O caleidoscópio da estratégia: O papel das consultorias externas no
strategizing de uma organização
Na década de 1990, surgiu a perspectiva de estratégia como prática, na qual a
estratégia é vista como uma prática social, na qual os estrategistas atuam e
com a qual interagem (Whittington, 1996). Para analisar as práticas dos
estrategistas das organizações, a estratégia como prática adota uma perspectiva
em nível micro, procurando, contudo, relacioná-la aos níveis organizacional e
institucional (Johnson et al., 2007). A respeito do nível institucional,
percebe-se a importância de conciliar a estratégia como prática e a abordagem
institucional, pois esta pode ampliar o foco da estratégia como prática.
Já no tocante ao nível organizacional, a estratégia como prática considera que
as ações de diferentes estrategistas em nível micro são fundamentais para as
estratégias da organização como um todo. Neste sentido, além dos estrategistas
internos das organizações, atores externos também influenciam a estratégia das
organizações (Whittington, 2006). Contudo, de acordo com o autor citado, a
origem das práticas estratégicas sugeridas por praticantes externos ainda é
incerta. Jarzabkowski, Balogun e Seidl (2007) acrescentam que ainda existem
poucos estudos a respeito dos estrategistas externos. Assim, destaca-se a
relevância de analisar a práxis de estrategistas externos, como os consultores,
e suas consequências para as práticas estratégicas das organizações.
Por considerar relevante analisar a atuação de estrategistas externos,
realizou-se o estudo de caso ora apresentado. Teve-se como ponto de partida as
questões: Qual o papel dos consultores externos no strategizing? E qual o
objetivo de investigar como os consultores externos participam do strategizing
das organizações e como essas práticas estratégicas são legitimadas
internamente?
Tem-se ainda a intenção de conjugar a perspectiva de estratégia organizacional
e a de teoria institucional. De seguida, na primeira seção, refere-se a
fundamentação teórica do estudo; na seção seguinte, a metodologia empregada na
pesquisa; depois a análise dos dados obtidos; e, por último, as considerações
finais.
Fundamentação teórica
Nesta seção, apresenta-se a base teórica que serviu de norte para este estudo.
Inicialmente, destaca-se o modelo de Jarzabkowski, Balogun e Seidl (2007),
apresentado na Figura. Esse modelo fornece uma base teórica para analisar a
participação dos consultores no strategizing das organizações e abrange práxis,
práticas e praticantes.
Figura
Interconexão entre práxis, práticas e praticantes
Para Jarzabkowski, Balogun e Seidl (2007, p. 11), a práxis consiste em um
«conjunto de atividades locais, socialmente aceitas e estrategicamente
importantes para a orientação e a sobrevivência de um grupo, uma organização ou
uma indústria»; as práticas referem-se a «práticas cognitivas, comportamentais,
procedimentais, discursivas, motivacionais e físicas combinadas, coordenadas e
adaptadas para criar uma práxis»; e os praticantes consistem em atores que
afetam a construção de práticas pelo que são, pela forma como agem e pelos
recursos que utilizam.
Percebe-se que o strategizing acontece na interconexão entre os três elementos,
práxis, práticas e praticantes. Pode-se associar o conceito de strategizing à
imagem de um caleidoscópio que, por meio de seus espelhos - práticas, práxis e
praticantes -, permite a visualização dos diferentes elementos que constroem a
estratégia. O strategizing inclui as ações, as interações e as negociações de
atores múltiplos, bem como as práticas situadas que eles utilizam para realizar
uma atividade também situada e socialmente realizada (Jarzabkowski, 2005), ou
seja, o strategizing consiste na construção de atividades por meio das ações e
das interações dos múltiplos atores, bem como das práticas que eles utilizam.
Tem-se, ainda, o modelo de Whittington (2006), que, ao relacionar prática,
práxis e praticantes, indica a influência de atores externos na adoção de
práticas estratégicas nas organizações. Segundo o autor, a concepção de prática
recorre a rotinas compartilhadas de comportamento, incluindo tradições, normas,
maneiras de pensar e atitudes em um sentido mais amplo. Já a práxis consiste em
uma atividade atual que os atores executam em prática, consistindo no trabalho
intraorganizacional exigido para fazer e executar a estratégia. Praticantes são
os atores da estratégia, são os estrategistas que executam as atividades de
prática, ou seja, realizam atividades envolvidas com a formulação e a
implementação da estratégia. As práticas estratégicas são utilizadas pelos
praticantes em sua práxis (Whittington, 2006).
