Pelo pluralismo e a abertura interdisciplinar na investigação sobre a Economia
Pelo pluralismo e a abertura interdisciplinar na investigação sobre a Economia
Transcrevemos a seguir o texto do apelo recentemente enviado por um numeroso
grupo de professores e investigadores ao Presidente da Fundação para a Ciência
e a Tecnologia. O documento manifesta uma concepção da «Ciência Económica» com
a qual esta revista se identifica desde a sua criação, vai para 15 anos
Pelo pluralismo e a abertura interdisciplinar na investigação sobre a Economia
Ex. Sr. Presidente da Fundação para a Ciência e a Tecnologia
Professor João Sentieiro
A percepção de que existe dentro da crise económica uma crise da Economia, como
disciplina académica, tem-se vindo a acentuar nos últimos anos.
Essa percepção é acompanhada de apelos cada vez mais audíveis a favor de um
reforço do pluralismo interno e da abertura interdisciplinar da Economia capaz
de estimular a inovação e a renovação teórica.
A urgência que se faz sentir no presente reforça tendências anteriores. De
facto, nas últimas décadas tem-se vindo a acentuar não só a consciência da
necessidade de reforço do pluralismo teórico no interior da Economia, como o
interesse pelo estudo interdisciplinar da economia por parte quer de
economistas, quer de investigadores de diferentes áreas disciplinares das
ciências sociais, tais como a Sociologia, a Psicologia, a Ciência Política ou a
Antropologia, mas também de outras áreas de conhecimento como a Física, a
Biologia, as Ciências da Computação, as Neurociências ou a Filosofia.
Na investigação orientada para a procura de soluções para problemas reais da
economia e sociedade, a colaboração entre domínios do saber e perspectivas
teóricas diversas tem vindo a aumentar com bons resultados, quer no plano
internacional, quer em Portugal.
Confirmação de que estas tendências se estão a afirmar é a atribuição recente
do «Prémio Nobel da Economia» a economistas tão inovadores como Amartya Sen e a
investigadores com formação disciplinar diversa, em áreas distintas da
Economia, como Daniel Kahneman e Elinor Ostrom.
Os abaixo assinados docentes e investigadores avaliam positivamente estes
desenvolvimentos e procuram com o seu trabalho incentivá-los e reforçá-los,
nomeadamente, no contexto nacional. A renovação de que o pensamento económico
urgentemente carece passa, efectivamente, pela abertura dos estudos sobre a
economia a diferentes correntes teóricas da Economia e a diversas perspectivas
disciplinares.
Existindo na FCT uma área de «Economia e Gestão» seria de esperar que as
tendências acima identificadas tivessem expressão num reforço do pluralismo
teórico e da interdisciplinaridade nos projectos financiados nesta área.
Acontece, no entanto, que, em Portugal, os painéis de avaliação de projectos da
FCT nas áreas da «Economia e Gestão» não partilham do mesmo entusiasmo pelo
reforço da interdisciplinaridade e do pluralismo teórico. Pelo contrário, têm
sistematicamente isolado o campo da Economia e promovido uma unicidade
empobrecedora dos estudos nesta área, hostilizando a diversidade e subordinando
o único critério justo ' o da qualidade ' ao da lealdade ao cânone teórico da
sua preferência.
Os investigadores (abaixo assinados) têm uma longa e frustrante experiência com
estes painéis. Muitos deles viram projectos rejeitados com base em julgamentos
sumários exclusivamente baseados na não conformidade com as normas da economia
«neoclássica». Felizmente, alguns desses mesmos projectos vieram a ser re-
submetidos com sucesso e excelentes avaliações ao Programa Quadro da UE ou a
outros painéis da FCT.
A situação de predomínio de uma concepção particular da Economia nos painéis de
avaliação de projectos na área da «Economia e Gestão» da FCT representa um
problema para a investigação sobre Economia em Portugal. Dificulta a inserção
dos investigadores portugueses nas redes internacionais que estão a renovar o
pensamento económico, dificulta a acumulação de conhecimento plural sobre a
economia portuguesa, os seus problemas e as soluções possíveis, constitui um
obstáculo à inserção na actividade dos nossos Centros de jovens investigadores
e de estudantes de doutoramento empenhados em explorar e desenvolver novas
perspectivas.
A FCT, pela importância do papel que desempenha no financiamento da
investigação fundamental realizada, a nível nacional, e na sua articulação com
a formação avançada de nível doutoral, não pode deixar de responder a esta
situação de bloqueio institucional numa das suas áreas de investigação.
Os investigadores e docentes (abaixo assinados) vêm assim propor à FCT que
encare soluções tendentes a garantir o pluralismo na avaliação de projectos
sobre Economia, nomeadamente a criação já no próximo concurso de projectos de
investigação em todos os domínios científicos de uma área de «Estudos de
Economia e Sociedade» capaz de acolher e compreender abordagens ao estudo da
Economia não circunscritas aos cânones que vigoram no actual painel de
avaliação de «Economia e Gestão».
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