Seleção e competências dos expatriados e estratégias de internacionalização: Um
estudo exploratório de empresas portuguesas
O processo de seleção e as competências dos candidatos a expatriar têm atraído
a atenção dos investigadores e gestores, pois o insucesso da expatriação pode
estar associado ao desajustamento de competências. Este trabalho insere-se
nesta linha de investigação e incide sobre empresas portuguesas que operam em
mercados internacionais e expatriaram recursos humanos.
A pesquisa visa a identificação do perfil de competências que tornam um
trabalhador candidato à expatriação e influenciam o sucesso da missão
internacional. A literatura refere um conjunto de qualidades e competências que
os expatriados devem ter, que inclui capacidades técnicas, mas também
comportamentos e atitudes de trabalho que facilitem o ajustamento a contextos
culturais diversos (i.e., Tung, 1981; Hammer et al., 1988). Todavia, não existe
um consenso sobre o tipo de competências que são requeridas aos expatriados. O
artigo analisa um conjunto de aptidões que são essenciais num candidato a
expatriação. Adicionalmente, explora a relação entre a estratégia de gestão
internacional das empresas e as competências dos expatriados.
As questões de pesquisa são as seguintes: Qual o perfil de competências de um
candidato à expatriação? Deverá ser exclusivamente técnico, comportamental ou
misto? O que influencia a escolha das competências? Em que medida as
estratégias de gestão internacional influenciam os critérios de seleção de
expatriados e as competências requeridas?
A pesquisa é de natureza qualitativa e exploratória e assenta em três casos de
empresas portuguesas internacionalizadas. A informação foi recolhida em 2012 e
a seleção da amostra incidiu em empresas de setores de atividade distintos. A
opção por múltiplos casos permite a comparação e a identificação de semelhanças
entre empresas, não deixando de considerar as particularidades de cada caso. O
estudo contribui para melhorar a informação sobre os critérios de seleção de
trabalhadores a expatriar e para a formação dos expatriados
O artigo está organizado da seguinte forma. A secção seguinte apresenta a
literatura sobre as estratégias de internacionalização, as políticas de
expatriação das empresas e as competências dos expatriados. Posteriormente,
descreve-se a metodologia. A penúltima secção aborda a análise empírica e a
discussão de resultados e algumas notas conclusivas estão na secção final.
Revisão da Literatura
. Estratégias de internacionalização e processos de expatriação
Diversos autores consideram que a estratégia internacional das empresas é
fundamental para compreender os processos de expatriação (e.g. Adler e Ghadar,
1990). A literatura mesmo sem apresentar uma tipologia consensual, assume a
existência de vários tipos de empresas com base nas estratégias de
internacionalização e, apesar de vários autores (e.g. Perlmutter, 1969;
Bartlett e Ghoshal, 1989; 1992 Caligiuri e Colakoglu, 2007) proporem
designações distintas para os tipos de empresas e variáveis diferentes para os
distinguir, existe uma razoável convergência nas propostas.
No seu trabalho pioneiro, Perlmutter (1969) caracterizou as empresas com
atuação internacional em três tipos: etnocêntricas, orientadas para o país de
origem; policêntricas, orientadas para o país de acolhimento; geocêntricas,
orientadas para o mundo.
Nas empresas etnocêntricas, os critérios de desempenho são definidos no país de
origem; os fluxos de comunicação e informação entre a casa-mãe e as
subsidiárias são intensos e os recursos humanos do país de origem são
recrutados e formados para ocuparem posições-chave no de acolhimento. Nas
empresas policêntricas considera-se que os países de acolhimento têm
especificidades, consequentemente os critérios de desempenho são fixados
localmente; os fluxos de comunicação e de informação entre a casa-mãe e as
subsidiárias são pouco intensos e existe o recrutamento e a formação local de
quadros para ocuparem posições-chave no seu país. Finalmente, nas empresas
geocêntricas, as subsidiárias fazem parte de um todo integrado e orientado para
objetivos globais e locais, e, por isso, os padrões de desempenho resultam da
colaboração entre as subsidiárias e a casa-mãe; os fluxos de comunicação e de
informação são intensos entre a casa-mãe e as subsidiárias e entre as
subsidiárias; a política de recrutamento e de formação é baseada no pressuposto
de que para as funções-chave é necessário escolher as pessoas adequadas,
independentemente da nacionalidade.
