Consumidor injustiçado, consumidor emocionado?: Uma análise das emoções em
episódios de reclamação
Profissionais e pesquisadores de marketing, atualmente, demonstram especial
interesse no comportamento do consumidor pós-compra (e.g., Smith e Bolton,
2002; Dos Santos, 2000; Tax, Brown e Chandrashkaran, 1998; Oliver, 1980), pois
é neste momento que o consumidor satisfaz ou não suas necessidades. Por isso,
temas como satisfação, gerenciamento de reclamações, emoções e percepção de
justiça têm-se mostrado essenciais à compreensão do consumidor e sua
consequente manutenção pelas empresas.
Estudos anteriores (e.g., Shoefer e Ennew, 2005) sugerem que, em episódios de
reclamação, o processo cognitivo gerado a partir da percepção de justiça pode
fazer surgir respostas emocionais que, por sua vez, podem impactar a
satisfação. Apesar dessas evidências, as respostas emocionais em experiências
de reclamação ainda têm recebido limitado interesse de pesquisa (Shoeffer;
Ennew, 2005). A partir desse pressuposto, propõe-se preencher a supracitada
lacuna através do estudo da justiça percebida, das emoções e da (in)satisfação
em episódios de reclamação. O foco proposto para a execução do estudo está na
justiça percebida em episódios de reclamação e em como ela afeta as emoções e a
satisfação do consumidor.
Evidências sugerem que reações emocionais associadas às experiências de consumo
podem ter um impacto significativo nas avaliações dos consumidores. As emoções
são reconhecidas como sendo relevantes na compreensão dos consumidores através
de diversas perspectivas diferentes, mas, surpreendentemente, elas ainda têm
recebido pouca atenção em trabalhos relacionados a reclamações e sua
recuperação.
O estudo dos antecedentes da satisfação se observa em episódios de reclamação,
já que estes representam momentos críticos da verdade para as empresas em seus
esforços para satisfazer e manter clientes (Smith; Bolton, 2002). Para Dos
Santos (2001), no Brasil, apesar de algumas empresas estarem atentas às
reclamações e estabelecerem mecanismos que as estimulem, o conhecimento acerca
das suas consequências ainda é limitado.
Evidências sugerem que reações emocionais associadas às experiências de consumo
podem ter um impacto significativo nas avaliações dos consumidores. As emoções
são reconhecidas como sendo relevantes na compreensão dos consumidores através
de diversas perspectivas diferentes, mas, surpreendentemente, elas ainda têm
recebido pouca atenção em trabalhos relacionados a reclamações e sua
recuperação (Schoefer; Ennew, 2005). Aliado a isso, as emoções geradas em
resposta às percepções de justiça têm atraído o interesse de pesquisadores,
sugerindo que experiências de injustiça provocam emoções específicas como raiva
e culpa (Schoefer; Ennew, 2005).
Conforme Tax, Brown e Chandrashekaran (1998), apoiando-se no conceito de
justiça, a reclamação é vista como um conflito entre o consumidor e a
organização, onde os justos procedimentos de resolução, comunicação e
comportamentos interpessoais, e resultados são vistos como os principais
critérios de avaliação do consumidor. A partir daí, surge o conceito
tridimensional de justiça, que inclui a justiça distributiva, processual e
interpessoal, formando a percepção de justiça global do consumidor (Schoefer;
Ennew, 2005). O conceito de justiça, portanto, envolve adequação de decisões e
facilita a compreensão do processo de reclamação do início ao fim; daí o valor
do estudo desse fenômeno (Tax; Brown; Chandrashekaran, 1998).
Portanto, considerando que a forma como a reclamação é gerenciada influencia a
percepção de justiça do consumidor (Dos Santos, 2001) e que as emoções e
satisfação podem configurar como consequências desta, buscou-se investigar
neste trabalho como a justiça percebida se relaciona com as emoções e a
(in)satisfação do consumidor em episódios de reclamação.
Satisfação
Poucas coisas são tão fundamentais ao marketing quanto satisfazer aos desejos e
necessidades do consumidor (Spreng; Mackenzie; Olshavsk, 1996). A satisfação é
o resultado principal da atividade de marketing e serve para ligar os processos
de compra e consumo com os fenômenos pós-compra, como mudança de atitude com
relação ao produto e intenção de recompra da mercadoria (Churchill; Surprenant,
1982). Identificar o que satisfaz o cliente tem caráter estratégico e fornece
conhecimentos essenciais para a construção e sedimentação das vantagens
competitivas das empresas (Rossi; Slongo, 1998; Herrmann et al., 2007).
