Explorando os geradores da confiança nas compras interorganizacionais
A gestão de compras e suprimentos é um processo operacional que vem ganhando
importância nas organizações. Essa função faz parte do processo de logística,
sendo responsável pela negociação com os fornecedores em questões como preço,
prazo, material promocional, giro de estoque, dentre outros aspectos que
fornecerão respaldos para um preço final do produto de forma mais competitiva.
Além disso, organiza as condições de pagamento, verifica os melhores
fornecedores e, consequentemente, supre a organização com os bens ou serviços
na qualidade e quantidade correta para todo o processo.
O papel do setor de compras era o de obter de um fornecedor o recurso desejado
pelo menor preço de compra possível. Contudo, a moderna gestão de suprimentos
mudou o foco, e a ênfase deixou de ser na negociação adversária, voltada para a
simples troca, e passou a ser garantir que a empresa esteja posicionada para
implementar suas estratégias com o apoio dos fornecedores. O ponto fundamental
dessa mudança é o conhecimento de que um comportamento cooperativo reduz o
risco e aumenta a eficiência no processo logístico total (Bowersox et al.,
2005/2007).
Nesse sentido, a confiança no parceiro nas relações de troca tem sido descrita
como fundamental para a manutenção de relacionamentos mais longos e estáveis
nos processos de compra organizacional, aumentando a satisfação com o
relacionamento, o comprometimento e as futuras intenções de compra.
As firmas que são capazes de moldar suas configurações de gestão dos
relacionamentos internos e externos não são facilmente imitáveis ou
substituídas, podendo ganhar vantagens competitivas sustentáveis (Walter et
al., 2007). Essa vantagem decorre de recursos organizacionais que não estão
disponíveis para serem comprados no mercado (Barney, 1991).
Como a confiança pode ser considerada um critério valioso e não facilmente
substituível ou imitável, então pode ser capaz de contribuir para uma vantagem
competitiva sustentável. Assim sendo, se levantou o seguinte questionamento:
que aspectos contribuem para a geração de confiança nos processos de compras
entre organizações?
Dessa forma, o presente artigo tem como objetivo geral explorar os geradores da
confiança nas relações de compra interorganizacional; e como objetivos
específicos: verificar na percepção dos compradores se a empresa possui
confiança e o que é confiança interorganizacional; e apresentar o que gera esse
constructo na percepção dos entrevistados.
Para isso foi desenvolvido um estudo empírico, de caráter exploratório e
descritivo, com uma abordagem qualitativa, utilizando o método de análise de
conteúdo. As unidades de análise do presente estudo foram compostas por três
compradores de organizações e ramos de atividades distintos. A estrutura das
questões levantadas se baseou em características descritas na literatura sobre
confiança, com o intuito de apoiar futuras pesquisas mais aprofundadas sobre a
confiança nas relações de compras interorganizacionais.
A confiança no ambiente organizacional
Na literatura organizacional, o termo confiançanormalmente aparece com duas
definições significativamente diferentes. Uma é a confiança como uma crença de
que as partes não serão prejudicadas ou colocadas em risco pela outra parte.
Outra definição é utilizada como uma crença de que a confiança reside na boa
vontade da outra parte (Cooper e Argyris, 1998/2003).
Conforme esses autores, a primeira definição levanta a questão do risco de uma
transação e, neste caso, as abordagens administrativas utilizadas recaem sobre
a teoria dos custos de transação ou teoria de agência. A segunda definição
conota a questão da boa vontade, relacionada à questão dos vínculos sociais
entre os parceiros em uma relação. Neste caso, foram utilizadas abordagens que
contemplam a teoria institucional em sua vertente sociológica como também a
teoria da imersão social.
Muitos autores defendem a confiança como importante fator para a criação ou
manutenção dos relacionamentos de longo prazo (Zhao e Cavusgil, 2006; Zaheer e
Harris, 2006 ) e que tende a contribuir para a melhoria dos processos
organizacionais. Por isso, o critério confiança tem recebido grande atenção da
Psicologia Social, Sociologia, Economia, bem como do Marketing. Cada uma destas
disciplinas oferece ideias únicas sobre a natureza da confiança, sua definição
e os processos pelos quais se desenvolve (Doney e Cannon, 1997).
