Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

EuPTHUAp1645-44642009000300002

EuPTHUAp1645-44642009000300002

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolHumanities
Great areaApplied Social Sciences
ISSN1645-4464
Year2009
Issue0003
Article number00002

Javascript seems to be turned off, or there was a communication error. Turn on Javascript for more display options.

Imperium femininis ... Uma liderança de sucesso escondido

Desde sempre a liderança constituiu-se como tema de amplos debates e curiosidade para gestores e cientistas sociais (Cunha, Rego, Cunha e Cabral-Cardoso, 2003; Syroit, 1996), algo igualmente estimulado pela multiplicidade de teorias e definições sobre o líder e o processo de liderança (Yukl e Van Fleet, 1992; Jesuíno, 1999). Entre os temas de crescimento recente, a relação entre a liderança e o género (seja do líder e/ou do liderado), tem ocupado um lugar de destaque.

Tradicionalmente, aos líderes atribuem-se características como a instrumentalidade, a autonomia e a orientação para resultados, algo que não é particularmente assumido como típico das mulheres. No entanto, actualmente é visível um interesse na liderança mais participativa, menos hierárquica, flexível e orientada para o grupo, ou seja, uma orientação mais feminina (Billing e Alvesson, 2000). Em paralelo ao interesse pelo género na liderança, surge, de uma forma natural, o conceito de liderança eficaz.

O tema tem sido discutido por vários autores, como Hollander (1985, in Eagly, Karau e Makhijani, 1995), que conclui que não existem diferenças significativas na eficácia de liderança entre homens e mulheres, embora a mulher comece por ter mais dificuldades em ser legitimada. Powell (1993, in Eagly et al., 1995), por outro lado, observou que os homens e as mulheres não diferem na eficácia enquanto líderes, embora algumas condições favoreçam mais as mulheres e outras os homens. Por fim, outros investigadores advogam uma vantagem feminina na percepção de liderança eficaz (Eagly e Carli, 2003).

O presente trabalho assume-se como um contributo nesta área de investigação que ainda se encontra algo confusa, e todavia muito actual na sociedade contemporânea. Em concreto, procura-se compreender de que forma é que a liderança é percepcionada e conduzida por homens e mulheres, assim como é que ela é percepcionada por parte dos respectivos colaboradores.

O artigo inicia-se com uma revisão dos contributos na área do género e liderança, seguindo-se a apresentação da investigação e seus resultados. Conclui-se com a discussão dos resultados e a apresentação de potenciais pistas para futuras investigações.

Liderança: duelo de diferenças

Eagly e Johannesen-Schmidt (2007) analisaram as diferenças e semelhanças entre o líder feminino e masculino, tendo sugerido que as diferenças parecem estar relacionadas com os papéis associados ao género, enquanto as semelhanças comportamentais estão relacionadas com as regras organizacionais. O líder tem de responder aos constrangimentos do seu papel de género e às expectativas que se criam por ser homem ou mulher e aos comportamentos definidos como sua prerrogativa (Eagly e Johannesen-Schmidt, 2001).

Por exemplo, a expectativa/crença comum do homem como agressivo, independente, pouco emocional, objectivo, dominante, activo, competitivo, lógico, trabalhador, aventureiro, autoconfiante e ambicioso, suporta a imagem do homem como líder. Ao contrário, a mulher caracterizada como faladora, gentil, religiosa, calma, empática, submissa e expressiva, tem minado a sua imagem enquanto líder (Adler, 2002).

No entanto, tal como outras regras organizacionais, as regras de liderança são acompanhadas por normas que guiam a performance nas tarefas e estas aplicam-se a todos os que possuem o mesmo papel organizacional, como por exemplo monitorizar a performance dos liderados e disseminar informação. Outro argumento a favor da similitude relaciona-se com a selecção dos líderes, i.e., homens e mulheres são escolhidos geralmente com base em critérios semelhantes, como seja a experiência na tarefa (Eagly e Johannesen-Schmidt, 2007). Embora actualmente se considere que existem pequenas diferenças entre o líder feminino e o masculino em termos dos seus comportamentos, aquelas não deixam de ser importantes e revelam-se nos comportamentos e estilos de liderança adoptados (op. cit.).

Uma longa tradição

Até à Segunda Guerra Mundial, os estudos de liderança eficaz baseavam-se na abordagem dos traços. A premissa subjacente a esta abordagem é a de que uma pessoa tem de possuir um conjunto particular de traços (e.g. integridade) para se tornar um líder e ser eficaz (Syroit, 1996; Jesuíno, 1999). Com a revisão dos estudos de Stogdill (1948, referido por Cunha et al., 2003), esta premissa foi questionada, uma vez que não existem evidências da existência de traços específicos que possam ser identificados, mas sim uma multiplicidade de traços. Ao invés, a eficácia dos traços deveria ser analisada à luz das características das diferentes situações.

