Análise da atividade, participação e sustentabilidade da ação transformadora:
reflexões a partir do Projeto Matriosca
1. Introdução: A participação como meio para uma intervenção sustentável e
sustentada no real
A ideia da participação, como conceito guarda-chuva que abrange todas as
intervenções em que é solicitado o envolvimento de trabalhadores e que inclui
denominações tão diferentes como empowerment, voz ou envolvimento (Wilkinson
& Dundon, 2010), tem, por isso talvez, encontrado forte aceitação e
legitimidade social (Gonzalez, 2009). A sua génese humanista tem contribuído
para este largo consenso, funcionando como um contraponto a um tipo de gestão
autoritária (Likert, 1961) e considerando como elementos estruturantes do ser
humano a necessidade de controlo sobre os seus próprios comportamentos e
consequências (Argyris, 1957) e a procura constante de um significado em todas
as suas ações (McGregor, 1960). Mas, o processo participativo também é
valorizado pelo seu lado funcional (Lamonde, 1995), relacionando-o com a
importância do conhecimento e da experiência dos trabalhadores construída no
confronto diário com o trabalho real e com o potencial de rentabilizar esse
conhecimento, seja para melhorar as condições de trabalho, a segurança, a
produtividade ou a qualidade.
Esta conceção funcional de participação tem sido cada vez mais validada, até ao
ponto em que hoje em dia há claramente uma maior disseminação de práticas
participativas. Assim, análises como a de Gonzalez (2009) apontam para
evidências de uma relação entre vários tipos de participação direta e variáveis
como produtividade, perceção de influência, clima organizacional ou confiança,
maiores salários, segurança no emprego e perspetivas de promoção.
Na área da “Ergonomia Participativa”, que procura explicitamente envolver os
trabalhadores no planeamento e controlo das suas atividades de trabalho (Wilson
& Haines, 1997) e que tem preocupações que convergem com as que orientaram
o estudo de caso que estamos a apresentar, algumas revisões sistemáticas (eg.,
Cole et al., 2005, Cole et al., 2009, Rivilis et al., 2008, e St. Vincent et
al., 2010) evidenciam o impacto globalmente positivo da participação,
considerando outros indicadores como a diminuição de lesões músculo-
esqueléticas, a melhoria da qualidade das alterações efetuadas, a redução de
dias perdidos por baixa e das indemnizações pagas.
Vários autores que se situam nesta tradição, realçam também o aperfeiçoamento
de soluções devido à experiência desenvolvida durante o trabalho (Imada, 1991;
St-Vincent, Fernandez, Kuorinka, Chicoine, & Beaugrand, 1997), insistindo
na possibilidade de o processo de participação representar uma experiência de
aprendizagem para todos os envolvidos (St. Vincent et al. 1997; Wilson et al.,
2005). Maciel (1998) conclui com a possibilidade de estes processos levarem a
melhorias não só nos processos de trabalho mas também no bem-estar dos
trabalhadores.
No entanto, mesmo na vertente funcional da participação, este aparente
"consenso" deve ser olhado com algumas reservas, principalmente se tivermos em
conta a grande diversidade de cenários propostos sob a designação de projetos
participativos. O Participatory Ergonomics Framework, grelha desenvolvida por
Haines, Wilson, Vink e Koningsveld (2002), oferece-nos um bom exemplo da
diversidade de abordagens que podem ser enquadradas na área da "Ergonomia
Participativa”.
Na verdade, se a valorização do conhecimento adquirido pelos trabalhadores no
decurso da atividade é fundamental, ele parece também servir de fundamento para
definir intervenções com metodologias e regras diferentes.
É de admitir por isso que, mesmo no que diz respeito à sua conceção funcional,
o recurso ao conceito de "participação" mantém a sua ambiguidade, nomeadamente
porque não deixa de revelar uma relação desigual, entre quem decide abrir um
espaço e um tempo para permitir a participação - e os “outros”. De acrescentar
que esta ambiguidade é ainda mais complexa se tivermos em conta que,
frequentemente, numa organização, são várias as instâncias e os atores que
exercem o poder de decisão: a gestão desta transferência de poder entre
diferentes estruturas hierárquicas e os limites explícitos e implícitos que a
orientam contribuem para a complexidade deste tipo de intervenções.
Na realidade, a maior parte das intervenções de participação direta implicam
esta abordagem de “cima para baixo” (Wilkinson & Dundon, 2010). Os
responsáveis pela gestão decidem conceder algum poder aos trabalhadores com
objetivos normalmente predeterminados e com limites bem definidos. Esta escolha
envolve necessariamente tensões entre interesses contraditórios e incorpora
camadas de complexidade que muitas vezes operam finalmente contra os objetivos
da participação.
Esta complexidade inerente às intervenções participativas faz com que, por
vezes, estas constituam um "negócio arriscado" (Garrigou, 2002). De facto, as
intervenções podem falhar e levar à desilusão das pessoas envolvidas, que se
sentem enganadas por a sua contribuição não ter levado nem à prossecução dos
resultados anunciados, nem à melhoria das condições de trabalho (Garrigou,
2002). As intervenções participativas podem até ser utilizadas, tal como Wells
(1987) defendeu, como uma maneira de manipular os trabalhadores, levando-os a
acreditar que estão a ser envolvidos, quando afinal estão a ser marginalizados
das decisões que realmente têm impacto ao nível do seu trabalho e dos
verdadeiros problemas que os afetam - motivo que levou a que vários sindicatos
tenham uma atitude ambivalente face aos processos de participação direta.
