Estratégias de trabalho e dificuldades dos professores em fim de carreira:
Elementos para uma abordagem sob o prisma do género
1. INTRODUÇÃO
Este artigo propõe-se a abordar, tendo como referência a ergonomia centrada na
atividade de trabalho dos assalariados, os problemas específicos enfrentados
por professores em fim de carreira, com o intuito de perceber as motivações que
estão na origem das saídas antecipadas. Com base numa pesquisa realizada em
2008-2009, cofinanciada pelo Conseil d’Orientation des Retraites (COR) –
Conselho de Orientaçao das Reformas - e pelo Centre de Recherches sur l’Age et
les Populations au Travail (CREAPT) – Centro de Investigação sobre Idade e
Populações no Trabalho, tendo como objetivo compreender como é que os
professores com mais de 50 anos investem nesta fase da sua carreira, quais as
dificuldades específicas encontradas nesta fase do seu percurso profissional,
as estratégias que constroem para tentar permanecer no ativo, dentro e fora do
trabalho, e em função de que fatores se elaboram as decisões de saída precoce
da profissão (Cau-Bareille, 2009).
1.1. A questão de se levar em conta o problema do envelhecimento em França
A França, como muitos países europeus, enfrenta o envelhecimento da sua
população. O contínuo aumento da longevidade, o envelhecimento dos baby boomers
e o abrandar do crescimento demográfico aparecem como ameaças para o equilíbrio
financeiro dos sistemas de proteção social e dos regimes de pensões. Neste
contexto, a manutenção do emprego dos seniores é uma questão importante, tanto
por parte dos poderes públicos que procuram reduzir os deficits das pensões
como do ponto de vista da gestão dos recursos humanos. Seguindo as
recomendações de várias organizações internacionais, como a OCDE ou a Comissão
Europeia, uma lógica de envelhecimento ativo substituiu a lógica da redução
precoce da vida profissional através de medidas de pré-reforma (Jolivet &
Lee, 2004). Na França, isto resultou num aumento pelo Estado dos anos de
descontos necessários para se ter direito à reforma completa.
Os professores/as não são exceção a esta medida. Esquematicamente, os que
trabalham no primeiro grau (Pré-Escola e Elementar: alunos com idades entre 3 a
5 anos, e de 6 a 10 anos), viram a idade legal de reforma passar gradualmente
dos 57 para os 60 anos. Os professores do segundo grau (Colégio e Liceu: alunos
com idades de 11 a 14 anos e de 15 a 18 anos), viram a idade de reforma passar
de 60 para 62,5 anos. Se deixarem de trabalhar antes de atingir esta idade,
estão sujeitos a um desconto no cálculo das suas reformas em função dos meses
que faltam. Apesar desta medida dissuasiva, 25% dos professores optam pela
reforma antecipada, especialmente os do primeiro grau.
1.2. As pirâmides populacionais tornam urgentes as reflexões sobre os fins de
carreira
Se considerarmos o conjunto da população docente de francês no 1 º e 2 º grau,
torna-se clara uma constatação. Esta é uma população cada vez mais envelhecida
(ver fig._1): a proporção de seniores aumenta enquanto a dos jovens permanece
estável.
Cruzando as variáveis ‘??idade’ e ‘sexo’ (Cf. Fig. 2-3-4), dois fenómenos
destacam-se claramente:
- os coortes acima dos 50 anos são numerosos: 21% no primeiro grau e 32% no
segundo grau. E devem aumentar nos próximos anos, se se ajustar a pirâmide
etária em dez anos;
- Maior presença das mulheres nestes níveis escolares. A percentagem é mais
elevada nas que trabalham com crianças muito jovens (91% na Pré-Escola - 83% no
Elementar - 57% no 2 º grau). Esta situação deve-se aos estereótipos existentes
sobre qualidades maternais – supostamente intrínsecas – das mulheres.
- No secundário (colégios - liceus), enquanto as mulheres são estatisticamente
mais numerosas no ensino do que os homens (57%), são mais frequentemente
certificadas [1] e, portanto, menos diplomadas do que os homens para exercer a
mesma profissão: há mais homens agregados [2] do que as mulheres, embora, do
ponto de vista da força de trabalho em geral, eles sejam menos numerosos.
Além disso, quando foi realizado o estudo, a política de recrutamento do
Ministério da Educação Nacional, do Ensino Superior e da Investigação (Educação
Nacional) visava reduzir o número de funcionários, nomeadamente de professores:
por cada dois que saíram, apenas um foi recrutado. Daqui surgem preocupações
para os gestores de recursos humanos face às saídas precoces: como manter no
emprego e com saúde os professores em fim de carreira? Os responsáveis da
Educação Nacional ficam perplexos com estas saídas antecipadas para a reforma.
Na verdade, as profissões de ensino não fazem parte daquelas consideradas mais
penosas do ponto de vista dos critérios de penosidade estabelecidos pela Lei de
2010 [3] e que podem dar origem a dispositivos específicos de planeamento dos
fins de carreira; as solicitações físicas, transporte de cargas pesadas,
trabalho repetitivo em cadência, trabalho por turnos... são formas de
penosidade referenciadas como potencialmente geradoras de desgaste prematuro.
De facto, não são condições de trabalho encontradas de forma central no
trabalho docente.