Uma das tipologias mais referenciadas na literatura é a de Bartlett e Ghoshal
(1989) que consideram que as empresas tendem a optar por três tipos de
estratégias: global, multinacional e transnacional.
Uma empresa global apresenta uma estrutura centralizada, o papel das
subsidiárias é o de implementar a estratégia da casa-mãe. Os fluxos de
comunicação e de informação entre a sede e as subsidiárias são intensos. Existe
um número expressivo de expatriados a exercerem funções-chave nas subsidiárias.
A estratégia multinacional assenta na diferenciação. As subsidiárias têm
autonomia para adaptarem as políticas, as práticas e os recursos aos mercados
locais. A estrutura organizacional é descentralizada e pouco integrada. Os
fluxos de comunicação, de informação e de pessoas da casa-mãe para as
subsidiárias não são muito intensos.
A estratégia transnacional focaliza-se na diferenciação local e na eficiência
global. As empresas adotam a forma de uma networkintegrada e interdependente em
que as subsidiárias têm um papel estratégico. Os fluxos de comunicação, de
informação, de produtos e pessoas entre a casa-mãe e as subsidiárias e entre as
subsidiárias são intensos. Neste tipo de empresas, o papel dos expatriados
incidirá na transferência de conhecimento técnico ou de gestão, na criação de
redes informais de comunicação e na contribuição para uma cultura
organizacional comum.
Seguindo esta linha de investigação, o trabalho de Caligiuri e Colakoglu (2007)
articula a estratégia de internacionalização, as atribuições dos expatriados e
as práticas de gestão dos expatriados. Os autores caracterizam três tipos de
estratégias que relacionam com quatro tipos de missões atribuídas aos
expatriados. Estas estão associadas ao desempenho de atividades distintas e
exigem dos expatriados competências interculturais diferentes[1].
As missões técnicas exigem poucas ou nenhumas competências interculturais, as
funcionais pressupõem competências interculturais para agir localmente, as de
desenvolvimento não as exigem, mas desenvolvem-nas e as missões estratégicas
pressupõem competências interculturais elevadas.
As empresas que adotam uma estratégia local dão autonomia às subsidiárias, no
entanto continuam a necessitar de expatriados para transferir o conhecimento
técnico e funcional. Nesta estratégia, as missões de desenvolvimento são menos
prováveis porque a integração global e o desenvolvimento de talentos não são
uma prioridade e as missões estratégicas também não são muito requeridas, pois
não se pretende o controlo intenso das subsidiárias.
As organizações com uma estratégia centralizada querem disseminar os valores,
as políticas e a cultura do país de origem. Assim, à semelhança do que acontece
com as organizações com uma estratégia local, estas necessitam de utilizar
missões técnicas e funcionais para transferir conhecimento. Todavia,
contrariamente às empresas com uma estratégia local necessitam de recorrer a
missões estratégicas para conseguirem o controlo direto sobre as operações.
Estas empresas também não consideram como prioridade o desenvolvimento do
talento global ou a partilha de conhecimento.
As multinacionais que adotam uma estratégia global não pretendem assumir o
controlo das subsidiárias, mas integrar o melhor de todas as unidades numa
cultura organizacional comum e numa estratégia de negócio global, as missões de
desenvolvimento e as estratégicas estão presentes nestas organizações.
Contudo, estudos recentes indicam que as multinacionais tendem a adotar modelos
híbridos (e.g. Rose e Kumar, 2007) e que as estratégias de internacionalização
e os processos de expatriação devem ser perspetivadas como dinâmicos e
evolutivos (e.g. Taylor et al. 1996, Gong, 2003), sendo influenciados por
vários fatores, entre eles: a origem geográfica da empresa (e.g. Harzing,
2001); o estádio de internacionalização e o risco político do país de
acolhimento (e.g. Bonache et al. 2001); e a distância cultural entre países
(e.g. Colakoglu, 2008).
Os resultados dessa investigação revelam que as estratégias de
internacionalização influenciam o número e a função dos expatriados (e.g. Gong,
2003), o que se reflete no desempenho das subsidiárias. Indicam ainda que a
transferência de práticas não é unidirecional. Os modelos de gestão de recursos
humanos influenciam e são influenciados pelas empresas subsidiárias (Chew e Zu,
2002).
