Competências coletivas e formação em condução de veículos de socorro num
contexto de especialização de bombeiros sapadores em França
O presente estudo responde ao pedido da École Départementale d’Incendie et de
Secours (EDIS) - uma escola departamental de combate ao incêndio e socorro de
bombeiros sapadores , localizada na região de Île-de-France. Trata-se de levar
a cabo uma análise da atividade de condução de dois tipos de camiões – o
veículo de combate a incêndios pesado (VCIP) e o veículo de socorro rodoviário
(VSR) - a fim de contribuir para a melhoria da formação de motoristas de
veículos pesados de socorro, conforme proposto pela EDIS.
Este estudo foi realizado no contexto da implementação de uma nova organização
do trabalho. Embora até agora todos os bombeiros com habilitação de condução de
veículos pesados pudessem conduzir um veículo (VCIP ou VSR) e participar em
todas as operações de acordo com a sua função, o comando do Service
départemental d’incendie et de secours (SDIS) - serviço departamental de
combate ao incêndio e socorro -, do qual depende a EDIS, decidiu formar um
grupo especializado na condução de veículos pesados, que ficará inteiramente
encarregue de realizar a tarefa de condução. Esta decisão é uma resposta ao
número de acidentes rodoviários envolvendo veículos de emergência, considerado
muito alto pela gestão do SDIS, que poderá estar associada a uma falta de
mestria na condução destes veículos pesados por parte dos condutores. Assim,
uma formação com vista à "especialização" foi concebida e será concretizada
quando a equipa de ergónomos for solicitada para tal.
Os operacionais, que concordaram em tornar-se especialistas na condução e que
vão receber formação, já têm carta de condução de veículos pesados. Os
formadores são bombeiros sapadores profissionais ou bombeiros voluntários que
integraram a EDIS. Um deles era formador em condução e segurança rodoviária. A
formação decorre em sala e em pistas de treino e tem uma forte componente sobre
as regras do código da estrada. As relações com o conteúdo do trabalho não são
apresentadas. Ora, mesmo para os não profissionais da estrada [1], a atividade
de condução depende em parte das condições de realização do trabalho (Forrierre
& Six, 2010; Fort, Pourcel, Davezies et al, 2010), pois está fortemente
incorporada na própria profissão. O estudo aqui apresentado tem também como
objetivo questionar e melhorar a "formação para a especialização", tendo em
conta as especificidades da atividade de bombeiro sapador; permite ainda um
novo olhar sobre a escolha da nova organização do trabalho, à luz das práticas
reais em situações de emergência. Para isso, interessamo-nos particularmente
??na condução dos veículos durante as viagens para o local da intervenção de
emergência, a fase determinante em que se concentram os riscos rodoviários
(Vidal-Gomel, 2010).
Para entender essas questões, propomos caracterizar a condução e a condução de
veículos de socorro, especificamente; as atividades e as competências [2]
coletivas envolvidas na condução serão então discutidas. Será discutido o
método bem como os resultados, nomeadamente as estratégias de condução dos
bombeiros, os conceitos e variáveis ??que elas incorporam e as competências
coletivas solicitadas na condução de veículos de socorro. Em conclusão,
discutimos formas de contribuir para a formação e para compreender as
consequências das escolhas organizacionais.
1. CONDUÇÃO AUTOMÓVEL E A ESPECÍFICIDADE DA CONDUÇAO DE VEÍCULOS DE SOCORRO DOS
BOMBEIROS SAPADORES
A condução é geralmente caracterizada como uma atividade de deslocação com um
veículo, evitando os perigos (Neboit, 1978). Este é um domínio da atividade que
depende do controlo do ambiente dinâmico (Hoc, 1996); o ambiente rodoviário
desenrola-se, em parte, de forma independente da ação do operacional, devido à
inércia do veículo e ao comportamento dos outros utilizadores do espaço
rodoviário. Esta tarefa é complexa e exige a perceção, a compreensão da
situação e o antecipar da sua evolução, com vista à ação. A consciência da
situação [3], que integra estes três aspetos (Endsley, 1995), é, então,
crucial: uma insuficiente consciência da situação está associada a risco de
acidente (Kaber & Endsley, 1998).
A consciência da situação aqui é entendida a partir das contribuições da
didática profissional, que enfatiza a importância dos conceitos pragmáticos [4]
na compreensão de situações e na antecipação (Pastré, 2005). Com o
desenvolvimento dos conceitos pragmáticos, a compreensão das situações é
refinada, assim como a categorização das situações. Os indicadores, que são
articulados com os conceitos pragmáticos e nos quais se baseia a aquisição de
informação, diversificam-se. O desenvolvimento destes conceitos também está
associado com a implementação de estratégias proactivas e com a antecipação de
fenómenos (Samurçay & Pastré 1995; Pastré, 2005). Os trabalhos de Caens-
Martin (2005) acerca do tamanho da vinha fornecem sobre esta matéria uma
ilustração detalhada. A didática profissional permite simultaneamente dar conta
das competências profissionais focando a conceptualização para a ação e servir
como uma ferramenta para a conceção de situações de formação (Samurçay &
Rabardel, 2004; Pastré, 2005b). Lefebvre (2001) identificou certos aspetos da
condução colocando em evidência quatro conceitos pragmáticos: zona de inércia,
campo das trajetórias possíveis, força resultante da curva e comportamento
incerto.
O quadro que o autor propõe inscreve-se na linha dos modelos hierárquicos da
atividade de condução (Michon, 1985; Van Der Mollen & Böticher, 1988). Tem
quatro componentes, das quais as duas primeiras estão encaixadas uma na outra.
- O controlo instrumental do veículo, “condução”, diz respeito à manipulação
dos comandos, o controlo e a antecipação das leis físicas (inércia,
trajetórias).
Vários conceitos pragmáticos estão envolvidos na condução (p. 28-30):
"A zona de inércia (ou zona de liberdade) é definida como o espaço virtual que
precede o veículo em movimento e é definido como a soma das distâncias teóricas
de latência e de travagem, sob dadas condições [...].
O campo das trajetórias possíveis esquematiza a rigidez longitudinal do
movimento em função da velocidade e dos limites de aderência para produzir uma
aceleração centrípeta [...].
A força global resultante em curva [é composta por um conjunto de forças que se
aplicam]: peso, força centrífuga e inércia em caso de variação da velocidade.
[Ela determina a estabilidade do veículo, que é um]fenómeno observável e
apreciável propriocetivamente." (tradução livre).
A adaptação ao ambiente e ao tráfego, o segundo nível, diz respeito à
identificação das situações e à comunicação operacional com todos os outros
utilizadores do espaço rodoviário. O conceito de "comportamento incerto" é um
conceito pragmático que se refere aos possíveis comportamentos dos outros
atores, e que leva a tomar precauções, como não ultrapassar ou aumentar a
distância (Lefebvre, op. cit.). Esta tomada em consideração do comportamento
dos outros utilizadores da estrada foi particularmente analisada por Mundutéguy
& Darses (2007) que destacam a existência de referências comuns que
consideram um "ambiente cognitivo supostamente comum" aos atores da situação.
Eles explicam as expectativas que temos em relação aos outros utilizadores.
Estes autores observam também as antecipações do comportamento dos outros
veículos envolvidos na gestão dos riscos. Elas baseiam-se em vários tipos de
indicadores, tais como a posição, a trajetória, a velocidade dos veículos ao
redor, bem como as ações tomadas ou não por outros condutores, e as
características específicas dos veículos.
· A organização e planificação das deslocações, terceiro nível, remete para a
preparação do trajeto a longo prazo e à navegação no momento da condução.