A satisfação influencia também as intenções comportamentais futuras (Dos
Santos, 2000; 2001). As empresas podem tomar uma série de atitudes proativas,
visando satisfazer o consumidor acima de suas expectativas, e preparando o
caminho para resolvereventuais problemas antes que aconteçam, e ter bons canais
para atendimento e resoluçãodas queixas, evitando a dupla insatisfação.
Havendo insatisfação, os consumidores podem engajar-se em diversas ações, tais
como decidir não comprar o mesmo produto ou serviço, contar aos amigos sobre o
problema, não fazer nada, iniciar ações judiciais ou reclamar à empresa
(Hernandez; Fugate, 2004). Essas reclamações têm assumido importante papel
entre pesquisadores e empresas.
Comportamento de reclamação
O comportamento de reclamação do consumidor tem recebido atenção dos
pesquisadores desde a década de 1970 (Otto et al., 2005). No Brasil, o
interesse pela insatisfação do consumidor e seu comportamento de reclamação
deu-se, principalmente, após a aprovação do Código de Defesa do Consumidor
(CDC) no início dos anos 1990. Esse código reconhece os direitos básicos do
consumidor, criando normas específicas para a responsabilidade civil das
empresas, dispondo sobre a publicidade, estabelecendo mecanismos para o
controle das condições gerais dos contratos e instituindo instrumentos para
autodefesa dos consumidores (Dos Santos, 2001).
No que se refere à prática empresarial, nota-se que algumas empresas começam a
dar sinal de interesse na compreensão do comportamento pós-insatisfação,
através da adoção de sistemas que maximizem as oportunidades de queixas e
solicitações do cliente. Nesse sentido, a implantação do CDC aliada à abertura
da economia para o exterior incentivaram o surgimento dos serviços de
atendimento ao consumidor, os conhecidos DACs ou SACs.
A seguir, serão examinados os aspectos mais importantes da percepção de justiça
dos consumidores e da natureza de suas respostas emocionais, tendo em vista que
estudos contemporâneos sobre reclamações propiciam substanciais evidências da
adequação dos conceitos de justiça, equidade e emoções como base para entender
o processo de reclamação e seus resultados (Kau; Loh, 2006; Shoefer; Ennew,
2005; Smith; Bolton, 2002; Tax; Brown; Chandrashekaran, 1998; Lapidus;
Pinkerton, 1995).
Percepção de justiça
A literatura corrente propõe que o conceito de justiça pode ser avaliado
através de três dimensões:
• justiça processual refere-se às políticas e critérios usados pelos tomadores
de decisão para resolver disputas e alocar benefícios;
• justiça interpessoal relativa à qualidade do tratamento interpessoal que
indivíduos recebem durante o processo;
• e justiça distributiva refere-se aos resultados do processo (Schoefer; Ennew,
2005; Dos Santos, 2001; Colquitt et al., 2001; Tax; Brown; Chandrashekaran,
1998; Cox, 2001).
O estudo da justiça associado ao estudo dos episódios de reclamação é relevante
haja vista que o processo de gerenciamento de reclamação se inicia com uma
reclamação do cliente, que, tipicamente, gera interações - entre o reclamante e
os representantes da empresa - e resultados (Tax; Brown; Chandrashekaran,
1998). Neste contexto, aspectos vinculados ao tratamento interpessoal, aos
procedimentos adotados pela empresa e aos benefícios obtidos após o processo
irão formar as avaliações do consumidor sobre a justiça do episódio. Assim, os
reclamantes utilizariam as três dimensões de justiça ' interpessoal, processual
e distributiva ' na avaliação dos esforços de recuperação das empresas (Smith;
Bolton, 2005; Dos Santos, 2001).
Emoções
As emoções devem ser vistas como o resultado de um evento específico,
comportamento, situação ou pensamento. Todavia, não é o evento, comportamento,
situação ou pensamento em si que cria a emoção, mas a maneira como o indivíduo
os avalia. Assim, o mesmo tipo de circunstância pode provocar diversas reações
emocionais em diferentes indivíduos (Schoefer; Ennew, 2005).