Este modelo destaca praticantes internos e externos à organização. Os internos
compartilham algumas práticas e confiam nelas; no entanto, em algum momento,
eles podem alterar uma prática, realizando uma adaptação. Eles podem, também,
incorporar uma prática nova trazida para a organização por um praticante
extraorganizacional, como um consultor.
Assim, os praticantes se configuram como centrais na transferência e na
inovação de práticas estratégicas. A partir do mencionado por Whittington
(2006), nota-se que os consultores atuam como praticantes externos à
organização, podendo interferir na adoção de uma nova prática estratégica pela
organização e, até, proporcionar essa adoção. Isso pode ser um indício da
ocorrência de um mecanismo isomórfico institucional.
Segundo DiMaggio e Powell (1983), o isomorfismo institucional é fomentado por
três mecanismos: o coercitivo, derivado de influências políticas; o mimético,
oriundo da imitação organizacional diante da incerteza ambiental; e o
normativo, derivado, principalmente, de aspectos da profissionalização, como
normas, regulamentos e métodos de trabalho. Segundo os autores, esta é uma
distinção analítica, sendo que os três tipos não são empiricamente distintos.
Scott (2008) destaca que as profissões podem atuar como agentes legitimadores
de determinadas práticas. Neste sentido, acredita-se que os consultores também
possam atuar legitimando práticas e estratégias nas organizações em que atuam.
Suchmann (1995) considera que a legitimidade consiste em uma suposição ou
percepção mais geral de que as ações de uma entidade são desejáveis ou
socialmente apropriadas dentro de sistema de valores, normas e convicções.
Já Weber (2000) frisa a importância de a maioria dos indivíduos do grupo
aceitar determinada prática para que esta obtenha legitimidade. Essa obediência
à determinada ordem vigente está normalmente associada, de acordo com o autor,
a uma crença na legitimidade de três maneiras distintas: de caráter racional
(legitimidade das ordens estabelecidas e poder de mando dos superiores), de
caráter tradicional (legitimidade das tradições e crenças vigentes) ou de
caráter carismático (legitimidade baseada nas características pessoais de um
indivíduo). Mantere (2008) acrescenta que uma forma de obter legitimidade para
uma prática junto aos integrantes de uma organização é envolvê-los no processo.
Johnson, Scholes e Whittington (2007) e Paula e Wood Jr. (2008) abordam o papel
dos consultores no desenvolvimento de estratégias em organizações. Johnson,
Scholes e Whittington (2007) enfatizam que muitas organizações se valem do
trabalho de consultores para desenvolver e/ou validar estratégias. De acordo
com os autores, isso pode ocorrer porque as organizações desejam consultar uma
percepção externa ou eliminar possíveis desacordos internos no que tange às
estratégias, visto que, diante do papel simbólico exercido pelos consultores, o
trabalho e as sugestões destes costumam ser valorizados pelos membros das
organizações.
Paula e Wood Jr. (2008) identificaram a existência de duas formas de atuação
das consultorias: a padronização e a customização. A primeira possui uma
tendência predominantemente exogênica, ou seja, os consultores costumam se
valer de «pacotes» e de ferramentas gerenciais, em geral importados, para
solucionar problemas locais. Já a segunda tende a ser endogênica, i.e., os
consultores buscam soluções de acordo com as necessidades locais das empresas
nas quais atuam.
A adoção de uma perspectiva de customização pelas empresas de consultoria, de
acordo com os autores, pode encontrar barreiras relacionadas às expectativas
dos clientes; às imposições de tempo e de ritmo; e às competências próprias de
cada consultor.
A partir desse estudo, percebe-se que as empresas de consultoria brasileiras
estão vivenciando uma dicotomia entre a reprodução e a construção de soluções,
sendo que a opção por uma das perspectivas está relacionada a características
do projeto, do cliente e do consultor.
