À conquista de um sistema forte de gestão de recursos humanos
INTRODUÇÃO
Henry Ford terá afirmado certo dia «Como se explica que quando preciso apenas
de um par de mãos, tenha de lidar com um ser humano?». Se esta questão do
fundador da Ford Motor Company não estivesse documentada como tendo sido
proferida por um dos maiores industriais de todos os tempos, o mal-estar
provocado pela asserção seria certamente grande numa conversa casual entre
modernos profissionais de RH. Embora atendendo a uma distância temporal
significativa, os desafios genéricos que estão na essência deste desabafo
mantêm-se: como lidar com um ser humano em ambiente laboral? O que acarreta
gerir tamanha complexidade? Que impacto tem essa gestão no dia-a-dia das
empresas e demais organizações?
Ainda que o contexto social, económico e produtivo da América dos anos 1910 a
1930 seja diferente do actual ' a automatização e a massificação deram lugar a
uma organização dos processos de trabalho que vive da gestão do erro, da
valorização da «inteligência colectiva» e da qualidade (Lopes e Capricho, 2007)
' a verdade é que, volvidos mais de 80 anos sobre o fordismo, compreender e
avaliar o contributo real de uma pessoa ou grupo de pessoas para o sucesso de
uma organização, continua a ser um trabalho especialmente exigente e complexo.
As questões concretas que, desde sempre, têm acompanhado os gestores e
profissionais de gestão de recursos humanos (doravante, GRH), são conhecidas:
como polarizar os comportamentos dos colaboradores da organização à volta de um
objectivo comum? Como assegurar, através dos vários mecanismos colocados à sua
disposição (práticas de GRH, práticas de comunicação interna e da imagem da
organização, gestão das chefias directas, gestão da cultura, aplicação da
legislação aplicável, etc.), que a variedade existente ao nível dos
comportamentos individuais observados não seja tal que comprometa os
comportamentos organizacionais desejados?
O objectivo do artigo é apresentar algumas respostas a estas questões,
utilizando para tal as ideias de Bowen e Ostroff (2004). O contributo do texto
é desenvolver um modelo de gestão de pessoas assente numa ligação entre o
comportamento individual e colectivo. O trabalho tem início com uma breve
discussão da importância da GRH, evoluindo depois para a noção de força do
sistema de GRH, central no modelo dos autores norte-americanos. Por fim,
introduzem-se outros dois factores ' a cultura e a liderança ' que influenciam
as interpretações que os colaboradores fazem do seu meio envolvente, num modelo
integrado que liga a estratégia organizacional, a GRH, e a performance
organizacional.
A IMPORTÂNCIA CRESCENTE DA GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS
De invisível aos olhos das várias direcções das organizações, passando por uma
postura actual de consenso face à importância das pessoas no seio das
organizações ' que culmina na já conhecida frase «as pessoas são o principal
activo da nossa empresa» ' a função GRH conheceu, nos últimos 30 anos,
profundas transformações. Estas mudanças ocorreram, essencialmente, a dois
níveis (Gomes, Cunha, Rego, Cunha, Cabral-Cardoso, e Marques, 2008): a) um novo
entendimento do papel da GRH no contexto empresarial, nomeadamente o seu
contributo (real, objectivo e mensurável) para o alcance de objectivos
estratégicos de negócio e para o sucesso organizacional; b) uma nova visão do
colaborador e da sua função dentro da organização. Relativamente a este último
ponto, realçam-se os principais vectores da metamorfose: i) de sujeito passivo
e autómato, a elemento estratégico para o êxito dos negócios; ii) de «peso»
contabilístico e custo, a activo que merece investimento pessoal e financeiro;
iii) de recurso administrativo e mais um «factor de produção», a elo mediador
entre as exigências de um mercado cada vez mais global e competitivo, por um
lado, e, por outro, a necessidade imperiosa de sustentabilidade do negócio de
cada empresa.
Estas transformações profundas nas políticas e estruturas internas
organizativas só podem ser compreendidas à luz das mudanças sociais e político-
económicas ocorridas nos últimos anos: a) enfoque na cadeia de valor,
transferido do fornecedor para o cliente; b) concorrência crescente, resultante
da abertura de novos mercados; c) terciarização das economias ocidentais; d)
surgimento da Era da Tecnologia e do Conhecimento; e e) importância crescente
de accionistas e outros investidores na vida das empresas. Toda esta conjuntura
externa levou a que as organizações desenvolvessem planos de acção, de
adaptação rápida ao meio envolvente, o que as obrigou a uma mudança radical na
relação que mantinham com os seus colaboradores.