Apesar da inadequação desta abordagem, os estudos de Eagly, Wood e Diekman (2000) mostraram que existem aspectos nos papéis de género que são relevantes para perceber a liderança. Algumas características são mais facilmente imputáveis ao homem (e.g. assertividade, controlo, confiança, agressividade, ambição), enquanto outros atributos se assumem como prerrogativa das mulheres (e.g. bom trato em relação aos outros, afectividade, amabilidade, simpatia).

A génese da abordagem comportamental remonta aos anos 1950 e deriva largamente da dificuldade da abordagem dos traços em explicar a eficácia da liderança. A distinção entre a orientação para as tarefas e a orientação interpessoal foi introduzida por Bales em 1950 e desenvolvida pelos estudos posteriores na Ohio States University (Eagly e Johannesen-Schmidt, 2001).

Eagly e Johnson (1990) efectuaram uma revisão de 162 estudos nos quais procederam a 370 comparações entre homens e mulheres, tendo concluído que o líder feminino tende a adoptar um estilo de orientação interpessoal e democrático, enquanto o líder masculino manifesta uma orientação para as tarefas e adopta um estilo autocrático. Uma pesquisa recente de Sümer (2006) chega a resultados idênticos.

O estudo da liderança continuou a evoluir para o que se designou de abordagem contingencial, da qual a teoria de Fiedler (1978) é ilustrativa, que advoga que o contexto ou situação é uma variável condicionante da eficácia da liderança. A meta-análise de Eagly, Makhijani e Klonsky (1992) suporta este paradigma, ao concluir que as mulheres são percepcionadas como líderes ineficazes quando ocupam contextos dominados pelo homem ou quando os seus avaliadores são homens.

Liderança transformacional e transaccional

Após os anos 1980 e 1990, e com a marcada ascensão feminina a posições de topo, a investigação seguiu uma nova orientação inspirada por Burns (1978) e Bass (1985) (in Eagly, 2007; e Eagly e Carli, 2003). Esta nova linha de trabalhos surge num momento em que se procurava compreender quais as características dos líderes que são eficazes nas novas condições económico-financeiras das últimas décadas do Séc. XX (Eagly e Carli, 2003).

Neste sentido, o líder transformacional (ver Tabela 1) é definido como alguém que: fixa elevados padrões de comportamento; se estabelece, ele próprio, como modelo; ganha a confiança dos seus seguidores; estabelece objectivos futuros desenvolvendo estratégias para os alcançar; e é céptico em relação ao statu quo, inovando mesmo quando a organização tem sucesso (Eagly e Johannesen-Schmidt, 2001; Rego e Cunha, 2003).

Tabela 1

Comportamentos do líder transformacional

Dimensões

Descrição e comportamentos associados

Carisma/Influência Idealizada

Demonstração de qualidades que motivam o respeito e orgulho nos liderados pelo trabalho conjunto; suscita confiança e identificação; comunica valores, objectivos e a importância da missão da organização.

Liderança/Motivação Inspiracional

Comunica uma visão apelativa; usa símbolos para fomentar o esforço dos seguidores; actua como modelo de comportamento e instila optimismo em relação aos objectivos futuros.

Estimulação intelectual

Examina novas perspectivas para resolver problemas e completar tarefas; estimula a tomada de consciência dos problemas, dos seus próprios pensamentos e imaginação; fomenta o pensamento inovador/criativo.

Consideração individualizada

Atende às necessidades de desenvolvimento dos seguidores, apoia-os, treina-os, encoraja-os, tenta desenvolver o seu potencial, dá-lhes feedback e delega-lhes responsabilidades.

Fonte: Adaptado de Cunha et al. (2003) e Eagly, Johannesen-Schmidt e Van Egen (2003)

Os líderes que adoptam normalmente um estilo de liderança transaccional (ver Tabela 2 ): estabelecem relações de troca com os seus subordinados apelando ao interesse próprio do liderado; clarificam as suas responsabilidades; monitorizam o trabalho; e recompensam quando os objectivos são atingidos e corrigem-nos quando falham (Eagly e Johannesen-Schmidt, 2001).

Tabela 2

Comportamentos do líder transaccional

Dimensões

Descrição e comportamentos associados

Recompensa contingente

Providencia recompensas para a performance positiva dos liderados; clarifica o que deve ser feito para o esforço ser recompensado.

Gestão por excepção activa

Foco nos erros e falhas na obtenção dos objectivos, adoptando acções correctivas quando não alcançam os padrões estabelecidos.

Gestão por excepção passiva

Aguarda que os problemas ocorram para que, então, sejam tomadas acções correctivas.