Smith e Bolton (2002) desenvolveram um dos mais notáveis estudos sobre emoções
e reclamações, que explorou os efeitos das emoções nas avaliações dos
consumidores diante de recuperação de serviços. Os resultados obtidos sugerem
que os consumidores que respondem a falhas com emoções fortes e negativas
tendem a ser menos satisfeitos com a recuperação da falha do que aqueles que
responderam com pouca ou nenhuma emoção. Tais achados sugerem que satisfação
com a recuperação de falhas é vista como o resultado da interação de elementos
cognitivos (julgamentos e avaliações) e afetivos (sentimentos e emoções). Por
isso, as emoções são evocadas como uma consequência das falhas (Smith; Bolton,
2002).
Schoefer e Ennew (2005) concluíram que diferentes graus de justiça percebida na
recuperação de falhas impactam o estado emocional dos consumidores. Os achados
sugeriram que a apreciação cognitiva da justiça percebida pode fazer surgir
respostas emocionais, que, por sua vez, podem impactar na satisfação com o
gerenciamento de reclamações. Foi demonstrado, também, que baixos níveis de
justiça percebida geram altos níveis de emoções negativas, como raiva; por
outro lado, altos níveis de justiça percebida aumentam a propensão a emoções
positivas, como felicidade e alegria (Shoefer; Ennew, 2005).
Modelo conceitual e hipóteses
O modelo teórico utilizado como base para se investigar as relações entre
percepção de justiça, emoções e satisfação em episódios de reclamações (ver
Figura 1) foi desenvolvido a partir de pesquisas sobre justiça no gerenciamento
de conflitos entre consumidores e empresas (e.g., Dos Santos e Fernandes, 2007;
Schoefer e Ennew, 2005; Huang e Lin, 2005; Tax, Brown e Chandrashekaran, 1998;
Tax, 1993) e estudos sobre emoções (e.g., White e Yu, 2005; Espinoza, 2004;
Smith e Bolton, 2002; Izard, 1977).
Figura 1
Composição de cada constructo do modelo
A idéia central deste modelo é que as percepções de justiça vividas em
episódios de reclamação relacionar-se-ão com as emoções e a satisfação do
consumidor. De forma mais específica, o modelo indica que as percepções de
justiça distributiva, interpessoal e processual afetarão as emoções do
consumidor e sua satisfação. Destaque-se que não analisamos neste artigo o
papel das emoções como mediadoras do impacto das percepções de justiça na
satisfação final, mas tão só o papel da justiça nas emoções e na satisfação do
consumidor.
A satisfação do consumidor com um episódio de reclamação é resultado da
avaliação sobre os aspectos envolvendo o resultado final, o processo que levou
a tal resultado e a maneira como o consumidor foi tratado e comunicado durante
o episódio, i.e., quão justos foram estes aspectos (e.g., Moraes, 2008; Dos
Santos, 2001, 2000; Tax, 1993; Tax, Brown e Chandrashekaran, 1998). Contudo,
começou-se a perceber que, nesses episódios, os consumidores experimentam
também emoções após a percepção de justiça (e.g., Schoefer e Ennew, 2005; Smith
e Bolton, 2002).
Desta forma, baseando-se na extensa literatura sobre justiça, emoções e
satisfação é proposto que a percepção independente de cada dimensão de justiça
' distributiva, processual e interpessoal ' se relaciona com a satisfação e com
as emoções dos consumidores.
Assim, as hipóteses geradas a partir do modelo proposto, bem como os autores
utilizados para seu embasamento são:
• H1: a percepção de justiça interpessoal em episódios de reclamação se
relaciona com as emoções do consumidor (Shoefer; Ennew, 2005);
• H2: a percepção de justiça interpessoal em episódios de reclamação se
relaciona com a satisfação do consumidor (Smith; Bolton, 2002; Tax; Brown;
Chandrashekaran, 1998; Dos Santos, 2001);
• H3: a percepção de justiça processual em episódios de reclamação se relaciona
com as emoções do consumidor (Shoefer; Ennew, 2005).
• H4: a percepção de justiça processual em episódios de reclamação se relaciona
com a satisfação do consumidor (Smith; Bolton, 2002; Tax; Brown;
Chandrashekaran, 1998; Dos Santos, 2001);
• H5: a percepção de justiça distributiva em episódios de reclamação se
relaciona com as emoções do consumidor (Shoefer; Ennew, 2005).
• H6: a percepção de justiça distributiva em episódios de reclamação se
relaciona com a satisfação do consumidor (Smith; Bolton, 2002; Tax; Brown;
Chandrashekaran, 1998; Dos Santos, 2001).