A questão que muitas empresas colocaram e colocam ainda é a seguinte: tendo em
conta a competitividade do mercado, «como» tirar partido das pessoas para fazer
frente a esta realidade em constante mudança? Como desenvolver o know-how dos
colaboradores, mantendo o negócio rentável? Respostas a estas questões passam,
inevitavelmente, por deixar de conceber as pessoas como componente chave de uma
função que tem o negócio e o processo produtivo como foco central de
actividade, para as colocar numa posição mais pró-activa e orientada para
objectivos (Bilhim, 1999; Gomes et al., 2008). Para além disso, a GRH assume
uma posição mais dinâmica e flexível, que obriga os colaboradores a adoptarem
comportamentos mais eficazes e eficientes face às mudanças que se produzem, mas
também as organizações a apostarem em colaboradores com desempenhos mais
adequados, mais disponíveis e passíveis de se tornarem fonte de vantagens
competitivas.
Diferenciam-se, deste modo, dois modelos e filosofias de gestão de pessoas: um
«modelo tradicional» de gestão de RH e um «modelo estratégico». Para Becker e
Huselid (2006), a grande diferença entre ambos passa por compreender que a
gestão estratégica de RH se focaliza na performance organizacional e não na
individual, como defende o modelo tradicional; para além disso, o modelo
estratégico enfatiza o papel dos «sistemas» de gestão de RH como
«facilitadores» do cumprimento de objectivos chave de negócio, em vez de
considerar as práticas de GRH isoladamente. De uma forma mais objectiva, a
estratégia vai muito além da questão financeira (de práticas de RH terem
impacto em indicadores financeiros): passa por criar vantagens competitivas
sustentáveis que, futuramente, se repercutirão em indicadores financeiros com
valores acima da média. Essas vantagens competitivas surgirão com uma
implementação e diferenciação eficaz de estratégias, relativamente a funções
chave para o negócio, sendo da competência dos RH acompanhar, monitorizar e
implementar, a par da direcção, essas estratégicas.
Embora esta visão da importância das pessoas pareça ser escandalosamente
lógica, socialmente desejável e incontestável para a maioria dos empresários e
académicos, a verdade é que muitas organizações se debatem com graves problemas
ao nível da concepção e implementação de políticas internas, nomeadamente na
gestão do seu capital humano, sendo para muitas difícil essa conciliação entre
necessidades e exigências do mercado, sustentabilidade do negócio, e
desenvolvimento de conhecimento e competências dos seus colaboradores. Na maior
parte das vezes, e não obstante as aliciantes perspectivas estratégicas
patentes nos livros da especialidade e nos discursos dos especialistas, a
realidade das organizações obriga a que as pessoas sejam encaradas como mais
outro recurso qualquer, que se pode usar ' e, em muitos casos, abusar ' até não
serem mais necessárias, altura em que são substituídas ou eliminadas.
Mas não é apenas a realidade das organizações que conduz a tão prosaica
situação. O problema é igualmente teórico, dado ser complexo modelizar a
ligação entre GRH, estratégia e performance organizacional. Os novos paradigmas
e modelos teóricos da GRH têm, precisamente, tentado colmatar esta falha. O
problema pode ser formulado do seguinte modo: face às pressões, e consequente
exigência extrema de sobrevivência no mercado, como tirar partido das pessoas
para fazer face a estas necessidades? As respostas são múltiplas e variadas: a)
definindo operacionalmente «estratégias», que sejam orientadas para custos,
qualidade ou inovação, como propõem Schuler e Jackson (1987); b) «articulando»
práticas de RH, como a formação, a avaliação de desempenho, e os benefícios e
recompensas, como defende Wood (1999); c) «alinhando» estratégias com práticas
de RH a curto, médio e longo prazo, como defendem Ghoshal e Gratton (2002); d)
«interligando» práticas de RH com interesses de colaboradores internos,
accionistas e sociedade civil, como argumentam Boxall e Purcell (2003).