Por meio da revisão de literatura apresentada nesta seção, destacou-se o
processo de strategizing e a influência de atores externos e de elementos do
campo organizacional neste processo, de forma a demonstrar a relação existente
entre os níveis individual, organizacional e institucional e, consequentemente,
entre as abordagens de estratégia organizacional, estratégia como prática e
institucional. Discutiu-se, também, o papel exercido pelos consultores no
desenvolvimento de estratégias em organizações.
Estratégia da pesquisa
Para responder à pergunta de pesquisa, realizou-se um estudo de caso único
(Stake, 2005) do Banco CNH Capital, localizado na cidade de Curitiba, estado do
Paraná, Brasil. A escolha dessa empresa se deu por sua adequação aos objetivos
deste estudo, visto que recorre a diferentes consultorias externas para
auxiliar no desenvolvimento de sua estratégia. A pesquisa abrangeu seis
programas de consultoria em andamento na empresa no momento da pesquisa '
Evolution, Planejamento Estratégico, 6 Sigma, 5S, Central de Atendimento e
Recrutamento de Executivos ', sendo que envolvem a participação de cinco
consultorias.
O nível de análise empregado foi o organizacional, a unidade de análise
consistiu na prática estratégica e a unidade de observação foi a influência dos
consultores externos nas práticas estratégicas organizacionais.
Realizou-se a coleta de dados por meio de entrevistas semiestruturadas, análise
documental e observação não-participante. Realizaram-se as entrevistas com os
praticantes internos e os consultores externos responsáveis pelos programas
pesquisados.
Assim, entrevistaram-se 5 praticantes internos, visto que um deles é
responsável pelo acompanhamento de 2 programas, e 7 consultores, uma vez que 2
consultores atuaram em um dos projetos. As entrevistas tiveram duração média de
duas horas, foram gravadas em áudio e transcritas literalmente. Para a análise
documental, verificaram-se projetos, portfólios, relatórios, slides de
palestras e outros materiais relacionados aos projetos de consultoria. Já a
observação não-participante ocorreu por meio da participação dos pesquisadores
em reuniões e em treinamentos dentro dos programas, bem como pelas visitas
realizadas ao banco durante o período da pesquisa.
Realizou-se a análise dos dados transcritos por meio da análise de conteúdo com
o auxílio do software Atlas.ti 5.0.
Apresentação e análise dos dados
O Banco CNH Capital, inicialmente denominada Banco New Holland, foi criado, em
1999, como uma forma da fábrica New Holland financiar suas vendas. Ainda em
1999, a New Holland comprou a Case, e o banco assumiu as operações de
financiamento da New Holland, Case IH, Case e FiatAllis, passando a adotar o
nome atual. O banco, atualmente, possui unidades no Brasil, nos EUA, no Canadá,
na Europa e na Austrália, sendo a matriz nos Estados Unidos. A unidade
brasileira, localizada em Curitiba, possui aproximadamente 200 colaboradores e
apresentou uma receita de intermediação financeira de R$ 338.395.000,00 (cerca
de 133,75 milhões, ao câmbio da altura) no primeiro semestre de 2008.
Considera-se importante destacar que a aplicação desta pesquisa coincidiu com a
deflagração da mais recente crise econômica mundial, a qual afetou a
instituição pesquisada, culminando na retração de algumas ações que envolviam
tempo dos estrategistas internos e recursos financeiros.
· Atuação das consultorias
Analisou-se a atuação dessas consultorias no tocante a: grau de atuação e de
responsabilidade no programa; promoção da aprendizagem; e grau de customização.
A respeito do grau de atuação e de responsabilidade da organização contratante
e da consultoria, o gestor de marketing destaca que as soluções necessitam ser
criadas em conjunto pela consultoria e pela empresa, como no caso do programa
Evolution. Além disso, a gestora de RH ressalta que o erro em que muitas
consultorias incorrem é tentar implantar um pacote pronto de soluções nas
empresas. No entanto, alguns consultores pareceram apresentar certa resistência
inicial a esse tipo de atuação.