Método
Esta pesquisa se caracteriza como descritiva de corte transversal, utilizando
um instrumento de coleta de dados que possibilitou a obtenção de uma
«fotografia» das variáveis estudadas em um momento específico no tempo, com o
uso de uma amostra representativa da população. Esta escolha ocorreu em razão
do objetivo de estabelecer associações entre variáveis comportamentais em
situações reais de consumo. A seguir, discute-se a população e a amostra do
estudo e os procedimentos de coleta e análise dos dados.
• População e amostra
A população foi constituída por todos os consumidores que não tiveram seus
problemas resolvidos pela empresa reclamada. A amostra foi selecionada a partir
da população atendida no Juizado Especial e no PROCON (Órgão de Proteção e
Defesa do Consumidor) da cidade de João Pessoa ' Paraíba, Brasil.
O fator que influenciou a escolha desses locais para aplicação dos
questionários foi a preocupação em pesquisar indivíduos que estivessem vivendo
a reclamação e a emoção específica deste momento ou a tivessem vivido
recentemente. A amostra pode ser, assim, caracterizada como conveniência por
julgamento (Malhotra, 2001). Ainda que possam utilizar atributos de avaliação
diferentes de outros grupos de reclamantes, consumidores que não tiveram seus
problemas resolvidos pela empresa em primeira instância e buscaram juizados e
órgãos de defesa para solucionar seus problemas, foram considerados apropriados
para este estudo pela intensidade das respostas emocionais e pelo caráter
recente do fato gerador da reclamação e da emoção sentida.
A amostra foi composta de 300 respondentes. Esse número provém das sugestões de
que é relevante que o número de respondentes seja 5 a 10 vezes superior ao
número de parâmetros a ser estimado no cálculo de algumas técnicas de análise
multivariada (Hair et al., 2005). Apesar de a relação mínima sugerida de casos
por variável não ter sido alcançada perfeitamente (4,47), considerou-se o
número de casos satisfatório, tendo-se em vista que na mensuração dos tipos de
justiça havia duas questões para cada aspecto avaliado (por exemplo, para
acessibilidade, na justiça processual, foram feitas as seguintes perguntas com
significados muito parecidos: «foi difícil descobrir para quem reclamar dentro
da empresa?» e o «acesso à empresa para fazer a reclamação foi fácil?»).
• Procedimentos de coleta de dados
Foram utilizadas questões objetivas utilizando escalas de concordância do tipo
Likert de cinco pontos, de «1-discordo totalmente» a «5-concordo totalmente».
O instrumento compunha-se das seguintes escalas:
• a Escala de Izard (1977), chamada Differential Emotions Scale' DES II, é
utilizada largamente em pesquisas com objetivos semelhantes e foi validada no
Brasil por Larán (2003). Ela foi utilizada em sua forma completa de modo a
obter um resultado mais confiável, ou seja, para cada uma das emoções
fundamentais existem três emoções que a compõem (Interesse: atento,
concentrado, alerta; Alegria: encantado, feliz, alegre; Raiva: enfurecido,
bravo, irado; Desgosto: sentimento de desprazer, desgostoso, sentimento de
aversão; Desprezo: desprezível, arrogante, desdenhoso; Angústia: desanimado,
triste, desencorajado; Medo: assustado, amedrontado, receoso; Vergonha:
embaraçado, envergonhado, tímido; Culpa: arrependido, culpado, censurável;
Surpresa positiva: surpreso (de forma positiva), pasmo (de forma positiva),
atônito (de forma positiva); Surpresa negativa: surpreso (de forma negativa),
pasmo (de forma negativa), atônito (de forma negativa). O que totalizou um
número de trinta e três itens pesquisados (Larán, 2003; Izard, 1977).
• a Escala de Justiça Percebida, desenvolvida por Tax (1993) e validada no
Brasil por Dos Santos (2001), propõe elementos caracterizadores para cada
dimensão de justiça e, a partir desses elementos, perguntas que identificam a
percepção do consumidor relativa a cada dimensão de justiça. Esses elementos
são: justiça interpessoal (honestidade, cortesia, explicação, esforço,
empatia); justiça processual (controle de decisão, controle de processo,
acessibilidade, flexibilidade, velocidade de resposta); e justiça distributiva
(equidade, igualdade, necessidade). Para cada uma das dimensões de justiça,
além dos elementos supracitados, havia uma questão sobre a percepção geral que
o entrevistado tinha a respeito desta. Alguns itens da escala foram
operacionalizados em mais de uma afirmação para se garantir maior coerência das
respostas e estão expostos na Tabela 1. Este estudo considerou três dimensões
distintas e não um constructo global de justiça conforme a visão de Taxet al.