Nos exemplos atrás mencionados, os autores que têm trabalhado sobre esta
temática sustentam a hipótese de que existe uma relação entre a GRH e a
performance organizacional (Becker e Gerhart, 1996). Com efeito,
independentemente do modelo teórico invocado (para uma excelente revisão das
abordagens de gestão estratégica de RH, ver Martín-Alcázar, Romero-Fernandez e
Sanchez-Gardey, 2005, ou Delery e Doty, 1996), a asserção é semelhante entre
todos os quadros de gestão estratégica de RH: o de que uma GRH alinhada com a
estratégia organizacional é um potente factor a condicionar a performance
individual e, por arrasto, a da organização. Na essência, tais modelos procuram
conferir à GRH um papel nobre na redacção dos destinos da organização, superior
em qualidade e responsabilidade aos papéis administrativo, de regulador das
relações laborais, ou de garante do cumprimento da legislação, típicos das
décadas de 30 a 80 do século passado.
Outro problema teórico que permanece em aberto é entender a natureza desta
relação, ou seja, como é que os colaboradores reagem à gestão dos RH (Gerhart,
Wright e McMahan, 2000). Embora o contributo dos autores supracitados seja
incontestável para um melhor entendimento desta relação, a verdade é que, para
outros especialistas, muito continua ainda centrado em conteúdos e na
categorização de práticas de RH e de indicadores de performance, relegando-se,
para segundo plano, os «processos» através dos quais estas ligações se
estabelecem. É necessário ir mais fundo: compreender como os colaboradores
percepcionam o que está à sua volta, definindo, para isso, indicadores mais
dinâmicos, que valorizem o ordenamento interno da organização, não esquecendo
que existem outros «actores» que influenciam as práticas de RH e, por
conseguinte, o desempenho dos colaboradores: a cultura, o clima, os
investidores, os clientes, as leis, as associações, os sindicatos, a justiça e
os interesses maiores da comunidade.
FORÇA DO SISTEMA DE RECURSOS HUMANOS
Segundo Boxall e Purcell (2000), a nova GRH posiciona-se como «facilitadora» da
tomada de decisões estratégicas. Se os objectivos das empresas são, grosso
modo, ter retorno dos investimentos e ganhar vantagens competitivas sustentadas
através das pessoas, há que criar, posteriormente, objectivos, em termos de
GRH, consonantes com os de negócio. Por exemplo: aumentar a flexibilidade e
apostar na legitimidade social e na justiça. Tendo em conta estes objectivos,
se as práticas de GRH forem centradas no desenvolvimento do indivíduo, no
futuro, tal resultará no desenvolvimento de uma força de trabalho que quer
aprender, que tem facilidade em mudar, e que se adapta a ambientes internos e
externos hostis e competitivos. Uma vez atingido este ponto, os autores crêem
que se terá desenvolvido, através do sistema de RH, conhecimentos e aptidões
essenciais para se tomarem decisões estratégicas.
Embora esta ideia da GRH como facilitador de decisões estratégicas seja
relevante e destacada na literatura, ela enferma ainda de problemas de
operacionalidade e de objectividade que criam obstáculos práticos à sua
implementação e aceitação.
Um modelo alternativo com potencialidades práticas assinaláveis é o proposto
por Bowen e Ostroff (2004), sobre a «Força do Sistema de RH». Os autores,
também eles interessados em explicar a natureza da relação RH/Performance,
partem da ideia de que o «clima organizacional» é o elo de ligação entre as
práticas de RH e a performance organizacional. As práticas de RH só poderão
contribuir para a performance organizacional se motivarem os colaboradores a
adoptarem atitudes e comportamentos «desejáveis» que, colectivamente, ajudarão
a alcançar os objectivos estratégicos da organização. Significa isto que só
criando um «clima forte», de sintonia e «partilha» de atitudes e comportamentos
que se querem desejáveis, é que a organização poderá aspirar a níveis elevados
de performance
[1]
.
Esta ideia de clima forte ' de sentimento de partilha dos colaboradores face
àquilo que é esperado pela organização ' é defendida por Bowen e Ostroff (2004)
tendo como modelo base os estudos de Mischel (1977) sobre a «força da
situação». Sustenta Mischel que, mais do que as características físicas/
externas dos acontecimentos, importa antes compreender o impacto de
determinados eventos nas percepções, nos mapas cognitivos, e nos esquemas
mentais dos indivíduos. Deste modo, esclarece: as situações ganham força graças
à interpretação psicológica que os indivíduos fazem dessas situações; quanto
mais forte a situação, maior o grau de concordância dessas interpretações e,
consequentemente, maior a consonância quanto a comportamentos esperados e
valorizados. A esta extensão de concordância e discordância, face a eventos
situacionais, Mischel apelidou, precisamente, de força da situação.