Confiar em outras pessoas é uma decisão difícil. A confiança em indivíduos tem
sido bem compreendida como sendo afetada pelas características, pelas relações
interpessoais e pelo ambiente institucional, mas a confiança no contexto
organizacional tende a ser mais complexa porque precisa considerar a
confiabilidade dos membros organizacionais, implicando na necessidade de
considerar os efeitos do contexto organizacional sobre o comportamento
individual (Perrone et al., 2003).
Uma definição comumente usada de confiança interorganizacional se refere à
«extensão com que os membros de uma organização retêm uma confiança coletiva
orientada em direção a outra organização» (Zaheer e Harris, 2006, p. 170).
Segundo Child e Rodrigues (2007), a diferença entre confiança
interorganizacional e confiança interpessoal é muito tênue e a atribuição de
confiança a uma organização somente reflete aquela que foi investida em seus
membros, especialmente aqueles com poder de decisão. Quando se tratam as
organizações como uma coisa inanimada se corre o risco de subestimar até que
ponto a confiança entre elas depende da confiança entre os indivíduos que as
representam. Entre micro e pequenas empresas investigadas, a confiança
interorganizacional foi sinônimo de confiança entre os principais atores
individuais. A confiança na colaboração entre as organizações envolvidas
reflete a qualidade das relações entre os indivíduos (Child, 2001) .
As compras interorganizacionais e a confiança
Qualquer organização necessita da entrada de bens e serviços procedentes de
fornecedores externos e o nível de atenção dedicado às compras varia de acordo
com o tipo e a forma de gestão de cada organização. Na medida em que a atenção
aumenta, o trabalho nesse setor tende a se tornar mais estratégico,
concentrando sua ênfase em atividades como negociação em relacionamentos de
longo prazo, desenvolvimento de fornecedores e redução do custo total e, não
simplesmente, na rotina de aquisição e reposição dos estoques (Baily et al.,
1998/2000).
Bernardi (2008) descreve que a maioria das empresas seleciona os fornecedores
mais confiáveis analisando todo o seu histórico no que compete a qualidade,
mercado, cumprimentos de prazos, comprometimento, honestidade, situação
financeira e outros, para que assim os possam eleger como seus parceiros.
Afinal, nesse ponto, a empresa é cliente do fornecedor, e, sendo assim, ela irá
exigir o melhor, para que possa garantir um excelente serviço a seus próprios
clientes. No entanto, os relacionamentos na cadeia de suprimentos, e
consequentemente os relacionamentos entre compradores e fornecedores, estão
entre as áreas mais complexas e menos compreendidas das operações logísticas
(Bowersox e Closs, 1996/2008).
Apesar das diversas tipologias de confiança, um modo significativo de
distingui-la seria a divisão entre confiança baseada na credibilidade e
confiança baseada no caráter. A confiança baseada na credibilidade se apoia na
percepção de uma organização sobre o comportamento real e o desempenho
operacional de um potencial parceiro, fundamentada na capacidade de cumprir com
o prometido. A confiança baseada no caráter se apoia na cultura e na filosofia
de uma organização, fundamentada no bem estar de todos os envolvidos, de forma
que nenhum agirá sem considerar o impacto da ação sobre o outro (Bowersox et
al., 2005/2007).
Na pesquisa de Doney e Cannon (1997), foi diagnosticado que a confiança de uma
firma fornecedora estava positivamente relacionada à probabilidade de que os
compradores venham a fazer negócios com essas empresas no futuro. Essa
associação surge com respeito aos controles de desempenho do fornecedor,
experiência passada com este e a decisão de selecionar o fornecedor atual.
Aparentemente, as firmas compradoras avaliam a confiabilidade de uma empresa
fornecedora e consideram a confiança como um importante pré-requisito para
construir as relações de longo tempo. Além disso, os resultados confirmam que
as firmas compradoras desenvolvem confiança em ambos, na firma fornecedora e no
vendedor.
Para Zaheer et al. (1998), o comprador confia mais em um típico fornecedor com
quem trata, mas a organização compradora possui uma maior confiança na
organização fornecedora. Isso implica dizer que os efeitos da confiança no
contexto das relações interorganizacionais são distintos na análise de nível
individual e organizacional.