Isto não significa, no entanto, que estas profissões não sejam penosas.
Mostramos, aliás, que as suas formas de penosidade são relativamente invisíveis
se não se olhar de perto para o trabalho quotidiano, e que há urgência em
revelá-las, focando as condições de trabalho, com vista a facilitar o trabalho
dos mais velhos como o dos mais novos. Deste ponto de vista, os fins de
carreira são reveladores das formas de penosidade no trabalho. As estratégias
de regulação colocadas em prática para tentar lidar com essa situação
interessam-nos como recursos adotados em função dos recursos, ora profissionais
e pessoais dos assalariados, recursos que evoluem ao longo da idade e da
carreira.
1.3. As investigações sobre os fins de carreira dos professores bastante
enraizadas nas áreas de psicologia e da sociologia
A maioria dos estudos sobre os fins de carreira no campo do ensino são de
orientação psicológica, sociológica ou médica.
As abordagens psicológicas e sociológicas apresentam uma forte congruência dos
resultados em torno dos fenómenos de esgotamento profissional (burnout)
(Guglielmi & Tatrow, 1998; Gursel, Sunbul & Sari, 2002; Pillay Goddard
& Wilss, 2005; Bauer et al, 2006...) que levam os professores a criarem
cada vez mais distância face à atividade, a desligarem-se progressivamente da
profissão. Essa mudança no envolvimento profissional aparece relacionada com os
problemas de esgotamento profissional (Burke, 1996; Schaarschmidt, 2004;
Hansez, Bertrand, De Keyser & Pérée, 2005; Jaoul, Kovess & FSP-MGEN,
2006; CSEE, 2011), de não-envolvimento (Vandenberghe & Huberman, 1999;
Lantheaume & Hélon, 2008), de stress no trabalho, que podem ser as causas
de saídas precoces entre os professores.
O problema do esgotamento profissional coloca-se de forma mais aguda uma vez
que os professores enfrentam muitas alterações nos últimos anos, que podem
causar fenómenos de desgaste (Day et al, 2006) que se pode aproximar do
conceito de "desgaste organizacional", desenvolvido por Lapeyre e Thebaud
(2006). Segundo estes autores, "as condições de trabalho em sentido lato
desempenham um papel preponderante entre os fatores de desgaste, seja de
natureza física ou psicológica. Os modos de organização e gestão atuais
produzem provavelmente uma acentuação deste desgaste no trabalho " (p. 6,
tradução livre). "O desgaste organizacional deve ser considerado como um fator
desencadeante de dois outros tipos de desgaste (físico e psíquico), mas também
como um estado de degradação da organização" (p. 8, tradução livre). Estes
enfatizam a forte ligação entre as evoluções organizacionais, que podem
participar na construção ou destruição da saúde física, mental, psíquica (pode-
se incluir social), e o processo de desgaste profissional.
Do ponto de vista da relação pedagógica com os alunos, vários estudos
identificam também maiores dificuldades nas relações destes com os seniores
(Day et al., 2006), o que afeta o sentimento de eficácia pessoal e de mestria
da atividade.
A falta de perspetivas profissionais também é um fator determinante: as
oportunidades de evolução profissional, de mobilidades internas, são pouco
numerosas. A maioria dos professores exerce esta atividade toda a sua carreira,
com a sensação de não ser capaz de desenvolver as suas competências noutras
profissões. A falta de oportunidade relaciona-se com o facto da Educação
Nacional ser a instituição que oferece menos oportunidades de formação contínua
em toda a função pública [4]. No entanto, quando o trabalho não permite
aprender (Molinié, 2005), a proporção de pessoas que não se sentem capazes de
se manter no trabalho aumenta de forma muito significativa e contribui para o
desejo da saída precoce da atividade de trabalho em final de carreira.
Mais amplamente, muitos trabalhos particularmente focados na saúde mental dos
professores concordam que há uma prevalência de transtornos mentais e sintomas
psicossomáticos entre esses profissionais que os autores colocam em perspetiva
com um endurecimento das condições de trabalho; problemas psíquicos que Papart
(2003) identificou como mais pronunciados acima dos 50 anos. A porosidade entre
a esfera profissional e outras esferas da vida, muito saliente nestas
profissões, parece constituir a partir deste ponto de vista um fator agravante
nos problemas de saúde dos professores (CSEE, 2011, p. 19), especialmente nos
últimos anos de exercício da profissão, onde surgem conflitos entre as
exigências do trabalho e as necessidades de recuperação (Cau-Bareille, 2009).
Estes problemas de saúde mais pronunciados no final da carreira estão, por
vezes, na origem das decisões de passagem a tempo parcial ou saídas antecipadas
por razões de saúde (Papart, 2003).
Vários fatores parecem, pois, participar nos desejos de saídas antecipadas
entre os professores, mas a decisão de sair não parece simples de tomar (Bieri,
2002; Hansez et al., 2005). Esta decisão resulta principalmente de negociações
difíceis entre, por um lado, os fatores que incitam à saída, relacionados com
as mudanças na profissão que podem ferir os valores profissionais, aos
fenómenos de desgaste relacionados com prática do mesmo ofício ao longo de toda
uma vida de trabalho, ao olhar duro com que a sociedade vê atualmente o sistema
educativo, a falta de reconhecimento do trabalho realizado e os problemas de
saúde que são mais propensos com o aproximar da reforma - e – por outro lado,
os fatores que incitam à permanência na atividade, como o prazer de exercer a
profissão, ensinar e transmitir conhecimentos e valores aos alunos, conversar
com alguns pais e colegas, e os argumentos financeiros no contexto de
prolongamento das carreiras que implica trabalhar mais tempo para receber uma
reforma completa.