Quando a situação psicológica é forte, as pessoas partilham interpretações de
situações específicas, comportando-se de forma consistente com os padrões
exigidos pelas organizações. Deste modo, convergem naquilo que é importante
realizar no seio da empresa, melhorando a performance não só individual como
organizacional; contrariamente, quando os colaboradores divergem quanto a
padrões de conduta, empenho e desempenho, dificilmente as performances
individuais e organizativas serão salvaguardadas. Estas situações são
apelidadas fracas, pois elas induzem em menor grau ou força os comportamentos
individuais. A Figura 1 sintetiza a essência do modelo de Bowen e Ostroff.
FIGURA 1 - Modelo da Força de GRH (Bowen e Ostroff, 2004)
Estas ideias evidenciam os processos na GRH mais do que os seus conteúdos. O
desafio do gestor de RH é multiplicado, pois, para além de conceber, desenhar,
e implementar as diferentes práticas de gestão de pessoas, ele deve agora
desenhar e administrar todo o processo de GRH. Para tal, deve criar o contexto
no qual as situações fortes surjam, i.e., no qual despontem percepções
partilhadas do que se pretende alcançar.
As questões que merecem agora a sua atenção são múltiplas: a) como se cria esse
contexto? b) o que faz as pessoas partilharem algo? c) que características deve
ter o sistema de RH para proporcionar esse consenso, essa união em torno de
algo que se quer alcançar ' o aumento da performance e o consequente sucesso da
organização?
Bowen e Ostroff (2004) respondem a algumas destas questões no seu trabalho.
Para proporcionar uma partilha de sentimentos e valores, é necessário que o
sistema de RH apresente as seguintes características: seja «distintivo,
consistente e consensual». Distintivo, porque elege práticas de RH que são
entendidas como legítimas (observáveis e mensuráveis); consistente, porque
comunica regular e eficazmente com os colaboradores ao longo do tempo;
consensual, porque envia mensagens de coerência entre atitudes/comportamentos
(relações causa-efeito: se o colaborador faz X, tem a consequência X). O Quadro
1 apresenta de forma sumária estas noções assim como as subdimensões agregadas.
QUADRO_I - Força da GRH (Bowen e Ostroff, 2004)
ESTENDENDO O MODELO DE FORÇA DA GRH
Um olhar atento lançado ao modelo de Bowen e Ostroff (2004) permite chamar a
atenção para a importância da «comunicação». Tão ou mais importante do que se
transmite (e.g. critérios da avaliação de desempenho, momentos da avaliação,
etc.), é a «forma como» se transmite (e.g. quem faz a comunicação dos critérios
da avaliação de desempenho, que meios se utilizam, etc.). Significa isto que
quem emite essas mensagens passa a ter um papel de enorme relevo ao nível da
influência social, da persuasão e da interacção com os outros.
As temáticas da influência social e processos de persuasão têm sido
intensamente investigadas em Psicologia, não sendo o propósito deste texto
dissertar sobre essa imensa área do conhecimento. Para a argumentação em curso,
basta referir os vários textos reunidos sob a supervisão de Allen, Porter e
Angle (2003). Destes textos, ressaltam dois poderosos influenciadores
organizacionais, que são discutidos em seguida: a cultura e a liderança.
Se é importante conhecer como uma organização funciona em termos de políticas,
práticas e procedimentos internos para se entender como um sistema de RH poderá
ter impacto no desempenho organizacional, não menos importante é o estudo da
cultura, dos valores, crenças, padrões de conduta e princípios defendidos pela
organização, para uma melhor avaliação deste binómio GRH/Performance
Organizacional.