Apontam ainda que, ao dar aos trabalhadores uma influência que, na verdade,
será pouco real ou revestirá uma forma híbrida de delegação de poder
(Potterfield, 1999), poderá, sobretudo, reforçar a “tentação
responsabilizadora”, apostando na motivação e na capacidade dos trabalhadores
para resolverem as dificuldades com que se confrontam, sem intervir sobre a sua
fonte (Lacomblez & Vasconcelos, 2009).
Assim, nem sempre os resultados da participação acabam por beneficiar aqueles
que alimentaram o processo (Garrigou, 2002). Até os ganhos associados ao
aumento de produtividade ocasionados por práticas participativas nem sempre são
transferidos para os trabalhadores (Gonzalez, 2009), podendo até resultar em
despedimentos…
A cautela no uso do termo participação é então justificada. Se considerarmos
que não pode deixar de constituir uma dimensão estruturante de qualquer
intervenção sustentada no real, é necessário criar condições que irão garantir
que o recurso à participação servirá de facto aqueles que estarão envolvidos no
processo, originando mudanças profundas e duradouras na organização. Mais do
que solicitar pontualmente o contributo dos trabalhadores, a preocupação é que
este se torne permanente.
É com esta olhar, que iremos analisar a dimensão participativa da intervenção
que se descreve a seguir, procurando avaliar não só se o recurso ao contributo
dos trabalhadores contribuiu para uma melhoria das suas condições de trabalho,
mas também se as mudanças que originaram acabaram por ter um impacto de longo
prazo.
Nesse sentido, temos considerado a análise da atividade de trabalho (e o
envolvimento de profissionais que dominem esta competência no processo) como
pilar fundamental da nossa abordagem.
Por um lado, porque a assumpção do trabalho em toda a sua complexidade, a
valorização da experiência construída pelos trabalhadores e a aposta no
conhecimento gerado pela troca e confrontação de saberes (Lacomblez &
Teiger, 2007), próprios a esta análise, tornam o processo participativo
imprescindível e realça as suas potencialidades: a análise da atividade é vista
como "ferramenta cognitiva", conduzindo a um outro olhar sobre o trabalho,
realçando aspetos antes pouco ou mal conhecidos, e encaminhando para novos
cenários de transformações (Teiger & Lacomblez, 2013). Trata-se de um
processo enriquecedor quer na dimensão da formação quer na dimensão da
transformação, com impacto efetivo e consequente nas condições de trabalho.
Mas por outro lado, consideramos a análise da atividade como forma de garantir
que uma intervenção participativa seja justa e tenha um impacto positivo no
trabalho de quem nela contribui: por abranger necessariamente a gestão de
processos de tomada de decisões, a dinâmica sustentada é de transferência, pelo
menos parcial, de poderes e convoca então a questão da justiça.
2. O Projeto Matriosca
2.1. O método
2.1.1. O contexto da intervenção
A empresa em que ocorreu a intervenção situa-se num Complexo Químico em
Portugal, com dois polos de produção, e emprega cerca de 220 trabalhadores. O
primeiro polo produz compostos inorgânicos e é constituído por quatro fábricas
cujos processos de produção são interdependentes. O segundo polo é responsável
pela produção de compostos orgânicos através de processos de síntese em
reatores e é constituído por cinco fábricas. Os dois polos são
interdependentes, comunicando através de condutas de vapor e hidrogénio.
Cinco turnos asseguram o funcionamento da empresa 24 horas por dia. Por cada
fábrica da empresa, existem dois operadores por turno: um operador de painel,
responsável pelo controlo da automação do processo produtivo através de vários
monitores onde pode controlar indicadores como temperaturas, pressões e
concentrações; e um operador responsável pela fábrica no seu exterior onde
executa várias operações de controlo de qualidade do produto, estando sempre em
estreita articulação com o operador de painel da fábrica.
2.1.2. Os motivos para a intervenção
A intervenção foi desenvolvida na empresa em resposta a um pedido que visava o
desenho de um projeto com vista à promoção da segurança industrial e ambiental
(Duarte, Vasconcelos & Pinto, 2011). Desde os primeiros contactos com os
responsáveis pela empresa, foi possível verificar que as principais
preocupações em matéria de Segurança e Saúde no Trabalho tinham a ver com
acidentes industriais com substâncias químicas perigosas (tóxicas, corrosivas
ou inflamáveis) como fugas, derrames ou libertações para a atmosfera. Estes
acidentes industriais acarretam fortes consequências para a empresa e para a
comunidade que pode ser atingida, já que um acidente na empresa ultrapassa os
muros desta podendo afetar a população envolvente. Assim, mais do que o
imperativo legal associado às coimas das autoridades ambientais, a segurança na
empresa tem um forte imperativo social e comunitário. Para além disto, a
segurança é ainda uma necessidade económico-financeira do mercado enquanto
critério de negociação de parcerias entre empresas.
2.1.3. Os participantes
Dos 220 trabalhadores da empresa foram envolvidos diretamente na intervenção
115 elementos repartidos por 10 grupos ao longo de 14 meses. Cada grupo contou
com cerca de 12 elementos onde se faziam representar operadores industriais,
encarregados, coordenadores e supervisores de produção, técnicos de segurança,
elementos das diferentes áreas de apoio à produção e técnicos de manutenção.