1.4. Três dimensões pouco aparentes: a atividade de trabalho, o sexo e a idade
Os estudos referidos destacam pouco o problema das dificuldades no exercício da
profissão no quotidiano, do que exige o trabalho em fim de carreira em termos
de recursos, de ajustamentos, de questionamento sobre as estratégias de
trabalho, de regulações [5] necessárias, possíveis ou impossíveis no campo do
trabalho para "aguentar até à reforma". Além disso, relatam pouco sobre o custo
humano do trabalho que também pode exigir ajustes nas esferas da vida fora do
trabalho. Todavia, a compreensão da resistência profissional deve considerar
não só o professor como um funcionário dentro do estabelecimento escolar, mas
também como um ator pertencente a várias esferas sociais e interagindo dentro
delas, regulador, ativo no desenvolvimento e construção da sua saúde. As
expectativas e as estratégias desenvolvidas a fim de continuar a exercer a sua
profissão devem, portanto, ser colocadas em perspetiva com os componentes não-
escolares, direcionando o foco da reflexão para gestão das temporalidades
profissionais.
A maioria destes estudos não levam em conta, na sua reflexão, a dimensão de
género, que nos parece importante para discutir o fim das carreiras. Hansez e
colaboradores (2005) são os únicos investigadores que têm analisado os seus
dados ??do ponto de vista do género; constataram que as mulheres referem mais
fatores pessoais como fundamento para a saída para a reforma antecipada,
concluindo assim que os determinantes familiares são centrais para a tomada de
decisão. Se esta análise pelo ponto de vista do género é interessante, é de
lamentar que os autores tenham limitado as suas investigações ao problema do
stress, deixando na sombra problemas de saúde maiores, as margens de manobra na
atividade e a evolução das estratégias de trabalho para incorporar as
alterações relacionadas com a idade.
De facto, embora os modelos sociais tenham evoluído, as mulheres estão ainda
hoje muito mais envolvidas na esfera doméstica do que os homens. Alguns estudos
recentes mostram que as tarefas diárias, o cuidar dos filhos, o cuidar de
idosos, são tarefas asseguradas mais por mulheres do que por homens, apesar da
prática comum de uma ocupação profissional pelas mesmas (Cacouault-Bitaud,
2003; Ponthieux & Schreiber, 2006; Jarty, 2009). Esta situação parece
trazer várias consequências, que se articulam e reforçam: um trabalho de
articulação das diferentes esferas da vida mais intenso para as mulheres do que
para os homens, dificuldades em aguentar todas as esferas e a impressão de
estar a "fazer tudo mal" que é geradora de insatisfação a curto e a longo
prazo, um sentimento de estar despedaçado - fonte de esgotamento, uma
sobrecarga global de trabalho e um alto nível de stress. Para retomar Messing e
Östlin (2006), as mulheres dedicam grande parte do seu tempo e da sua
criatividade a resolver esse tipo de conflito que opõe trabalho e família.
Conflitos que, além disso, afetam a saúde e a serenidade de mães e crianças.
Compromissos estes frequentemente fonte de insatisfação, de tensão, de culpa,
de sofrimento. Acreditamos que esse posicionamento pode ter consequências a
curto prazo, mas pode também estar na origem de desgaste prematuro no fim da
carreira.
Os nossos trabalhos de investigação sobre o envelhecimento no trabalho
inscrevem-se, portanto, nesta dupla perspetiva, do envelhecer pelo trabalho em
relação às mudanças nas condições de trabalho ao longo do tempo e do envelhecer
no trabalho, numa aceção alargada que implica abrir a análise aos
acontecimentos fora do trabalho. Isto requer ter-se em conta a dimensão do
género na análise.
2. A INVESTIGAÇÃO SOBRE OS PROFESSORES EM FIM DE CARREIRA: ESTRATÉGIAS DE
TRABALHO E DIFICULDADES
2.1. Objetivo e abordagem
Trabalhar sobre os fins de carreira na área da ergonomia impõe conduzir, por um
lado, uma reflexão sobre as condições de trabalho em função das evoluções no
centro da profissão, as pedagogias, as relações quer com os pais quer com os
alunos, a dimensão coletiva do trabalho, a carga de trabalho, e, por outro
lado, analisar as estratégias implementadas na atividade de trabalho.
Também exige abordar a penosidade "sentida" pelos trabalhadores, o que inclui
tanto o vivido da severidade dos constrangimentos do trabalho, os elementos
relacionados com a saúde que permitem ou não fazer face aos constrangimentos da
profissão, assim como o que está em jogo na atividade de trabalho em conexão
com as margens de regulação possíveis ou impossíveis. "A atividade de trabalho
é a elaboração sempre provisória do compromisso entre as metas de produção, as
competências de que dispõe a pessoa, o desejo de preservar a saúde" (Molinié,
2012, p. 328, tradução livre). Estes são os compromissos que tentamos destacar
na nossa análise.