O interesse na literatura sobre cultura organizacional remonta essencialmente à
década de 1980, altura em que badalados processos de fusão e aquisição
falharam, um pouco por todo o mundo, devido ao choque cultural entre as
organizações neles envolvidas. Já anteriormente, o «milagre japonês» tinha
suscitado o interesse de vários autores e profissionais ligados à gestão de
empresas, de uma forma geral, e GRH, de uma forma particular. De temática pouco
estudada, a cultura depressa se tornou um objecto de estudo muito apelativo,
que juntou áreas de investigação como a Antropologia, a Sociologia ou a
Psicologia Organizacional (Neves, 2000). Os estudos sobre estes casos de falhas
no entendimento entre as empresas ' ao nível dos valores partilhados, das
crenças dos colaboradores no modo como conduziam o seu trabalho e se
comportavam face a novos colegas e chefias ' surgiram em catadupa, tendo
posteriores autores, na década de 1990, feito sistematizações preciosas face ao
que, actualmente se consideram ser os elementos constituintes da Cultura
Organizacional. Particularmente curioso é o conceito de «força da cultura»,
atribuível a Schein (1981), definido como a intensidade com que as pessoas
partilham valores e crenças face ao trabalho desempenhado e à organização.
Seguindo a linha de pensamento de climas fortes e fracos, em culturas fortes há
um sentimento de partilha de valores e de padrões de conduta; em culturas
fracas não há partilha, mas, ao invés, cada indivíduo defende os seus
princípios, não conseguindo encontrar, muitas vezes, «equilíbrio» entre esses
valores e as normas institucionais sustentadas pela entidade empregadora.
Ao longo da década de 1990, novos investigadores sintetizaram informação quanto
a: conteúdos, metodologias de abordagem, avaliação e funções da Cultura
Organizacional (Neves, 2000). De modo sucinto, quanto a «conteúdos» destacam-se
aspectos comportamentais, cognitivos e emocionais, o que demonstra já uma
enorme complexidade no seu estudo, enquanto conceito colectivo e partilhado;
quanto às «metodologias» de abordagem, tanto a escolha de modelos qualitativos
como quantitativos, dependerá da abordagem do investigador face ao modo como
generalizará as características que encontrar numa empresa, a outras
semelhantes (qualitativa ' organização única/quantitativa ' as características
culturais são comuns a todas as organizações; o que varia é a ênfase dada e sua
intensidade). Relativamente à «avaliação», mantém-se a questão dos modelos
qualitativos/quantitativos, embora hoje em dia se privilegie muito a abordagem
multimétodo, i.e., o uso de entrevistas, análise documental, métodos
estatísticos, e observação, entre outros. Finalmente, as «funções»: de coesão
social, no sentido de criação de uma «ponte» entre a envolvente externa e os
processos internos (estrutura interna da empresa) da organização; de quadro de
referência, face a que comportamentos, atitudes e acções esperar dos
colaboradores e de padronização e controlo, ao definir regras e normas de
conduta.
Embora a caracterização dos modelos teóricos seja importante, a questão chave
que se coloca é saber se a GRH se diferencia consoante o tipo de cultura
organizacional. Para autores como Khasro e Allan (2007), essa diferenciação
existe, claramente. Defendem os autores que, por exemplo, a cultura numa
empresa-mãe japonesa tende a ter uma influência menor no desenho dos estilos e
práticas de GRH das respectivas subsidiárias comparativamente à cultura
nacional de uma empresa do Sul da Ásia.
Para além da poderosa mão invisível da cultura, a forma como os colaboradores
interpretam a sua envolvente é influenciada pelas suas chefias e pelos seus
líderes. A literatura sobre liderança (e.g. Rego e Cunha, 2003) explica que a
liderança dá forma a contextos sociais, i.e., influencia as percepções e
interpretações dos outros. Aliás, numa das definições mais frequentemente
mencionadas de liderança, esta é vista como um processo através do qual alguns
indivíduos são capazes de influenciar a interpretação que outros indivíduos têm
dos acontecimentos e das situações (Yukl, 1998). Estas influências exercem-se
no seio da dinâmica interaccional que caracteriza as relações entre líderes e
liderados, entre chefias e chefiados e, recentemente, foram avançados pelos
dois tipos básicos de interacções: transaccional e transformacional (Burns,
1978). Na dinâmica transaccional, líder e liderados centram-se, sobretudo, nos
processos de troca, e de perdas e ganhos. Significa isto que os comportamentos
exibidos pelos liderados/«chefiados» são norteados especialmente por razões de
recompensa e de benefícios mútuos. A liderança transformacional, ao invés,
reflecte um estado interaccional em que uns e outros estão conectados por
razões de crescimento mútuo, e de implicação e comprometimento com o trabalho e
com a organização.