No caso do programa Planejamento Estratégico, a pedido do banco, a consultoria
alterou seu processo para desdobrar o plano até ao nível dos objetivos
individuais de cada colaborador, o que, a princípio, causou certo desconforto
no consultor que nunca havia realizado o planejamento desta forma. Uma das
consultoras vinculadas ao programa Evolution ressaltou que o banco procurou
participar ativamente em diversos aspectos relacionados ao programa e que isso
não era comum, se comparado à participação de outras empresas. Nessa mesma
direção, dois consultores destacaram que esse tipo de atuação torna mais moroso
o trabalho da consultoria.
Ressalta-se, ainda, que a consultoria que acompanha os programas 5S e Central
de Atendimento, pretende, para o futuro, transformar alguns programas em
pacotes pré-formatados para venda. Um dos consultores dessa consultoria tem a
concepção de que a customização de cada projeto exige muito tempo e causa
perdas de eficiência para a consultoria. O mesmo consultor crê que os
empresários gostam das coisas materializadas. Assim, o cliente poderia comprar
um produto e aplicar em todas as suas filiais.
Diante desse contexto, observa-se uma discrepância entre o que os gestores de
Marketing e RH desejam das consultorias e a forma como a maioria das
consultorias pesquisadas normalmente atua. Enfatiza-se, ainda, que u ma das
consultoras do programa Evolution indicou que a maioria dos clientes prefere se
envolver o menos possível e outros, ao contrário, preferem participar de todas
as etapas do processo.
Por meio dos resultados apresentados, percebe-se que o nível de participação da
consultoria e do banco varia conforme o programa desenvolvido, visto que, no
programa Evolution, consultoria e banco compartilham as responsabilidades e
atuam em parceria; nos programas Planejamento Estratégico, 5S e 6 Sigma, o
banco possui a maior responsabilidade no desenvolvimento, sendo auxiliado pela
consultoria; e, nos programas Central de Atendimento e Recrutamento de
Executivos, a consultoria possui a maior responsabilidade de realização. Diante
desses resultados, pode-se inferir que as consultorias podem atuar como
parceiras da empresa contratante, conselheiras ou executoras dos programas
desenvolvidos.
Como parceria, consideram-se os programas especialmente desenvolvidos para a
organização contratante, em que a maioria das atividades e as decisões
relacionadas ao programa são compartilhadas entre as duas. Este tipo de
programa apresenta, como possíveis características, a maior adaptação do
programa à realidade e aos objetivos da organização, o contato mais amplo e
frequente entre as duas, maior tempo de duração do programa e, talvez, maiores
custos, bem como maior insegurança sobre os resultados a serem obtidos. Isto
porque um programa desenvolvido de maneira personalizada apresenta maior
probabilidade de estar alinhado aos objetivos e às características da
organização, do que um programa baseado em um modelo prévio. Ressalta-se,
contudo, que isso não significa que, nestes programas, não poderá ser observada
a aplicação de ferramentas já existentes. Significa, sim, que a escolha dessas
ferramentas é realizada em parceria, visando atender a um objetivo do programa.
A realização deste tipo de programa possivelmente demandará maior contato e
interação entre consultoria e organização contratante para que a primeira possa
conhecer as características e objetivos da segunda, bem como para que as duas
possam realizar as escolhas e tomar as decisões em conjunto. Provavelmente, a
dinâmica deste projeto exigirá maior tempo de realização já que o programa
necessita ser criado e demanda maior tempo de contato entre consultoria e
contratante. Consequentemente, o programa poderá envolver investimentos
financeiros maiores. Além disso, é possível que esse tipo de programa provoque
maior insegurança, visto que, por não ter sido realizado anteriormente pela
consultoria, há maior dificuldade em prever os resultados que serão obtidos.
Os programas em que as consultorias atuam como conselheiras são, em sua maior
parte, realizados pelas organizações contratantes sob a orientação da
consultoria. Como é a consultoria que detém o conhecimento de todo o processo
do programa, esta atua orientando a organização sobre os procedimentos e
atividades a serem realizados. Assim, é a organização a responsável por
apreender o programa a ser desenvolvido e realizar os esforços de customização
à sua realidade. Este tipo de programa, provavelmente, é o que demandará
maiores esforços da organização contratante para sua realização.
