Conselho de administração e confiança dos accionistas
A separação da propriedade e da gestão das empresas levou à implementação de
órgãos e processos de administração e de órgãos e processos de direcção, cada
um deles com responsabilidades próprias (Pound, 1995). Assim, as pessoas e
órgãos que administram são diferentes das pessoas e órgãos que dirigem
(Bernhoeft e Gallo, 2003). A distinção entre administração e direcção não tem
fronteiras estanques, está sujeita a múltiplas contingências. O que se pretende
é potenciar as capacidades da tecnoestrutura na afectação dos recursos,
aperfeiçoando as suas qualidades, através do apoio da administração com
conhecimentos estratégicos já testados noutras situações e com uma maior
capacidade de avaliação e crítica construtiva (Bernhoeft e Gallo, 2003).
A distinção entre administração e direcção apoia-se no facto de a tomada de
determinadas decisões ' decisões de controlo: ratificação e vigilância (Fama e
Jensen, 1983a) ' não corresponder às funções dos gestores, embora estes
participem activamente na sua elaboração, mas pertencer às funções dos
administradores que, em nome dos proprietários, também são responsáveis por que
a empresa cumpra com a sua função social enquanto comunidade organizada de
pessoas (Gallo e Melé, 1998). Consideram-se decisões de administração as que
levam a empresa a assumir riscos que possam ser qualificados como excepcionais
(Bernhoeft e Gallo, 2003).
Para além desta introdução, onde se procede à distinção entre administradores e
gestores (directores funcionais ou tecnoestrutura), explica-se as origens do
conselho de administração (no primeiro ponto) e as suas funções (no segundo
ponto). No terceiro ponto aborda-se o conceito de confiança, a sua implicação
no funcionamento das redes sociais e no desempenho das organizações.
Finalmente, apresentamos as conclusões.
Origens do conselho de administração
A separação entre a propriedade e a gestão das empresas acentuou-se desde a
Grande Depressão dos anos 1930 nos EUA. Assistiu-se a um movimento de
transferência da posse do capital das empresas, de uma atomização de
accionistas individuais para a concentração em accionistas institucionais
(instituições financeiras que controlam grandes lotes de acções, próprias ou
resultantes das posições individuais dos seus clientes). Assim, aumentou a
importância e o poder que estes accionistas exercem no controlo sobre a gestão
das empresas (Parrat, 1999).
Aquela separação levou à assumpção de responsabilidades e de importância
crescente por parte de um dos órgãos de governo da empresa, o conselho de
administração. Este é constituído por um conjunto de pessoas mandatadas para
tomarem decisões no sentido de potenciarem a criação de valor. De um modo
geral, criar valor significa que a organização consegue, através da combinação
de recursos, produzir uma renda para si própria igual à diferença entre o valor
dos produtos ou serviços oferecidos por esta ' ou seja, o preço que os clientes
estão dispostos a pagar ' e os custos de oportunidade desses recursos, qualquer
que seja a sua natureza (Charreaux e Desbrières, 1998).
Sob condições muito restritas, os proveitos da organização identificam-se com
as rendas organizacionais (Klein et al., 1978). Esta perspectiva de eficiência
está na origem da maior parte das teorias sobre o conselho de administração,
mas não é única. Existem outras teorias que propõem explicações para o papel do
conselho de administração, não como um mecanismo que contribui para a criação
de valor, mas como um instrumento de exercício do poder, de influência, de
procura de rendimentos (apropriação de valor) e de criação de normas sociais
(Charreaux, 2000).