· Finalmente, o metaconhecimento sobre a tomada de consciência e o conhecimento
de seu próprio funcionamento (Valot, 2001). Estes fatores envolvem os outros
três níveis do modelo.
Estes quatro componentes estão em constante interação durante a atividade de
condução e envolvem três dinâmicas: as leis da física, integradas com a mestria
instrumental do veículo; o trânsito, integrado com os dois componentes
intermediários; e o funcionamento cognitivo e psíquico do condutor, integrado
nos quatro níveis.
A condução de veículos pesados, tais como os dos bombeiros sapadores, apresenta
uma série de especificidades em termos de condução, como o risco de tombar que
está relacionado com as características do veículo, e cuja prevenção implica
que se integrem os princípios da inércia, de carga e de massa (Têtard, Quincy,
Rougemoux & Vulin, 1992). De forma complementar, Falkmer e Nordmark (2002)
identificam os seguintes fatores de risco: tamanho, peso e capacidade de
manobra dos veículos.
As características das situações de trabalho dos bombeiros sapadores aqui
consideradas têm ainda outras especificidades em relação à condução de veículos
pesados. Os trajetos são bastante curtos, na ordem de alguns minutos, e,
frequentemente em situação de emergência: é o percurso entre o quartel e a
chegada ao local do acidente. Além disso, os estudos sobre "veículos de
emergência e socorro a vítimas" (VESV), outros tipos de veículos, foram capazes
de identificar atividades coletivas entre o motorista e o chefe da guarnição
(CG) [5]. Este último aciona a sirene [6], em função das características das
situações, antecipando a sua evolução e em coordenação com a atividade de
condução (Vidal-Gomel, 2010; Parage & Ferrand, 2012). Assim, afigura-se
necessário levar em conta as atividades coletivas na nossa análise, abordagem
original no estudo da condução de veículos pesados, que na maioria das vezes é
vista só no sentido individual (o do motorista, sozinho na sua cabine).
2. ATIVIDADES E COMPETÊNCIAS COLETIVAS
Uma atividade coletiva define-se pela existência de um objetivo comum para as
atividades em curso e/ou pela interdependência das atividades de diferentes
operacionais envolvidos na sua prossecução (Rogalski, 1994; Barthe &
Queinnec, 1999). As tipologias das atividades coletivas são numerosas e os
termos usados ??polissémicos (Barthe & Queinnec, 1999). Usamos a tipologia
de Rogalski (1994), que se aplica a situações em que as tarefas coletivas pré-
existem ao grupo de atores que as deve executar e que são definidas pela
organização do trabalho, o que corresponde à organização do coletivo de
intervenção nos bombeiros sapadores. Dessa tipologia apresentamos aqui apenas
as dimensões horizontais, que se referem aos atores do mesmo nível, que é o que
nos interessa mais. Várias formas de atividades coletivas podem ser
diferenciadas. Apresentamo-las de seguida da mais cooperativa à menos
cooperativa. A colaboração corresponde às situações em que os operacionais
partilham uma tarefa prescrita e a realizam juntos, sem definir as subtarefas a
serem executadas por cada um. A cooperação distribuída corresponde às situações
em que os operacionais partilham um objetivo comum, a médio ou longo prazo, mas
têm objetivos imediatos distintos. A identificação, a distribuição das tarefas
e sincronização das atividades são aqui os pontos-chave. Última dimensão desta
tipologia: a co-ação. Aqui, os operacionais não têm nenhum objetivo comum, mas
estão presentes no mesmo espaço de trabalho e, eventualmente, partilham
recursos. A atividade coletiva é, então, definida a minimaconforme requerido
pela gestão das interferências entre as atividades dos atores envolvidos (Hoc,
2001).
A cognição coletiva (“team cognition”), é considerada um ponto-chave para a
cooperação (Salas, Rosen, Burke et al., 2007). Assim, a colaboração e a
cooperação distribuídas exigem o desenvolvimento e a manutenção de um
referencial operativo comum (Terssac & Chabaud, 1990; Hoc, 2001), que
abrange a representação ocorrente e distribuída da situação e dos conhecimentos
que isso requer (Giboin, 2004). O conceito de referencial operativo comum pode
ser comparado com o de “consciência situacional partilhada”, que contém a
definição dada ao nível individual da “consciência situacional” (Endsley, 1995)
para explicar o desempenho do coletivo (Salas, Prince, Baker & Shrestha,
1995). Além disso, a colaboração e a cooperação distribuída podem também exigir
a sincronização temporal das atividades e sincronização cognitiva (Rogalski,
2005).
A estes diferentes níveis que se referem à cooperação na ação e /ou na sua
planificação, Hoc (2001) acrescenta a metacooperação: construção de um modelo
de si mesmo e dos outros, que nós interpretamos como um modelo das competências
dos colegas de uma equipa, dos seus limites, dos constrangimentos que lhes
surgem no enfrentar de cada situação e da sua necessidade de ajuda.
Dois aspetos das competências do coletivo devem ser distinguidos: as
competências individuais para a ação coletiva e as competências coletivas
(Rogalski, 2005). Além das competências técnicas necessárias para a realização
das tarefas, as competências individuais orientadas para o trabalho em equipa
dependem da assertividade na comunicação e da orientação da sua atenção para os
outros - partilha de informação, debate sobre as representações dos outros,
regulação da comunicação e seu controlo (reconhecimento, monitorização da
compreensão), ter em conta a distribuição da carga de trabalho na equipa, etc.
- sem abandonar as suas próprias tarefas e ser capaz de solicitar ajuda, se
necessário. Comparativamente, as competências coletivas são, então, definidas
como as competências holísticas da equipa, que podem ser analisadas ??como
sendo um único operacionaL, virtual (Rogalski, 1994).
As competências coletivas não são redutíveis à soma das competências
individuais (Leplat, 2000; Salas et al. 2007; Largier, Delgoulet & De La
Garza, 2008), elas codeterminam-se (Leplat, 2000). As áreas de sobreposição de
competências individuais numa equipa de trabalho são determinantes para a
construção de competências coletivas. Em contraste, as competências coletivas
enriquecem as competências individuais, especialmente no que diz respeito ao
lado comunicacional do trabalho. As competências de cada um opõem-se tanto
quanto elas se complementam; as competências coletivas constroem-se assim no
seio de jogos de atores sociais, durante um certo período e de forma não-linear
(Reynaud, 2001).
O desenvolvimento de competências profissionais individuais e coletivas, joga-
se na interação com as situações de trabalho, na necessidade de pôr à prova e
de ultrapassar o que foi adquirido. Depende de uma dupla orientação da
atividade: a orientação produtiva voltada para a produção de bens e de serviços
materiais ou não, e a orientação construtiva que se refere ao desenvolvimento
do indivíduo; estes dois aspetos da atividade são ao mesmo tempo conjuntos e
distintos (Samurçay & Rabardel, 2004). Outros aspetos do desenvolvimento de
competências são destacados a partir da noção de “coletivo de trabalho”. A sua
existência e manutenção são precisamente uma das condições para o
desenvolvimento de competências individuais e coletivas. Um coletivo de
trabalho é definido pelo facto de os operacionais contribuírem para um trabalho
comum no cumprimento das normas (Cru, 1988). O coletivo de trabalho compreende
um sistema de valores, modos de ser com os outros e os objetos do trabalho, e
define o que é desejável ou proibido fazer (Caroly & Clot, 2004). O
coletivo de trabalho é uma das condições que favorecem o desenvolvimento de
competências, na medida em que a sua vitalidade permite que se coloquem em
debate maneiras de fazer, o que permite que elas evoluam. Ao mesmo tempo, uma
das condições para a existência do coletivo de trabalho é precisamente o
trabalho coletivo no qual se joga a coordenação das atividades individuais (op.
cit.).
