudo. As tarifas demasiado altas e a
implementação de uma série de regulamentos burocráticos transformaram-se num
fardo pesado, tornando as infra-estruturas obsoletas. O crescimento industrial
daquela época foi dirigido pelo investimento governamental em grandes empresas
públicas, as quais foram mantidas sob controlo de forma a preservar espaço para
empresas pequenas (Sachs, 2006). Deste modo, coexistiam as grandes indústrias,
na sua maioria estatizadas e ineficientes, e um conjunto de micro-indústrias
artesanais, protegidas, de baixa qualidade e produtividade. A actual legislação
laboral, rígida e bastante proteccionista dos direitos dos trabalhadores, é
ainda uma herança deste período, altura em que os trabalhadores industriais não
podiam ser despedidos.
A primeira grande viragem económica ocorreu entre o final dos anos 1960 e o
início dos anos 1970, com a introdução da Revolução Verde nos campos, uma
iniciativa de Indira Gandhi. Através da criação de novas variedades de cereais
conseguiu-se aumentar a produção agrícola e tornar o país auto-suficiente. No
entanto, e apesar dos esforços para melhorar a sua situação económica, a Índia
continuava com crescimentos baixos (Sachs, 2006). Em termos políticos, quando
foi ameaçada com a perda da sua posição de primeiro-ministro, declarou o estado
de emergência (1975-1977) e instaurou um regime autoritário, afastando-se deste
modo do socialismo trabalhista e fabiano, e adoptando uma forma de estatismo
soviético (Rampini, 2007). Após o assassinato de Indira, sucedeu-lhe o seu
filho, Rajiv Gandhi, que, no final dos anos 1980, viria a empreender algumas
reformas para reduzir a interferência do Estado na economia e promover o
desenvolvimento tecnológico. No entanto, a recorrência a empréstimos externos
sem base económica aceleraram uma crise da balança de pagamentos (Sachs, 2006).
Esta crise, juntamente com a instabilidade política causada pelas frequentes
mudanças de governo, o colapso das economias centrais e planeadas na Europa de
Leste e União Soviética (que levou à diminuição do comércio com a Índia), e a
guerra do Golfo (que contribuiu substancialmente para o aumento do custo das
importações de combustíveis e para a redução das remessas dos emigrantes
repatriados), obrigaram à introdução de medidas para melhorar a performance
económica do país (Srinivasan e Tendulkar, 2002). Depois de um longo período de
paralisia e dirigismo, iniciado após a dissolução do Raj britânico, a Índia
passou rapidamente de uma economia agrícola para outra à base de serviços,
sendo Bangalore o seu principal motor. A distância que separa esta cidade das
fronteiras com a China e o Paquistão foi o factor primordial na escolha para a
implantação de laboratórios de armas e aeronáutica nos anos 1950 (Rampini,
2007). No entanto, o grande contributo deu-se mais recentemente, com o fenómeno
do outsourcing na área das tecnologias de informação, o que lhe valeu já o
título de Sillicon Valley da Índia. Além de Bangalore, existem mais 21 cidades
com parques tecnológicos para desenvolvimento de software, nomeadamente
Hyderabad, à qual já chamam Cyberabad.
Considerado o pai da alfabetização indiana, Nehru adoptou uma estratégia de
educação alargada, pelo que esta passou a ser livre e gratuita para todas as
crianças até aos 14 anos. A prioridade passava pelo estudo da matemática e das
ciências exactas. Graças ao forte investimento na educação na década de 1950, a
Índia passou a ter um elevado número de universitários. No entanto, o país não
tinha condições para oferecer trabalhos atractivos, pelo que grande parte do
seu capital humano saiu do país, nomeadamente para os Estados Unidos, onde
gozavam de um enorme reconhecimento (mais tarde Sillicon Valley, em particular,
passou a ser o destino de eleição). Quando as empresas americanas descobriram
que podiam aproveitar os talentos indianos sem que estes saíssem do país,
começaram a suportar os custos do desenvolvimento da banda larga. Menores
custos, profissionais qualificados que falam inglês e a rapidez da prestação do
serviço devido às diferenças horárias, fazem da Índia um local apetecível para
o outsourcing. O país tornou-se rapidamente num centro de exportações de
serviços em larga escala: numa primeira fase com os call centers, depois com o
desenvolvimento de software, e mais recentemente com os trabalhos de análise
financeira, consultoria fiscal e legal, serviços administrativos das companhias
de seguros, análises médicas, biogenética e indústria farmacêutica (Rampini,
2007). Depois da afirmação da indústria associada ao Business Process
Outsourcing (BPO), ultimamente tem surgido uma indústria ligada à produção de
conhecimento, designada por KnowledgeProcess Outsourcing (KPO).