. Competências dos expatriados
Da revisão da literatura apresentada ressaltam contribuições para o perfil de
competências dos expatriados. Apesar da relevância deste tópico, o perfil de
competências exigido não reúne consenso entre os autores. Tung (1981) considera
que um expatriado deve ter competências técnicas ou capacidades relacionadas
com as atividades que irá desenvolver. Brislin (1981) coloca o enfoque em
traços pessoais como a inteligência, tolerância e paciência, mas acrescenta
também competências relacionais como empatia, sociabilidade e orientação não
julgadora. Hammer et al. (1988) referem as competências comunicacionais, tais
como respeito, orientação não julgadora, empatia, a capacidade para lidar com o
stress, o estabelecimento de relações interpessoais e a tolerância à
ambiguidade. Yavas e Bodur (1999) descrevem as aptidões pessoais requeridas que
incluem a sensibilidade cultural, afinidade e simpatia, capacidade de adaptação
a novas culturas, desafios e preparação mental para as diferenças culturais
inerentes ao projeto. Frank e Nicholson (2002) concluem, a partir do estudo
sobre os critérios de seleção dos expatriados, que as empresas valorizam
sobretudo as competências técnicas, o desempenho anterior e a independência de
gestão. Schneider e Barsoux (2003) salientam as qualidades interpessoais, as
capacidades linguísticas, a motivação para viver no estrangeiro (curiosidade
cultural), a tolerância à incerteza e ambiguidade, a flexibilidade, a paciência
e o respeito, a empatia cultural, a personalidade forte e o sentido de humor.
Em síntese, não existe ainda um consenso sobre as competências subjacentes à
seleção de expatriados. A diversidade de contextos culturais, as estratégias de
internacionalização, a variedade de funções atribuídas aos expatriados e a
multiplicidade de políticas de expatriação dificultam a tarefa de definição de
competências (Deller, 1997).
Todavia, existe um subconjunto de competências que reúne algum consenso, o qual
está particularmente relacionado com competências que são relevantes para o
ajustamento intercultural do expatriado. Por exemplo, McCall e Hollenbeck
(2003) sublinham que certas qualidades são fundamentais, designadamente a mente
aberta e flexível, aliada à capacidade de viver e de trabalhar em variados
cenários com múltiplas pessoas de culturas diferentes. O interesse e a
sensibilidade cultural é igualmente um dos aspetos fundamentais, primando pelo
respeito por outras culturas e pontos de vista, valorizando a empatia, as
competências e atitudes sociais. Além disso, essas competências influenciam-se
mutuamente, operam de uma forma sinérgica e têm consequentemente impacto
conjunto na capacidade de ajustamento dos expatriados (Wang et al., 2014).
A par do reduzido consenso sobre as competências necessárias, a literatura é
escassa na análise da relação entre o modelo de gestão internacional, o
processo de expatriação e as competências exigidas aos candidatos. Bonache et
al. (2001) sublinham que muitos estudos falham na análise da relação entre
expatriação e estratégias de internacionalização das empresas. Neste sentido,
Brewster e Scullion (1997) acrescentam que as políticas de seleção dos
expatriados são frequentemente desenvolvidas de forma isolada e fracassam em
relacionar a seleção dos expatriados com a estratégia de internacionalização de
empresas. Adler e Ghadar (1990), do seu lado, sugerem que os processos de
expatriação, nomeadamente a seleção dos candidatos, os critérios utilizados na
avaliação do seu desempenho e o impacto que a experiência internacional tem nas
carreiras, devem ser coerentes com o contexto em que as multinacionais operam e
com a sua estratégia.
Dados e Metodologia
O estudo recorreu a uma amostra de três empresas portuguesas
internacionalizadas com subsidiárias. A amostra não é representativa da
população, mas do assunto que se pretende estudar e inclui empresas de
diferentes setores: alimentar, construção e informática.
O interlocutor privilegiado foi o gestor de recursos humanos que, através de
uma entrevista semiestruturada, forneceu informação sobre a estratégia de
internacionalização, os países de acolhimento, o número de colaboradores
expatriados e as missões a desenvolver.