A partir deste quadro de análise, o presente estudo procura caracterizar as
competências individuais e coletivas envolvidas na condução de veículos de
socorro em situação de emergência por bombeiros sapadores. Pretendemos menos
uma comparação dos trabalhadores entre eles, ou das formas de conduzir em
função do tipo de veículo, e mais uma compreensão do todo suficiente para
apresentar propostas de formação e discutir as escolhas organizacionais. Mais
especificamente, por um lado, o nosso objetivo é fazer recomendações para a
formação tendo em conta a diversidade das estratégias pertinentes que podem ser
implementadas, e destacando os conceitos pragmáticos que lhes estão
subjacentes. Por outro lado, as escolhas organizacionais são examinadas,
sobretudo os seus efeitos sobre o potencial de desenvolvimento das competências
dos condutores. Isto levar-nos-á a completar os contributos de Lefebvre (2001)
e Mundutéguy & Darses (2007). De facto, se esses autores têm em conta as
dimensões coletivas presentes no contexto rodoviário, eles também acreditam que
um motorista conduz sozinho, por si mesmo. Trata-se agora de identificar o
conjunto das características de atividade coletiva, nos seus aspetos produtivos
e construtivos (Samurçay & Rabardel, 2004) para entender os impactos da
decisão de especialização na condução de bombeiros na sua atividade diária, mas
também para a sua formação.
3. TERRENO E MÉTODOS
O estudo foi realizado em dois quartéis no mesmo SDIS de Île-de-France,
compostos, respetivamente, por 75 e 64 bombeiros sapadores profissionais e
voluntários. O estudo centra-se em dois tipos de veículos de socorro: veículo
de combate a incêndio pesado (foto_1) (foto_2).
O veículo de combate a incêndio pesado(VCIP) pesa 8,4 toneladas (t) vazio e 15
t carregado [7] (altura: 3,5 m, largura e comprimento: 2,5 X 7,5 m, área: 18,5
m2). Este veículo intervém em caso de incêndio. O motorista e o CG estão
localizados na parte da frente e quatro bombeiros vão na parte traseira. A
frequência de utilização é de 60 saídas no primeiro centro e 80 no segundo,
durante um período de dois meses [8].
O veículo de socorro rodoviário (VSR) pesa 5 t. vazio e 8 t. carregado (altura:
3,3 m, largura e comprimento: 2,3 X 5,4 m, área : 12,5m 2). Três operacionais
estão localizados na parte da frente (o CG, o motorista e um tripulante). É
usado em situação de acidente, para desencarcerar os ocupantes do veículo. A
frequência de utilização é de, respetivamente, 60 e 40 saídas, para o mesmo
período.
Realizámos entrevistas exploratórias com cinco operacionais [9] que concordaram
em tornar-se especialistas na condução de veículos e que seguiram a formação
proposta. O guião de entrevista incluiu questões gerais sobre o percurso de
cada um, a sua definição de condução em situação de emergência, as
especificidades dos veículos, a formação, o programa de especialização, etc.
Também assistimos a uma formação de "especialização" e conversamos com os
formadores, nomeadamente para compreender os objetivos e o conteúdo da
formação.
Esta fase exploratória levou-nos a concentrar a investigação sobre as saídas do
piquete, ou seja, os trajetos entre o quartel e o local do sinistro, que
correspondem à fase de condução em situação de emergência; também se
identificou o modo de recolha de dados.
Foram filmadas vinte e quatro saídas do piquete: dezasseis com VCIP e oito com
VSR. Estas saídas do piquete tiveram como motivo: um pedido de desinfestação de
himenópteras; onze incêndios ou suspeitas de incêndio; três declarações de odor
suspeito ou risco de intoxicação com CO2, oito acidentes rodoviários; num caso
não tivemos acesso à informação dada no momento da saída. Os filmes têm uma
duração de 10 minutos, no máximo, que é o tempo limite para chegar aos locais
dos sinistros.
Na medida em que nós não poderíamos estar no interior do veículo [10],
colocamos uma câmara a bordo. Foi colocada sobre o para-brisas, virada para a
estrada. A instrução de utilização era de que a câmara deveria ser ativada pelo
motorista, desde a saída do quartel e até chegarem ao local da intervenção. As
filmagens dão-nos acesso ao tráfego e às infraestruturas, às mudanças de
direção ou de via. As acelerações e as travagens são percetíveis. No entanto, o
ruído do motor cobre a maioria das interações entre os operacionais.
As filmagens das saídas do piquete que selecionámos para a análise são aqueles
para as quais dispomos de autoconfrontações individuais (ver figura_1) feitas
com o motorista. O número de filmagens por operacionais é desigual (1 filme
para sete operacionais diferentes; 2 filmes para outros três operacionais; 3
filmes para um outro operacionais; 4 filmes para um operacionais e 6 filmes
para outro operacional). O número de filmagens dependeu das saídas efetuadas ao
longo do piquete e da disponibilidade dos operacionais para realizar as
autoconfrontações. A recolha de dados foi realizada ao longo de vários dias de
piquete, e há saídas tanto com VCIP como com VSR com 4 operacionais.
Dispomos de filmagens de saída do piquete e de autoconfrontações de treze
operacionais [11]. As autoconfrontações, conduzidos por ergónomos-
investigadores da equipa, não puderam ser realizadas imediatamente após as
intervenções, mas sim um ou dois dias depois, em função das folgas dos
operacionais, especialmente porque decorreram durante o horário de trabalho. As
autoconfrontações variam em termos de duração, dependendo da duração das saídas
e do tempo disponibilizado pelos operacionais. Deixamos o filme desenrolar-se e
cada operacional podia parar a gravação para esclarecimentos sobre sua
atividade de condução. As intervenções do investigador centraram-se nas
situações de condução atípicas identificadas em visualização anterior. Os
objetivos foram, em primeiro lugar, identificar as diferentes estratégias de
condução utilizadas e as diferentes atividades coletivas envolvidas (ver figura
1), em ambas as suas dimensões produtivas e construtivas.
As situações “atípicas” identificadas incluíram as transgressões das regras de
trânsito estabelecidas e as exceções ao código da estrada permitidas para os
bombeiros em condução de emergência (cortar nas curvas, entrar em cruzamentos
em contramão, passar o semáforo vermelho, por exemplo). Estas são “situações de
ação características” (Daniellou, 1992). As autoconfrontações foram transcritas
na íntegra [12].
4. AS ESTRATÉGIAS DE CONDUÇÃO DOS BOMBEIROS SAPADORES
A partir do momento em que a ordem de saída do piquete é dada, os bombeiros
sapadores devem comparecer nos locais no mínimo de tempo possível. O seu
objetivo é chegar o mais rápido possível, sem se colocar em perigo e sem causar
risco para os restantes utilizadores da estrada: "O objetivo da condução em
emergência é colocar o veículo e o pessoal o mais rapidamente possível no local
da intervenção, sem colocar a vida dos outros em perigo. O ideal é encontrar a
melhor relação entre as duas coisas” (SP3). Aqui encontramos uma característica
definida por um bombeiro sobre condução de emergência com um VESV (Vidal-Gomel,
2010): “A condução em situação de emergência é conduzir depressa lentamente”.