As pesquisas usualmente assumem que a «confiança gera confiança» em um círculo
virtuoso e isso se reflete em relações de confiança e honestidade,
potencialmente criando um reforçado ciclo de confiando e sendo confiado (Zaheer
e Harris, 2006).
Conforme a literatura, alguns aspectos que seriam capazes de influenciar na
geração de confiança e que serão verificados na pesquisa são:
· desempenho operacional (Bowersox et al., 2005/2007; Child e Möllering, 2003;
Zaheer et al., 1998; Doney e Cannon, 1997 );
· cultura e filosofia da organização (Bowersox et al., 2005/2007; Seppänen et
al., 2007; Zaheer e Harris, 2006; Perrone et al., 2003);
· comportamento oportunístico ( Child e Möllering, 2003; Das e Teng, 2001;
Morgan e Hunt, 1994).
Conforme Doney e Cannon (1997, p. 42), o desempenho do fornecedor é avaliado em
função de três aspectos: a performance na entrega, a relação preço/custo e a
performance serviço/produto. Bowersox et al. (2005/2007) descrevem que esse
desempenho se fundamenta na capacidade do fornecedor de cumprir com o prometido
ao comprador, de forma a atender às expectativas.
Para Zaheer et al.(1998), a confiança nos relacionamentos de troca entre
organizações influencia o processo de negociação e desempenho. Nessa mesma
direção, C hild e Möllering (2003) defendem que tem sido empiricamente
confirmada uma correlação positiva entre confiança e desempenho.
A cultura e a filosofia de uma organização é a capacidade de compartilhar de
forma completa e honesta todas as informações que são necessárias. «Não é
necessário que as culturas organizacionais sejam idênticas. Em vez disso, as
intenções e filosofias estratégicas devem ser compatíveis para garantir que as
competências essenciais e os pontos fortes sejam complementares» (Bowersox et
al., 2005/2007, p. 403). A confiança no contexto organizacional precisa
considerar a confiabilidade dos membros organizacionais que são moldados pelos
processos, pela estrutura e pela cultura organizacional (Perrone et al. (2003).
Para Zaheer e Harris (2006), os membros da rede podem influenciar a natureza da
confiança uma vez que as diferentes culturas e regiões impactam sobre o efeito
e as consequências da confiança interorganizacional. Dessa forma, as questões
culturais são vistas como capazes de afetar a confiança percebida ( Seppänen et
al., 2007).
Com relação ao comportamento oportunístico, Child e Möllering (2003) descrevem
que a confiança oferece a oportunidade de reduzir o controle, onde o
monitoramento das pessoas não é necessário em virtude de não se esperar que
tenham comportamentos oportunísticos. Morgan e Hunt (1994, p. 25) resgatam da
literatura da teoria dos custos de transação uma definição para comportamento
oportunístico, que é «buscar o interesse próprio com astúcia».
Das e Teng (2001) ressaltam que a descrição de confiança baseada no caráter e
na boa fé se fundamentam no bem estar da outra empresa, de forma que as
empresas não terão comportamentos oportunísticos, consideradas, dessa forma,
como organizações de reputação justa.
Aspectos metodológicos
Quanto à finalidade, a pesquisa foi exploratória e descritiva, com a utilização
de uma abordagem qualitativa a fim de ampliar o conhecimento sobre o tema.
Os sujeitos da pesquisa foram três compradores organizacionais, sendo que dois
deles trabalham em empresas de médio porte e um trabalha em uma organização de
grande porte. Duas dessas empresas estão localizadas no estado do Rio Grande do
Norte e uma em Paraíba.
Com a finalidade de explorar de forma mais ampla o tema, foi pertinente ampliar
a diversidade de setores empresariais de maneira a contemplar indústrias com
atuações diversas assim como a área de serviços.
Esse estudo qualitativo utilizou o corte seccional, onde o nível de análise foi
a organização e a unidade de análise foi o departamento de compras que a
compõe.
Como a pesquisa se propõe explorar as dimensões da confiança, se optou por
coletar os dados através de entrevista semiestruturada em forma de pauta. As
entrevistas foram realizadas em 2009 e tiveram a duração de aproximadamente
duas horas. Os pesquisadores se comprometeram em manter o anonimato dos
pesquisados.