Relativamente aos critérios de seleção, o guião da entrevista foi acompanhado
por uma lista de competências concebida a partir da literatura que foi
apresentada ao entrevistado. Procurou ainda recolher informação sobres
competências sugeridas pelas empresas que não estavam previstas na proposta
inicial. Adicionalmente foram tratados dados secundários relativos ao perfil
demográfico dos expatriados. A informação recolhida foi submetida a uma análise
de conteúdo.
No que respeita a classificação de competências, adotamos a proposta de Suleman
(2012) que distingue capacidades cognitivas relacionadas com atividades
mentais; capacidades estratégicas e organizacionais relevantes para a
prossecução do negócio; capacidades relacionais e pessoais associadas aos
comportamentos interpessoais e características individuais.
Evidência Empírica
. Caracterização das empresas da amostra
A Tabela_1 sistematiza a informação sobre as empresas, expatriados e suas
características gerais.
A empresa A pertence a um grupo português do setor da indústria alimentar, com
filiais em Portugal e na Polónia. É uma grande empresa que tem 10 expatriados
portugueses na Polónia e 2 expatriados polacos em Portugal. O tempo médio de
expatriação varia entre 4 a 5 anos.
Este grupo empresarial tem um único conselho de administração, sediado em
Portugal, e uma única direção executiva, constituídos por membros das duas
filiais. As decisões sobre o posicionamento no mercado, os objetivos
estratégicos e os padrões de performance são tomadas conjuntamente. As reuniões
de quadros do grupo, para a apresentação de resultados ou a definição dos
planos estratégicos, integram responsáveis de Portugal e da Polónia.
As práticas de gestão de recursos humanos das duas geografias são delineadas
pelos responsáveis de recursos humanos, em consonância com os objetivos
estratégicos do grupo, sendo aprovadas pelo Conselho de Administração e pela
Direção Executiva. A Direção de Recursos Humanos admite que, apesar de
existirem estilos e métodos próprios em cada unidade, os princípios de gestão
das duas geografias são os mesmos. A afetação dos recursos humanos responde às
necessidades globais do negócio e obedece ao princípio do melhor enquadramento
de competências para o desempenho da função, independentemente da origem e
destino geográficos. O modelo de gestão de recursos humanos implementado segue
um padrão de gestão global mas com respeito pelas particularidades locais. É
flexível para atender às necessidades do país de destino mas coerente com a
coordenação global. Como afirma o interlocutor, «o grupo destaca-se por ser
capaz de pensar globalmente e agir localmente».
Este grupo empresarial opta exclusivamente pelo recrutamento interno de forma a
proporcionar oportunidades de desenvolvimento profissional e de carreira. A
expatriação é indicada como uma opção voluntária que decorre da vontade
individual de ingressar numa carreira internacional. A empresa revela
preferência por trabalhadores jovens e do sexo masculino, mas é indiferente o
estado civil. Privilegia as competências relacionais como a capacidade de
informar e influenciar, mas também cognitivas, designadamente a capacidade de
análise, de inovação e a criatividade.
Os expatriados têm por objetivo assegurar funções técnicas, de gestão e direção
nas subsidiárias. Para tal, o grupo promove a formação técnica necessária à
função, mas também disponibiliza formação sobre as características económicas e
culturais do país de destino. O objetivo é formar e apoiar os quadros para que
estes se ajustem à cultura do país de acolhimento. A expatriação vem reforçar a
cultura da empresa-mãe e a difusão de valores além-fronteiras. «A Empresa
defende que a mobilidade geográfica contribui para a transferência das melhores
práticas e acarreta a vantagem dessas práticas estarem alinhadas com a sua
cultura organizacional» (Diretor de Recursos Humanos).
A empresa B é uma empresa fundada em 1999, cujo processo de internacionalização
se iniciou no mesmo ano. Abrange uma diversidade de mercados internacionais,
tendo começado com o mercado espanhol e posteriormente seguido para outros
mercados, em diferentes continentes, como a Roménia, Angola, Moçambique, Brasil
e Tailândia. Tem cerca de 129 expatriados distribuídos por vários países.