Este conflito de metas requer a implementação de estratégias, em que o
princípio é o de conduzir da forma mais fluida e mais ágil possível; isto é, de
forma não agressiva para outros utentes da estrada: “Chegando o mais rápido
possível, ou seja, com a condução mais fluida, sem que seja agressiva” (SP3). A
fluidez foi identificada por Parage & Ferrand (2012) como um conceito
pragmático, organizador da condução de VESV. Da mesma forma que estes autores,
reconhecemos que o conceito de fluidez é pouco verbalizado como tal, mas é
consistente com várias expressões utilizadas como "evitar cortar", "não
conduzir de forma agressiva", "evitar travar ou acelerar", etc. Está implícito,
por exemplo, na seguinte verbalização: "Num semáforo, se para mim está
vermelho, mas eu vejo o que o outro conseguiu ainda passar com o vermelho, eu
sei que vai ficar verde para mim e portanto não preciso de travar" (SP9).
Assim, podemos analisar a fluidez como um conceito pragmático.
Conduzir de forma fluida requer a implementação de várias estratégias que
implicam a condução ou a gestão dos outros utilizadores da estrada.
4.1. Estratégias baseadas principalmente na condução
Uma condução fluida supõe adaptar o trajeto do veículo. Por exemplo, numa série
de curvas, o condutor que tem boa visibilidade opta por adotar uma linha reta
e, portanto, cruza a linha contínua no meio da estrada: Se tu quiseres, se eu
realmente tiver que seguir o Código da Estrada e me posicionar à direita, vês a
curva que isso implica? "Ou eu realmente abrando para evitar a oscilação ou eu
assumo mais riscos, porque quando tu viras, tu tens menos aderência… quando
guinas o volante. E assim és obrigado a guinar o volante" (SP9). Um outro
operacional explica quais as variáveis ??situacionais que leva em consideração
para cortar ou não uma curva: “É preciso prestar atenção à dimensão, porque
pode-se embarrar nalguma coisa. Tem que se ter cuidado, porque se há um
estreitamento da via [...] para fazer a curva deve haver espaço para se desviar
do lado oposto, e não pode ser”(SP1).
Manter a trajetória o mais direita possível é uma estratégia também levada a
cabo durante a travessia de rotundas. Integra, como a estratégia anterior, o
evitamento da oscilação e a menor aderência dos pneus, que estão envolvidos no
risco de tombamento. Trata-se de entrar na rotunda pelo lado de dentro, como o
explica um bombeiro sapador: "Visto que eu vou a sair da rotunda, não me vou
encostar à faixa da direita, porque isso vai-me fazer cortar a minha curva,
pois seria preciso que eu abrandasse um pouco mais, do que se for por dentro.
Portanto, ali fui um pouco à larga e eu estava na faixa da esquerda. Isso
permitiu-me continuar numa curva espaçada e evitar de abrandar"; [não entrar na
rotunda pelo exterior permite] reduzir a oscilação e aumentar a aderência dos
pneus. Quanto mais guinas o volante, menos aderência tens, obrigatoriamente"
(SP11).
A dimensão do veículo e o tamanho das rotundas estão entre as variáveis ??que
são tomadas em consideração, por exemplo: Esta é a história da dimensão.
Depois, depende do tamanho da rotunda. Há rotundas enormes, onde tu não tens
que te preocupar em fazer estas coisas. Mas as rotundas pequenas como essa com
a dimensão que tem, especialmente com a dimensão, por exemplo, é melhor entrar
mais largo; porquê? Porque caso contrário, há a roda, a da traseira esquerda,
há a roda de trás da esquerda que vai reclamar"(SP4).
Esta estratégia dos motoristas contradiz a regra prescrita e defendida pelos
formadores. De facto, um veículo pesado deve entrar na rotunda pelo lado de
fora, de modo a não ser um obstáculo para o tráfego que quer sair da rotunda.
De acordo com um dos formadores, isto "fecha o ângulo aos outros condutores e
facilita a sua saída". Fazer a rotunda pelo exterior também permite evitar o
efeito de oscilação. Um outro formador diz: "Conceção das rotundas é em relevo,
portanto pelo exterior evita-se a oscilação. Caso contrário, em caso de
travagem de emergência, há o risco de tombar".
A estratégia dos operacionais leva em conta os riscos identificados pelos
formadores, mas também inclui a tendência dos outros condutores em dar
prioridade aos bombeiros encostando-se à direita, para fora. Para os
operacionais, trata-se realmente de gerir conjuntamente vários riscos: o tombar
do veículo, o constrangimento de um outro veículo, o prever a colisão, mas,
também, no VCIP, os colegas de equipa que poderiam ser feridos em mudanças
bruscas de direção. Encontramos também este objetivo na maneira com que podem
ser feitas as curvas: "Então sim, nas curvas, se eu as faço mais largas isso
depende da infraestrutura, isso que me mostra é para não fazer oscilar a
tripulação, por isso eu mantenho a minha trajetória e a minha velocidade"(SP4).
Vários tipos de variáveis ??são levadas em conta pelos motoristas ao fazer uma
curva ou uma rotunda: a oscilação, a aderência, a dimensão, a infraestrutura e
a visibilidade. Essas variáveis ??são consistentes com dois conceitos
pragmáticos identificados por Lefebvre (2001): o campo das trajetórias
possíveis, a força resultante da curva. No entanto, o conceito central
organizador da atividade parece ser o da fluidez da condução, conceito
subjacente às estratégias de condução que analisámos e que as organiza. Além
disso, este conceito também se articula com outro aspeto da condução, ausente
do modelo de Lefebvre, mas derivado da organização da intervenção dos bombeiros
sapadores: as suas estratégias têm em conta a presença de colegas na parte de
trás do VCIP. Voltaremos a isto mais tarde em maior detalhe na parte consagrada
às atividades coletivas (o Esquema_1, mais à frente, apresenta um resumo).
4.2. Estratégias baseadas principalmente na gestão de outros utilizadores da
estrada
Damos dois exemplos de estratégias de condução com base na gestão dos outros
utilizadores do espaço rodoviário: controlá-los para os impedir de passar e
evitar causar o pânico.
4.2.1. Controlar os outros utilizadores da estrada, impedindo-os de passar
De forma a manter uma fluidez suficiente, os condutores, quando podem,
posicionam-se na faixa de rodagem de forma a impedir que outros condutores
interfiram. Reduzem as possibilidades de ação destes. Assim, os comportamentos
deles não afetam a progressão do veículo pesado e/ou são mais previsíveis. Além
disso, o posicionamento na faixa de rodagem é uma maneira dos bombeiros
comunicarem as suas intenções aos outros utilizadores da estrada. Os exemplos
seguintes ilustram esta estratégia: “[o veículo está no centro da faixa de
rodagem ]isto é por causa das prioridades à direita. Isto permite-me ter que
travar menos do que se ficasse na minha faixa porque se há alguém que vem da
direita, eu tenho menos necessidade de fazer movimentos de direção para me
desviar para a faixa da esquerda e posso tomar a faixa da esquerda, porque não
vem ninguém de frente"(SP6).
"Lá, eles viram-me, eu já sei. Eu não precisava de ficar na faixa da direita,
eu posso encostar-me imediatamente. Isto dá uma indicação mais para aqueles que
vêm de frente. Eles sabem que estás a pedir prioridade. Se ficares à direita,
talvez eles hesitem e passem. Se estiveres no meio, as pessoas não vão
insistir. Quando te impões, quando tu te mostras, não escapes às pessoas. Às
vezes, passas um pouco de força. [...] Isto é, já não estás a seguir o Código
da Estrada. É em relação à minha posição, ali eu bloqueio o caminho"(SP9).
Uma estratégia semelhante foi identificada na condução da VESV (Vidal-Gomel,
2010): numa rua de sentido único, com duas filas, o condutor coloca-se no meio
para impedir que um veículo não se coloque ao seu lado e o não o atrapalhe no
momento de virar.