A forma de tratamento escolhida dos materiais foi a análise de conteúdo. Nesse
sentido, o trabalho iniciou com uma leitura preliminar de todas as falas de
cada uma das entrevistas. Depois se procurou separar as principais frases de
cada questão norteadora e, em seguida, essas frases foram separadas em dois
grupos de indicadores: o que reflete a definição de confiança e o que gera esse
constructo. As categorizações da análise foram elaboradas com base na extração
de palavras ou conjunto de palavras consideradas mais significativas em
categorização inicial, que depois foram sintetizadas conforme seus significados
em categorias intermediárias e, por fim, se correlacionou a categoria final com
as diversas classes encontradas criando um conceito unificado.
Esse tipo de an álise se constitui em um método de tratamento e análise de
informações, cujo objetivo é compreender criticamente o sentido das
comunicações, contemplando tanto significações explícitas quanto implícitas ou
ocultas; ou qualquer outro objetivo que capte as representações subjetivas dos
participantes (Chizzotti, 1998).
Discussão dos resultados
Os resultados estão divididos em três partes. A primeira expõe as
características gerais dos compradores entrevistados e de suas organizações
para facilitar a análise. Na segunda parte são apresentados os questionamentos
sobre se a empresa possui algum fornecedor no qual confia e o que é confiança
interorganizacional. A última parte apresenta as respostas e as categorizações
sobre o que gera o constructo confiança.
● As características gerais dos compradores entrevistados e suas organizações
Para ampliar a compreensão nas análises do estudo foram verificadas algumas das
características gerais dos compradores entrevistados e das empresas em que
trabalham. Os entrevistados foram nomeados conforme o ramo de atuação de suas
empresas: pesquisado 1 ' Atacado, pesquisado 2 ' Construção e o pesquisado 3 '
Indústria.
Dentre os entrevistados, dois são gerentes gerais do setor de compras e um é
auxiliar de compras. O pesquisado 3 começou a trabalhar com a área de compras
apenas quando entrou na atual organização, onde desenvolve esse trabalho há
cinco anos. Os demais trabalham no setor de compras da empresa entre um e dois
anos. No entanto, já possuíam experiência anterior no setor de compras quando
foram trabalhar na atual empresa. O pesquisado 1 está cursando Pós-Graduação em
Administração e os demais não possuem curso superior.
As empresas são de ramos diversos contemplando uma na área de atacado
(distribuidor de mercadorias para revenda), outra no setor de construção civil
e uma terceira na indústria da área alimentícia de pescados. Duas empresas
possuem no máximo dez anos de existência e a empresa do pesquisado 3 atua no
mercado a mais de vinte anos. Além disso, todas as empresas são bem
posicionadas em seus mercados, conforme os relatos dos entrevistados.
● A confiança interorganizacional na percepção dos entrevistados
No decorrer das entrevistas, foram levantadas questões norteadoras que
abordavam se a empresa do entrevistado possuía algum fornecedor considerado
como de confiança, no qual a empresa podia confiar, como também foi verificado
o que era confiança interorganizacional na percepção desses entrevistados. As
principais falas dos entrevistados estão apresentadas no Quadro I.
Quadro I
Relatos do entrevistados: possuem confiança e o que é confiança
interorganizacional
Os entrevistados afirmaram que existe confiança entre empresas. A partir da
análise do conteúdo dos relatos descritos no Quadro I, foram identificadas oito
categorias iniciais (investe em você, oportunidade, melhores condições,
rapidez, cumprir com o prometido, resolução de problemas, redução de riscos e
relação de dependência), três categorias intermediárias (oportunidades,
qualidade e dependência) e uma categoria final que foi definida como vantagem
competitiva. A partir dessa categorização, se estabeleceu a definição da
categoria final.
Vantagem competitiva se refere à capacidade do fornecedor em contribuir para o
sucesso organizacional da empresa compradora. Essa categorização final remete
para a função primordial dos compradores, que é a de contribuir para a
competitividade e, dessa forma, os compradores consideram confiáveis as
empresas que facilitam o desenvolvimento de sua função final na organização.