Liderança laissez-faire

O líder praticamente abstém-se de tentar influenciar os subordinados, revelando frequente absentismo e ausência de envolvimento durante momentos críticos.

Fonte: Adaptado de Cunha et al. (2003) e Eagly et al. (2003)

A maioria dos líderes não é exclusivamente transformacional ou transaccional, mas inclui no seu estilo comportamentos dos dois tipos (Eagly e Johannesen-Schmidt, 2007). Bass (1985) preconiza o seu uso simultâneo e acrescenta a ideia da igual eficácia dos dois estilos, embora em situações diferentes: o transformacional em períodos de fundação organizacional e de mudança, e o transaccional em períodos de evolução e ambientes estáveis.

Eagly e colegas (2001; 2003) associaram a esta dicotomia comportamental o papel do género, tendo as suas meta-análises constatado que existe uma tendência clara para a mulher adoptar um estilo de liderança marcadamente transformacional. Com efeito, as mulheres excedem os homens em três dimensões transformacionais: influência idealizada, motivação inspiracional, e consideração individualizada. Estes resultados sugerem que o líder feminino: manifesta atributos que motivam os seguidores a sentir respeito e orgulho devido à associação entre eles e o líder; mostram optimismo e excitação em relação aos objectivos futuros; e atendem ao desenvolvimento, guiam e têm em atenção as necessidades individuais dos liderados.

O líder feminino também apresenta vantagem na dimensão de recompensa contingente da liderança transaccional. Este resultado sugere que o líder feminino, mais do que o masculino, atribui aos seus liderados recompensas pela boa performance.

Em contraste, o líder masculino excede o feminino nas dimensões de liderança transaccional de gestão por excepção activa e gestão por excepção passiva, e na liderança laissez-faire. Estes resultados indicam que os líderes masculinos, mais do que os femininos: prestam atenção aos erros dos liderados; aguardam que os problemas se tornem severos para os resolver; e são ausentes e não se envolvem em situações críticas.

A partir da evidência empírica apresentada, pode concluir-se que homem e mulher são inevitavelmente diferentes nos seus comportamentos, e também o são na sua forma de liderar (Branco e Gomes, 2007). Como se verá de seguida, estas diferenças têm implicações na percepção da eficácia da liderança de homens e mulheres.

A vantagem da liderança feminina existe?

Tradicionalmente, a liderança de sucesso é definida em termos masculinos, ou seja, existe a ideia mais ou menos explícita que, para se ter sucesso como líder, é necessário ter-se nascido homem (Höpfl e Matilal, 2006). Gray (1994, citado por Hojgaard, 2002), brincando com o assunto, prevê que sejam necessários 400 anos para que homem e mulher se encontrem igualmente representados em posições de liderança elevadas ou seja, apenas no Séc. XXV!

Ao mesmo tempo que se minavam as esperanças em associar liderança de sucesso ao sexo feminino, a investigação sobre liderança transformacional versus liderança transaccional revelava que a primeira era mais apropriada para as organizações hodiernas (Eagly, 2007). Por exemplo, Lowe, Kroeck e Sivasubramanian (1996) concluíram que o estilo transformacional estava positivamente relacionado com liderança eficaz. Aos mesmos resultados chegaram Judge e Piccolo (2004) com uma meta-análise de 87 investigações sobre o assunto.

Segundo Eagly (2007), a liderança transformacional é mais facilmente associada ao sexo feminino do que ao masculino, o que, a ser verdade, implica um volte face importante na associação entre liderança de sucesso e género.

A evidência para tal volte face é, não obstante, anterior a 2007. Por exemplo, as conclusões em Eagly et al. (1992) apontam que os líderes femininos e masculinos são igualmente avaliados como líderes eficazes quando adoptam estilos de liderança equivalentes e estereotipadamente femininos (i.e., orientação interpessoal ou democrática). Quando os líderes femininos adoptam estilos equivalentes ao estereótipo masculino (quando o estilo é autocrático e directivo), eles são percepcionados como menos eficazes.

Billing e Alvesson (2000) argumentam no mesmo sentido, reforçando a ideia de que é mais fácil para mulheres adoptar um estilo de liderança com atributos próximos do estilo transformacional, enquanto os homens adoptam mais facilmente um estilo transaccional.

Ainda que a associação entre mulher, liderança transformacional e eficácia esteja longe de ser comprovada empiricamente, estes e outros trabalhos sugerem que as anteriores asserções onde se associava eficácia do líder ao género masculino, devem ser equacionadas. Os mesmos trabalhos indiciam que a desvalorização da mulher enquanto líder eficaz pode ser uma questão mais de discriminação de sexos, do que de uma real vantagem de um sexo sobre o outro.