Para além destes grupos, participaram ainda os elementos pertencentes ao
"Comité de Acompanhamento", estrutura mobilizada pela intervenção cuja função
será descrita mais à frente. Neste comité fazem-se representar as várias
direções da empresa: Direção de Produção; Direção Técnica; Direção de
Manutenção; Direção da Segurança, Higiene e Ambiente; e Direção de Recursos
Humanos. A estes elementos juntam-se um representante de cada um dos 10 grupos
e os três psicólogos do trabalho que assumem a coordenação da intervenção.
2.1.4. A abordagem metodológica
Em termos teórico-metodológicos, o Projeto Matriosca (acrónimo de Matriz de
Análise do Trabalho e de Riscos Ocupacionais para Supervisores, Chefias e
estruturas de Apoio) (Vasconcelos, 2008) tem como referencial privilegiado o
método de formação-ação definido por Teiger e Laville (1991). Contudo, enquanto
o projeto de Teiger e Laville (1991) tinha como objetivo ajudar representantes
sindicais a estruturarem melhor as suas reivindicações, o projeto Matriosca foi
concebido na sequência da experiência realizada graças ao método MAGICA
(Vasconcelos, 2000; Vasconcelos & Lacomblez, 2000), definido considerando a
dinâmica de uma empresa do setor privado, caracterizada por outro tipo de
relações sociais em que dominam desigualdades em termos de relações laborais e
hierárquicas. O objetivo passará então por, através da participação, conferir
um maior equilíbrio a essas relações gerindo da melhor forma possível as
complexidades inerentes a um processo deste género.
No plano formativo, o Projeto Matriosca procura articular dois tipos de
momentos: de análise guiada da atividade de operadores em posto de trabalho; e
de análise coletiva em sala de formação em que os resultados da análise em
posto são partilhados e discutidos. Como já foi referido, nos 10 grupos
constituídos no caso aqui em análise, para além dos operadores industriais,
estavam representados outros atores considerados pertinentes para as atividades
e problemas em discussão. Quanto ao trabalho de coordenação do processo, este
foi executado pela equipa de Psicólogos do Trabalho, três neste caso, todos
eles conhecedores das metodologias de análise da atividade (doravante, esta
equipa passará a ser designada de “psicólogos do trabalho”).
Por já o termos relatado com maior pormenor em diferentes contextos
(Vasconcelos, 2008; Lacomblez & Vasconcelos, 2009; Vasconcelos, Duarte
& Moreira, 2010; Duarte, Pinto & Vasconcelos, 2011; Vasconcelos, Silva
& Fortuna, 2011), descreveremos aqui de forma sucinta os momentos e as
opções metodológicas do projeto, centrando-nos depois na avaliação da
intervenção.
Na Figura_1 é apresentada esquematicamente a lógica do que podemos designar de
“formação-ação participativa”, tal como desenvolvida ao longo da intervenção. A
base é a de um movimento cíclico em que formação e transformação das condições
de trabalho se alimentam mutuamente num processo intercomunicante. O processo
aqui descrito decorreu entre março de 2010 (início do processo de análise de
atividade) e junho de 2012. O cronograma pode ser observado com maior detalhe
na Figura_2.
Primeira fase: Conhecer o terreno e o trabalho real
Os primeiros passos da intervenção consistiram numa recolha de dados
considerados necessários para o conhecimento da realidade de trabalho e para a
definição das situações que mais tarde serão alvo da intervenção. Consistiu
principalmente na consulta de documentos internos e na realização de
entrevistas a vários atores por parte dos psicólogos do trabalho. Num segundo
momento, e durante cerca de um mês, os mesmos procederam à análise ergonómica
das atividades de trabalho que se revelavam pertinentes para o entendimento das
situações em causa. Nesta fase, a análise da atividade incidiu, não só na
atividade dos operadores industriais, mas também nas atividades dos técnicos de
manutenção, técnicos de segurança, supervisores e coordenadores de produção. É
a partir dos relatos durante a análise dessas atividades que surgiram
situações-problema quotidianas (com implicações ao nível da saúde e segurança,
qualidade ou organização temporal) relevantes. Estas foram recolhidas e
registadas pelos psicólogos do trabalho com o intuito de servirem de estímulo
para a discussão nos grupos de formação.
Convém referir aqui que "situação-problema" foi o termo designado para
classificar aspetos críticos do trabalho - considerando, para a sua
compreensão, as ações e compromissos necessários para a sua resolução,
analisando deste modo os “desvios” entre o prescrito e o real reveladores do
aspeto "problemático" das situações. Estas “disfunções” no desenrolar
supostamente normal do sistema de produção, muitas vezes de caráter imprevisto,
são aquilo que Zarifian (1999) designa de "eventos". É, precisamente, a
apreensão, partilha e discussão destes eventos que permite um novo olhar sobre
a atividade e a elaboração de um projeto de intervenção orientado pela vontade
de uma melhoria das condições de trabalho.
Esta fase decorreu entre os meses de março e abril de 2010 (cf.Figura_2).