A sua estratégia baseia-se no controlo da atividade das subsidiárias a partir
dos expatriados. Deste modo, a expatriação de trabalhadores está associada ao
controlo das operações no estrangeiro, à transferência de conhecimentos
técnicos (know-how) e à transmissão da cultura organizacional e dos objetivos
da empresa. O recrutamento é preferencialmente interno e considerado como
vantajoso por vários motivos: é menos dispendioso e mais célere; pode
representar um benefício/prémio para os candidatos selecionados; a informação
sobre os candidatos é mais fidedigna e ampla; existe, por parte dos candidatos,
um conhecimento da cultura organizacional, o qual poderá ser mais facilmente
transmitida na subsidiária. Todavia, a empresa recorre ao recrutamento externo
para obter candidatos com o perfil adequado à função a desempenhar. Prefere
candidatos do sexo masculino para ocuparem funções especializadas, mas também
de gestão e de direção. Privilegia competências cognitivas, como a capacidade
de análise de problemas e competências relacionais, nomeadamente a capacidade
de comunicação.
A expatriação é encarada como uma situação transitória em que os expatriados
têm como missão a identificação e desenvolvimento de talentos locais para
futuramente ocuparem posições de gestão, sucedendo assim aos expatriados. A
empresa forma os expatriados com o objetivo de estes adquirirem competências
profissionais relevantes para a função que vão ocupar. O objetivo é transmitir
conhecimentos e desenvolver a capacidade de inovação.
A empresa C foi fundada em 1998 e alcançou muito rapidamente (em 2 anos) a
liderança do seu setor. Opera no setor da tecnologia da informação, fornecendo
soluções de software, serviços e tecnologias para os sistemas de informação de
empresas e organizações de diversos setores. É considerada uma das empresas
mais reputadas em Portugal no setor e tem 22 expatriados em três países, EUA,
Reino Unido e Singapura.
A empresa optou por expatriar funcionários para as funções-chave a fim de que
estes produzissem na filial as diretrizes existentes na sede da empresa. Os
primeiros expatriados foram enviados para os EUA com função definitiva, ou
seja, sem prazo determinado para o seu retorno. «A empresa queria que na gestão
estivessem pessoas da sede. É a nossa forma de acreditar no negócio».
A empresa seleciona preferencialmente pessoas do sexo masculino, casados, para
ocuparem funções especializadas de gestão e de direção. Inicialmente,
privilegiava exclusivamente as competências técnicas, descurando completamente
o perfil comportamental. Todavia, as experiências de insucesso obrigaram a
rever os critérios e a incluir competências comportamentais que passaram a ser
consideradas como obrigatórias para todos os candidatos à expatriação. São
disso exemplo, a abertura de espírito, a adaptabilidade, a iniciativa, a
curiosidade, a generosidade, a liderança e a sociabilidade. Além da combinação
de competências técnicas e comportamentais, a empresa considera como relevantes
para o sucesso da expatriação: a experiência profissional, as habilitações
académicas, a avaliação de desempenho, a motivação individual e o apoio
familiar.
A preparação dos expatriados é uma prática recente, iniciada em 2006. A
formação incide sobre questões culturais e linguísticas, mas também sobre as
competências específicas e sobre as técnicas inerentes à função. A empresa
disponibiliza um kitcom as informações consideradas relevantes sobre o país de
acolhimento, designadamente o modo de conduta, o enquadramento cultural e
geográfico e os principais comportamentos sociais distintos dos portugueses.
. Comparação das empresas da amostra
A Tabela_2 sistematiza alguns indicadores relativos às estratégias de
internacionalização e às políticas de expatriação das empresas.
A informação indicia que as empresas B e C adotam uma perspetiva de atuação
tendencialmente etnocêntrica. Estas empresas têm os processos de decisão e
controlo centralizados na casa-mãe, os fluxos de comunicação e informação são
essencialmente unidirecionais e com origem na casa-mãe e as missões atribuídas
aos expatriados são predominantemente estratégicas e funcionais. Todavia, a
empresa B parece encarar a expatriação como um processo transitório que visa
identificar talentos locais para suceder aos expatriados. A empresa A,
considerando os processos partilhados de decisão e controlo, os fluxos
bidirecionais de comunicação e informação, as missões estratégicas e de
desenvolvimento atribuídas aos expatriados, parece enquadrar-se numa perspetiva
geocêntrica.
As empresas diferem no tipo de funções que atribuem aos expatriados. Esta
diferenciação poderá estar associada ao tipo de atividade desenvolvida.