A discriminação da mulher líder

Hollander (1985) caracteriza exemplarmente os estereótipos e outras formas de discriminação contra o ser-se mulher, ao escrever que as mulheres «precisam de ser como ouro para serem vistas como prata» (p. 519). De acordo com Eagly e Carli (2007), a melhor metáfora para os confrontos que a mulher possui no seu percurso profissional é o labirinto, com três grandes muros: estereótipos de género, o glass ceiling («tecto de vidro») e o glass cliff («abismo de vidro»).

No que diz respeito ao primeiro muro, o dos estereótipos de género, a evidência relativamente à diferença de géneros na vida organizacional reflecte-se nas teorias implícitas dos indivíduos acerca da liderança e do género (Ryan e Haslam, 2007). Em concreto, encontra-se profundamente arreigada a crença de que ser líder eficaz e ser mulher são duas realidades irreconciliáveis (Heilman, Block, Martell, e Simon, 1989; Schein e Mueller, 1992).

Para traduzir esta ideia, Höpfl e Matilal (2006) afirmam que a liderança é definida pelo phallus e a liderança feminina pela sua ausência, ou seja, a mulher desaparece. As organizações são fortemente influenciadas pela questão do género associada à liderança (Hearn e Parkin, 2003), como tal, as investigações na área dos estereótipos proliferam principalmente com os estudos de Virgínia Schein (1973, 1978), e seus colegas (1992, 1996). Estes autores confirmaram a hipótese que «pensar no líder é pensar no homem», sendo este um fenómeno global, i.e., tanto as mulheres como os homens percepcionam o homem como um líder mais eficaz. Neste sentido, os estereótipos de género emergem comummente para explicar a crença de que a mulher é um líder ineficaz e as suas características são inadaptadas às características ideais para liderar.

Pini (2005), na sua revisão bibliográfica, encontrou um grupo de pessoas que tem sido metaforicamente descrito como «intrusos», «viajantes», «sem-abrigo» e «os outros». Este grupo é constituído pelas mulheres em posições de liderança, chegando mesmo a surgir, por parte de Pini (2005), a noção da mulher líder estereotipada como o terceiro sexo. Os estereótipos sociais conduzem a três consequências negativas para a mulher: atitudes menos favoráveis face à mulher líder; maior dificuldade da mulher em alcançar papéis de liderança de elite; e avaliações menos favoráveis em relação à eficácia da liderança da mulher (Jackson, Engstrom e Emmers-Sommer, 2007).

As mulheres, ao serem estereotipadas como emocionais, são naturalmente excluídas das posições de liderança, com excepção das poucas que possuem a capacidade de pensar como homens (Carvalho, 2000).

Um segundo muro deste labirinto que dificulta o progresso da mulher na sua vida profissional é o «tecto de vidro» (do inglês glass ceiling). Trata-se de uma metáfora para descrever uma barreira invisível que dificulta o avanço e a promoção da mulher a posições de topo: elas vêem os seus colegas serem promovidos enquanto elas não o são (Kee, 2006).

Existiram, no entanto, tempos em que esta barreira era absoluta Nos anos 1980, o acesso a posições de liderança era explicitamente negado à mulher porque, numa cultura onde se encontra fortemente presente o fenómeno «pensar no líder é pensar no homem», a mulher não tinha qualquer oportunidade de atingir papéis de liderança influentes (Eagly e Carli, 2007).

Actualmente este fenómeno existe, não como uma barreira absoluta, mas como um muro invisível difícil de ultrapassar As mulheres representam apenas 6% dos executivos mais bem remunerados das empresas da Fortune 500; constituem 2% dos presidentes executivos, e ocupam 15% dos lugares de direcção. Um em cada cinco lugares de topo é ocupado por mulheres; 10% dos gestores de topo são mulheres; 46% das empresas europeias ainda não têm nenhuma mulher nos conselhos de administração; 15% é a diferença salarial entre homem e mulher na Europa.

Estes são alguns dos recentes números da desigualdade na sociedade ocidental, segundo a Comissão Europeia (Instituto Nacional de Estatística) e Heidrick e Struggles (Taborda, 2007). As promoções são mais lentas para as mulheres do que para os homens com qualificações equivalentes, e em contextos culturalmente femininos, os homens ascendem a posições de supervisão e administração mais facilmente que as mulheres (Eagly e Carli, 2007).