Um conselho de administração devidamente estruturado e eficiente (dimensão,
composição, diversidade de competências individuais, processos formais de
avaliação do seu próprio desempenho) reduz potencialmente os comportamentos
discricionários dos seus membros. Dito de outro modo, ao actuar, pela sua
própria vontade, no sentido de satisfazer os níveis mínimos de interesses ou
necessidades de todas as partes interessadas (accionistas, empregados,
fornecedores, bancos, Estado e sociedade em geral), o conselho de administração
está a promover a competitividade da empresa, e, simultaneamente, a ter um
comportamento ético e a ser socialmente responsável. Ou seja, com o advento do
capitalismo tecnocrático ou do saber-fazer (Gomez, 2003), o facto de os
proprietários das empresas não serem os seus gestores, criou a necessidade de
controlar estes últimos por meio de pessoas não implicadas na gestão corrente,
por se entender que a informação comunicada por aqueles pode não ser a mais
correcta.
Esta foi a origem da criação do conselho de administração, um novo órgão de
governo das sociedades, depositário da confiança dos proprietários. Os seus
membros desempenham o papel de mediadores, cujo conhecimento é legitimado pela
deontologia e que assegura o controlo sobre o poder exercido pelos gestores
tecnocratas. Esta visão prevaleceu desde os anos 1920-1930 até finais dos anos
de 1990.
Funções do conselho de administração
A essência das funções do conselho de administração consiste em arbitrar
soluções para objectivos e reivindicações em conflito (Baysinger e Butler,
1985; Vinten, 2001) que exigem complexos equilíbrios (juízos de gestão) sobre
um amplo conjunto de metas e meios para as alcançar (Thomsen, 2004; Blair,
2005), pelo que nos iremos cingir a duas funções principais do conselho de
administração:
* função disciplinar, a qual consiste em proteger os interesses dos accionistas
(ou de outras partes interessadas) contra os comportamentos abusivos dos
gestores ou dos accionistas de controlo ' perspectiva financeira (Fama, 1980;
Williamson, 1985; Eisenhardt, 1989);
* função de coordenação, em que os administradores procuram o equilíbrio na
satisfação dos interesses de todas as partes interessadas ' perspectiva
estratégica ou pluralista (Freeman, 1984; Donaldson e Preston, 1995; Mitchell
et al., 1997; Boatright, 2003).
Uma das funções essenciais do conselho de administração é a definição dos
valores da empresa, em todas as suas dimensões ' dimensão ética incluída
(Peltier, 2004). O dever de lealdade dos administradores não é apenas para com
os accionistas. Apesar de nomeados pela assembleia-geral, não são plenamente
seus mandatários, pois têm atribuições próprias que não derivam da referida
assembleia-geral, mas sim da lei e dos estatutos da sociedade (Bernhoeft e
Gallo, 2003).
Os administradores detêm todos os poderes necessários para administrar a
empresa e devem manter um comportamento leal e diligente nas suas funções de
administrar. Entre estes poderes incluem-se os de delegar, de substabelecer
noutras pessoas para que administrem, sem que isso os exima da sua
responsabilidade de lealdade e diligência (Bernhoeft e Gallo, 2003). Logo, são
o garante da ética nas empresas e devem proceder a uma arbitragem equilibrada
entre os interesses dos accionistas e os interesses das outras partes
interessadas (Peltier, 2004).
Monks e Minow (2001), numa perspectiva anglo-saxónica, mais legalista, mas
mesmo assim vaga (Hung, 1998), apresentam como principais funções para o
conselho de administração:
* selecção, avaliação regular e, se necessário, substituição do Director-Geral
(CEO), fixação das remunerações dos gestores e definição do plano de
sucessão;
* revisão e aprovação dos objectivos, da estratégia e dos planos da empresa;
* aconselhar e apoiar a gestão de topo;
* seleccionar e recomendar aos accionistas os candidatos a membros do conselho
de administração; avaliar a forma de funcionamento e o desempenho do conselho
de administração;
* zelar pela conformidade da aplicação das leis e regulamentos.
Para a OCDE (2004), numa perspectiva continental europeia, o órgão de
administração deve desempenhar certas funções fundamentais:
* apreciar e orientar a estratégia da sociedade;
* seleccionar, compensar, fiscalizar e substituir os principais gestores;
* harmonizar a remuneração dos principais gestores e dos membros do conselho de
administração;
* garantir um processo formal e transparente para a nomeação e eleição do
conselho de administração;
* gerir potenciais conflitos de interesses entre gestores, membros do conselho
de administração e accionistas;
* assegurar a integridade dos sistemas contabilísticos e de informação da
sociedade;
* supervisionar o processo de divulgação de informações e de comunicação.