Abordar os dilemas do fim de carreira requer ainda um interesse pelo equilíbrio
procurado entre as diferentes esferas da vida, porque a atividade de trabalho é
parte de um sistema de atividades global onde se articulam regulações. Como
explica Curie (2002, p. 23, tradução livre), se quisermos compreender as formas
de envolvimento, devemos olhar para “o que acontece nos domínios não
profissionais dos indivíduos". A partir deste ponto de vista, a nossa abordagem
pelo género é suscetível de revelar elementos interessantes, diferenciadores
entre professores homens e mulheres; estando estas envolvidas de forma muito
diferente na esfera familiar, o custo da atividade de articulação das esferas
de vida é mais importante para as mulheres que para os homens, como já
mencionado acima.
2.2. Metodologia: entrevistas individuais, grupos de trabalho-validação, comité
de acompanhamento
Depois de uma fase preliminar de revisão da literatura e pré-inquérito,
optámos, nesta fase da investigação exploratória como relatada neste artigo,
por entrevistas aprofundadas. Não dispondo de uma linha de base para a
avaliação da evolução das estratégias de trabalho ao longo dos anos, este modo
de investigação permitiu-nos abordar as arbitragens e as dificuldades sentidas
na atividade, especificamente em fim de carreira. Como Brunet (1990, citado por
Leplat, 2000, p. 83, tradução livre), pensamos que pode ser interessante partir
da seguinte questão: "Aquilo que fazemos revela o que pensamos, sentimos ou
acreditamos?". Tivemos a ideia de que os ajustamentos desenvolvidos na
atividade, mas também fora do trabalho, não são, necessariamente, sempre
visíveis, e que só entrevistas permitiriam aceder a esses aspetos. Os elementos
recolhidos poderão permitir mais tarde que se elabore um projeto de
investigação mais clássico em ergonomia, fundado nas análises da atividade nas
situações de trabalho confrontadas com os dados das entrevistas.
Assim, foram realizadas entrevistas semiestruturadas, de uma hora e meia no
mínimo, a 40 professores quinquagenários (ver Quadro_1): 13 homens e 27
mulheres - (16 no primeiro grau: Pré-Escola e ensino Elementar: 3 homens e 13
mulheres; 24 no segundo grau: 10 homens e 14 mulheres) – ainda no ativo ou
recém-reformados/as, voluntários e distribuídos por vários estabelecimentos
escolares. Alguns trabalham em tempo integral, outros em tempo parcial, tanto
em bairros favorecidos como em zonas de educação prioritária [6]. Os
participantes foram contactados por telefone. Se a pessoa concordava em nos
receber, deslocávamo-nos a sua casa.
Sexo Pré-Escola (crianças de 2 a 5 Elementar Segundo grau Total
anos) (crianças de 6-10 anos) Colégio-Liceu
(crianças de 11-18 anos)
Mulheres 8 5 14 27
Homens 0 3 10 13
Total 8 8 24 40
Quadro 1: Distribuição dos entrevistados por sexo e tipo de estabelecimento de
ensino
Desenvolvemos um guião de entrevista sobre o quotidiano da atividade, sobre os
modos operatórios colocados em jogo no trabalho em fim de carreira, as
estratégias de gestão de sala de aula, os alunos, os pais, o relacionamento com
hierarquia e também o seu estilo de vida. Procuramos explorar as dificuldades
da profissão, especialmente a forma como os professores em fim de carreira lhes
dão resposta, assim como as estratégias de preservação implementadas na
atividade como nas outras esferas da vida. As entrevistas foram gravadas,
transcritas e enviadas para os interessados, para que ficassem com um registo,
e se quisessem, poderem adicionar elementos ou clarificar pontos importantes.
Foi realizada uma análise qualitativa dos dados, sem tratamento automático do
discurso.
Sendo a nossa amostra limitada, organizamos, no final desta fase do estudo,
grupos de trabalho em conjugação com as organizações sindicais, a fim de
validar a representatividade dos resultados bem como a relevância das nossas
interpretações, e discutir as nossas recomendações com um público de
professores mais alargado. As restituições permitiram-nos fortalecer a nossa
análise, pois os professores presentes trouxeram testemunhos que apontam na
mesma direção que os nossos resultados. Este processo de validação de dados é
metodologicamente importante quando se trabalha com dados qualitativos com uma
amostra pequena; temíamos um viés de seleção dos entrevistados. No total, uma
centena de professores, dos quais metade não participaram nas nossas
entrevistas iniciais, foram abordados nesta pesquisa.
Por fim, o estudo foi seguido por um comité de acompanhamento (dispositivo
social de participação do meio de trabalho na investigação), constituído por
quatro representantes do COR, o diretor do CREAPT, um psicossociólogo (Jacques
Curie, supracitado) um representante do sindicato e duas pessoas responsáveis
??pela gestão de pessoal na Educação Nacional. O comité reuniu-se cinco vezes
durante os dois anos do estudo para fornecer uma atualização sobre seu
progresso, para debater os dados recolhidos, levantar novas questões para
aprofundar as pesquisas, possivelmente, eventualmente partilha de reflexões e
recursos entre as diferentes pessoas presentes (estatísticas,
bibliográficas...). Esta construção social em torno da pesquisa é
metodologicamente importante em ergonomia, pois permite uma evolução, ao longo
da investigação, das representações dos atores envolvidos, mobilizar o
interesse dos representantes de diferentes instituições e criar uma dinâmica
coletiva em torno um objeto comum, com vista a uma ação ao nível da prevenção,
nomeadamente em medicina do trabalho.