A análise destes dados deixa transparecer uma desvantagem da mulher ao longo do tempo, na qual terá de se ter em conta as próprias decisões que a mulher tem de tomar em relação à sua progressão de carreira e vida familiar, constrangimentos que o homem normalmente não possui. De acordo com os estudos de Hojgaard (2002), o homem líder (especialmente em posições de topo) é casado, tem filhos, as suas esposas possuem uma escolarização inferior e trabalham menos, ficando com a tarefa da educação e cuidado dos filhos assim como do trabalho de casa. Ao invés da mulher líder, que, em igual posição de liderança, está longe de ter a convencional família ideal, sendo que existem baixas taxas de casamento, elevadas taxas de divórcio e a performance é baixa quando se fala da educação/cuidado dos filhos e do trabalho no lar.

A terceira forma de discriminação do género designa-se «abismo de vidro» (do inglês glass cliff). Em situações precárias, de risco, de crise, não é automático «pensar no líder é pensar no homem», mas, de facto, é bastante mais provável que surja um pensamento diferente: «pensar em crise é pensar na mulher» (Ryan e Haslam, 2007). As mulheres encontram maior probabilidade de se encontrar em situações de «abismo de vidro», uma vez que as suas posições de liderança se associam com o maior risco de falhar na medida em que são percepcionadas como líderes menos eficazes (Ryan e Haslam, 2005).

A mulher é mais fortemente seleccionada para posições de liderança quando a performance da organização se encontra numa situação de declínio, do que quem em momentos de progresso, e esta situação expõe-a a um grande risco de ser objecto de críticas injustas e de atribuição de culpa quando tem resultados negativos (Ryan, Haslam e Postmes, 2007). Na análise de Ryan e Haslam (2007) surge aliada à consciência da existência do «abismo de vidro» uma questão fundamental: que razões existem para que a mulher seja mais susceptível de ser promovida a posições elevadas de liderança em contextos de risco? Reflectindo a partir da crença global de «pensar no líder é pensar no homem», surgem expectativas como: a mulher encontra-se mais bem preparada para lidar com os desafios sociais e emocionais que as potenciais situações de crise criam, e os homens encontram-se preparados para lidar com as tarefas associadas ao sucesso (Eagly e Johnson, 1990; Schein, 1973).

A análise destes três fenómenos torna plausível pensar que este labirinto no qual a mulher se encontra apresenta obstáculos marcantes. Não obstante os resultados das investigações que vislumbram uma igualdade entre homens e mulheres, continuam a existir estes fenómenos discriminatórios que na sociedade poderão continuar a prejudicar as avaliações subjectivas em relação ao desempenho do líder feminino.

O presente trabalho tem dois objectivos: averiguar se existem diferenças percebidas entre sucesso de líderes femininas e sucesso de líderes masculinos; e identificar e descrever que estilo de liderança adopta a líder feminina (transformacional vs transaccional).

A investigação Participantes

Participaram neste estudo 80 trabalhadores de uma empresa na área do telemarketing. Cerca de 58% dos participantes são do sexo feminino, maioritariamente jovens (47,6% têm entre 18 e 29 anos) e com grau de escolaridade pouco elevado (46,3% com habilitações abaixo do 11.º ano). A função mais representada é a de operadora de telemarketing e cerca de 30% está na empresa e na função menos de 1 ano. Dos participantes, 62 são liderados por uma mulher e os dados recolhidos referem-se a um grupo de 7 líderes femininas e 5 líderes masculinos avaliados pelos seus liderados.

Instrumento

O Multifactor Leadership Questionnaire (MLQ, Questionário de Liderança Multifactorial, QML), foi o instrumento utilizado para a recolha de dados. O QML foi desenvolvido por Bass (1985) com o objectivo de aceder aos estilos transformacional e transaccional da liderança. A forma original do instrumento possui 73 itens, no entanto, derivou para outras versões (Bycio, Hackett e Allen, 1995). Na presente investigação foi utilizada uma versão traduzida para português, composta por 40 itens (Heitor, 1996), cujas questões originais se encontram no trabalho de investigação de Bycio et al. (1995).

Foram ainda integradas três escalas validadas e traduzidas para a língua portuguesa (Paixão, 1999) desenvolvidas pelo mesmo autor do QML. Estas escalas destinam-se a operacionalizar múltiplas medidas de sucesso do líder (eficácia percebida), satisfação com o líder e reforço extra (capacidade do líder em motivar e provocar reforço extra nos subordinados, para além das expectativas vulgares). Os itens originais podem ser encontrados em Gellis (2001).

A adaptação portuguesa do QML, assim como as três escalas, foram sujeitas a um pré-teste, com base nos itens originais e do qual resultaram melhorias na redacção das questões. O instrumento final consistiu num questionário de 49 itens integrados em 8 dimensões (Liderança Transformacional: carisma, consideração individualizada e estimulação intelectual; Liderança Transaccional: recompensa contingente e gestão por excepção; Medidas de Sucesso: satisfação com o líder, eficácia do líder e reforço extra), respondidos numa Escala de Likert de 5 pontos (desde «Sempre» a «Nunca», e «Muito satisfeito» a «Muito insatisfeito»).