Segunda fase: Grupo de formação e análise em alternância
Após o momento de análise inicial, é colocado em marcha o movimento cíclico do
polo da formação com as sessões em sala. Como é possível observar na Figura_1,
a vertente da formação, ilustrada no polo da direita, é composta por 4 fases:
sessão em sala com o grupo; sessões em posto de trabalho; balanço em sala; e
sistematização dos dados. Assim, com cada um dos sucessivos 10 grupos, o
trabalho de análise passou, em duas semanas, por alternar momentos de análise
coletiva em sala de formação e momentos de análise guiada em posto de trabalho
com cada elemento que constitui o grupo em causa.
Depois de realizado o trabalho com cada um dos grupos, as conclusões são
comunicadas ao “Comité de Acompanhamento”, estrutura mobilizada pela
intervenção, funcionando como eixo central, pois assegura as condições
indispensáveis para a concretização das ações desenhadas (Vasconcelos, Silva
& Fortuna, 2011).
A presença no Comité de Acompanhamento de diversos atores pertencentes a
diferentes estruturas hierárquicas, e com um maior poder na tomada de decisões,
facilita a implementação das ações propostas e a materialização do que permitiu
o processo participativo, assegurando que os participantes são implicados não
só no diagnóstico e na investigação de soluções mas, também, na implantação,
levando a um processo de transformação.
Este processo e a discussão promovida neste Comité realimenta o processo de
formação em curso, seja materialmente, pela introdução de novos elementos nas
análises e discussões subsequentes, seja emocionalmente, pela constatação dos
sujeitos em formação do impacto real e quase imediato que a sua ação vai tendo.
Assim, com o Comité de Acompanhamento numa posição de charneira do processo
participativo, é sustentado o outro polo, o da transformação das condições de
realização do trabalho (polo da esquerda, Figura_1) cujo ciclo está, também
ele, dividido em quatro partes: o aprofundamento das análises realizadas em
contexto de grupo, a elaboração de planos de ações e atribuição desses planos a
responsáveis internos para a resolução de problemas levantados nos grupos, a
implementação dessas ações e balanços setoriais de acompanhamento (reuniões com
os responsáveis internos e encontros com elementos das diversas áreas da
empresa para analisar o ponto de situação da implementação das ações).
Cada ciclo de formação-transformação tem a duração aproximada de um mês,
correspondendo uma semana à preparação específica do trabalho em sala, duas
semanas à análise em alternância e uma semana para a preparação e concretização
da reunião com o Comité de Acompanhamento. O trabalho do primeiro grupo ocorreu
no mês de maio de 2010 e o do décimo e último grupo no mês de junho de 2011.
Para além da moderação destes momentos formais (momentos de análise guiada em
posto de trabalho, análise coletiva em sala de formação e reuniões do Comité de
Acompanhamento), os psicólogos do trabalho desenvolvem um conjunto de
atividades essenciais para uma boa prossecução do processo ao nível logístico
(preparação de materiais, atualização de bases de dados de situações-problema,
atualização dos diários de investigação) e, a outros níveis, com consultas
informais com outros stakeholders envolvidos nas atividades em causa e
importantes para a tomada de decisões, balanços setoriais ou reuniões de
preparação. Estas últimas atividades enquadram-se na categoria "Gestão
sinérgica do processo" que está representada na Figura_1 no centro dos ciclos
de formação e de transformação, simbolizando assim o papel importante que este
trabalho, nem sempre visível, tem para o desenvolvimento da intervenção e da
gestão dos compromissos necessários para a pôr em prática.
Terceira fase: Avaliação, consolidação e disseminação
Após a realização do trabalho dos 10 grupos, foi implementada uma primeira fase
de avaliação sistemática. Durante os meses de junho e julho de 2011 os
psicólogos do trabalho promoveram balanços setoriais com diversas chefias a fim
de identificar as transformações existentes e, em determinados casos, datas
previstas para a conclusão da execução das propostas/sugestões de melhoria. Os
dados recolhidos foram sistematizados num portefólio que reúne todas as
situações-problema identificadas, bem como as propostas de transformação já
concretizadas e as que se encontram em fase de realização. Estes dados foram
restituídos aos operadores industriais, coordenadores e supervisores de
produção.
Os psicólogos do trabalho efetuaram ainda entrevistas a quatro participantes
com diferentes tipos de responsabilidade no Projeto. Estas entrevistas foram
gravadas, transcritas e analisadas e as suas conclusões serviram de base para a
elaboração de um questionário: o Questionário de Avaliação da Participação
Percebida (Duarte & Vasconcelos, 2012; Duarte, Vasconcelos, & Monteiro,
2012), apresentado para ser completado em sessões ditas de consolidação e
disseminação, entre os meses de setembro e dezembro de 2011. Nessas mesmas
sessões foi pedido ainda aos participantes que, por escrito e de forma anónima,
enumerassem aqueles que na sua opinião eram os pontos fortes e os aspetos a
melhorar do Projeto Matriosca.
Estas sessões foram levadas a cabo com cada grupo, tiveram 4 horas de duração e
o seu objetivo principal foi o de reforçar os compromissos organizacionais
necessários para uma discussão/balanço final da intervenção.
Caminhando para uma quarta fase: o Matriosca Interno
No sentido de garantir a sustentabilidade e a disseminação do processo, a
pedido da empresa, os psicólogos do trabalho elaboraram um procedimento para a
implementação de uma nova fase do processo que visava atribuir aos elementos da
Direção de Segurança, Higiene e Ambiente a liderança da prossecução dos
objetivos do Matriosca, de uma forma autónoma, sem a presença e mediação
especialista dos psicólogos.