Na GRH, a liderança e a gestão directa assumem um papel de relevância, dado que
é também através dos líderes e das chefias directas que as práticas, os
instrumentos e a própria filosofia da GRH, são veiculados e transmitidos aos
colaboradores (Gomes et al., 2008). Sem o conhecimento, a aceitação, e o
empenhamento dos líderes e chefias directas, é muito provável que a GRH não
tenha a capacidade de influenciar só por si os colaboradores.
Não obstante poderem existir variáveis a influenciar as relações propostas
(e.g. dimensão da organização), o modelo expandido de Bowen e Ostroff (2004),
que foi discutido nas linhas anteriores, pode ser representado como a Figura 2
testemunha.
FIGURA_2 - Modelo expandido da Força de GRH (Bowen e Ostroff, 2004)
Na Figura 2, a cultura é representada duas vezes, todavia o conceito alude a
diferentes noções de cultura. Em «força da cultura», o conceito pretende
indicar (na linha de Schein, 1981) o grau em que os colaboradores partilham os
valores e as normas organizacionais, sem levar em linha de conta quais são
esses valores e normas. O termo «cultura organizacional», por outro lado,
representa o impacto dos valores e das normas sobre o comportamento individual
e organizacional.
O modelo realça a força da situação como um elo de ligação entre a GRH e a
liderança, por um lado, e a performance organizacional, por outro. Alcançar os
objectivos organizacionais estratégicos é função da capacidade do sistema de
GRH e da liderança para influenciar comportamentos e percepções, identificados
na Figura_2 pelo elemento central, a força da situação. Em suma, quando o
sistema de RH apresenta as características de ser distintivo, consistente e
consensual (ver Quadro_1), e os líderes e chefias acompanham e estão empenhados
em transmitir as mensagens da GRH (i.e., são aliados da GRH), o resultado será
o de uma interpretação partilhada e homogénea relativamente à realidade
organizacional, mormente os comportamentos desejados pela organização,
incluindo práticas, procedimentos internos, normas de conduta e crenças dentro
da organização. E, quanto maior a homogeneidade entre os colaboradores,
relativamente a estes componentes organizacionais, maior a probabilidade de
haver uma confluência e consistência ao nível dos comportamentos finais
desejados, o que se reflecte numa performance individual e organizacional
superior.
CONCLUSÕES
A GRH encontra-se numa encruzilhada. De um conjunto de práticas de gestão das
relações laborais e de mediação entre sindicatos e patronato, típico do
primeiro quartel do Séc. XX, a função de gestão de pessoas evoluiu para uma
filosofia de gestão responsável por um tipo particular de activos
organizacionais, adicionando à palavra «activo» um sentido psicológico e
humano, para além do seu sentido económico e financeiro. Todavia, num mundo em
que a prova da performance se mede pelos resultados realmente observados, a GRH
enfrenta actualmente um dos seus maiores desafios: o de demonstrar e mostrar
que pode contribuir para a sobrevivência e crescimento da organização. Provar
que os resultados organizacionais derivam directa ou indirectamente dos
colaboradores e da sua gestão, é um tremendo objectivo a alcançar pela GRH.
Embora a conjuntura externa exija flexibilidade, capacidade de inovação,
controlo de custos e, por vezes, decisões difíceis de tomar a nível directivo
(fusões, downsizings, outsourcing, etc.), a verdade é que a velha máxima
defendida por Milton Friedman «the business of business is business», parece já
não estar tão presente na maioria das organizações. Embora o lucro se deva
manter um propósito fundamental para todas as empresas, também parece ser
correcto afirmar que o caminho de qualquer organização passa por adoptar
políticas que valorizem os colaboradores ' tirando proveito dos seus
conhecimentos, competências e potencialidades ', precisamente com o intuito de
obter esse lucro de forma sustentável e socialmente responsável. A ideia de que
as pessoas seriam instrumentos manipuláveis, num processo de produção que se
pretendia automatizado, foi sendo (deve ser) substituída por uma visão mais
humanista do colaborador, sendo este considerado elemento activo no ciclo
produtivo. Mais do que defender o primado do humanismo no trabalho, trata-se
aqui de advogar um equilíbrio entre as dimensões humanas e económicas da
organização.