Certamente, as atividades de construção e de tecnologias de informação exigem
mais competências técnicas que as da distribuição alimentar.
A Tabela_3 sistematiza as competências exigidas aos candidatos à expatriação
que surgem agregadas por tipos consoante a sua natureza. A lista de
competências combina a proposta submetida a apreciação e ainda as competências
indicadas pelos interlocutores.
É possível identificar a diversidade de competências, bem como a forma de as
designar, que podem ser relevantes para o ajustamento cultural. Relativamente
às competências relacionais verificamos que a abertura de espírito, a
orientação para os resultados, a negociação, a adaptabilidade, a liderança e a
resistência ao stress são consideradas necessárias por todas as empresas. As
outras competências são referidas por uma ou duas das empresas. As empresas A e
B assemelham-se na indicação de capacidades como a análise de problemas e
flexibilidade mental enquanto a B e C tendem a aproximar-se mais, indicando
planeamento e organização, a capacidade de adaptação, a curiosidade e o
respeito pelos outros. É de salientar que há ainda certas competências que são
indicadas por uma única empresa: a multiculturalidade e a estabilidade
emocional são apenas relevantes na empresa A, a comunicação, paciência e
sensibilidade cultural são referidas pela empresa B, enquanto a C reconhece a
necessidade de processar informação e trabalhar em equipa.
Importa referir que a diferenciação encontrada na valorização das competências
relacionais entre a empresa A, B, e C poderá ser influenciada pelo setor de
atividade[2]. A empresa A, sendo uma empresa de distribuição alimentar,
necessitará de valorizar mais a interação cultural, pois o seu negócio exige
que compreenda a cultura local para servir melhor os clientes. As empresas B e
C operam em setores mais técnicos, podendo, eventualmente, ser menos exigentes
nas competências relacionais requeridas aos expatriados.
Discussão dos resultados
Pretendíamos identificar o perfil de competências que as empresas privilegiam
num candidato a expatriação e também averiguar em que medida as competências
exigidas aos expatriados se relacionam com o modelo de gestão internacional
adotado pela empresa.
Um aspeto relevante dos resultados é que as empresas reais configuram modelos
impuros e combinados de modelos teóricos (Pelmutter, 1969; Rose e Kumar, 2007).
A caracterização sumária das empresas sugere que a empresa A apresenta
particularidades que a aproximam de um modelo geocêntrico, a empresa B
manifesta propriedades do modelo etnocêntrico, mas igualmente do modelo
policêntrico, enquanto a empresa C revela características do modelo
etnocêntrico. As duas últimas privilegiam e preparam expatriados para ocupar
funções-chave nas subsidiárias, enquanto a empresa A recruta trabalhadores
qualificados no local ou envia expatriados, privilegiando a competência onde
quer que ela esteja disponível. A empresa B ilustra um caso de combinação de
modelos: o controlo e a gestão são assegurados por expatriados, mas explora o
mercado local para identificar e recrutar talentos. Neste sentido, a sua gestão
internacional inclui propriedades do modelo policêntrico, pois a expatriação
representa um meio de preparação de quadros locais, sugerindo que atribui
funções-chave a trabalhadores do país de acolhimento.
A análise da Tabela_3 indica, ainda, que existe um consenso entre as empresas
da amostra em torno de seis competências que poderemos designar de
competências-chave para a expatriação. Incluem capacidades estratégicas, como a
negociação e orientação para os resultados, e capacidades relacionais e
pessoais, designadamente abertura de espírito, adaptabilidade, liderança e
resistência ao stress.
Da proposta de competências fundamentais de McCall e Hollenbeck (2003), apenas
o traço individual «mente aberta» é comum às empresas da amostra. As restantes
aproximam-se das outras propostas, designadamente a resistência ao stress que é
enfatizada por Hammer et al. (1988).
É ainda interessante sublinhar a combinação de competências relacionadas com o
ajustamento cultural, o que é, de certa forma, singular. Explicitando, o
interlocutor da empresa A sugere que a expatriação e o ajustamento cultural
dependem da preparação para lidar com culturas diferentes, da estabilidade
emocional, da capacidade de viver, adaptar e trabalhar em contextos diversos.
As empresas B e C propõem a capacidade de adaptação, o respeito pelos outros e
a curiosidade, e a B indica também sensibilidade cultural.