Resultados Qualidades métricas

Os valores de consistência interna para as várias dimensões do questionário são geralmente satisfatórios a bons, oscilando entre 0,717 («gestão por excepção») e 0,953 («carisma»). A dimensão «gestão por excepção» havia registado resultados similares noutros estudos (e.g. 0,710, em Bycio et al., 1995). No que respeita às variáveis de sucesso, os alphas encontrados foram: 0,732 («satisfação com o líder»), 0,752 («eficácia percebida do líder») e 0,828 («reforço extra»), sendo ligeiramente inferiores aos de Gellis (0,87, 0,88 e 0,86, respectivamente).

Relativamente à estrutura factorial das escalas, optou-se por seguir uma análise em componentes principais apenas como medida indicativa da validade factorial, dada a reduzida dimensão da amostra. Optou-se igualmente pela exploração da estrutura, em vez da sua confirmação, dado que o presente trabalho não implicava um estudo extensivo de adaptação das escalas para a população portuguesa, o que, aliás, tinha sido levado a cabo por Heitor (1996) e Paixão (1999).

No que diz respeito à escala de liderança transformacional, foram encontrados quatro factores com valores próprios superiores a 1, que, em conjunto, explicam 69% da variância total dos 27 itens que compõem as três escalas teóricas (carisma, consideração individualizada e estimulação intelectual). A classificação dos itens nas dimensões teóricas é relativamente bem conseguida na matriz rodada da análise, muito embora tenha emergido um quarto factor cujo conteúdo remete para um tipo de liderança por inspiração. Apesar da reduzida dimensão da amostra, este resultado pode ser interessante para exploração em resultados futuros.

Os 13 itens de liderança transaccional resultaram em três factores com valores próprios superiores a 1 e 60% de explicação total da variância. As duas dimensões de recompensa contingente e gestão por excepção emergem claramente, mas surge igualmente uma terceira dimensão, cujo conteúdo remete para um tipo de liderança laissez-faire. Trata-se de outro resultado a explorar em trabalhos futuros cujo propósito seja o de confirmar a estrutura do QML para a população portuguesa.

Por fim, para avaliar a estrutura empírica das escalas do sucesso do líder, decidiu-se agrupar os oito itens que compunham as três dimensões de eficácia percebida, satisfação com o líder, e reforço extra. Obtiveram-se três factores que explicam 77% da variância total dos itens, sendo que a classificação dos itens por factor corresponde de forma muito aproximada ao previsto por Gellis (2001) e obtido por Paixão (1999).

Em suma, os resultados da fidelidade e da análise factorial permitem concluir que as qualidades métricas das quatro escalas utilizadas no questionário são médias a boas, o que assegura a confiança e a qualidade dos resultados posteriores referentes ao tratamento das hipóteses.

Objectivos de investigação

Como primeiro objectivo, pretendeu-se averiguar se existem diferenças percebidas entre sucesso de líderes femininas e sucesso de líderes masculinos. A amostra foi dividida em dois grupos de acordo com o género de líder e estes foram comparados em relação ao sucesso do líder (nas três dimensões consideradas).

Os resultados mostram uma diferença pequena entre as avaliações de eficácia da liderança feminina e masculina, sendo que a líder feminina apresenta uma avaliação mais positiva (média = 3,479 contra média = 3,333 para a avaliação do masculino). Esta diferença não se revelou significativa a um nível de 0,05, após utilização do teste t-Student, pelo que se deve concluir que os liderados avaliam o homem e a mulher como líderes igualmente eficazes. Dito de outro modo, estes resultados apontam para uma igualdade entre a líder feminina e o líder masculino.

Resultados idênticos foram obtidos em relação aos níveis de satisfação (médias de 3,451 para líderes mulher, versus 3,389 registado para líderes homem) e à capacidade para motivar os colaboradores (variável reforço extra). No que diz respeito a esta última dimensão, as médias observadas sugerem que os respondentes percepcionam uma mulher líder como mais motivadora do que um homem líder (médias de 3,215 contra 2,852), mas a não significância do valor obtido de t obriga a rejeitar estatisticamente essa diferença.

Em suma, os resultados apontam para a ausência de diferenças estatisticamente significativas entre líderes homens e líderes mulheres, no que diz respeito a qualquer uma das três medidas de sucesso utilizadas (eficácia percebida, satisfação com o líder e reforço extra).