O procedimento para esta intervenção, designado como “Matriosca Interno”, foi
apresentado à empresa em abril de 2012. Entre a sua apresentação e a primeira
sessão que ocorreu em junho de 2012 (cf.Figura_2), que foi acompanhada por um
dos psicólogos do trabalho, foram criadas as condições logísticas próprias ao
Matriosca Interno (organização de equipas, preparação do material, etc.). Esse
mesmo psicólogo do trabalho regressou recentemente à empresa (cf.Figura_2) -
última linha do Cronograma) para efetuar um follow up da experiência, estando
neste momento a ser negociados com a empresa os moldes de uma avaliação
detalhada.
2.2. Os primeiros resultados
A caracterização do impacto deste processo de intervenção, imediato e a longo
prazo, terá necessariamente que focar diversas dimensões. Todas elas são
interligadas; mas a sua análise “segmentada” permitirá compreender o processo
de transformação originado inicialmente e sua sustentabilidade. Três dimensões
passarão então a ser objeto de atenção: (i) o processo de transformação; (ii) a
perceção da participação e (iii) a transição para o Matriosca Interno e a
permanência do processo. Pretender-se-á: na primeira dimensão, referir o
impacto imediato da metodologia nas condições do trabalho; na segunda dar conta
da perspetiva dos participantes sobre esse mesmo processo; e na terceira
descrever a tentativa de garantir a sustentabilidade do processo a longo prazo
sem a intervenção dos psicólogos do trabalho.
2.2.1. O processo de transformação
Categorias e estados das situações-problema identificadas
Na Tabela_1 pode ser observado o estado e as diferentes categorias das 194
situações-problema identificadas ao longo da intervenção.
Categorias das situações-problema
Estado de evolução das situações-problema
Comportamentos Melhorias
Condições de trabalho Organização do trabalho e atitudes ao Organização formal/informal Total
processo
Resolvidos 40 1 2 1 0 44
Em resolução 22 3 0 1 1 27
Intervencionados mas não resolvidos 10 3 1 0 2 16
A aprofundar 5 1 2 3 1 12
Parados com solução identificada 11 0 0 0 0 11
Parados sem solução identificada 17 4 1 1 3 26
Abandonados 32 8 3 9 0 52
Sem evolução 3 0 1 1 1 6
Total 140 20 10 16 8 194
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Tabela 1 - Ponto de situação das situações-problema por categoria
A categoria "condições de trabalho" diz respeito a situações diretamente
relacionadas com as condições materiais de execução do trabalho; a categoria
“organização do trabalho” é referente a situações relativas à organização
interna do processo de trabalho que não envolvam a necessidade de modificação
de condições; a categoria “comportamentos e atitudes” engloba situações mais
diretamente relacionadas com questões comportamentais; a categoria “melhorias
ao processo” abrange sugestões de melhoria, mesmo que não diretamente
relacionadas com a segurança no trabalho; e a categoria “organização formal/
informal” diz respeito a situações ilustrativas das diferenças entre os
procedimentos prescritos e as condições reais de execução do trabalho [1].
A definição destas categorias foi feita após o início do processo e advém de
uma necessidade de adaptação a conceitos pré-existentes no terreno e de
discriminação entre as situações-problema, uma questão essencial para a
comunicação entre atores e para o processo de transformação em si. É a
instrumentalidade das categorias que deve ser considerada pois é esta que lhes
confere sentido - mesmo que a sua designação possa parecer contraditória com os
princípios epistemológicos da intervenção.
Depois da última reunião do Comité de Acompanhamento do Projeto Matriosca,
tinham sido intervencionadas 87 situações, na sua maioria relativas a
“condições de trabalho” (44 foram resolvidas, 27 estavam em processo de
resolução e 16 foram objeto de intervenção mas não tinham sido resolvidas),
pela ação direta dos grupos de formação em estreita relação com as suas chefias
e diferentes engenharias de apoio à produção.
O facto de a maioria das situações-problema estar incluída na categoria
"condições de trabalho" (140 em 194) reflete o ponto de partida do Projeto,
pautado desde o seu início pela finalidade de uma transformação das condições
de trabalho. O aparecimento de outras categorias surgiu, como já foi referido
anteriormente, com o desenrolar do processo.
De notar que, após a apresentação das situações-problema no Comité de
Acompanhamento pelos psicólogos do trabalho conjuntamente com os representantes
dos grupos, 52 situações foram “abandonadas” – seja por envolverem riscos
considerados irrelevantes para o operador/ambiente (situações que, sendo
incomodativas, não constituíam um risco quer para a segurança dos operadores
quer para o ambiente, como por exemplo, falta de cobertura para a chuva em
determinadas zonas), seja pelo facto de a relação custo/benefício da
intervenção não a justificar.
Na Tabela_2 podem ser observados os diferentes motivos pelos quais os problemas
foram considerados “abandonados”.