O enorme investimento indiano em educação potencia as competências matemáticas,
não fosse o zero uma invenção desta civilização, facto que permitiu o
desenvolvimento da indústria da computação e das tecnologias da informação. O
país tem a mais jovem população entre os grandes países em desenvolvimento e,
de acordo com um relatório da Goldman Sachs, a idade média dos indianos em 2020
será de 29 anos, contra os 37 anos da China e os 45 anos na Europa Ocidental.
Esta estrutura etária favorável, aliada à revolução do conhecimento, está a ter
influência na classe média indiana, que se estima que seja já de 300 milhões
(Sheshabalaya, 2006).
A Índia tem também, além da maior população mundial de cientistas e engenheiros
altamente qualificados, mão-de-obra barata e indiferenciada em quantidade,
sendo altamente competitiva, não só nos segmentos de maior valor acrescentado
como nos de incorporação de mão-de-obra barata. De modo a aproveitar este
potencial, a partir dos anos 2000 começaram a ser implantadas ZEE e ZPE por
todo o país, semelhantes às criadas pela China nos anos 1980. Apesar das
vantagens que estas zonas oferecem ao nível do investimento, é de referir que
as práticas de negócio na Índia são fortemente condicionadas pelo sistema de
castas hindu, pela violação dos direitos de autor e da propriedade intelectual,
pela burocracia endémica e pelo crónico subdesenvolvimento infra-estrutural. A
corrupção titânica é outro dos grandes problemas; pagar chai pani a um
funcionário da administração pública é quase um procedimento normal. Como
refere Varma (2006), «o pagamento de baksheesh é uma questão de investimento
adequado, não de moralidade» (p. 99).
Ao contrário da China, o modelo indiano de desenvolvimento não está tão
dependente do investimento estrangeiro, o qual representa apenas cerca de 2% do
PIB, mas antes do capital privado interno. Com uma cultura empresarial bastante
enraizada, a Índia soube criar um forte tecido empresarial, em que muitas
empresas estão envolvidas na onda de aquisições globais. Desde 1991, enquanto a
economia cresce, a Índia vê reduzir-se o controlo burocrático, o aumento da
oferta de crédito e, face a uma nova auto-estima dos empresários, ganhar uma
capacidade competitiva desenfreada que já experimentou em séculos anteriores.
De acordo com as palavras do Professor Viassa Monteiro (2008), a explosão de
crescimento indiano, num regresso ao domínio do conhecimento, da ciência e da
tecnologia, «é apenas o retomar de uma longa trajectória de milénios de grandes
sucessos» (p. 41).
Apesar do espantoso crescimento económico, a Índia tem sido condicionado pelas
debilidades nas infra-estruturas, ao nível dos transportes e da energia. Tem
ainda de resolver problemas crónicos, ao nível da pobreza extrema, do
desemprego, do sub-emprego, da economia paralela, das disparidades económicas,
sociais e da explosão demográfica (Choudhary, 2004). Em paralelo com uma «Índia
económica», vibrante, existe uma «Índia social», extremamente desigual,
acentuada pelo sistema de castas. Os dalit, por exemplo, estão na base da
pirâmide da estrutura da sociedade, são os mais pobres e os que mais sofrem.
Estima-se que cerca de 350 milhões de pessoas vivem abaixo do limiar da
pobreza, muito por causa da baixa produtividade da agricultura. Esta emprega
cerca de 60% da população activa (Rampini, 2007), mas contribui com apenas com
22% do PIB. Apesar da Revolução Verde ter aumentado a produtividade em algumas
regiões do país, a grande maioria das explorações satisfazem apenas as
necessidades básicas de subsistência e estão à mercê da evolução das monções.
As disparidades entre o arcaico mundo rural e as bolsas urbanas e cosmopolitas
são gritantes, havendo grandes dificuldades em equilibrar esta disparidade.
Além disso, é uma masala de grupos étnicos com diferentes línguas e religiões
que por vezes revelam animosidades e desconfianças mútuas. No entanto, fruto de
uma grande flexibilidade que pauta a civilização indiana, estes têm aprendido a
coexistir em relativa harmonia, denotando pluralismo, tolerância e abertura
(Rampini, 2007). Não é, portanto, de espantar que um país maioritariamente
hindu, tenha um presidente da República muçulmano, um primeiro-ministro da
minoria sikhe uma líder do partido do governo católica e estrangeira, além de
ter sido o primeiro país a ter uma mulher como primeiro-ministro.