Por fim, têm-se os programas em que as consultorias atuam como executoras, ou
seja, realizam a maior parte do processo. Este tipo de programa, possivelmente,
será mais específico e restrito, como a implementação de um sistema ou a
realização de uma atividade. Dos três tipos de programa, é possível que este
seja o de menor adaptabilidade à realidade da organização contratante, visto
que é o que menos envolve sua participação. Também é possível que este tipo de
programa se caracterize por promover um menor aprendizado para a organização
contratante, visto que é a consultoria que detém o conhecimento sobre o
programa e, ao realizar o projeto, retém as informações.
Dessa forma, este tipo de programa pode ser preferido pela organização
contratante quando esta sabe especificamente do que necessita e que esta
necessidade envolve alta especificidade técnica e/ou quando dispõe de pouco
tempo para realizá-lo, e pela consultoria, quando deseja empregar um modelo
amplamente estruturado e/ou deseja reter a tecnologia relacionada à realização
do programa. Tem-se, ainda, que este é o tipo de programa que apresenta maior
risco para a consultoria no que tange aos resultados obtidos, uma vez que ela é
a principal responsável pelo sucesso ou fracasso do programa.
Ressalta-se que esta não é uma tipologia para classificação das consultorias,
visto que sua atuação pode variar. É uma tipologia para compreensão dos
diferentes graus de atuação e de responsabilidade da consultoria e da
organização contratante nos programas desenvolvidos.
Por meio do apresentado, percebe-se que outro aspecto a ser destacado é o fato
de que algumas consultorias atuam promovendo aprendizado. Esse aspecto pode ser
observado no tocante aos programas Planejamento Estratégico, 6 Sigma, 5S e
Central de Atendimento, que têm como um de seus objetivos promover a
aprendizagem para que o banco continue fazendo uso dos conhecimentos,
independente da presença da consultoria. Contudo, essa característica não foi
verificada no tocante aos programas Evolution e Recrutamento de Executivos.
Tem-se, ainda, o processo de customização que se destaca entre os resultados
obtidos. Paula e Wood Jr. (2008) indicam que existem dois tipos de projetos
desenvolvidos pelas consultorias: padronizados e individualizados. Nesta
pesquisa, se percebe um resultado similar, uma vez que o processo de
customização pode ocorrer em diferentes níveis. O programa Evolution é um
exemplo de programa totalmente customizado para o banco. Os programas
Planejamento Estratégico, 5S e Recrutamento de Executivos realizam algumas
adaptações na metodologia, mas mantêm os principais aspectos, ou seja, a
estrutura básica de atuação da consultoria. Os programas 6 Sigma e Central de
Atendimento sofrem adaptações apenas no tocante às informações repassadas nos
treinamentos realizados. Dessa forma, a partir da verificação do processo de
atuação das consultorias pesquisadas, pode-se analisar o papel dos consultores
no strategizing do Banco CNH Capital, conforme apresentado na próxima subseção.
· Papel dos consultores no strategizing
Nesta subseção, apresenta-se a análise dos diferentes papéis desempenhados
pelos consultores no strategizingdo Banco CNH Capital. Foi possível constatar
que o banco possui o hábito de contratar consultoria quando deseja realizar uma
mudança importante ou implementar um programa.
Neste sentido, por meio das entrevistas realizadas, verificou-se que a gestora
de RH revelou que, às vezes, uma consultoria é empregada para dar credibilidade
e conseguir adesão das pessoas a uma estratégia ou mudança pretendida. Como ela
destaca: «normalmente um consultor externo tem muito mais credibilidade do que
uma pessoa interna, então, por exemplo, se um consultor falar que determinada
coisa não deve ser feita dessa forma, talvez isso tenha maior credibilidade» e
«às vezes eu preciso de uma consultoria para validar algo de que (...) eu
tivesse conhecimento técnico para realizar internamente, mas não sei se eu
conseguiria o envolvimento de todo mundo».