_____________________________________________________________________________
|______________________Situações-problema_“abandonadas”_________________|
| | Substituição do| Risco | Custo/ | Análise | Analisar |
|Motivo| equipamento | irrelevante | Benefício | imprecisa | noutro |
| |__________________|_____________|____________|____________|_contexto__|
|______|________3_________|_____25______|_____10_____|_____7______|_____7_____|
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Tabela 2 - Motivos das situações-problema abandonadas
Evolução das situações-problema identificadas
Para as várias situações-problema que foram objecto de intervenção, foi
definido um responsável pela sua implementação e um departamento da empresa
para o seu acompanhamento. No Gráfico_1 pode ser observado a evolução do número
total de situações identificadas e o número de situações já intervencionadas,
tendo como referência temporal as reuniões do Comité de Acompanhamento.
Com a recorrente análise das atividades de trabalho pelos psicólogos do
trabalho e com o desenvolvimento do trabalho dos grupos, o número absoluto de
problemas a apresentar no Comité de Acompanhamento foi aumentando ao longo dos
meses. O movimento do polo da transformação do trabalho, fortemente
impulsionado pelo poder de decisão deste Comité, adquire o seu ritmo a partir
da terceira reunião onde já se podem observar duas situações intervencionadas.
Uma análise efetuada à implementação das ações delineadas no Comité de
Acompanhamento permite verificar que existe uma relação clara entre estas e as
reuniões.
O duplo movimento de formação e transformação
Como forma de ilustrar o tipo de trabalho levado a cabo no âmbito do Projeto
Matriosca e sua interação com o processo de transformação efetiva, torna-se
relevante descrever de uma forma mais detalhada uma das 194 situações-problema
identificadas (Caixa de texto 1). O exemplo foi escolhido pela sua
representatividade no que diz respeito à sobreposição do processo formativo e
da atividade dos trabalhadores.
Caixa_de_texto_1
- Sobrecarga de alarmes
Os operadores de painel asseguram o controlo remoto das
instalações através de um sistema de controlo distribuído
(“Distributed Control System”) que processa digitalmente,
nos monitores do computador, todas as áreas das instalações
que estes devem supervisionar (cada operador pode controlar
até 5 monitores). Este sistema emite um conjunto de
“alarmes” [2] que permitem aos operadores controlarem,
antecipadamente, vários indicadores do processo evitando
problemas de segurança, de produção ou de qualidade.
Quando é necessário realizar um “arranque” [3] das
fábricas, o sistema de controlo perde uma parte das suas
funcionalidades até ao momento em que o processo produtivo
fica estabilizado. Neste período de arranque, o operador de
painel controla manualmente o processo, dando resposta aos
alarmes que o sistema vai emitindo durante esta fase. Ora,
durante o período de arranque os valores dos vários
indicadores do processo são inevitavelmente diferentes do
que em produção estabilizada, o que leva a que o sistema
emita uma série de alarmes a reportar diferenças em relação
ao padrão de produção. Com isto, os operadores de painel
veem as suas atividades de arranque interrompidas face às
centenas de alarmes gerados durante estes períodos (cerca
de 450 em situações de arranque), muitos dos quais
redundantes ou, até, inúteis. No entanto, se por um lado,
estes alarmes nem sempre dão informação relevante para o
processo e são simplesmente ignorados e encarados como
elementos distratores, por outro lado podem dificultar a
identificação de um alarme que seja importante, pondo em
risco a segurança das fábricas.
A questão dos alarmes revestia-se à data de uma outra
problemática. Por questões de segurança, existiam alguns
alarmes que surgiam simultaneamente em mais do que um
painel de controlo. Apesar de o objetivo desta medida ser o
princípio da utilização dos operadores como salvaguarda
para o caso de um dos seus colegas não reagir ao alarme,
este aspeto acarretava fortes preocupações para o operador,
pois para continuar a trabalhar teria que aceitar um alarme
“exterior” (de outra fábrica que não a sua), mesmo
desconhecendo os fatores que o originaram.
Durante o período de análise da atividade e preparação dos
grupos de formação levado a cabo pelos psicólogos do
trabalho, esta situação relativa à quantidade de alarmes
gerados em situações de arranque das fábricas foi
identificada pelos operadores como o principal
constrangimento das suas atividades, mesmo não sendo
reconhecido como problema por mais nenhum ator da empresa.
De certo modo configura um exemplo daquilo que é
classificado por Wynne (1988) como "anormalidade normal",
já que se trata de uma situação anormal e inadequada que
foi banalizada e incorporada ao longo do tempo no
funcionamento normal da empresa.
Esta situação-problema foi objeto de discussão e validação
coletiva em sala no decorrer da realização dos grupos de
formação. Posteriormente, no decorrer das reuniões do
Comité de Acompanhamento, foi analisada junto das várias
chefias e estruturas de decisão da empresa. Neste contexto,
e após reconhecidos os constrangimentos para os operadores
de painel e as implicações de segurança envolvidas, foi
definida a criação de uma equipa pluridisciplinar tendo em
vista a reconfiguração dos alarmes no painel de controlo.
Este trabalho implicou a análise detalhada de cada um dos
alarmes daquela fábrica a fim de eliminar eventuais
redundâncias. Registou-se uma diminuição na ordem dos 50%
do número de alarmes gerados tanto em situações de
arranque, como em situações de funcionamento estável das
instalações. Para além da redução significativa do número
de alarmes gerados, foi ainda possível definir que, ao
contrário do que acontecia anteriormente, os alarmes mais
importantes passariam a aparecer no início das páginas de
alarmes, facilitando a tomada de decisão dos operadores de
painel [4].