4.2.2. Evitar causar o pânico nos outros condutores
Noutras situações, o desafio é garantir que os outros condutores não entrem em
pânico e, assim, forçar a parar ou criar uma situação propícia a acidentes. Por
exemplo, para poder entrar por entre as filas de trânsito em caso de
engarrafamento, é preciso avisar os outros condutores para que eles cedam
passagem. Os bombeiros adotam uma estratégia particular usando a sirene bem
antes de chegar atrás dos veículos. Quando eles já estão atrás, é preciso
desligar a sirene e utilizar os meios de comunicação apenas se for preciso
transmitir alguma informação aos outros condutores. O uso da sirene pode causar
o pânico, o que aumentaria o risco de incidentes, ou a que parem e não se
encostem não permitindo a passagem: "As pessoas têm medo, porque um grande
camião que vem atrás é assustador, por isso é preciso antecipar a reação do
condutor à frente ou do que está parado, que não sabe se deve parar"(SP9).
Além disso, nestas situações, trata-se também de se impor, mas em todos os
casos, deixando uma margem de manobra, pois o comportamento dos outros
condutores pode ser imprevisível: "Há sempre pessoas que não entendem, que nos
procuram pelo retrovisor quando já estamos ali ao lado” (SP1). Vários
indicadores do comportamento dos outros utilizadores da estrada são
verbalizados a este propósito: "os movimentos de cabeça" (principalmente os
motociclistas), "o comportamento das rodas",a frequência do acender das luzes
de travagem: “intermitente”.
O comportamento de outros utilizadores da estrada é uma das duas diferentes
dimensões da dinâmica das situações de condução, em que, a priori, o condutor
não tem qualquer possibilidade de ação ou de controlo - a outra dimensão é a
inércia do veículo. Manter a fluidez da condução exige que se antecipe o
comportamento dos outros, mas também que se encontrem maneiras de atrasar o
menos possível, ou pelo menos evitar parar e fazer face a perigos ou
incidentes. Trata-se então de proporcionar uma margem de segurança, ou reduzir
a margem de manobra de outros utilizadores da estrada, para evitar um risco ou
um obstáculo potencial e, assim, aumentar o tempo ou a distância que eles têm
para reagir em caso de problema: limitando a atividade dos outros utilizadores,
evitando o pânico, mas também apenas reduzindo a velocidade. Por exemplo, “Vi
que virou e fez inversão de marcha. Portanto eu vi-a. É por isso que eu
abrandei porque eu não sei exatamente se ela vai continuar a retroceder” (SP7).
A aplicação de tais estratégias também depende da visibilidade e da
infraestrutura, como outros motoristas relataram.
O conceito de “comportamento incerto”, conceito pragmático identificado por
Lefebvre (2001), resume bem esse conjunto, tanto em perceber a falta de
previsibilidade do comportamento dos outros utilizadores da estrada, como de
maneiras de lidar com isso: os indicadores permitem antecipar, os operacionais
criam margem de manobra, incluindo a redução da dos outros utilizadores da
estrada. Este conceito pragmático aparece, assim, no centro das estratégias dos
motoristas. Mas a outro nível, estas estratégias respondem à exigência de uma
condução fluida. Trata-se de um conceito organizador central que articula todos
os outros conceitos e variáveis ??pragmáticas identificados da mesma forma que
o revelou, sobre o tamanho das vinhas, Caens-Martin (2005). A diferença entre
esses dois níveis de conceitos vem do seu carácter local versus genérico para
dar conta da atividade. A fluidez da condução é a principal em todas as
estratégias que analisamos nesta classe particular de situações que constitui a
condução em situação de emergência.
O Esquema_1 sintetiza o conjunto de conceitos e variáveis ?? que identificámos
na condução dos bombeiros sapadores. Da seguinte verbalização damos conta de
como ele foi desenvolvido: "Visto que estou a sair da rotunda, não vou apertar
a faixa da direita, porque isso vai-me fazer cortar a minha curva porque era
preciso que abrandasse um pouco mais do que se for à volta. Portanto, ali fui
um pouco à larga e fui pela faixa da esquerda. Isso permitiu-me manter afastado
da curva apertada e evitar abrandar [não fazer a rotunda pelo exterior permite]
reduzir ng>a oscilação e aumentar a aderência dos pneus."
A estratégia do operacional visa reduzir a oscilação e aumentar aaderência dos
pneus, ao sair da rotunda (infraestrutura). Essas três variáveis ??determinam o
campo das trajetórias possíveis, com uma quarta variável: a velocidade. Mas
esta tem uma função específica: para conseguir uma condução fluida, o
operacional tenta manter a velocidade constante (e não é por isso uma
variável). A fluidez da condução intervém em todas as estratégias analisadas, é
um conceito pragmático organizador de atividade nesta classe de situações.
5. AS ATIVIDADES E AS COMPETÊNCIAS COLETIVAS DOS CONDUTORES DE VEÍCULOS DE
SOCORRO EM SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA
5.1. O binómio motorista - CG: entre colaboração e cooperação distribuída
A atividade de condução é partilhada entre o motorista e o chefe da guarnição
(CG) a vários níveis. Identificámos situações de colaboração e de cooperação
distribuída para escolher o itinerário e o adaptar à situação, e situações de
cooperação distribuídas ao longo da deslocação, o que também pode ter como
objetivo “gerir os outros utilizadores da estrada”.
5.1.1. Colaboração e cooperação distribuída na escolha do itinerário e da sua
adaptação
Embora o CG seja o responsável pelo trajeto, a sua planificação e adaptação na
prática é feita pelos dois bombeiros, com base no conhecimento da zona da
intervenção e de situações de intervenção anteriores, como evidenciado pelas
palavras destes dois operacionais:
-“Às vezes é muito difícil ler o mapa, isso depende de como se pega nele. Podes
entrar num local por cima ou por baixo, e por isso, para algumas pessoas,
orientar-se no mapa é um pouco difícil. Nesse momento, comunicas com o teu
chefe, então às vezes vamos olhar para o mapa rapidamente para lhe dizer por
onde vamos chegar. Isto pode ser nos dois sentidos, o chefe pode repreender o
motorista que pensava conseguir passar por um lugar mas estava enganado”(SP9).
- "Então eu digo [ao CG], porque nós estávamos a entrar por ali como de costume
[acesso principal], eu digo que em vez de entrar por ali, nós não sabemos como
vai ser em relação à chamada que tivemos, eu disse-lhe que podemos ir pelas
traseiras, pelo parque de estacionamento, extinguimos o fogo e partimos. Porque
isto evita metermo-nos na boca do lobo. Por isso mudámos de opinião neste
momento. Dissemos que se vai virar à direita ao chegar abaixo e não vamos
seguir pelo acesso que normalmente seguimos"(SP10).
Estes dois exemplos mostram as fases de colaboração no binómio. Ao longo do
trajeto, deparamo-nos com diferentes situações de cooperações distribuídas,
semelhantes às que foram observadas por Parage & Ferrand (2012) na condução
de VESV. Assim, o CG: · indica o trajeto ao motorista: “Se eu não conheço, eu
levo-o até à cidade, e depois é o chefe da guarnição que orienta”(SP14); · toma
conta de uma parte da recolha de informações necessárias para a condução:
“Desde logo, ele diz-me coisas sobre a minha condução que eu poderia não ver,
um perigo, informações importantes. Se eu tenho uma má visibilidade à direita,
ele pode dar-me informações e eu posso pedir-lhe" (SP7); · também pode acionar
a sirene.