As funções do conselho de administração, quanto à obtenção de recursos para a
empresa, não mudam desde meados do Séc. XX; já quanto à natureza dos recursos a
adquirir têm evoluído, em particular, na sua capacidade de aconselhar,
controlar e vigiar os gestores (Joly e Moingeon, 2001).
Confiança e redes sociais
* Conceito de confiança
A confiança é um sentimento de esperança oposto à desconfiança (não confiar) ou
à suspeita (medo de ser enganado). A confiança distingue-se também da verdade
(conformidade entre uma ideia e um objecto), enquanto esperança (racional ou
não) numa pessoa ou numa coisa (Capet, 1998).
De um modo geral, a confiança pode ser categorizada como (Galland, 2002):
* interpessoal, quando se refere à confiança recíproca entre dois indivíduos;
* inter-organizacional, no caso em que se refere, principalmente, à confiança
existente entre duas organizações;
* intra-organizacional, quando respeita a dois indivíduos da mesma organização;
* institucional, quando se refere a um individuo e uma organização enquanto
pessoa moral.
A confiança ocupou sempre uma posição central na problemática das associações
e, ainda mais, na vida das organizações. Factor-chave do êxito das transacções,
a confiança permite ultrapassar os interesses egoístas e produzir benefícios
importantes no quadro das relações de cooperação entre actores económicos
(Baillette e Lebraty, 2002). A confiança é, em geral, apresentada como um
processo que permite gerir a incerteza, encontrando a sua justificação na falta
de conhecimento sobre os acontecimentos futuros. Logo, remete-nos para o que
não pode ser formalizado por escrito (contratos incompletos), o que implica a
referência a normas sociais e a adesão a essas normas, por parte dos membros
que pertencem a uma determinada Sociedade (Bidault, 1998).
Assim, a confiança pode ser definida como a presunção de que, em situação de
incerteza, a outra parte irá agir e cumprir, face a situações imprevistas, em
função de regras de comportamento consideradas aceitáveis (Bidault e Jarillo,
1995). Esta definição atribui à confiança um carácter deontológico e sublinha o
papel desempenhado pelo contexto social, no estabelecimento de relações de
confiança (Baillette e Lebraty, 2002). É a capacidade de cooperar
espontaneamente, mais do que a imposição de regras ditadas por uma instituição
ou por contratos formais (Charreaux, 1998).
O elemento fundamental que permite estabelecer a confiança são as relações
recíprocas entre os indivíduos. Estas relações exprimem-se por referência a uma
pessoa específica e não de um modo genérico. A personalização é importante nas
relações de confiança (Bradach e Eccles, 1989). Para Fukuyama (1995), a
confiança é a expectativa que emerge de uma comunidade, em que os seus membros
se caracterizam por um comportamento estável e honesto e por regras comummente
partilhadas. Assim, a confiança social é um acordo tácito, não expresso por
palavras faladas ou escritas, entre os concidadãos, que facilita as
transacções, permite a criatividade individual e justifica a acção colectiva.
Apenas as sociedades com um elevado grau de confiança social estão aptas a
criar o tipo de organizações comerciais e industriais exigidas por uma economia
global.
Charreaux (1998) associa esta noção de confiança de Fukuyama (1995) à de
capital social e de sociabilidade orgânica (capacidade em cooperar de modo
espontâneo). O autor trata a confiança como um mecanismo particular de
regulação das transacções entre a organização e as partes interessadas,
emergindo de modo endógeno, a partir do próprio sistema de governabilidade
empresarial. Institui, assim, de modo tautológico, as relações de confiança
versus governabilidade, ao sublinhar a função de abertura do espaço
discricionário dos gestores que está ligado à confiança. De um modo geral,
assimila a confiança a um valor societário, semelhante aos valores económicos,
avaliável em termos de proveitos e custos.