As alterações realizadas na automação permitiram, para além
de prevenir questões relacionadas com a segurança
industrial e ambiental, obter ganhos produtivos, pois foram
reduzidas as possibilidades de alarmes mais importantes
serem ignorados face ao excessivo número de alarmes que
anteriormente eram gerados.
2.2.2. A perceção de participação
O Questionário de Avaliação da Participação Percebida (QAPP) foi construído
através de revisão da literatura e a partir de entrevistas realizadas a quatro
stakeholders. Tendo este instrumento já sido analisado com mais detalhe noutras
publicações (Duarte & Vasconcelos, 2012; Duarte, Vasconcelos &
Monteiro, 2012), iremos aqui unicamente referir que foi respondido por 77
trabalhadores nas sessões de consolidação e disseminação. Uma análise fatorial
exploratória permitiu evidenciar três fatores principais presentes nas
respostas: "impacto percebido" (relacionado com o modo como os sujeitos
percebem o impacto a vários níveis); "perceção de envolvimento" (relacionado
com a perceção dos participantes sobre até que ponto foram envolvidos no
projeto); e "conflitos associados à participação" (relacionado com os aspetos
mais controversos da participação). Ao comparar a média dos valores atribuídos
aos itens que compõem cada um destes fatores com o ponto médio da escala,
verificou-se que, de um modo significativo, os sujeitos avaliaram positivamente
os itens que compõem os fatores "impacto percebido" e "perceção de
envolvimento" e negativamente os itens que compõem o fator "conflitos
associados à participação". O que mostra que não só consideram que o Projeto
teve um impacto positivo e que avaliam positivamente o seu envolvimento, como
também desvalorizam a existência de aspetos negativos associados à participação
como o medo de represálias ou o facto de apenas a opinião de um dos grupos ser
tida em conta.
Como já foi referido anteriormente, para além do QAPP foi pedido aos
participantes que enumerassem por escrito, e salvaguardando o seu anonimato, a
duas questões abertas (Duarte, Vasconcelos, & Monteiro, 2012): "Quais sãos
os pontos fortes do Projeto Matriosca?" e "O que acha que poderia melhorar no
Projeto Matriosca?". 58 participantes responderam a estas questões, tendo-se
observado 72 referências a pontos fortes e 28 referências a aspetos a melhorar.
Entre os pontos fortes foram referidos aspetos relacionados principalmente com
os problemas resolvidos (10 referências ao facto de se terem resolvido
problemas e 9 referências ao facto de se terem identificado problemas) e a
aspetos metodológicos (9 referências ao facto de se terem envolvido os
trabalhadores, 7 referências ao facto de se tratar de uma abordagem
multidisciplinar, 7 referências ao facto de haver um ambiente aberto para a
participação e 6 referências ao papel dos psicólogos do trabalho).
No campo dos aspetos a melhorar, as respostas foram mais dispersas; mas
destacam-se 5 referências à necessidade da continuidade do processo e 5
referências à necessidade de um maior envolvimento da gestão (o que entra em
contradição com 3 referências ao envolvimento da gestão como ponto forte do
Projeto Matriosca, o que é em si revelador da complexidade do processo
participativo).
3. A transição para o Matriosca Interno: a permanência do processo
Perto do final do processo, depois de observados os resultados, os seus atores
começaram a mostrar uma preocupação com a permanência da intervenção. Assim,
surgiu o Matriosca Interno com o objetivo de adaptar o Projeto Matriosca aos
constrangimentos do dia-a-dia.
Na ausência de uma equipa exclusivamente dedicada ao Matriosca Interno, a
coordenação passou a ser assegurada por elementos da Direção de Segurança,
Higiene e Ambiente - já que acompanharam o Projeto Matriosca desde o início e
em todos os seus momentos, trabalhando de uma forma muito próxima com os
psicólogos do trabalho. No cenário planeado, manteve-se o princípio do sistema
de alternância de sessões de discussão em grupo e momentos de acompanhamento
individual em posto de trabalho. Manteve-se também a participação de vários
departamentos nos grupos de trabalho e a realização de reuniões de Comité de
Acompanhamento entre cada ciclo de formação.
Reduziu-se contudo o tempo de discussão em grupo (que de oito horas passou a
ser de duas), aproveitando o facto de a maioria dos participantes já estar
familiarizada com este modo de trabalhar. Cada elemento ficaria então
responsável por identificar uma situação-problema antes de cada sessão e,
posteriormente, responsável pelo seu acompanhamento.
Por este facto, tarefas que eram executadas quotidianamente pelos psicólogos do
trabalho (nomeadamente: registo sistemático das situações-problema, reuniões de
balanço setorial e acompanhamento próximo no terreno da implementação das
soluções) deixaram de ser assumidas formalmente.
É de salientar ainda que também não houve uma preparação específica dos novos
coordenadores para substituírem os psicólogos do trabalho.
Foram realizadas quatro sessões do Matriosca Interno em 2012. No entanto, no
ano de 2013, uma primeira análise revelou que ainda não tinha sido realizada
mais nenhuma sessão.
4. Discussão
4.1. Um processo de transformação bem sucedido
É manifesto, a partir da análise dos dados apresentados anteriormente, que o
Projeto Matriosca desencadeou um processo de transformação ancorado no
diagnóstico de 194 situações-problema, possibilitando 87 intervenções (cf.
ponto 2.2.1).