A questão central desta pesquisa era analisar a relação entre as competências
requeridas e os modelos de gestão internacional. Os resultados sugerem que
existe uma certa diferenciação na valorização das capacidades e comportamentos
culturais. Enquanto a empresa A, que classificámos de geocêntrica, reconhece a
existência de múltiplas culturas e valoriza a interação com elas, as empresas
com características etnocêntricas privilegiam o respeito pelos outros e a
curiosidade que, segundo Schneider e Barsoux (2003), poderá ser a motivação
para a expatriação, mais do que a interação. Esta ideia parece estar subjacente
à sensibilidade cultural que é sugerida pela empresa B.
A combinação de competências indica que as empresas tendem a procurar uma
coerência entre as opções relativas às estratégias de internacionalização e o
tipo de competências a procurar na seleção dos candidatos a expatriar. Assim,
esta pesquisa contribui para a discussão lançada por Brewster e Scullion (1997)
que criticam a ausência de relação entre seleção de expatriados e estratégia de
internacionalização.
Importa ainda reter que as empresas com características etnocêntricas
reconhecem a importância das capacidades cognitivas como planear e organizar o
trabalho que estão certamente associadas às funções de gestão e direção do
expatriado nas subsidiárias. Adicionalmente, a empresa C é a única a indicar a
capacidade de tomar decisões e o trabalho em equipa como sendo relevantes para
um expatriado. É importante relembrar as dificuldades enfrentadas pela empresa
C, descritas aquando da sua caracterização, por descurar as capacidades
comportamentais na seleção dos candidatos à expatriação. Deste modo, as
empresas tendem a procurar uma coerência entre as suas opções de modelo de
gestão e os critérios de seleção, designadamente as competências requeridas. Os
resultados indiciam também que essas necessidades de competências são dinâmicas
e se ajustam ao longo do processo de expatriação.
Notas conclusivas
Esta pesquisa pretendeu analisar a relação entre estratégias de gestão
internacional e as competências exigidas aos candidatos à expatriação. Os
resultados obtidos não são conclusivos nem generalizáveis, pois resultam de um
conjunto de três estudos de casos. Todavia, abrem espaço de reflexão e pistas
de investigação que podem ser relevantes para os gestores de empresas e para os
responsáveis pelas políticas de internacionalização e formação de expatriados.
Pudemos aferir que as empresas seguindo tendencialmente um modelo de gestão,
podem associar propriedades de outros. Quer isto dizer que a evidência aponta
para modelos mistos, como foi claramente o caso da empresa B que apresenta
características do modelo etnocêntrico e do policêntrico.
A evidência mais relevante deste trabalho prende-se com a associação destes
modelos ao perfil de competências exigido ao expatriado. Verificamos que há um
certo consenso em torno de, pelo menos, seis competências, que poderemos
designar de transversais ao processo de expatriação. Todavia, o que diferencia
particularmente as empresas são as competências que afetam o ajustamento
cultural. Os resultados sugerem que existe uma diferenciação neste tipo de
competências.
Enquanto o modelo geocêntrico tende a privilegiar a multiculturalidade que
pressupõe a valorização da interação entre culturas; o respeito e a
sensibilidade cultural são predominantes no modelo etnocêntrico. Este resultado
merece ser aprofundado em pesquisas futuras, pois está em consonância com o
sugerido por Caligiuri e Colakoglu (2007), e indicia que uma das competências-
chave para o processo de expatriação, a integração cultural, varia em nível de
exigência com a estratégia internacional e a missão dos expatriados.
Apesar das limitações de um trabalho de natureza exploratória, os resultados
proporcionam uma oportunidade de reflexão sobre a internacionalização das
empresas de uma economia pequena e aberta como a portuguesa. Este trabalho
pretendeu servir de base para pesquisas futuras em que haja uma recolha de
dados mais alargada, especialmente de natureza quantitativa. Esses dados,
juntamente com a análise estatística, seriam relevantes para identificar
combinações de competências cruciais ao ajustamento cultural e sucesso da
expatriação.
Em estudos futuros, considera-se também pertinente analisar a influência que o
setor de atividade e a distância cultural entre o país de origem e o país de
acolhimento poderão ter no tipo de estratégias de internacionalização pelas
empresas e nas exigências em competências culturais dos expatriados.