Também no mesmo sentido, Allouche e Amann (1998, 2000) evocam o papel da
confiança como factor explicativo do desempenho das empresas familiares. Hoarau
e Teller (2004) sublinham a importância da confiança como pressuposto do modelo
contabilístico e ingrediente do funcionamento das instituições, em particular,
na função de fornecedor de informação aos actores dos mercados de capitais.
A confiança entre as organizações e as suas partes interessadas depende, em
grande parte, da confiança inter-individual, com base em fortes ligações
pessoais (Sharma, 2001). A diversidade de redes das partes interessadas permite
um acesso privilegiado à informação, mas é a qualidade dessas relações (ou
seja, a confiança), que permite a realização completa do potencial de criação
do conhecimento (Kale et al., 2000). A confiança facilita o intenso e complexo
processo de comunicação requerido para a transferência do conhecimento tácito
através das fronteiras da organização e reduz o risco de oportunismo (Sharma,
2001).
A confiança simplifica a criação do conhecimento, em contexto de forte
ambiguidade e permite, assim que tomada a decisão, que se adoptem perspectivas
de longo prazo necessárias à constituição de comunidades duráveis no seio da
rede, ao difundir normas de ganhos mútuos, de tolerância e de reciprocidade
(Powell, 1990; Rowley et al., 2000).
Portanto, a confiança é um mecanismo intrínseco a uma transacção, que intervém
ex-ante, para fixar o nível de risco em que estão dispostas a incorrer,
voluntariamente, as diferentes partes contratuais nessa transacção (Charreaux,
1998). A confiança supõe, então, o envolvimento da pessoa ou pessoas
interessadas, uma avaliação racional dos riscos em que incorrem e distingue-se
assim da fé (no sentido de confiar), a qual não invoca senão uma simples noção
de perigo (Pesqueux e Biefnot, 2002). Logo, a confiança é um mecanismo
complementar, quer ao mercado quer à hierarquia, que contribui para diminuir os
custos de transacção (Santos, 1999).
* Redes sociais de pertença dos gestores
O conceito de rede social, enquanto vínculo, nó, relação ou ligação, aplicado
aos gestores ' administradores ou directores ' no passado, era visto como um
mal a eliminar, o que levou alguns países a legislarem nesse sentido
(Charreaux, 2003). Por influência da teoria da agência, as ligações
privilegiadas nos estudos empíricos foram as da propriedade (participação no
capital), sendo negligenciadas as ligações com outras origens, como a formação
académica (Pichard-Stamford, 2000), a pertença ao mesmo grupo social (Lima,
2003) ou a confiança transmitida por uma família dominante (Allouche e Amann,
2002), nomeadamente pelas dificuldades na sua observação (Charreaux, 2003).
Este autor critica a abordagem das redes sociais pela perspectiva financeira
clássica, a qual ignora as dimensões sociais e comportamentais, sendo redutora
e inibidora da compreensão da complexidade e distingue dois níveis de redes de
gestores (redes de administradores e redes de directores), já que as ligações
entre directores não estão necessariamente associadas a um lugar no conselho de
administração e nem sempre os administradores são gestores de outras empresas.
O estudo das redes de administradores, efectuadas sob a égide da teoria da
agência, não tem ido além da acumulação de mandatos, concluindo quase sempre
pela sua nocividade para o desempenho das empresas e para a redução da eficácia
disciplinar do conselho de administração. Esta falta de interesse ainda tem
sido maior quanto ao estudo das redes sociais ligadas aos cargos de direcção,
sendo consideradas como um vector do enraizamento dos gestores, logo como um
factor de redução do desempenho.
De seguida, iremos desenvolver duas perspectivas da influência das redes
sociais sobre o desempenho das empresas: a perspectiva financeira e a
perspectiva pluralista.