3. RESULTADOS
Vamos discutir primeiro, brevemente, os elementos gerais sobre as
especificidades do trabalho docente, a fim de desenvolver de seguida, com mais
detalhe, o que está envolvido no fim de carreira em função dos níveis de
escolaridade. Para isso, vamos recorrer a alguns excertos de entrevistas,
particularmente elucidantes do que foi revelado pelos protagonistas deste
estudo. Quando útil, também mostramos a proporção daqueles/as que assumiram uma
posição particular.
3.1 Elementos gerais sobre a atividade docente
Seja qual for o nível de ensino, o estudo do trabalho docente revela um
trabalho "exigente, difícil", uma atividade multifuncional que implica uma
mobilização física, afetiva e subjetiva permanente. Os professores/as sublinham
o acumular de constrangimentos e de exigências cujos efeitos combinados podem
causar fenómenos de desgaste a longo prazo, num contexto em que as margens de
manobra são relativamente limitadas: "Não existe uma estratégia de evasão
possível, de escapatória quando se está diante da turma"(H, 2º grau, 58 anos).
Em França, o trabalho docente implica cerca de 42 horas por semana, de acordo
com inquéritos nacionais. Tem diferentes aspetos: o tempo de trabalho na escola
que abrange o tempo de ensino face-a-face com os alunos, o trabalho
administrativo, as reuniões com os pais, as preparações das aulas, tarefas
diversas, e o tempo de trabalho em casa (preparações, incluindo correções) que
pode ser muito significativo, especialmente no nível secundário por causa da
extensão dos trabalhos para corrigir. Para entender as dificuldades sentidas e
as estratégias de preservação implementadas em fim de carreira, é preciso
integrar estas diferentes dimensões do trabalho.
Apesar de ser uma atividade que decorre dentro de estabelecimentos onde estão
presentes numerosos colegas, os professores expressam todos um profundo
sentimento de solidão na atividade; sozinhos como "mestres da turma" e na luta
com as dificuldades. Raros são os que falam sobre as suas dificuldades pessoais
com colegas por medo de revelar fraquezas; apenas se observa que ocorrem
discussões sobre um ou outro aluno que cause problemas. Os professores
entrevistados estimam em mais de 85% que a sua hierarquia raramente é um apoio
à sua uma atividade.
Os professores têm, pois, o sentimento de uma invisibilidade das penosidades do
trabalho e das dificuldades da profissão.
3.2 Evoluções internas que se inscrevem nas evoluções da profissão
Os professores entrevistados afirmam todos que o ensino francês teve muitas
reformas que afetam todos os níveis de ensino e contribuem para uma
densificação da sua atividade. Afetam tanto o conteúdo da educação (os
currículos) como as didáticas profissionais. Damos dois exemplos.
As avaliações dos alunos estão a aumentar a nível nacional, incluindo ao nível
da Pré-Escola onde a sua relevância é amplamente discutida pelos professores. O
rápido desenvolvimento das crianças nesta idade, as modalidades de avaliação
(escrita) em completo desfasamento com as modalidades de aprendizagem dos
conteúdos fundamentais pelo jogo, a mobilização corporal, a oralidade, o
desenho... colocam-lhes problemas. Fazer as avaliações é um processo longo e
constitui uma carga de trabalho adicional e um desperdício de tempo num
contexto mais geral de dificuldades para lidar, num curto espaço de tempo, com
uma série de disciplinas mais importantes. Estas avaliações não são
necessariamente uma ferramenta de apoio na gestão dos alunos e na remediação
das suas dificuldades. Finalmente, os professores estão preocupados que estes
sejam essencialmente instrumentos de controlo de sua própria atividade, visando
reduzir a sua autonomia. Daqui vem a sua resistência em pô-las em prática, pois
expõem-se a sanções que podem afetar a sua progressão na carreira, e portanto o
cálculo da sua reforma (Cau-Bareille, 2012).
Nos colégios, mas especialmente nos liceus, os professores entrevistados
apontam para o facto de que as alterações no ensino tendem a sobrecarregar os
programas, o que provocou já movimentos de protesto e greves (especialmente nas
disciplinas de história e economia). Sentem que a extensão dos conceitos a
serem abordados faz-se em detrimento de aprofundar os conceitos de base
essenciais (particularmente em matemática): os professores têm a impressão de
que "sobrevoam pelas noções" ao invés de munir os alunos para a construção de
raciocínios. Para estes professores em fim de carreira, é o coração da sua
disciplina que é afetado. Foi isso que fez com que, num dado momento, o prazer
na descoberta de uma disciplina, e a escolha de seguir esta profissão, ficasse
enfraquecido: os professores já não se reconhecem nas modalidades de
aprendizagem das suas matérias.
Assim, o fim da carreira, muitas vezes fica contaminado com amargura e
dificuldades em fazer valer os seus métodos de ensino, os seus valores, a sua
experiência. É o significado da sua atividade que parece ser afetado por essas
mudanças. Este é um dos argumentos envolvidos na decisão das saídas
antecipadas. Isto ecoa a noção acima mencionada de "desgaste organizacional",
desenvolvida por Lapeyre e Thebaud (2006).