Essa constatação se alinha à definição de Suchmann (1995) para o conceito de
legitimidade. Observa-se, assim, que as consultorias também atuam no banco
estudado por meio da legitimação de práticas já pretendidas por integrantes da
organização. Além disso, verifica-se que essa gestora tem consciência desse
processo envolvendo a atuação da consultoria, o que pode se transformar em uma
ferramenta para a organização. Este hábito de contratar consultorias por parte
do banco pode ser considerado como uma legitimidade de caráter tradicional
conforme Weber (2000) , ou seja, uma crença de que a contratação de consultoria
é importante para o desenvolvimento de projetos e obter a adesão necessária às
mudanças.
Corroborando esse resultado, a coordenadora do programa 5S e a coordenadora do
programa Central de Atendimento também destacaram que o fato de as ações terem
o aval da consultoria auxilia a aprovação pela diretoria. Além disso, de acordo
com a gestora de RH, o banco costuma acatar a opinião da consultoria do
programa Recrutamento de Executivos sobre a escolha do candidato a ser
contratado. Estes fatores podem ser considerados como legitimidade de caráter
racional (Weber, 2000), uma vez que os dirigentes do banco acreditam que as
consultorias têm poder para realizar indicações e fazer sugestões ao banco.
Além disso, de acordo com a coordenadora do programa Central de Atendimento,
algumas práticas que já tentara implementar para melhorar o atendimento, depois
de sugeridas pelo consultor, ganharam a adesão das atendentes. A coordenadora
do programa 5S apontou, ainda, que um profissional externo ao banco consegue
obter maior motivação dos colaboradores, fato perceptível no envolvimento
destes após a realização de palestras por profissionais externos . Estes
resultados podem estar associados à legitimidade de caráter carismático (Weber,
2000) dos consultores, visto que ele consegue motivar e obter a adesão dos
funcionários para a realização dos programas.
Ainda nesse sentido, a gestora de RH esclarece que, no programa Planejamento
Estratégico, procurou promover a participação de todos os colaboradores do
banco. A este respeito, Mantere (2008) observa, em seu estudo, que uma forma de
obter legitimidade para uma prática junto aos integrantes de uma organização é
envolvê-los no processo.
A partir desses resultados, percebe-se que os consultores podem atuar como
legitimadores de estratégias dentro das organizações, de modo a obter o apoio
da diretoria e dos gestores, bem como o envolvimento dos colaboradores. Esses
resultados ratificam o apontado por Johnson, Scholes e Whittington (2007) de
que o trabalho e as sugestões dos consultores costumam ser valorizados pelos
membros das organizações. Tais resultados igualmente vão ao encontro da
concepção de Scott (2008), para quem as profissões podem promover a
legitimidade.
Todavia, existe a possibilidade de que nem todos os consultores consigam obter
essa legitimidade para as práticas desenvolvidas, visto que um dos consultores
responsável por um dos programas revelou que gostaria de maior envolvimento da
diretoria e dos colaboradores.
Além de atuar na legitimação de práticas estratégicas já desejadas por
integrantes das organizações, observa-se que os consultores também podem
auxiliar a organização na elaboração dessas práticas. Neste sentido, as
estratégias desenvolvidas para melhoria do atendimento interno e do
relacionamento com as concessionárias relacionadas com o programa Evolution
foram realizadas em parceria entre o banco e a consultoria. Dessa forma, a
consultoria atua auxiliando a organização contratante em seu strategizing.
Contudo, observa-se que, no caso do Banco CNH Capital, este foi o papel menos
presente entre as consultorias que desenvolvem os projetos.
Outro aspecto que pode ser percebido refere-se à influência de práticas
existentes no campo extraorganizacional sobre o banco, ou seja, os consultores
podem influenciar o strategizing sugerindo a seus clientes estratégias já
existentes no mercado, o que pode ser considerado como isomorfismo mimético
(DiMaggio e Powell, 1983). Os processos miméticos, de acordo com os autores,
são motivados pela incerteza, momento em que a organização se depara com causas
ambíguas e soluções pouco nítidas e pode tomar outras organizações como modelo.