(1998) e Dos Santos (2001).
Tabela_1
Médias e desvio padrão das variáveis de justiça interpessoal, processual e
distributiva e satisfação
• A satisfação foi analisada tanto em termos de performance quanto de
desconfirmação de expectativas e os seus três itens foram adaptados a partir
dos trabalhos de Oliver (1980), Dos Santos (2001) e Tax (1993).
O questionário foi de autopreenchimento e aplicado durante o mês de dezembro de
2008 nos períodos da manhã e tarde no PROCON municipal e no IV Juizado Especial
Cível.
• Procedimentos de análise dos dados
Foi feita uma análise de regressão múltipla, no software SPSS 15.0, com o
intuito de investigar a influência das percepções de justiça nas emoções e na
satisfação. Esta técnica multivariada é indicada para avaliar as relações
associativas entre variáveis independentes e uma dependente (Malhotra, 2001).
As variáveis independentes nesta análise foram as percepções de justiça
(interpessoal, processual e distributiva), e as dependentes foram as emoções
(raiva, desgosto, desprezo, angústia, medo, vergonha culpa, interesse, alegria
e surpresa) e a satisfação. As análises estatísticas serão discutidas com maior
profundidade na análise dos resultados.
Análise e discussão dos resultados
Inicialmente, são apresentadas as tabelas com dados descritivos das variáveis
analisadas de justiça interpessoal, processual e distributiva e satisfação
(Tabela_1) e emoções (Tabela 2).
Tabela 2
Médias e desvio padrão das variáveis de emoções
As relações entre as percepções de justiça, as emoções e a satisfação foram
investigadas mediante análise de regressão múltipla. A regressão múltipla é
indicada para avaliar as relações associativas entre variáveis independentes e
uma dependente (Malhotra, 2001). As variáveis independentes na presente análise
foram: justiça processual, justiça interpessoal e justiça distributiva. As
variáveis dependentes foram a satisfação e as emoções (interesse, alegria,
raiva, desgosto, desprezo, angústia, medo, vergonha, culpa, surpresa positiva e
surpresa negativa). Este teste buscou verificar a ordem de importância de cada
uma das variáveis dentro de seu respetivo bloco através do valor do coeficiente
Beta (ß).
Assim, o ß de cada variável indica a sua ordem de importância dentro do bloco,
ou seja, a ordem de importância das variáveis na percepção dos respondentes é
dada pela ordem dos valores do ß para cada uma das variáveis analisadas. O
valor positivo de ß indica que a variável dependente aumenta quando a
independente aumenta, e o valor negativo indica a relação contrária. O valor do
explica o percentual em que as variáveis presentes naquele bloco foram capazes
de explicar a respectiva emoção. Este valor varia de 0 a 1. Quanto mais próximo
de 1, melhor a variável dependente pode ser explicada pelas variáveis
independentes.
Na Tabela 3 apresentam-se os resultados obtidos com a análise de regressão
tendo as justiças como variáveis independentes e as emoções como dependentes
(itens sombreados referem-se às emoções que se relacionam com as percepções de
justiça e às respetivas justiças que se relacionam com essa emoção; itens em
negrito correspondem às emoções e justiças que não se relacionam).
Tabela 3
Análise de regressão: justiças emoções
Das variáveis da escala de emoções, «surpresa negativa» e «raiva» foram as que
apresentaram os maiores índices para o , 15,8% e 15,4% de explicação,
respectivamente.
O valor ß demonstra o percentual de contribuição da variável independente que
explica a variação da variável dependente. Vê-se que, em alguns casos, esse
índice possui sinal negativo; isso mostra que, quanto maior a percepção de
determinada justiça, menor a emoção vivida. Dessa forma, percebe-se, por
exemplo, que, quanto maior a percepção de justiça processual (ß = - 0,198) e
interpessoal (ß = - 0,173), menor a raiva sentida pelo reclamante; que quanto
maior a percepção de justiça distributiva (ß = - 0, 205) menor o desgosto do
reclamante. No sentido oposto, pode-se citar que quanto maior a percepção de
justiça interpessoal (ß = 0, 236), maior é a surpresa positiva. Esses achados
confirmam o senso comum de que quanto mais alta a percepção de justiça, maiores
serão a satisfação e as emoções positivas geradas. Na Tabela 4 podem ser vistas
todas essas relações.