TRAÇOS DE SIMILITUDE E DE DIVERGÊNCIA NOS DOIS PROCESSOS DE ABERTURA E REFORMA
ECONÓMICA
A China e a Índia têm em comum o enorme peso demográfico e económico, além de
algumas similaridades ao nível dos seus padrões de desenvolvimento. São ambas
civilizações milenares, que sofreram a humilhação das nações europeias, antes
de começarem os respectivos processos de modernização na década de 1950. As
condições iniciais eram semelhantes: baixo rendimento per capita e economias
baseadas na agricultura, tecnologicamente atrasadas e sem recursos (Chai e Roy,
2006). Influenciadas pelo modelo soviético, inicialmente seguiram estratégias
de desenvolvimento similares, nomeadamente o planeamento central e a rápida
industrialização. Algumas décadas mais tarde, afastam-se da linha anterior e
implementam importantes reformas e abrem as respectivas economias. O despertar
do elefante indiano foi mais tardio e tem-se processado de forma mais lenta,
ainda que pareça mais auto-sustentado. O facto de ser uma democracia, a maior
do mundo, impede-lhe de repetir alguns dos milagres da economia chinesa.
Qualquer reforma económica mais radical tem de ser consensual, o que significa
que o processo é mais demorado, ainda que possa ser mais estável, uma vez que
não encontra tantas resistências sociais. A prevalência do inglês como língua
veicular das elites e dos meios de negócios facilita a integração económica
global indiana, tendo também a vantagem de uma imprensa livre, tribunais
independentes e um sistema democrático.
A Índia tem seguido um modelo de desenvolvimento muito apoiado no sector dos
serviços e em produções de alto valor acrescentado, enquanto que a China segue
um modelo mais virado para as exportações, essencialmente assente em bens
manufacturados de pouco valor acrescentado e de mão-de-obra intensiva. O modelo
de desenvolvimento seguido por Nova Deli, assente nos serviços e nas indústrias
do conhecimento, foi conducente com um menor fluxo migratório das zonas rurais
para as cidades (70% dos indianos ainda vive fora das zonas urbanas),
favorecendo padrões de povoamento mais equilibrado, e teve também reflexos nas
áreas do ambiente (menores custos poluentes resultantes do menor crescimento
industrial) e da educação. Enquanto que na RPC se tem proporcionado uma
educação de base massificada, preparando assim potenciais trabalhadores para a
indústria, a Índia tem-se concentrado na formação de uma pequena fracção da
população a quem tem proporcionado altos níveis de educação.
De acordo com uma projecção da Boston Consulting Group, em 2020 a Índia
continuará a ter um excesso de população activa, estimado em 47 milhões de
pessoas, enquanto que a China apresentará um défice de 10 milhões (All India
Management Association e The Boston Consulting Group, 2003). A Índia não se
confrontará com o problema de envelhecimento da população, apesar de ter de
resolver o desequilíbrio no rácio mulheres-homens provocado pelos infanticídios
e abortos de bebés do sexo feminino.
O crescimento indiano depende essencialmente da procura interna, sustentado por
uma classe média cada vez mais numerosa e pela existência de grupos
empresariais fortes; enquanto que, no caso da China, o crescimento é alavancado
pelas exportações e investimento estrangeiro. O IDE na Índia representa apenas
cerca de 2% do PIB, estando muito atrás da China, facto explicado pela abertura
económica ao exterior mais tardia. Mas o que à partida poderia parecer uma
desvantagem, a Índia soube converter a seu favor. Os grandes conglomerados
indianos aproveitaram a ausência de investidores estrangeiros para se
desenvolverem e, hoje em dia, são eles os grandes investidores directos no
estrangeiro (Sheshabalaya, 2006). As empresas indianas estão elas também a
abrir back offices noutros países onde as operações podem ser feitas a custos
inferiores, devido ao aumento dos salários, ao fortalecimento da moeda e à
necessidade de terem trabalhadores nas zonas horárias dos seus clientes e que
falem outras línguas que não o inglês (Giridharadas, 2007).