A perspectiva financeira
Na perspectiva financeira, as redes sociais não são tratadas como entidades com
objectivos próprios. São tratadas à margem, quer como um meio de reforçar o
controlo sobre os gestores, quer como uma alavanca do enraizamento ou da
apropriação de rendas organizacionais à disposição dos gestores. Conforme a
hipótese considerada, assim a sua influência sobre o desempenho é considerada
favorável ou desfavorável.
Na teoria da agência, um aumento de disciplina exercido sobre os gestores,
supostamente favorece os accionistas. Esta disciplina pode ser exercida: no
plano externo, pela acção do mercado de trabalho dos gestores e da tomada de
controlo das empresas; no plano interno, por via do conselho de administração,
através da remuneração e das ameaças de evicção.
A questão que se coloca é então a de se saber se a pertença de um gestor a uma
rede social conduz a um relaxamento da disciplina, à redução da probabilidade
de uma tomada de controlo da empresa (devido à existência de escrúpulos em
atacar a empresa de um gestor pertencente à mesma rede social) ou ainda a uma
entusiástica atitude conciliadora da parte dos administradores, em resultado,
por exemplo, de uma maior remuneração (Charreaux, 2003).
A perspectiva financeira não conduz a conclusões inequívocas: a pertença a uma
rede social pode, em certos casos, contribuir até para um aumento de
disciplina; a influência destas redes também não é evidente: a acumulação de
mandatos pode ser prejudicial, devido à falta de tempo disponível pelos
administradores para exercerem a monitorização adequada dos gestores. Por outro
lado, os administradores externos vêem ser-lhes reconhecida uma maior
importância, devido às suas competências específicas e à sua independência.
Esta última é garantida pela sua reputação no mercado de trabalho dos gestores
(Fama, 1980).
Neste quadro, coloca-se a questão de saber se são compatíveis a competência e a
independência dos administradores com a pertença a uma rede social. Os
administradores que mais lugares acumulam em conselho de administração são,
muitas vezes, os gestores com maior reputação e com mais competência para o
desempenho das suas funções de monitorização. Em contrapartida, a pertença a
uma rede social é habitualmente percebida como pouco compatível com a
independência. Então, a resposta é contingente à natureza da rede social a que
se pertence (Charreaux, 2003). A rede social possui uma lógica própria de
funcionamento.
A influência das características do conselho de administração (composição,
dimensão, frequência de reuniões) sobre o desempenho das empresas tem sido
frequentemente estudada, com resultados pouco conclusivos. Os estudos
consagrados especificamente à influência das redes sociais sobre o desempenho
das empresas têm sido poucos. Em geral, limitam-se ao estudo de redes de
administradores e, frequentemente, para testar a influência de variáveis como o
número de mandatos acumulados ou a presença de ligações em vários conselhos de
administração e como estas afectam o desempenho. Os resultados obtidos não
permitem tirar conclusões robustas (Charreaux, 2003).
A perspectiva pluralista
A teoria sociológica justifica a formação de relações sociais independentemente
de qualquer estratégia colectiva, ou seja, apenas como resultado das
estratégias dos indivíduos que procuram por esta via aumentar a sua
remuneração, o seu prestígio e a disponibilização de uma rede que lhes seja
útil para o progresso na carreira (Mizruchi, 1996). As teorias sócio-
estratégicas dominantes propõem explicações para a formação de redes com base
nas estratégias de entidades sociais (e.g. uma classe social) ou das
organizações.
Na perspectiva sociológica, onde a noção de poder é central, as redes de
gestores, nomeadamente as redes de administradores, prosseguem estratégias de
poder do capital financeiro, de grupos de empresas, de famílias dominantes ou
de classes sociais. Trata-se, nomeadamente, de manter a coesão, de assegurar a
coordenação e o controlo da economia. As teorias sociais subjacentes a estas
análises são qualificadas de integradoras. As redes prosseguem uma lógica
própria, que transcende o interesse das organizações ou dos indivíduos
aderentes. As empresas favorecidas pelas redes são a priori aquelas que são
administradas pelos indivíduos pertencentes à rede.