Tabela 4
Relações entre percepções de justiça e emoções determinadas através dos valores
de Beta
Através do «valor p» é possível identificar se há relação das justiças com cada
emoção. Caso o «valor p» seja menor que 0,05 é sinal de que a relação da
respetiva justiça com a emoção é significativa, e caso seja superior a 0,05 não
é significativa, dizendo-se então que não se relaciona. Percebe-se que, com
exceção do «medo», «vergonha» e «culpa», todas as demais emoções e a satisfação
se relacionam com pelo menos uma percepção de justiça.
A justiça processual relaciona-se com a satisfação e três emoções (raiva,
desprezo, surpresa negativa), confirmando as hipóteses H3 e H4; a justiça
interpessoal relaciona-se com a satisfação e também três emoções (alegria,
raiva, surpresa positiva), confirmando as hipóteses H1 e H2; e, por fim, a
justiça distributiva relaciona-se com a satisfação e cinco emoções (interesse,
desgosto, angústia, surpresa positiva e surpresa negativa), confirmando as
hipóteses H5 e H6; como pode-se ver na Figura 2.
Figura 2
Presença/ausência de relação das percepções de justiça e emoções
A Tabela 5 traz os resultados obtidos com a análise de regressão tendo as
justiças como variáveis independentes e a satisfação como dependente.
Tabela 5
Análise de regressão: justiças satisfação
Analisando os valores de nota-se que a satisfação é bem explicada pelas
percepções de justiça, tendo-se em vista que esse índice indica que 38% da
variação de satisfação é explicada pelas variáveis independentes (justiça
processual, interpessoal e distributiva), sendo a justiça distributiva aquela
com maior poder de explicação (ß =0,435). Ou seja, para a amostra, a satisfação
é, significativamente, formada pelas percepções de justiça.
Observando o valor de ß, vê-se que, quanto maior a percepção de justiça
distributiva (ß = 0, 435), maior a satisfação do reclamante. Através do «valor
p» identifica-se a relação das justiças com a satisfação, sendo esta
significativa para as três justiças (p< 0,05). Nota-se assim que a satisfação
relaciona-se com três percepções de justiça, sendo a justiça distributiva a que
demonstrou maior índice de relação, demonstrando assim que o resultado obtido
com a reclamação é um fator chave para a satisfação do reclamante. Com a
análise destes resultados cumprem-se os objetivos do estudo e confirmam-se as
hipóteses previstas.
Considerações finais
Enquanto a maior parte dos estudos sobre reclamação investiga intenções
comportamentais ' intenções de recompra e de comunicação boca em boca, por
exemplo (Dos Santos, 2001) ', este estudo focou a análise das emoções e da
satisfação como variáveis dependentes das percepções de justiça em episódios de
reclamação. Diferencia-se também de outros estudos com enfoque semelhante
(e.g., Schoefer e Ennew, 2005; Smith e Bolton, 2002) por investigar a percepção
de indivíduos que realmente viveram um episódio negativo de reclamação e por
considerar reclamações a empresas de vários setores econômicos.
Os resultados corroboraram a ideia de que a maneira como as reclamações são
resolvidas tem importante papel na formação da satisfação (e.g., Dos Santos,
2001; Tax, Brown e Chandrashkaran, 1998) e das emoções dos consumidores (e.g.
Smith e Bolton, 2002; Schoefer e Ennew, 2005). Como era esperado, em se
tratando de uma situação potencialmente conflituosa, as emoções negativas foram
as mais vivenciadas pelos respondentes. No entanto, um resultado que chama
atenção diz respeito ao fato de que a surpresa negativa foi uma das emoções
experienciadas com maior intensidade pelos entrevistados, demonstrando que o
consumidor não está totalmente descrente com a empresa no momento da reclamação
e espera dela uma resposta positiva nestes momentos, surpreendendo-se quando
não a obtém.
Embora pesquisadores venham destacando as emoções como importante campo de
estudo no marketing (e.g., Espinoza, 2004), e não obstante o interesse em
estudá-las em episódios de reclamação venha, também, aumentando (e.g., Smith e
Bolton, 2002; Schoefer e Ennew, 2005), poucos trabalhos foram encontrados
investigando a influência das percepções de justiça nas emoções nesses
episódios. Nesse sentido, o que se buscou como diferencial neste estudo foi a
investigação da influência de percepção de cada justiça (interpessoal,
processual e distributiva) em cada uma das emoções da escala de Izard (1977).