Esta nova concepção do indivíduo está presente no modelo de Bowen e Ostroff
(2004) e no modelo expandido apresentado neste texto. Interligando os conceitos
de sistema de RH, cultura, comunicação, liderança, clima e performance
organizacional, esta proposta reflecte uma concepção mais holística e
balanceada da GRH, assente mais nos processos do que nos conteúdos da GRH. Uma
visão centrada nos processos poderá oferecer um melhor entendimento do sucesso/
insucesso das políticas de gestão implementadas nas empresas. Se se atender aos
discursos de alguns gestores quando há falhas na concretização de objectivos de
negócio, registam-se amiúde afirmações como ' « as pessoas têm muita
relutância em mudar », ou « nem todos podem ser gestores e líderes », ou «
temos de enveredar, no futuro, por uma política de responsabilidade social e
liberdade individual». De facto, parece emergir a necessidade de se compreender
um pouco melhor as relações sociais criadas dentro das empresas, os processos
cognitivos que diferenciam as tomadas de posição dos colaboradores, em
determinados assuntos, e os princípios e valores das pessoas que, muitas vezes,
chocam com interesses maiores da organização.
Se se atender a que, como foi apanágio da GRH do século passado, os objectivos
de negócio são estipulados primeiramente, e só depois se articulam com
políticas de RH, fica claro que quem estipula esses objectivos são pessoas que
fazem parte da empresa. Mas quem são estes indivíduos? Quem lhes imputou a
responsabilidade de definirem esses objectivos? Quem os responsabiliza como
titulares dessas ideias? Para definirem essas estratégias de negócio não se
reuniram, não trocaram ideias, não funcionaram enquanto grupo? Que mecanismos
estão por detrás desta difusão de conhecimento, desta interacção grupal, destas
decisões tomadas que tanto influenciam a vida das organizações e das pessoas
que as compõem? Mais do que uma resposta cabal a estas questões, há que
reflectir sobre o papel dos gestores de RH nas empresas portuguesas, sobretudo
o contributo importante que os técnicos das «áreas humanas» poderão ter para um
melhor entendimento das relações laborais. Como defendem Becker e Huselid
(2006), o importante, actualmente, é saber gerir a força de trabalho, o capital
humano, e não a função Gestão de RH, per se.
Gestores, economistas e engenheiros informáticos são importantes numa empresa;
mas também o são os profissionais de recursos humanos, de marketing. A riqueza
estará, como diria Peter Drucker (1999) em gerir a diferença!
Uma nota final: a jovialidade do modelo reflecte-se na sua parca confirmação
prática. Os autores deste texto encontram-se presentemente a conduzir uma
investigação em larga escala, em Portugal, destinada a fornecer um primeiro
conjunto de dados que permita aprimorar as relações centrais do modelo. No
exterior, autores como Dorenbosh, Reuver e Sanders (2006)
[2]
deram já passos importantes para colmatar a falta de confirmação empírica das
ideias de Bowen e Ostroff (2004). Alguns objectivos práticos foram já
conquistados, todavia, na essência, a noção de força do sistema de RH carece
ainda de extensa confirmação prática. O passo seguinte à confirmação e
aprimoramento do modelo é o desenvolvimento de processos comunicacionais mais
poderosos que tenham utilidade para a GRH, alargando, deste modo, os horizontes
e os instrumentos dos profissionais que trabalham na área. No cerne desta
asserção, está a missão de dar aos técnicos não só as ferramentas de trabalho,
como os também imprescindíveis modelos mais adequados que, em conjunto,
permitirão o alcance de objectivos de negócio e, consequentemente, o sucesso
das organizações.
NOTAS
1
Clima organizacional é definido por Schneider, Salvaggio e Subirats (2002) como
uma percepção partilhada de como a organização funciona em termos de políticas,
práticas e procedimentos internos. Consiste numa visão conjunta do que a
organização valoriza, nomeadamente que tipos de comportamentos são esperados e
recompensados.
2
Foi publicado em 2006, na revista Management Revue, um artigo de Dorenbosh,
Reuver e Sanders onde se testa a premissa de que sistemas de RH altamente
distintivos, consistentes e consensuais, criam, per se, situações fortes, i.e.,
contextos de trabalho nos quais os colaboradores partilham atitudes, valores e
comportamentos.