Baily et al. ( 1998/2000 ) descrevem que nas organizações em que a função
compras é bem desenvolvida, essa área passa a ser considerada como uma das mais
importantes, se não a mais importante área da unidade de tomada de decisão,
porque influencia diretamente na competitividade organizacional.
Na percepção dos entrevistados, confiança significa uma preocupação por parte
da organização ou do vendedor organizacional para com o comprador, oferecendo
vantagens de mercado, reduzindo os riscos do comprador, solucionando os
problemas que ocorrem diariamente de forma rápida e ágil, bem como mantendo um
comportamento ético.
● Geradores da confiança interorganizacional na percepção dos entrevistados
A questão central da pesquisa foi a análise das respostas sobre o que gera a
confiança interorganizacional, norteada no decorrer da entrevista por aspectos
levantados na literatura. Dessa forma, os seguintes pontos foram questionados:
desempenho operacional do fornecedor, a cultura da organização fornecedora e o
comportamento oportunístico do fornecedor, todos fundamentados no fornecedor
que os entrevistados descreveram como de confiança. Além disso, foi questionado
sobre como era o relacionamento entre o entrevistado e esse fornecedor, que
descreveram como confiável. As respostas podem ser visualizadas no Quadro II.
Quadro II
Relatos do entrevistados sobre as características geradoras da confiança
A partir da análise do conteúdo dos relatos que abordaram os aspectos que geram
a confiança interorganizacional, foram identificadas onze categorias iniciais,
a saber: preço, prazo, qualidade, tempo de entrega, resolução de problemas,
trabalha de forma semelhante, tornar a relação pessoal, atendido pelo dono,
excelente profissional, empresa éticaeacreditar no vendedor. Seis categorias
intermediárias: bom desempenho, resolução de problemas, relacionamento pessoal
próximo, atendimento especial e profissionaleempresa ética. E três categorias
finais: bom desempenho operacional, relacionamento especial e ética
empresarial.
Categorizadas as dimensões geradoras da confiança, se definiram cada uma dessas
categorizações.
Bom desempenho operacionalse refere à capacidade do fornecedor de atender as
principais variáveis de uma compra, como preço, prazo, tempo de entrega,
qualidade e capacidade de resolução de problemas, dentro das expectativas do
comprador.
Relacionamento especialsignifica a capacidade do fornecedor de manter
relacionamentos pessoais bem próximos aos compradores, ao mesmo tempo que se
faz sentir alguém especial, alguém importante para a empresa fornecedora.
Ética empresarialsignifica a postura ou comportamento de uma empresa e/ou
vendedor em relação ao comprador baseado nos preceitos morais disseminados
naquele ramo empresarial que geram credibilidade entre as partes.
Dessa forma, na percepção dos compradores entrevistados, a geração de confiança
ocorre a partir do desenvolvimento de três importantes aspectos: o bom
desempenho operacional, inclusive com a facilidade de resolver quaisquer
problemas, aliado a um relacionamento especial e a ética empresarial.
Uma questão que não fazia parte dos objetivos específicos, mas que emergiu na
entrevista do comprador do ramo de atacado, foi o relato onde se descreve o que
é a confiança excessiva. Eis o seu discurso: «Uma coisa que acontece com
frequência nesse ramo é a confiança excessiva. O que é a confiança excessiva?
Existem contatos subjetivos, não formalizados, como seria: ele tem uma proposta
excelente e liga para você, você não está no trabalho, mas você conhece o
produto, conhece o mercado e conhece o preço. Ele diz vou mandar essa
quantidade, nesse valor e vou aumentar o promocional para que você realize esse
número. Você tem certeza que isso vai realmente acontecer, ele está propondo e
tem noções, e você tem uma noção de mercado, aí você aceita. Existe essa
confiança, uma confiança enorme, «deixa que eu resolvo». Existe uma confiança
enorme, que você sabe que não vai passar a perna em você. Quando você tiver um
problema ele vai receber (a mercadoria de volta), ele vai chegar e vai pagar a
diferença. Agora, realmente, apenas 10% dos fornecedores trabalham em uma
relação onde ambos ganham.»
Esse trecho descreve um estreito relacionamento entre comprador e vendedor
organizacional pautado em confiança, demonstrando uma fé, uma crença num
comportamento digno de confiança em relações comerciais em que ambos se expõem
ao risco. Um risco que, em função dessa confiança no outro, eles acreditam não
ter.