Os autores ressaltam, ainda, que os modelos podem ser difundidos indiretamente
por meio da atuação de uma consultoria, por exemplo. Essa prática pode ser
verificada na atuação do programa Consultoria de Recrutamento que, por meio de
seu conhecimento de mercado, indica para o banco práticas que outras empresas
têm adotado. O consultor vinculado ao programa Central de Atendimento também
empregou práticas de outras empresas como exemplo para o banco, bem como
empregou o modelo de atendimento de outra central para a Central de
Atendimento. Similarmente, o consultor do projeto 6 Sigma destacou que indica
possíveis soluções já existentes no mercado para que as pessoas que estão
desenvolvendo projetos pesquisem a respeito. A própria aplicação de
metodologias como 6 Sigma e 5S pode ser considerada um processo mimético.
Além do exposto, é importante destacar que o Banco CNH Capital procura
contratar consultores familiarizados com seu ramo de negócio ou consultores da
indústria CNH, de forma que o processo seja agilizado e que o trabalho de
parceria entre banco e consultoria forneça os melhores resultados possíveis.
Desta forma, esta prática fornece um indício relevante sobre a origem de
práticas oriundas do campo organizacional e adotadas pelo banco, ou seja, se é
priorizada a contratação de consultorias que já atuaram no mesmo setor, é
provável que estas consultorias insiram práticas já existentes em outras
organizações deste setor no Banco CNH Capital. Tais resultados permitem inferir
a seguinte proposição teórica (P1): os consultores são agentes catalisadores do
isomorfismo de um dado campo organizacional.
No sentido indicado, nota-se que algumas consultorias adotam modelos já
existentes no mercado, como 5S e 6 Sigma, ampliando a difusão destes modelos
por meio de um processo de isomorfismo mimético. Este processo também está
relacionado à existência de um modismo e desejo de atualização entre as
organizações, sendo que uma organização não deseja ser retardatária no que se
refere à adoção de uma prática bem difundida no campo organizacional.
Ainda, neste sentido, algumas consultorias também indicam procedimentos,
estruturas organizacionais e estratégias que obtiveram bons resultados em
outras organizações para seus clientes. Este processo está vinculado à
incerteza da organização sobre como agir diante de determinadas situações.
Assim, a imitação de um modelo já adotado e bem-sucedido em outra organização
amplia a confiança dos integrantes da organização a respeito dos resultados que
possivelmente serão obtidos, assim como amplia a confiança da consultoria nos
resultados que poderão ser obtidos por meio de sua proposta, visto que esta
assume um grau de responsabilidade ao indicar a adoção de uma prática pela
organização.
Considerações finais
Por meio deste estudo, foi possível investigar como ocorre o processo de
atuação de consultorias no Banco CNH Capital e qual o papel dos consultores no
strategizing dessa instituição financeira.
Primeiramente, analisou-se a atuação das consultorias envolvidas, destacando-se
a variação existente no grau d e atuação e de responsabilidade da consultoria e
da organização contratante no programa, na promoção de aprendizado e no grau de
customização. Por meio desses resultados, foi possível inferir que as
consultorias podem atuar, dependendo do programa, como parceiras da organização
contratante, conselheiras ou executoras do projeto.
Analisou-se, também, o papel desempenhado pelas consultorias no strategizing
das organizações. Verificou-se que as consultorias podem atuar legitimando
práticas estratégicas já desejadas por integrantes da organização, participando
da elaboração dessas práticas e atuando como agentes isomórficos. Ressalta-se
que a parceria para elaboração de práticas estratégicas entre consultoria e
organização contratante mostrou-se mais rara.
A atuação das consultorias com agentes isomórficos permitiu a elaboração de uma
proposição teórica para este estudo e reflete a relação existente entre os
níveis individual e organização e o nível institucional. Este resultado reforça
a influência do campo organizacional sobre as estratégias das organizações e a
possibilidade de conexão entre as perspectivas de estratégia como prática e
institucional.
Sugere-se, para futuros estudos, pesquisar quais os motivos que levam alguns
consultores a obterem maior legitimidade para suas práticas e outras não. Essa
capacidade de algumas consultorias em promover maior legitimidade para suas
ações pode estar relacionada a um conjunto de fatores, como o status da empresa
no mercado, envolvendo marca e custo; à característica de realizar as ações
independente da empresa contratante; e ao conhecimento e à experiência em uma
área específica.