3.3 Astreintes físicas, mentais, psicológicas que aumentam com a idade
Com a idade, o custo da atividade de trabalho aumenta; todos os professores o
afirmam. Apesar das competências construídas ao longo do tempo, estimam que os
seus recursos pessoais para lidar com as exigências diminui no fim da carreira.
"Temos que ir mais longe em si mesmo para encontrar a energia necessária para a
atividade de trabalho" (F, 1º grau, 57 anos); o termo energia refere-se aqui às
noções de recursos físicos, mentais, psíquicos. Esta dificuldade acrescida em
fim de carreira contribui para uma tensão global na atividade e a uma
transformação na maneira de produzir a atividade.
3.4 Aumento da fadiga física e dos problemas de saúde
O termo "esgotamento" é mais referido em fim de carreira do que o termo
"cansativo" expresso pelos professores em início de carreira, para marcar a
intensidade da fadiga. Isto está relacionado tanto com a forma como o
constrangimento é sentido, que evolui com a idade (o custo humano do trabalho
dentro e fora do trabalho), mas também com problemas de saúde que se tornam
mais presentes e mais incómodos na atividade. No pré-escolar, 7 em 8
professoras (que são todas mulheres) queixam-se de dor nas pernas, de problemas
de circulação e de problemas ginecológicos. Problemas de coluna, do tipo lesões
músculo-esqueléticas, são relatados em todas as entrevistas em relação à altura
do plano de trabalho dos alunos, que força os professores a posturas dolorosas,
o facto de pegar nas crianças ao colo para as consolar ou para as levar a
alguma atividade: "O trabalho de oficinas, na Pré-Escola, é muito interessante;
mas quando se passa os cinquenta anos, começamos a ter problemas de saúde
devido a estarmos em pé o dia todo. Coisas muito concretas: problemas de
varizes, problemas ginecológicos, de estarmos sempre de pé, isso não é
saudável. Então eu pergunto-me: como é que eu vou aguentar?" (F, 1º grau, 52
anos). Isto explica a implementação no trabalho de estratégias de preservação
para tentar limitar as dores: " Eu, agora, tenho a minha cadeira, eu tenho uma
cadeira numa ponta, uma cadeira na outra, porque caso contrário eu estava
cansada de estar de pé ou inclinada. Mas a verdade é que eu tenho mais e mais
necessidade de estar sentada" (F, 1º grau, 50 anos). A intensidade das dores e
desconforto na atividade justificam em fim de carreira ter apoio médico,
paramédico e a toma diária de analgésicos (7 em 8 professores do pré-escolar).
No liceu ou no colégio, todos os professores enfatizam um maior cansaço do que
no início ou a meio da carreira, e uma dificuldade em aguentar um dia de aulas
inteiro: "Sinto-me a esvaziar até ao tutano, resisto muito menos que dantes"
(F, 2° grau, 60 anos). Menos resistente à sucessão de aulas, no mesmo dia, os
professores tentam negociar os seus horários durante a votação no final do ano
para a atribuição de horários para o ano letivo seguinte. Diferentes tipos de
estratégias de adaptação emergem nas entrevistas: alguns pedem o espaçamento
das aulas pela semana, enquanto os mais jovens preferem agrupar tudo em dois ou
três dias (8 em 24); outros pedem para só trabalhar apenas meios-dias para
minimizar a fadiga (3 em 24); outros ainda procuram ter furos nos horários ao
longo da jornada para se recuperar entre as aulas (2 em 24), ainda que este
tipo de gestão do horário tenha sido considerado no início da sua carreira como
um "mau horário" ou "uso penalizante do tempo", que justificaram pedidos de
alterações ao diretor da instituição. Estas são estratégias que, entretanto,
vão depender da flexibilidade do diretor do estabelecimento, da sua atenção e
das suas próprias limitações na organização dos horários das turmas. A gestão
dos horários torna-se uma questão de manutenção da saúde na atividade no final
da carreira.
3.5 Dificuldades na realização de determinadas atividades físicas
Estas dificuldades são particularmente sentidas ?pelos professores da Pré-
Escola e pelos professores de educação física do ensino secundário.
O ensino na Pré-Escola requer uma atividade física muito significativa, que
parece mais difícil de manter com a idade. Muitas aprendizagens passam pela
psicomotricidade, a dança, exercícios de lateralização: os professores usam os
seus corpos na atividade. As sessões de ginástica são indicativas das
dificuldades encontradas em fim de carreira: todos os entrevistados concordaram
que, se no início da sua carreira, participavam nos exercícios, executando as
instruções, e esse já não é o caso no fim da carreira. Em geral, estas
dificuldades estão relacionadas com menor flexibilidade (8 em 8), dor nas
articulações ou nos músculos, especialmente nas costas (6 em 8), por vezes, e
em alguns casos, o ganho de peso.