O segundo objectivo de investigação tinha como finalidade conhecer o estilo de liderança adoptado pelo líder feminino (transformacional vs transaccional). Em primeiro lugar, compararam-se os líderes de género feminino e masculino em relação à liderança transformacional e posteriormente à liderança transaccional, com o intuito de conhecer se existiam diferenças no estilo de liderança adoptado por cada um dos géneros. Fez-se o procedimento para as subdimensões e para as dimensões agregadas de liderança.

As médias foram comparadas utilizando testes t-Student. Apresentam-se na Tabela 3 os resultados.

Tabela 3

Comparação entre médias referentes à liderança feminina e masculina nas dimensões e subdimensões das escalas de liderança

n

Média

DP

t-Student

Carisma

Feminino

62

3,357

0,616

t = 3,418, n.s.

Masculino

18

3,023

0,852

Consideração Individualizada

Feminino

62

3,328

0,657

t = 2,335, n.s.

Masculino

18

3,056

0,688

Estimulação Intelectual

Feminino

62

3,059

0,757

t = 2,147, n.s.

Masculino

18

2,778

0,548

TRANSFORMACIONAL (agregado)

Feminino

62

3,247

0,626

t = 3,185, n.s.

Masculino

18

2,952

0,587

Recompensa Contingente

Feminino

62

3,074

0,748

t = 3,036, n.s.

Masculino

18

2,730

0,695

Gestão por Excepção

Feminino

62

2,927

0,611

t = 3,401, n.s.

Masculino

18

2,583

0,943

TRANSACCIONAL (agregado)

Feminino

62

3,000

0,600

t = 4,094, p = 0,046

Masculino

18

2,656

0,743

n.s. = Não Significativo (p>0,05)

Na Tabela 3 observa-se que as médias da líder feminina são mais elevadas e estes resultados são mais acentuados no caso da liderança transaccional. Da comparação estatística de médias demonstra-se não existir diferenças significativas entre a líder feminina e o líder masculino no que se refere à liderança transformacional. Pelo contrário, a diferença entre médias no que concerne a liderança transaccional é estatisticamente significativa, pelo que se conclui que a líder feminina tende a adoptar um estilo de liderança transaccional.

Na sequência destes resultados, decidiu-se complementar este estudo com duas análises exploratórias adicionais dos dados. Em primeiro lugar, investigou-se a prevalência da liderança e do género nas variáveis de sucesso, e, em segundo lugar, procurou-se compreender os efeitos isolados e combinados dos géneros do líder e do liderado sobre o sucesso.

Para o primeiro bloco de exploração de dados, optou-se por regredir cada variável de sucesso sobre os dois estilos de liderança e sobre o género do líder em simultâneo [1]. Intentava-se, deste modo, compreender de forma integrada se o género do líder se sobrepõe ou concorre para os níveis de percepção do sucesso do líder.

Em todos os procedimentos estatísticos efectuados, verificou-se que apenas a liderança transformacional pesa na variável dependente [respectivamente: t = 4,737, p<0,001 (satisfação com o líder); t = 4,347, p<0,001 (eficácia do líder); t = 5,225, p<0,001 (reforço extra)]. Quer a liderança transaccional, quer o género do líder, não mostraram exercer qualquer influência sobre o comportamento das três variáveis dependentes consideradas.

No segundo bloco de procedimentos exploratórios, fez-se uso da análise multivariada de variância (Manova), a fim de determinar potenciais efeitos de interacção entre os géneros do líder e dos liderados sobre as três medidas de sucesso. Utilizou-se um plano factorial 2 x 2 (género do líder e género do liderado), com três variáveis dependentes (satisfação com o líder, eficácia percebida do líder e reforço extra). Obtiveram-se valores F que oscilam entre 0,055 (não-significativo) para o efeito directo do género sobre a satisfação com o líder, e 3,190 (ainda assim, não significativo) para o efeito de interacção género do líder x género do liderado, sobre a satisfação com o líder.

Os resultados não permitem concluir por um efeito de interacção entre os géneros de quem avalia e de quem é avaliado. De outro modo, conclui-se que o julgamento do sucesso não depende de nenhuma combinação entre o género do liderado e o género do líder, o que reforça a convicção de igualdade de sucesso entre líderes de géneros distintos.

Discussão

Os objectivos da investigação apresentada eram averiguar se existem diferenças percebidas entre sucesso de líderes femininas e sucesso de líderes masculinos e identificar e descrever que estilo de liderança adopta a líder feminina (transformacional vs transaccional).

De uma forma genérica, os resultados obtidos colocam a mulher e o homem como líderes igualmente eficazes. Deste modo, esta pesquisa contribui para as correntes que defendem a igualdade de géneros no que respeita ao sucesso do líder (Eagly et al., 1995), mas contradizem investigações que apontam para a vantagem masculina (Jackson et al., 2007), assim como para a imagem do líder de sucesso descrito em termos masculinos (Schein, 1978).