Independentemente do modelo seguido, os dois países enfrentam um problema
idêntico, que é o de conseguir integrar as populações rurais no processo de
desenvolvimento económico. Ainda que na Índia o êxodo rural não se tenha
sentido com tanta acuidade como na China, é um dos problemas com os quais se
terá de defrontar. Sendo uma democracia, não será capaz de conter a vontade dos
que vivem nos meios rurais. Ambos os países necessitam de atender às
necessidades de saúde e educação das pessoas que migram para as cidades,
garantindo-lhes um mínimo de bem-estar. Enquanto o sistema democrático indiano,
composto por diferentes forças políticas, oferece algumas garantias que isso
aconteça, o sistema de partido único chinês, que não conhece oposição, pode
estar a acumular um tremendo descontentamento popular.
Com o aumento dos salários nas áreas das tecnologias de informação, já
apelidado de bug de Bangalore, no longo prazo a Índia poderá deixar de ser tão
competitiva como a China nas actividades de outsourcing. Apesar dos seus
recursos humanos chineses serem menos criativos, têm também bons conhecimentos
de informática e matemática, são disciplinados e resistentes à execução de
tarefas repetitivas e tediosas (The Economist, 2006a), o que se encaixa no
perfil pouco inovador do Business Process Outsourcing (BPO). Além disso, têm
melhores infra-estruturas e recebem mais incentivos estatais e estão a apostar
fortemente em investigação e desenvolvimento. Xian, por exemplo, está
transformada na Silicon Valley da China, onde se encontra o maior centro
tecnológico do país, no qual se desenvolve o programa espacial chinês e a
construção aeronáutica do país (The Economist, 2006a). Dentro de alguns anos
poderá deixar de ser uma cidade famosa pelo seu exército de guerreiros de
terracota para passar a ser conhecida pelo seu exército de programadores. Ainda
assim, a China dificilmente ultrapassará a Índia no domínio tecnológico, devido
à grande discrepância ao nível da qualificação dos recursos humanos: os
licenciados chineses em engenharia e computação têm uma formação mais teórica,
não estando tão bem preparados para o mercado de trabalho, faltando-lhes também
os skills na língua inglesa (The Economist, 2006a). Ainda assim, a Índia não
poderá descurar as indústrias de mão-de-obra intensiva, as quais são capazes de
gerar os empregos que a Índia necessita (The Economist, 2006c).
Apesar da rivalidade, estes dois países começam cada vez mais a olhar-se como
parceiros de cooperação do que como rivais. Os seus pontos fortes são
complementares entre si (a China faz o trabalho dos blue collars e a Índia o
dos white collars) e se trabalharem em conjunto de forma produtiva, então o
somatório das partes será seguramente superior a dois. A visita de Hu Jintao à
Índia, em Novembro de 2006, precisamente 10 anos desde a última visita de um
presidente chinês, foi marcada pela intenção de intensificar a cooperação e o
comércio bilateral, e foi seguida, no início de 2007, pela reunião dos
conselheiros de segurança nacional dos dois países para discutirem questões
relacionadas com as disputas fronteiriças. Além das questões geopolíticas, a
aproximação das duas potências tem essencialmente preocupações geoestratégicas,
como é o caso da energia. Os esforços comuns na procura global de fontes
energéticas levaram à assinatura de acordos de cooperação, passando os dois
países a ser parceiros estratégicos. Se é um facto que a China está à frente na
corrida, com interesses em Angola, Equador, Cazaquistão e Indonésia, menos
certa é a razão pela qual a China decidiu cooperar. Maquinações geopolíticas
podem ser uma das razões possíveis. Sendo ambos grandes países emergentes e
influentes nações asiáticas, o significado das relações indo-chinesas vai para
além das relações bilaterais, assumindo um significado a nível global. A
crescente aproximação dos Estados Unidos à Índia, com a qual assinou um acordo
de cooperação nuclear civil, ou a aproximação indiana a Taiwan e ao Japão,
poderá explicar a aproximação de Pequim a Nova Deli (Pelle, 2007). Pequim tenta
seduzir Nova Deli na captação de fontes energéticas no Irão, Myanmar e noutros
países que não granjeiam as graças dos Estados Unidos (The Economist, 2006d). A
Índia torna-se, portanto, o swinging power entre a China e os Estados Unidos,
pelo que aquele que conseguir o apoio de Nova Deli poderá tornar-se a
superpotência do futuro.