5.1.2. Cooperação distribuída entre o motorista e o CG para gerir outros
utilizadores da estrada no contexto
A sirene é usada para pedir prioridade aos outros utilizadores da estrada, para
os prevenir em caso de má visibilidade e garantir que eles compreendam a
situação: “Se houver falta de visibilidade ou há veículos, vamos ligá-la, vamos
antecipar, preveni-los. Talvez as pessoas já nos tenham visto. Depois
continuaremos a ligar, se vemos que alguns não entendem”(SP6).
Nas sequências que filmamos é o CG que aciona maioritariamente a sirene [13].
Um operacional explica a necessidade de antecipação do CG, e a tomada em conta
das características das situações: “O CG deve antecipar a condução, pois aciona
a sirene.[...] Por experiência, se se chega a uma rotunda, que ele vê
claramente, provavelmente só vai ligar a sirene mais tarde , se ele não tem
visibilidade vai ligar muito mais cedo"(SP3).
Estas utilizações da sirene pelo CG e as suas antecipações requerem
conhecimento sobre a forma de conduzir do motorista e sobre os constrangimentos
da condução. Assumimos que este conhecimento vem de uma consciência partilhada
da situação, mesmo quando em alguns casos o motorista considera que o CG aciona
a sirene tarde demais. Estas utilizações também são baseados na sincronização
temporal das atividades, por causa da dependência temporal das ações a serem
tomadas em relação à dinâmica do processo.
Observámos algumas situações em que o motorista liga ele próprio a sirene:
“Quando o chefe da guarnição está muito ocupado, eu próprio ligo”(SP10).
Essas verbalizações, como as precedentes, dão conta da integração dos
constrangimentos do colega de equipa. Podem ser interpretadas como um indicador
de metacooperação (Hoc, 2001).
Foram encontradas diferenças na utilização da sirene em função dos indivíduos.
Dois bombeiros evocam claramente as suas preferências. Um motorista diz que
prefere que o ouçam de longe – “Eu prefiro que ele a ponha[o CG]. Pelo menos as
pessoas vão ouvir” (SP9) - enquanto um outro diz que também é uma vergonha:
“Sim, mas eu, a sirene... faz muito barulho [...] A sirene, vai bem 15
segundos. E, além disso, não se ouve bem a falar [...] É um parasita auditivo
para nós que conduzimos” (SP3).
Este último operacional também nos diz que a sirene às vezes é deixada muito
tempo a tocar, especialmente com o VCIP, porque neste caso a preparação da
intervenção mobiliza o CG: “quer ele a tenha acionado e esqueceu-se de a
desligar, quer tenha lá o pé em cima e esteja com o mapa, portanto, não
necessariamente a pensar… tem outra coisa em que pensar. Ele, que nem sequer
olha para a estrada. Ele tem o mapa. Saímos, eu acho, para um fogo num
apartamento, por isso ele tem o mapa, ele já está a procurar os acessos. Ele
olha para o edifício, se há uma coluna. Ele tem mais em que pensar do que olhar
para a estrada"(SP10).
5.2. Condução para e com os colegas de equipa
Havíamos já afirmado que os motoristas também adaptam a sua condução para o
grupo de colegas presente na traseira do VCIP. Um outro exemplo ilustra o facto
de que a condução de um veículo de socorro é uma atividade “dirigida”, nas
palavras de Clot (1999). Os colegas de equipa são obrigados a equiparem-se no
camião após a saída do quartel. A fluidez da condução tem aqui também a
intenção de os poupar durante esta etapa que ocorre na parte de trás: “ Sim,
porque, por exemplo, no camião, existem homens na parte de trás a vestir-se.
Então, se tu esperares para estar a 10 metros dos semáforos para perceber que
vais ter que travar, é tarde demais e de repente travas a fundo. Os homens que
estão atrás, eles estão a equipar-se [...] portanto eles não estão com cinto de
segurança. Assim, eles voam. Há isso também, tu não estás sozinho”(SP1).
Além de ter em conta o conforto dos colegas e a segurança, alguns motoristas
relatam que adaptam a condução ao que os colegas sentem: “Na minha condução, de
qualquer forma, eu vou adaptar em relação ao stress deles por isso não vou
[...] jogar o stress, em qualquer caso, porque eu acho que é como tudo, a certa
altura, adaptamo-nos aos outros” (SP4). Este exemplo de metacooperação leva em
consideração os estados emocionais dos colegas de equipa.
Em autoconfrontação, outros evocam situações em que os motoristas são
interpelados pelos seus colegas ou pelo CG sobre a sua condução, por exemplo:
“Eles criticam, se se passa uma lomba um pouco depressa ou uma curva mais
apertada, eles são rápidos a dizer-te lá de trás “Atenção fomos sacudidos!”
(SP10). Íamos em coluna e chegou a uma rotunda, eu estava ao lado dele, ele
queria conduzir, muito bem. E depois, bom, eu sentia que ele queria mostrar o
que sabia fazer. Só que ele chegou à rotunda, eu disse: “Ei, mais devagar aí!”,
primeira vez; “Ei, mais devagar!”, eu disse-lhe pelo menos três vezes; "Vais
muito depressa"(SP10). Os colegas de equipa podem, portanto, agir sobre a
condução quando esta lhes parece inadequada.
Estas regulações não se desenvolvem da mesma maneira independentemente da
intervenção em que ocorrem. Também dependem do motivo da saída do piquete e do
grau de gravidade esperado, que afetam emocionalmente o motorista e o coletivo,
e podem afetar a condução: “É muito variável, é que depende da intervenção. Se
não é muito importante, não rolas como com uma noção de gravidade comprovada
[...] Depois, com o carácter de gravidade recebe-se muitas informações
completas, entre o chefe da guarnição que prepara a intervenção, dá o ponto de
encontro, prevê o material do pessoal. O pessoal que sob a pressão da
adrenalina nos diz para nos apressarmos. Há uma multitude de informações que
vão fundir-se na cabine e não se pode deixar que nos perturbe”(SP7). Um
operacional diz, a propósito de um incêndio: “Há adrenalina para todos no
camião. Eu não sei se temos tendência a conduzir depressa de mais… é a
adrenalina. Sentimo-nos um pouco... sim, loucos!"(SP10).
A tripulação intervém na condução, se considerar que não é suficientemente
fluida. Mas também acontece quando o CG ou a tripulação se deixam vencer pela
emoção despertada pelo motivo da intervenção. O motorista deve resistir a esta
pressão. Ter consciência dos diferentes estados emocionais, dos seus efeitos
sobre a condução e controlá-los advém dos metaconhecimentos que os motoristas
têm que desenvolver (Lefebvre, 2001). A atividade de condução pode ser regulada
a nível coletivo, como já apontado anteriormente. Isso é especificado por um
bombeiro em autoconfrontação: “Há sempre um para canalizar a atmosfera” (SP3).
Aqui, não se trata somente das competências individuais do motorista dirigidas
ao coletivo, mas a capacidade do coletivo para se autorregular ou regular o
comportamento de um dos seus membros, que vem da metacooperação (Hoc, 2001) e é
uma dimensão importante das competências coletivas a adquirir.
5.3 Conduzir preparando a intervenção para ajudar os colegas versus saber
abstrair-se do coletivo
As verbalizações entre os bombeiros sapadores podem ser numerosas durante os
trajetos. Podem tratar-se de discussões dentro do veículo ou comunicações por
rádio sobre a viagem ou sobre a própria intervenção, e ainda verbalizações mais
pessoais. São ao mesmo tempo um meio de trocar informações e um desconforto;
alguns operacionais relatam, então, a necessidade de se abstrair do coletivo.