As conclusões apontam igualmente para que não existe uma vantagem feminina significativa (Eagly e Carli, 2003; Billing e Alvesson, 2000), pelo que se confirma a ideia de que o género do líder não influencia a percepção de sucesso que os liderados possuem do seu líder. De realçar que estas conclusões se confinam a esta empresa, carecendo de confirmação a uma amostra mais alargada do tecido empresarial português.

Em relação ao segundo objectivo de investigação, o facto da líder feminina adoptar, embora de forma marginal, um estilo transaccional, vem contradizer a evidência empírica, que tende a associar o estilo transformacional às mulheres (Eagly e Joahnnesen-Schmidt, 2001; Eagly, Johannesen-Schimdt e Van Egen, 2003).

Por outro lado, outro dado importante obtido neste trabalho é o de que os homens parecem poder assumir de forma expressiva um estilo transformacional. Com efeito, da observação da Tabela 3 verifica-se que, apesar das médias nos líderes masculinos, relativas às dimensões da liderança transaccional, serem menores do que as registadas para as mulheres, elas são, ainda assim, expressivas na escala de 1 a 5 considerada. Dito de outro modo, os resultados apontam para que os estilos de liderança considerados (transformacional vs transaccional) podem estar ligados quer a homens quer a mulheres. A «equação da liderança» complexifica-se com os resultados obtidos neste trabalho. Bass (1990) oferece uma pista para explicação do sucedido: o facto do líder feminino adoptar um estilo transaccional pode ser justificado pelo factor situacional, ou seja, a liderança transaccional poderá ser mais eficaz em momentos de evolução e ambientes estáveis [2].

O que os resultados demonstram de forma clara é a flexibilidade comportamental dos líderes, ou seja, o género não emerge como uma variável relevante na situação considerada. De notar que não foram aqui contempladas variáveis de contexto que podem influenciar a similitude comportamental de homens e mulheres, como o tipo de empresa, a situação sócio-económica actual ou outra variável de natureza grupal.

Embora com uma amostra referente a uma única organização com as correspondentes limitações em termos de validade externa , os resultados desta pesquisa contribuem para que a eficácia da liderança não esteja forçosamente associada ao género do líder. A expressão «pensar no líder é pensar no homem» (Schein, 1973, 1978) não parece, deste modo, ter sustentação no caso considerado.

Limitações e pesquisas futuras

Existem algumas limitações no presente estudo. Como se viu, uma primeira é a (potencial) não representatividade da amostra. Em virtude de terem sido recolhidos numa única organização, os resultados podem ter sido influenciados: pelo facto da liderança feminina ser predominante (uma organização matriarcal); ou por existir um número mais elevado de liderados do sexo feminino. Outra limitação prende-se com o facto de a maioria das pessoas ocupar uma posição recente na empresa e, mesmo na função actual, o que, em alguns casos, não permite aos liderados ter um conhecimento profundo da sua empresa ou do seu líder. Todavia, para a organização em análise, o estudo é pertinente. O conhecimento das avaliações dos liderados poderá permitir aos líderes diagnosticar alguns problemas na sua liderança e pensar em formas de a melhorar para se tornar mais adaptada às necessidades.

Trabalhos futuros podem explorar alguns tópicos que derivam dos objectivos analisados nesta investigação. Por exemplo, podem comparar-se líderes de género feminino e masculino em organizações de maiores dimensões. Ou comparar a liderança feminina e masculina em ambientes empresariais dominados por liderados do sexo masculino, em contraste com organizações dominadas por liderados do sexo feminino. Também o estudo da percepção de eficácia do líder por liderados masculinos pode ser aprofundado.

Para além destes, estudos futuros podem confirmar as conclusões aqui expostas. A consegui-lo, as mulheres deixarão progressivamente de «ser como ouro para serem vistas como prata» (Hollander, 1985, p. 519), e assim contrariar o vaticínio exacerbado de Gray (1994, citado por Hojgaard, 2002), quando afirmou que daqui a quatro séculos é que as mulheres alcançarão o mesmo estatuto e reconhecimento em posições de liderança que os homens.

Notas

[1] A inclusão de cada subdimensão de liderança (em número de cinco subdimensões) nas equações de regressão resultou em níveis de tolerância muito baixos, o que indiciava forte colinearidade. Dado que o objectivo era a simples exploração dos dados, optou-se por repetir os procedimentos com as variáveis agregadas liderança transformacional e liderança transaccional ao invés de aplicar metodologias de correcção da multicolinearidade. A variável género do líder entrou como variável dummy nas equações calculadas.

[2] A recolha de dados para esta investigação decorreu antes da crise mundial económica e financeira, a qual terá tido início aproximadamente em meados de 2008.


Download text