Mesmo antes da aproximação a nível político entre a China e a Índia, as
relações de negócio entre os dois países começaram a ganhar expressão, com
empresários de ambas as nações a explorar os recursos alheios e a retirar
benefícios do trabalho em equipa. Entre as empresas chinesas a operar na Índia,
os tipos de projectos mais comuns são as unidades de produção e os centros de
investigação e desenvolvimento (I&D). Em relação ao primeiro caso, grandes
empresas de bens de consumo, como a Konka, TCL e Haier, têm fábricas na Índia,
onde produzem todo o tipo de electrodomésticos e aparelhos electrónicos (Gu,
2007). Com o crescimento da classe média, a Índia será outro mercado de consumo
explosivo, importante para as empresas chinesas. No segundo caso, o exemplo
mais evidente é o da Huawei, empresa líder no fornecimento de redes de
telecomunicações da próxima geração, que opera, em Bangalore, um centro de
I&D com cerca de 700 empregados (Gu, 2007). Por outro lado, as empresas
indianas estão também activas na China, sendo de destacar as líderes de
software, como é o caso da Infosys, Wipro, TCS e Satyam (Gu, 2007). Estas
desempenham um papel importante no desenvolvimento das capacidades chinesas ao
nível das tecnologias de informação, pela transmissão de experiência e de
conhecimento acerca do mercado global. Existem igualmente empresas de
manufactura indianas a operar naquele país, aproveitando a mão-de-obra
disponível, a cadeia de valor e o gigante mercado de consumo. Também a nível
das trocas comerciais bilaterais se tem vindo a observar alterações. A China
está no centro da mudança de direcção das exportações indianas neste novo
milénio, tendo passado a ser o seu segundo maior parceiro, logo a seguir aos
Estados Unidos. Com a diminuição das quotas de mercado das exportações para os
mercados ocidentais, a Índia pode correr o risco de dependência excessiva em
relação à China, uma vez que as importações chinesas também aumentaram, tendo
originado um grande aumento do défice da balança comercial indiana. Face a esta
crescente aproximação da China e da Índia, o economista e ministro do comércio
indiano, Jairam Ramesh, lançou o termo «Chíndia», num recente trabalho
intitulado «Making sense of Chindia: Reflexions on China and India», propondo-
o como conceito geoeconómico e geoestratégico.
CONCLUSÃO
A China e a Índia são o berço de duas das mais antigas civilizações do mundo,
detonando uma plêiade de etnias, usos e costumes e uma mancha humana que
corresponde a quase 40% da população mundial. Contam, ainda, com duas
tentaculares diásporas, formada por muitos milhões de concidadãos, importantes
no envio de remessas financeiras e na inevitável ajuda ao desenvolvimento.
Ambas têm um historial de sacrifício, convulsões e recessões, depois de
experimentarem épocas de grande prosperidade, provocadas pela influência de
modelos de economia planificada, isolacionismo, proteccionismo e uma endémica
corrupção que foi minando as estruturas do Estado. Curiosamente, foi a China
comunista que primeiro iniciou a abertura económica e a desregulamentação
labiríntica, e não a Índia democrática, embora hoje ambos os países estejam
envolvidos num bem sucedido processo de captação de investimento estrangeiro
(Shenkar, 2005).
Ainda que possamos falar de uma convergência de vontades ao nível económico e
político, com tentativas paralelas de afirmação internacional, os dois países
têm diferenças abissais ao nível político, sócio-económico e demográfico. Desde
logo, pela diferença em termos do rendimento e do PIB per capita, em que a
Índia apresenta níveis muito mais baixos. Em relação ao IDE, a China tem sido
um dos maiores beneficiários do mundo, enquanto que o esforço global indiano na
atracção daquele fluxo tem sido consideravelmente inferior. Nova Deli tem
seguido um modelo de desenvolvimento muito apoiado no sector dos serviços e
numa produção de alto valor acrescentado, enquanto que Pequim adoptou um modelo
mais virado para as exportações e para a produção com mão-de-obra intensiva. Do
ponto de vista demográfico, a Índia tem uma estrutura etária mais jovem,
servindo como janela de oportunidade às necessidades dos novos empregadores,
enquanto a China, pelo contrário, deverá sofrer consequências negativas
decorrentes do envelhecimento acelerado da sua população, muito por
consequência da política do filho único. Outra disparidade que não se pode
ignorar é a nível político: o capitalismo chinês, acentuadamente autocrático,
tem pouco em comum com a democracia indiana, ainda que imperfeita, baseada num
modelo político bicameral, herdada dos ingleses, orientada para a constituição
de um Estado laico, moderno e igualitário. Independentemente dos modelos
económicos seguidos, das variáveis sociais, culturais ou políticas, o que
sabemos é que a economia global está francamente dependente do comportamento
daqueles gigantes asiáticos. Se ignorarmos esta realidade, é o mesmo que
afirmar que não estamos preparados para enfrentar os desafios dos tempos
vindouros.