A pertença a uma rede relacional externa, frequentemente ligada a uma formação
académica obtida na mesma escola (Pigé, 1998; Pichard-Stamford, 2000; Paquerot
e Chapuis, 2003), tem influência, pois permite dispor de certos recursos
estratégicos (financeiros, de informação, comerciais) que lhe permitem reforçar
a sua posição em relação às outras partes interessadas.
Num trabalho sobre as elites de Lisboa (Lima, 2003), escreve-se que, para além
de um estilo de vida em comum, as pessoas do grupo social [famílias
empresariais] formam uma rede estreita de relações, na qual é muito difícil a
um estranho entrar. Os membros destas famílias relacionam-se em situações
diversas e sobrepostas: partilham relações de amizade, relações profissionais,
andam nos mesmos colégios, têm amigos comuns, frequentam os mesmos clubes, são
convidados para as mesmas festas, têm habitações próximas umas das outras e,
muito frequentemente, casam-se entre si. Estes múltiplos espaços de
sociabilidade e interconhecimento promovem redes de relações, mais ou menos
fechadas, que tendem a reproduzir-se no tempo, ao longo das gerações e através
de múltiplos intercasamentos, criando barreiras informais à entrada de novos
membros.
Os sentimentos que unem estas pessoas baseiam-se em laços de conhecimento
pessoal de longa data, no cruzamento de factores identitários comuns, na
partilha de projectos de vida e de uma certa visão do mundo que tem
continuidade nas gerações seguintes.
Allouche e Amann (2000, 2002) sugerem que os gestores (em particular os
proprietários e gestores de uma empresa familiar), na procura de uma
governabilidade empresarial partilhada, recorrem à activação de numerosas redes
sociais a que pertencem, as quais estruturam o seu papel no seio das empresas.
As organizações são percebidas como construções sociais, em particular como
redes sociais das relações pessoais que determinam quais as soluções a serem
efectivamente adoptadas. As relações entre os indivíduos têm por base a
confiança recíproca. Neste sentido, a confiança é o substituto dos contratos
explícitos e desencoraja o oportunismo. A existência de empresas, de contratos
e de organizações é colocada em termos de confiança e de redes sociais.
A singularidade do proprietário-gestor tem por base a existência de redes
sociais activas, que contribuem para uma partilha da governabilidade
empresarial, devendo ser consideradas as seguintes dimensões da confiança nas
empresas familiares (Allouche e Amann, 1998):
* confiança pessoal: é o nível da lógica institucional familiar; através do
gestor, os membros da família baseiam os seus compromissos na confiança
recíproca; o gestor é assim o substituto dos contratos explícitos e liga os
membros desta rede;
* confiança intra-organizacional: os fundadores/gestores consideram os
empregados e outros gestores não pertencentes à família como quase família; é
a confiança alargada pelo paternalismo no quadro das relações capital-
trabalho, ao partilhar com aqueles o sucesso económico do negócio; tem por
objectivo assegurar o desempenho e a perenidade da empresa;
* confiança inter-organizacional: é o nível da lógica cooperativa, que se
exprime através da confiança entre a organização e o seu meio envolvente;
pode ser a explicação da relação de não linearidade entre os proveitos e o
desempenho económico; inclui ligações com fornecedores, alguns clientes,
organizações patronais e sindicais, câmaras de comércio e outras.