O motorista pode estar a ouvir as ordens dadas pelo CG aos colegas da equipa
porque a informação pode ser útil para identificar com precisão a localização
da intervenção ou permitir-lhe compreender qual o colega que deve ajudar, como
o ajudar e antecipar as suas necessidades. Por exemplo: "Saber como abastecer
[14],se vem outro camião abastecê-los, abrir os compartimentos do camião em
função das necessidades dos colegas de equipa. [...] Saber onde estão os pontos
de água, se é um incêndio de apartamento, se é em altura, o pessoal vai
precisar rapidamente de uma escada que está no telhado por isso é precisar
tirar as divisórias depressa para ter acesso às escadas. Se é um fogo benigno
no lixo ou ao nível do chão, sabes que é só tirar a mangueira”(SP12). Aqui
encontramos traços de metacooperações indispensáveis para a eficácia do
coletivo (Hoc, 2001).
Outros operacionais evocam o inconveniente causado pelas interações durante a
condução, pelo que se pode pensar que elas geram uma situação de dupla tarefa:
“Temos que manter a concentração, não se deixar perturbar pelo que se passa
dentro do camião [...] Eu tento não interagir a menos que seja sobre a minha
condução, e o chefe da guarnição me dê uma ordem específica sobre a chegada aos
locais, eu recebo a informação e eu vou não tratá-la logo de seguida”(SP7). Em
alguns casos, as interações são fontes de riscos, como especifica um
operacional: “E ali, há uma curva que é mesmo apertada e sente-se mesmo [...]
Ali em E. é uma curva onde quase todos os veículos podem fugir de traseira.
Basta que o chefe da guarnição diga nesse momento: quando chegares lá abaixo,
deves seguir a estrada tal... e escutamos, não prestamos atenção à velocidade.
Há falta de atenção e depois...” (SP3). Este exemplo destaca os
metaconhecimentos a adquirir para, desta vez, se abstrair do coletivo e se
concentrar na sua principal tarefa, o que contribui para a gestão dos riscos na
estrada.
5.4. O papel do coletivo de trabalho nas atividades construtivas
Outras situações de condução, uma deslocação para atividades desportivas, por
exemplo, são aproveitadas para apropriação das características do veículo, ou
aprofundar os conhecimentos sobre as zonas em que se poderá ter que conduzir e
identificar situações críticas, como relata um operacional: “É quando vamos
para a piscina por exemplo, ou no regresso de uma intervenção se eu estiver na
parte de trás do camião, que eles dizem “Posso ser eu a conduzir no regresso?".
Isto permite aperceber-se da condução, da dimensão, e depois, é a cidade onde
se trabalha, é a cidade onde vamos, portanto, escalar [15] por isso “Aqui vamos
levá-lo pelos caminhos difíceis”. Sabemos que em I. há ruas pequenas que não
são práticas para um pesado, é lá onde nós vamos apenas naquele dia em que se
tem tempo para meter-se em locais de difícil acesso para que, no dia em que
saibamos que é para onde vamos, sabermos se podemos passar ou não”(SP9). Este
operacional também afirma que as situações são também transformadas tendo em
vista a aprendizagem: "À tarde é a manobra[...]se se tem um jovem[...] ele deve
trabalhar com o veículo para ver o que vale, fazê-lo cometer alguns erros para
ver a reação dele se isto não funciona".
Outros operacionais parecem estar cientes do papel das histórias transmitidas
no seio do coletivo no desenvolvimento das competências dos motoristas e
especialmente para a gestão dos riscos (Rogalski & Leplat, 2011):
“Estávamos todos na parte de trás de um camião, todos nós nos sentimos
sacudidos, todos nós tivemos medo, uma vez, por isso ou era a experiência
pessoal de ter medo ou a experiência de alguém que nos disse isso. Esta tarde,
eu disse como eu me surpreendi, falamos entre nós e, em seguida, talvez
possamos dizer que se ia rápido demais ou que se poderia ir de tal maneira.
Saber que numa situação X uma noite de chuva e na noite seguinte de chuva, não
teremos as mesmas reações, é assim, nós sabemos. Então, sim, nós vivemos
através, nos bombeiros há sempre anedotas. Vivemos através disso"(SP9).
O coletivo de trabalho contribui, portanto, para a criação de situações que
promovem as atividades construtivas de partilha de saberes e o desenvolvimento
das competências dos motoristas.
Assim, a atividade de condução para chegar ao local de um acidente é uma
atividade em situação de emergência, coletiva e multidimensional. Inclui o
trabalho coletivo do binómio motorista-CG, é dirigida aos colegas de equipa ao
conduzir de forma fluida para não os sacudir e estando à escuta do CG para se
preparar para os ajudar, a tripulação pode ser um meio de regulação coletiva
das emoções e o coletivo de trabalho contribui para as atividades construtivas
envolvidas no desenvolvimento das competências dos motoristas. Ao mesmo tempo,
a condução, tarefa complexa, requer também ser-se capaz de se abstrair do
coletivo para se concentrar.
6. CONCLUSÃO E DISCUSSÃO
Como referimos na introdução, a atividade de condução é marcadamente articulada
com o trabalho e com as suas condições de realização (Forrierre & Six,
2010; Fort, Pourcel Davezies, et al., 2010). O nosso estudo é consistente com
estes resultados: conduzir veículos de socorro não é para os bombeiros
sapadores apenas conduzir um veículo pesado. É também ter em conta a urgência
da intervenção, sem gerar riscos de acidente na estrada, e uma atividade
coletiva multidimensional, que inclui, por exemplo, ao mesmo tempo preparar a
intervenção durante a atividade de condução e a distanciação das interações com
os colegas para se concentrar na condução.
6.1. Contribuições para a modelização da condução de veículos de socorro
Apoiamo-nos no quadro da didática profissional (Samurçay & Pastré 1995;
Pastré, 2005) e no modelo de Lefebvre (2001) para caracterizar as competências
dos condutores, incidindo sobre as estratégias implementadas e os conceitos
pragmáticos e as variáveis ??que lhes estão subjacentes. Encontramos os
conceitos identificados por Lefebvre: campo das trajetórias possíveis, força
resultante da curva, comportamento incerto de outros utilizadores da estrada.
Eles compreendem variáveis ??consideradas pelos bombeiros sapadores: a
oscilação ou a aderência dos pneus, por exemplo. Mas eles são insuficientes
para dar conta da organização da atividade de condução. O conceito pragmático
organizador é o da fluidez da condução, o que permite explicar as estratégias
analisadas. A fluidez da condução é uma resposta à contradição que foi
enfatizada na frase “conduzir depressa lentamente”, que nos deu um condutor de
VESV para definir a condução em situações de emergência (Vidal-Gomel, 2010).
A análise da atividade em didática profissional não advém da análise da tarefa
e dos conceitos e ou saberes que poderiam ser inferidos com base nisso. Neste
caso, uma simples transposição dos conceitos identificados por Lefebvre para
melhor ter em conta as características dos veículos seria suficiente. É, antes,
uma análise da atividade tendo em conta, nomeadamente, as características das
situações e os objetivos dos operacionais. É somente nessa base que podem ser
recompostas as variáveis ??e conceitos aqui em jogo. Pode dizer-se que se trata
de uma análise da tarefa cognitiva no que diz respeito à atividade e dos seus
organizadores, para uma dada classe de situações; aqui a da condução de
veículos de socorro em situação de emergência.