O discurso desse entrevistado abordou a relação onde fornecedor e comprador
ganham, que é descrita por Bertaglia (2003) como um relacionamento colaborativo
no qual uma relação altamente confiável deve existir com o objetivo de produzir
benefícios. Segundo o autor, ninguém entra em um gerenciamento desse nível
porque o conceito é maravilhoso, mas porque isso trará vantagem competitiva
para ambos.
Considerações finais
Na percepção dos compradores, independente do ramo de atividade, existe a
confiança interorganizacional, o que amplia a probabilidade de negociações
futuras entre essas organizações.
A definição de confiança interorganizacional emergiu como um sinônimo de
vantagem competitiva, se referindo a capacidade do fornecedor em contribuir
para o sucesso organizacional da empresa compradora, facilitando e aumentando a
eficácia do trabalho do comprador.
Conforme a discussão dos resultados, se concluiu que a confiança
interorganizacional é gerada a partir da combinação de três aspectos que são o
bom desempenho operacional, um relacionamento especial e a ética empresarial.
A confiança aparece pautada no desempenho operacional do fornecedor, ou seja,
na capacidade de cumprir com o prometido. A base da confiança entre as
organizações compradoras e seus fornecedores se apresenta mais próxima da
questão dos riscos das transações e recaem sobre a teoria econômica, visto que
os entrevistados afirmaram que existe uma relação de ajuda mútua buscando um
melhor desempenho. Para estabelecer a confiança interorganizacional baseada no
desempenho é necessário que as organizações contribuam de forma efetiva para o
alcance de melhores resultados, estando atentas às necessidades da outra parte
e contribuindo para a sustentabilidade das mesmas.
O relacionamento especial se origina do sentimento de ser especial e dos
relacionamentos pessoais, que são construídos sobre uma confiança no indivíduo,
reforçada nesses laços interpessoais. Nesse sentido, as empresas fornecedoras
devem procurar atender de forma diferenciada cada cliente, bem como desenvolver
boas relações pessoais com os compradores organizacionais a fim de estreitar
esses relacionamentos e ampliar a confiabilidade nas compras. Essa confiança
interpessoal nos processos de compra, com o tempo, tende a se transformar em
relações de confiança interorganizacional.
Além desses, a ética empresarial emergiu como um dos geradores, porque a
percepção de que a organização fornecedora possui condutas morais adequadas
eleva a credibilidade entre as partes e tende a reduzir os controles nas
transações comerciais. Os fornecedores que desejam gerar confiança junto aos
compradores devem prezar pela boa conduta, integridade, responsabilidade para
com os seus atos, sigilo sobre as informações e honestidade nas relações para
gerar uma reputação de fornecedor ético.
Analisando a combinação desses três aspectos, eles tendem a reduzir o risco
presente nas relações gerando vantagem competitiva e, por esse motivo, os
compradores tendem a adquirir insumos de empresas em que confiam gerando
relações duradouras.
Em linhas gerais, com base nas respostas dos entrevistados, a confiança é um
critério estratégico em virtude da sua capacidade de reduzir os controles,
minimizar os custos e melhorar o desempenho do departamento de compras. Por
isso, as empresas exigem não só produtos e serviços de qualidade, mas também
anseiam por relações pautadas na confiança.
Para futuras pesquisas, se recomenda a realização de estudos que levem em
consideração outros aspectos direcionadores da geração de confiança
interorganizacional, bem como pesquisas quantitativas de forma a testarem os
aspectos apontados nesse estudo.
Do mesmo modo, se propõe a inclusão de outros profissionais, como diretores,
que também são responsáveis pelo processo de decisão de compra. E, considerando
que as relações de confiança interpessoal tendem a se transformar em relações
de confiança interorganizacional, é, também, importante o desenvolvimento de
estudos que possibilitem a compreensão da conexão entre as atitudes e a
confiança dos compradores.
Na prática, como os aspectos atitudinais e éticos afetam a confiança no
processo de compra organizacional, é recomendável que as empresas estabeleçam
diretrizes que orientem a conduta dos compradores e vendedores em suas
atividades profissionais.