Diferentes motivos específicos permitem explicar a existência de ligações na
perspectiva inter-organizacional (Charreaux, 2003):
* motivos de assimetria: no centro da teoria dos recursos está subjacente que
as ligações estabelecidas por uma empresa têm por fim exercer o poder de
controlo sobre uma outra organização, visando garantir a fiabilidade dos seus
aprovisionamentos ou dos seus financiamentos (Pfeffer e Salancik, 1978). Com
o objectivo de tornar seguro o seu acesso aos recursos financeiros, por
exemplo, uma empresa estabelece ligações com um banco, fazendo entrar um
gestor deste para o seu conselho de administração; com esta política, a
empresa torna-se dependente do banco nas suas tomadas de decisão (Tondeur,
2002);
* motivos de estabilidade: estes motivos justificam as ligações criadas como
resposta de adaptação às variações do meio envolvente, podendo ser associados
à teoria dos recursos;
* motivos de reciprocidade: as relações estabelecidas servem para a troca de
conhecimento e de informações (redução da assimetria do conhecimento), numa
perspectiva de cooperação e de coordenação (Pichard-Stamford, 2000);
* motivos de legitimidade: estes motivos vão buscar as suas raízes à teoria
institucional, que pressupõe que as instituições exercem pressão sobre as
organizações para justificarem as suas actividades, de modo a serem
legitimadas socialmente. Esta legitimidade é um recurso importante, no
sentido em que permite adquirir outros recursos ' gestores, empregados
qualificados, meios financeiros, tecnologia e suporte legal (Zimmerman e
Zeitz, 2002). O objectivo destas ligações é o de construírem ou reforçarem a
sua reputação com o fim de aumentar aquela legitimidade.
Podem estabelecer-se relações entre os diferentes motivos específicos
anteriores e a incidência presumida destes sobre o desempenho financeiro. Os
motivos de estabilidade, de reciprocidade e de legitimidade implicam, a priori,
uma influência positiva. Esta conclusão pode igualmente ser aplicada ao motivo
de assimetria ligado à dependência dos recursos, pois esta tem como principal
objectivo garantir o acesso aos recursos, mesmo que a contrapartida seja uma
redução da sua liberdade de tomada de decisão (Tondeur, 2002).
Ao contrário da teoria da agência, que considera que as redes sociais
constituem, na maior parte das vezes, um travão ao exercício da disciplina, a
abordagem inter-organizacional retém, por sua vez, uma visão pluralista das
ligações entre as organizações aderentes. Estas ligações intervêm, geralmente,
na redução da dependência, na estabilização do meio envolvente, no reforço da
cooperação entre empresas, no aumento da legitimidade.
As principais conclusões emergentes dos trabalhos sócio-estratégicos
sintetizados por Mizruchi (1996), permitem compreender melhor os resultados
ambíguos da investigação financeira sobre as redes sociais, podendo agrupar-se
em quatro tipologias:
* as redes de administradores não são representativas de todas as redes
potenciais;
* a influência nociva das redes, geralmente admitida, carece de confirmação. Em
certas configurações, devido às funções cognitivas e de socialização das
redes, os efeitos positivos parecem sobrepor-se aos efeitos nocivos derivados
de uma fraca disciplina;
* a resposta à questão da influência das redes, nomeadamente redes de
administradores, é contingente ao tipo de estratégia;
* as relações de causalidade não estão fortemente sustentadas. Se os efeitos da
rede social podem ter influência sobre a rendibilidade, a relação inversa
também é verdadeira. Em certos casos, é a rendibilidade que parece
condicionar a criação de relações de rede.
Conclusões
A análise das redes sociais ajuda a compreender melhor como se forma o
desempenho de uma organização, através da pertença dos gestores a essas redes,
e contribui também para explicar certos comportamentos destes, proporcionando
um olhar diferente do da eficiência, embora a suposta influência das redes
sociais sobre as estratégias empresariais careçam de ser demonstradas.
Hoje, os administradores gerem em nome dos capitalistas sem rosto ' fundos de
investimentos e accionistas dispersos. O verdadeiro poder não lhes advém só da
posição que ocupam nos órgãos de gestão das empresas, mas deriva sobretudo das
conexões, quer formais (lugares de administradores no conselho de administração
de outras empresas e organizações) quer informais (as relações interpessoais).
Deve ser sobre estas redes sociais que as regras de transparência da boa
governabilidade empresarial devem actuar prioritariamente, pois é no seio
destas redes que se concebem as directrizes para a tomada das decisões
estratégicas.