Além disso, nas situações estudadas, a atividade coletiva de condução não
concerne apenas os outros utilizadores da estrada, como Lefebvre (op. cit) ou
Mundutéguy & Darses (2007) apontaram. Também diz respeito à cooperação com
o chefe da guarnição, a ter em conta os colegas na parte de trás do veículo nas
estratégias de condução, a preparação da intervenção para os ajudar, a
regulação das emoções no coletivo ou o distanciamento do coletivo para se
concentrar na condução. Assim, a atividade de condução de veículos de socorro
(veículo de combate a incêndio pesado e veículo de socorro rodoviário) em
situação de emergência é uma atividade coletiva multidimensional. Foram
identificados vários aspetos das competências coletivas: estas derivam da
consciência partilhada, mas também da metacooperação para a qual identificamos
tanto dimensões cognitivas como emocionais, que se estende à noção de
metacooperação desenvolvida por Hoc (2001) que não inclui este ultimo aspeto.
Se algumas dessas dimensões são específicas do trabalho dos bombeiros
sapadores, outras são, sem dúvida, mais gerais. Assim, todos os condutores são
obrigados a transportar passageiros, de modo que a consideração do seu conforto
atrás - embora também dependa em parte do veículo conduzido - ou a regulação
das emoções num coletivo, podem ser variáveis ??que poderiam ser analisadas
??noutros contextos para uma contribuição mais ampla para a formação dos
motoristas.
6.2. Pistas para a formação de bombeiros sapadores em condução em situação de
emergência
Estes primeiros resultados delineiam pistas de recomendações para a formação de
motoristas de veículos de socorro em situação de emergência, mostrando a
importância de levar em conta as estratégias de motoristas, que são, por vezes,
diferentes das preconizadas pelos formadores. As variáveis ??e conceitos que
organizam estas estratégias podem servir de base para construir ferramentas
para a formação de especialização. Por exemplo, com base nas filmagens feitas,
alloconfrontações coletivas (Mollo & Falzon, 2004) podem ser realizadas;
uma parte dos formadores da EDIS pode ser formado com base neste tipo de
métodos. As variáveis ??e conceitos identificados (Esquema_1, acima) podem ser
utilizados pelo formador para conduzir as entrevistas. Numa perspetiva da
didática profissional, trata-se de munir o formador com esses conceitos e
variáveis ??para que possam ser mobilizados na formulação de novas abordagens
em função das características das situações visionadas. Devem promover assim a
sua apropriação pelos atores interessados e constituir um recurso complementar
para o desenvolvimento, como Samurçay & Hoc (1996) mostraram a propósito de
ferramentas para apoiar a condução de altos-fornos. A nossa hipótese é que isso
pode ampliar o espaço de debate existente; por exemplo, na hora das refeições,
quando se trocaram piadas entre os profissionais, como pudemos identificar.
Este alargamento permitiria assim fortalecer o coletivo de trabalho (Caroly
& Barcellini, 2013), para se tornar consciente de suas próprias maneiras de
fazer e descobrir as dos outros (Mollo & Falzon, 2004), que são recursos
para o desenvolvimento das competências dos atores.
Estes diferentes resultados levam a questionar a escolha organizacional de
especialização dos motoristas. Em última análise, os chefes de guarnição não
vão aprender a conduzir veículos de socorro em situação de emergência. A sua
contribuição para a gestão de riscos através do uso da sirene e os seus
controlos serão afetados. Pode, de facto, supor-se que a elaboração de um
referencial operativo comum, da consciência partilhada da situação com o
motorista depende das suas eventuais experiências comuns construídas ao longo
do tempo, tornando-se mais difícil para eles a colaboração. Finalmente, se,
como argumentam Caroly & Clot (2004), o trabalho coletivo é uma condição do
coletivo de trabalho, em última análise, teme-se que o seu contributo para a
formação dos motoristas possa ficar enfraquecido. Por fim, a especialização
pode levar a novos objetivos na formação, que deverá ter em conta a formação
das atividades coletivas. Como, então, neste caso, formar o trabalho coletivo?
O “cross training” (Cannon-Bowers, Salas & Converse, 1993) é um dispositivo
que pode ser relevante para formar dimensões coletivas da condução em situações
de emergência. Utilizando dramatizações, análises das tarefas e simulações,
trata-se de fazer praticar todas as funções e tarefas dos diferentes membros da
equipa por todos os membros do coletivo. Estas formações permitem fornecer a
cada um informações sobre as tarefas, funções, equipamentos e outras situações
e de compreender a interdependência dos papéis e responsabilidades, e assim
favorecer a elaboração de modelos mentais partilhados (Salas & Cannon-
Bowers, 2000), e melhorar a consciência da situação (Bolstad, Cuevas, Costello
& Rousey, 2005). As variáveis ??e conceitos pragmáticos identificados
poderiam ser incorporados em tais formações para facilitar a aquisição e
partilha, por exemplo, utilizando-os para projetar dramatizações. Note-se que
as situações de trabalho atuais (antes da especialização) partilham as
características das formação de tipo “cross training”: todos os atores podem
ocupar todos os postos. Tratar-se-ia agora de recriar em situação de formação
as características de situações reais que precisamente se tentou suprimir,
situação paradoxal...
Contudo, as formações de tipo “cross-training” repousam também sobre simulações
de situações em que os operacionais possam praticar em contextos relevantes e
dispor de feedback (Salas & Cannon-Bowers, 2000). Vários obstáculos teriam
que ser levantados para que isso se tornasse efetivo, uma vez que tais
formações não existem (do nosso conhecimento) nas Escolas departamentais de
combate a incêndio e socorro: 1) o projeto é geralmente caro; 2) os formadores
não podem realizar formação simulada em situações reais, sem transgredir os
regulamentos em vigor; 3) estas diferentes situações de formação não parecem
conseguir traduzir as dimensões emocionais envolvidas na atividade de condução
em situação de emergência, o que torna difícil formar em aspetos como a
regulação coletiva das emoções ligadas ao motivo da saída para intervenção.
Outra forma seria a de concentrar-se nos bombeiros sapadores de Paris para os
quais a especialização em condução está em vigor há vários anos e que têm a
reputação de ser um corpo de elite. Tratar-se-ia, então, de entender o que
constitui a eficiência coletiva e de transpor para a formação determinadas
características do seu funcionamento.
Outras questões permanecem: a especialização em condução pode enfraquecer o
coletivo de trabalho. Assim, pode-se perguntar se as atividades construtivas
que ocorrem fora das situações de trabalho, tais como as aprendizagens que são
realizáveis ??no caminho para os locais de treino desportivo, poderão
persistir. Os resultados de estudos anteriores sobre o "cross training" não
indicam qualquer efeito particular que permitisse solucionar isso. Devem ser
postos em prática outros tipos de dispositivos. Assim, para promover o
desenvolvimento do coletivo, Caroly & Barcellini (2013) abrem algumas
pistas, como: tentar melhor compreender e reconhecer as competências e a
qualidade de trabalho, que podem ser baseadas em métodos de explicitação do
trabalho e de alloconfrontações ou a criação de espaços para se debaterem
maneiras de trabalhar.
Assim, a decisão de especialização dos motoristas dos bombeiros sapadores levou
a que estes “profissionais móveis” - ou seja, aqueles para quem conduzir é uma
tarefa tão secundária como essencial, de acordo com a categoria de Gressel
& Mundutéguy (2008) – se tornem “especialistas de transporte” - ou seja, os
profissionais cuja principal tarefa é desta vez o transporte - num coletivo
cujas missões permanecem inalteradas. Esta decisão não só prejudica a
realização da atividade no contexto e a gestão de riscos, mas também cria novos
desafios para a formação de operacionais e exige novos meios. Na verdade,
muitas das regulações que foram aprendidas em situações de trabalho, inclusive
dentro do coletivo, e que contribuíram para a gestão dos riscos, recaem ainda
mais na formação.