Nas escolas secundárias, os professores/as de Educação Física e Desportiva
(EFD) referem situações de forma bastante parecida. Alguns mencionam acidentes
de trabalho com consequências sobre a sua atividade. De facto, eles procuram
preservar os seus corpos em fim de carreira, participando menos nos exercícios,
e fazendo mais observação. Os professores enfatizam sentir cada vez mais
dificuldades no transporte de cargas, manutenção dos equipamentos e na
preparação dos espaços. Embora o processo de cooperação entre os professores
entre em ação e que eles façam mais apelo aos estudantes para disporem os
materiais para utilização em aula, esta parte da atividade torna-se muito
custosa. Perante isto, evidencia-se o facto de que muitas mulheres desta
disciplina optam em fim de carreira por trabalhar a tempo parcial (15% de
mulheres / 6% homens), de acordo com fontes sindicais.
3.6 Uma tensão nervosa crescente associada com a prática da profissão
Todos os professores/as entrevistados/as evocam uma diminuição da paciência com
a turma e com o comportamento de alguns alunos: "A paciência muda muito com o
avanço da idade, oh sim, é claro! Eu acho que não escapa!"(F, 2º grau, 54
anos).
Seja qual for o nível de ensino, os professores estão cada vez mais
intolerantes com o ruído na sala de aula, como se o seu limiar de tolerância
tivesse reduzido com a idade. Este aspeto leva ao aumento da carga de trabalho
mental, fator de fadiga. Suportando menos esta situação, constroem estratégias
para tentar controlar, modular o ruído. Estas estratégias diferem, dependendo
do nível escolar.
No pré-escolar, o problema é agravado (8 em 8 professores): "O meu cansaço está
muito relacionado com ruído. O barulho incomoda-me, eu acho… É, o facto de que
é uma barulheira, uma barulheira constante. Então, eu tento encontrar um monte
de pequenas coisas (momentos de cantar, contar histórias) para garantir que as
crianças fazem o mínimo de ruído possível... Mas, em contrapartida, os momentos
em que eles fazem menos barulho, é verdade que é graças à minha energia
empregue, dispensada"(F, 1º grau, 52 anos).
No colégio ou liceu, a intolerância ao ruído acentua-se com a idade, como já
foi dito, mas os seus mecanismos de gestão diferem. Oito em vinte e quatro
professores optam por castigos ou pela remoção temporária de alguns alunos da
sala de aula, o que é muitas vezes percebido pela hierarquia como reflexo de
incompetência para controlar a turma. Dois professores disseram-nos que, em fim
de carreira, negoceiam mais facilmente com os alunos problemáticos aceitando
que eles façam qualquer outra coisa em vez de ouvir a aula, para conseguir o
silêncio: "uma estratégia insatisfatória do ponto de vista pedagógico"
reconhecem, pois não estão, de todo, orgulhosos, mas isto permite-lhes
conseguir um ambiente de trabalho mais tranquilo.
Essas tensões, este stress que os professores manifestam como mais intensos no
fim da carreira, fazem-se sentir não só no trabalho, mas também, e cada vez
mais, em outras esferas da vida, na relação com a família (referido por 16 em
40 participantes). Estas tensões traduzem-se às vezes em distúrbios infra
patológicos particularmente nas mulheres (enxaquecas, dores, …), problemas de
sono que justificam consultas médicas especializadas ou medicamentos (8 em 27
mulheres). Esta situação está na origem das preocupações relativamente à
capacidade de continuar a exercer a profissão.
3.7 As dificuldades de recuperação que se acentuam
O fim da carreira é acompanhado por uma recuperação cada vez mais difícil
depois de um dia de trabalho, de uma semana, dos trimestres, havendo uma maior
necessidade de dividir a vida de trabalho e vida pessoal (20 em 40). Uma recusa
marcada em aceitar trabalhar em casa à noite (15 em 40) ou aos fins-de-semana,
a fim de criar tempo para si mesmo, para se recuperar. Distanciar-se das
condições de trabalho como estratégia para a preservação e condição para
"aguentar até à reforma" pode ser associado a uma forma progressiva de
intolerância, com a idade, da intrusão da vida de trabalho na esfera privada.
Este é um dos motivos da transição para o trabalho a tempo parcial entre as
mulheres.
3.8 Uma fadiga mais acentuada nas mulheres em fim de carreira
Nas nossas entrevistas, surgiram elementos relacionados com a dimensão do
género. As mulheres parecem sentir uma fadiga mais intensa do que os homens em
fim de carreira, que pode estar ligada a dois fatores: a menopausa e o acumular
de atividades profissionais e de gestão da família ao longo de toda a vida
profissional.
O impacto da menopausa na atividade de trabalho e na fadiga foi evocado
espontaneamente pela maioria das professoras de pré-escolar (6 em 8
professores). A menopausa, que ocorre frequentemente perto dos 50 anos, é, com
efeito, uma fase de desequilíbrio do organismo com efeitos físicos e
psicológicos que podem afetar a vida profissional como a vida em geral, e que
requer ajustes delicados. A menopausa desperta um sentimento de impotência para
lutar contra a fadiga, para a ultrapassar, apesar do seu saber-fazer e da sua
experiência profissional: "Tinha 47 anos quando tive a menopausa. Assim, a
partir daí, fadiga, uma grande fadiga! E a sensação de simplesmente não... Às
vezes digo a mim mesma que a Pré-Escola é demais para mim!" (F, 1º grau, 53
anos). Os professores concedem de início pouca atenção a esta fadiga que vai
começando lentamente, mas que se faz cada vez mais presente e penalizadora na
sua atividade de trabalho: "Era cada vez mais difícil aguentar um dia inteiro"
(F, 1º grau, 56 anos). Em seguida, surge a culpa que reforça o seu mal-estar no
fim da carreira, advindo um acréscimo de gasto de energia numa tentativa de
compensar o que não são já capazes de controlar, esforços que vão aumentar a
fadiga já instalada. Um sentimento, finalmente, de estar nos limites do que
podem fazer, gerador de verdadeiras preocupações em relação aos últimos anos de
atividade: "Eu calculei que me restam 3 anos. Agora estou preocupada porque eu
acho que se eu estou assim agora, será que eu vou aguentar três anos? Porque é
difícil, porque é pesado. Eu bem vejo que a cada ano, se tanto, eu tenho mais
qualquer coisa! É como subir uma escada: tenho mais um degrau a subir ao nível
da fadiga. Digo a mim mesma que eu nunca vou conseguir, o quê!"(F, 1º grau, 54
anos).