Foi constatado que, com exceção das emoções «medo», «vergonha» e «culpa», todas
as demais emoções sofrem influência de pelo menos uma percepção de justiça.
Dentre as percepções de justiça, a que apresentou o maior número de relações
com as emoções foi a justiça distributiva, demonstrando que são os resultados
obtidos que realmente determinam os sentimentos do consumidor. Sobre a
satisfação, constatou-se uma relação com as três percepções de justiça, sendo
também a justiça distributiva a que exerce maior impacto, ficando claro que nas
reclamações são os resultados que efetivamente satisfazem os consumidores.
Em síntese, verificou-se que a justiça processual relaciona-se com a satisfação
e três emoções (raiva, desprezo, surpresa negativa), a justiça interpessoal
relaciona-se também com a satisfação e três emoções (alegria, raiva, surpresa
positiva) e, por fim, a justiça distributiva se relaciona com a satisfação e
cinco emoções (interesse, desgosto, angústia, surpresa positiva e surpresa
negativa).
Em síntese, verificou-se que a justiça processual relaciona-se com a satisfação
e três emoções (raiva, desprezo, surpresa negativa), a justiça interpessoal
relaciona-se também com a satisfação e três emoções (alegria, raiva, surpresa
positiva) e, por fim, a justiça distributiva se relaciona com a satisfação e
cinco emoções (interesse, desgosto, angústia, surpresa positiva e surpresa
negativa).
Sob a perspectiva gerencial, este estudo pode contribuir para uma melhor
compreensão de como os consumidores percebem a justiça em processos de
reclamação e quais são suas reações emocionais, oferecendo aos profissionais
responsáveis pelo gerenciamento de reclamações a oportunidade de construir
estratégias no sentido de satisfazê-los plenamente e desenvolver e manter
relacionamentos longos e duradouros com seus clientes.
Profissionais de marketing devem perceber que sem a reclamação do consumidor é
muito difícil realizar um serviço de recuperação. Consumidores que optam por
reclamar estão oferecendo às empresas a oportunidade de demonstrarem sua
confiabilidade e as resoluções adotadas por estas acabam guiando atitudes e
comportamento do consumidor.
É importante que as organizações estimulem e facilitem o comportamento de
reclamação. O cliente insatisfeito que opta por não reclamar pode representar
algo desastroso para a empresa, pois atrás do silêncio pode haver profunda
desconfiança e alta propensão ao boca em boca negativo (Kau; Loh, 2006). Isso
implica que investimentos no gerenciamento de reclamações são necessários e
podem melhorar as avaliações da empresa por parte dos clientes e construir
relacionamentos mais duradouros, além de que as reclamações dos clientes,
frequentemente levadas ao PROCON e aos Tribunais, implicam custos elevados,
tanto para a área de marketing, quanto para a área jurídica das empresas. A
maneira como as empresas gerenciam as reclamações dos consumidores torna-se,
por isso, fator crítico para a satisfação destes.
As empresas devem tomar uma série de atitudes proativas, visandosatisfazer o
consumidor acima de suas expectativas, e preparando o caminho para
resolvereventuais problemas antes que aconteçam, e ter bons canais para
atendimento e resoluçãodas queixas, evitando a dupla insatisfação. Se os
gerentes forem capazes de desenvolver um melhor entendimento das causas das
emoções e da (in)satisfação dos consumidores durante a reclamação, então
estarão aptos a implementar e gerenciar o processo de recuperação de falhas de
modo a estimular emoções positivas no consumidor e sua consequente satisfação.
É importante que as empresas detetem quem está interagindo com os reclamantes,
pois estabelecer o gerenciamento de reclamações como um importante papel a ser
desenvolvido pelos funcionários que têm contato direto com os clientes é
fundamental para garantir um tratamento justo à reclamação. O treinamento
desses funcionários nesse sentido é imprescindível (Tax; Brown;
Chandrashekaran, 1998). Pode-se dizer que a nova consciência de cidadania do
consumidor, que passou a exigir mais os seus direitos, exerceu uma função
transformadora, levando as empresas a reverem seus conceitos e práticas de
atendimento ao público.