Muitas destas situações-problema teriam ficado ocultas se a formação fosse
encarada apenas como a superficial e tradicional transmissão de conhecimentos
cumulativa.
O levantamento e a discussão de problemas concretos da atividade num contexto
multidisciplinar e aberto permite também a construção de um referencial comum
entre os vários atores (Vasconcelos & Lacomblez, 2002) e um consequente
enriquecimento dialético das várias abordagens. A perspetiva inicial dos
participantes sai fortalecida do vai-e-vem e da partilha de conhecimentos
verificada nos grupos e da reflexão promovida no posto de trabalho.
O processo de transformação passa a ser mais sustentado na atividade que o
originou e mais sólido, alimentado por um maior conhecimento do próprio
trabalho - tornando os participantes mais preparados para propor e discutir
futuras outras melhorias nas suas condições de trabalho.
Este processo de transformação e os referenciais comuns vão também consolidar o
processo de formação, que por ser apoiado no contexto envolvido, não irá
ignorar a "nova" realidade que está a ser criada. A observação da evolução
crescente do número de situações-problema levantadas ao longo do processo (cf.
2.2.1) contribui para o demonstrar. E a observação por parte dos participantes
de melhorias nas suas condições de trabalho é, em si, um estímulo à
identificação de novas situações a analisar.
Voltando ao exemplo da sobrecarga de alarmes (cf. caixa_de_texto), era, até
surgir num dos grupos, reconhecido como problema apenas pelos operadores de
painel. O facto de se ter tornado comum para toda a empresa, levou a uma nova
consciência da realidade da atividade dos operadores de painel e à discussão
multidisciplinar de soluções para a melhoria das suas condições de trabalho,
logo da segurança da empresa de um modo geral.
Finalmente, a utilização de um questionário (cf. 2.2.1) tornou mais rico e
participado o processo de avaliação do Projeto Matriosca. Sendo a participação
o catalisador do processo intercomunicante de formação e transformação, é
interessante observar que os participantes têm uma perceção positiva acerca do
seu envolvimento e do impacto do projeto e uma perceção negativa acerca dos
aspetos potencialmente negativos da participação. Apesar de se tratar apenas de
opiniões, será um bom indicador a ter em conta – aliás reforçado com as
evocações positivas dos participantes quando lhes foram colocadas as questões
sobre os pontos fortes e os aspetos a melhorar do projeto.
4.2. A sustentabilidade do processo: curto prazo/longo prazo
Se os resultados são muito claros em relação ao potencial transformador deste
tipo de participação, respeitadora do trabalho real e da atividade dos diversos
atores envolvidos, duas questões ficam em aberto: (i) a quê e a quem (e com que
pesos relativos) se deveu esta mudança; (ii) qual a “durabilidade” da mudança
no seio da empresa. Estas questões são essenciais para aferir o valor de longo
prazo deste modelo de intervenção participativa. Trata de se perceber se, por
um lado, a valorização da opinião e dos conhecimentos dos trabalhadores se
circunscreveu àquele período temporal; ou se, pelo contrário, se conseguiu
introduzir na empresa um novo modo de trabalhar, mais participativo, mais
sustentado na realidade das situações de trabalho, logo mais congruente.
Consideramos fundamental perceber quais os fatores-chave a assegurar para a
continuidade dos processos desencadeados. E neste sentido, convém analisar e
compreender melhor a dificuldade na implementação do Matriosca Interno, os
obstáculos na manutenção de um impacto no longo prazo. Uma questão nos parece
aqui central: será a presença dos psicólogos do trabalho no terreno
indispensável? Teiger e Laville (1991) concebiam as ações de formação de
representantes sindicais com a finalidade de os tornar autónomos em análises e
projetos de intervenção posteriores. Será esta finalidade viável em contexto
empresarial?
Constatámos, na realidade, que, neste tipo de intervenções, a função do
psicólogo do trabalho passa não só por moderar as várias fases do processo em
termos logísticos e práticos, mas também por uma atenção constante visando
garantir o projeto na sua vertente participativa e sustentada no “real”. O seu
papel de "guardião da atividade e dos seus interfaces" (Vasconcelos, 2005)
abrange, de facto, a sustentação da participação, tornando-a equilibrada e
justa, vigiando todas as formas de desequilíbrio e desigualdade: procura
garantir que a atividade de todos os envolvidos seja respeitada, mas acompanha
igualmente o processo participativo em si, a dinâmica de poderes que lhe subjaz
e os compromissos necessários para o processo de tomada de decisões, quer no
contexto dos grupos e do Comité de Acompanhamento, quer informalmente. Ora,
esta responsabilidade ganha obviamente importância num contexto caraterizado
por uma clara desigualdade em termos de relações laborais e hierárquicas, que
se reflete no exercício do poder na tomada de decisões.
O que exige esta monitorização de um processo participativo na sua complexidade
e relativa fragilidade poderá estar na origem das dificuldades para a transição
para um Matriosca Interno, já que tinha sido insuficientemente considerado na
sua preparação.
Será, por isso, fundamental aprofundar noutros estudos o que há de específico
neste papel que passaremos a designar de “guardião da atividade e do processo
participativo”. Aliás, está a ser negociada uma análise mais fina do percurso
do Matriosca Interno com a empresa referida neste artigo