A combinação das atividades profissionais e da gestão da família também foi uma
questão citada como uma fonte de desgaste precoce por 2 em 13 mulheres
entrevistadas no primeiro grau (Pré-Escola e Elementar). "Aos 30 anos, eu
lutava para aguentar ao mesmo tempo as exigências do trabalho e os
constrangimentos da vida familiar. Eu tive anos difíceis com três filhas que
tinham pouca diferença de idade. É possível que eu tenha saturado num
determinado momento e o cansaço que eu sentia aos 45 anos esteja relacionada
com esse período. Estava saturada em 45 anos por coisas antigas"(F, 1º grau, 50
anos). Aqui se apontam os conflitos que mais especificamente as mulheres
precisam de gerir entre os diferentes papéis sociais que devem assumir e tentam
articular.
3.9 Estratégias para gerir as dificuldades associados à idade na atividade
Os assalariados não são passivos em relação aos vários processos de
transformação.
No pré-escolar, as professoras tentam limitar a carga de trabalho escolhendo o
seu nível de ensino, citando a sua antiguidade na escola para fazer valer os
seus desejos perante os colegas. Muitas vezes optam, em fim de carreira, pelos
grupos dos “grandes” (7 em 8), isto é, crianças mais velhas, que têm menos
necessidade de serem pegadas ao colo e que já iniciaram as regras de
escolarização; só uma docente escolheu os mais novos, para poder fazer a sesta
com as crianças e recuperar da fadiga, que está cada vez mais presente. Do
ponto de vista do trabalho na sala de aula, as professoras desenvolvem várias
estratégias para limitar o esforço físico, o ruído, entrar em situações
críticas. Investem menos nos exercícios físicos de psicomotricidade, de dança
(7 em 8): usam mais o "fazer fazer" com os alunos. São menos propensas a
organizar visitas de estudo com os alunos ou aulas verdes [7] fora da escola,
muito apreciadas pelos alunos (6 em 8): o custo de organizar estas aulas muitas
vezes dissuade de os levar avante. Porém, estas estratégias não são suficientes
para compensar os efeitos da idade.
Todos os professores deste nível fazem modificações nas outras esferas da vida
para "aguentar a sua atividade de trabalho até ao fim da carreira". Muitos
optaram por abandonar as suas responsabilidades em associações (6 em 8), por
uma redistribuição das responsabilidades familiares entre o casal (6 em 8), por
uma reorientação do seu trabalho, visto cada vez mais como custoso e requerendo
um maior tempo de recuperação. Mas estas estratégias podem ser insuficientes
para algumas das professores, daí a mudança para o tempo parcial como uma
"estratégia de sobrevivência" para continuar o seu trabalho e "manter o prazer
de trabalhar" (2 em 8) e, às vezes, as decisões de pedir a reforma antecipada
(1 em 8).
Nas escolas secundárias, as margens de manobra são mais significativas porque o
tempo de presença com os alunos é mais reduzido (18h ou 15h, dependendo da
qualificação [8] em vez de 24h no primeiro grau), e os professores intervêm em
várias turmas. As entrevistas revelam regulações muito discretas e não
socializadas no seio dos estabelecimentos escolares. Por exemplo, em fim de
carreira, 14 em 24 dos professores entrevistados recusam ser diretor de turma,
que é uma responsabilidade a acrescer ao seu tempo de ensino e que é fonte de
remuneração e de reconhecimento tanto pelo estabelecimento como por parte dos
pais. Isto permite-lhes encontrar tempo pessoal. Durante o processo de alocação
nas turmas para o ano seguinte, os professores pedem para limitar o número de
níveis de turmas em que atuam, a fim de reduzir o tempo de preparação e
correção, sendo a antiguidade no estabelecimento um critério importante para
negociar esta alocação nas turmas de um ano letivo para o seguinte. Estes
profissionais evitam ter 6 horas de aulas seguidas no mesmo dia (15 em 24),
devido a ser mais difícil gerir a fadiga. Propõem-se mais espontaneamente para
trabalhar nas turmas que incluem crianças com dificuldades de aprendizagem (6
em 24), pois têm uma carga aligeirada e mais tempo de trabalho com os alunos, o
que, por consequência, limita o número de turmas em que intervêm. Recusam-se
mais sistematicamente fazer horas extraordinárias (18 em 24), chegando até a
optar por obter um horário a tempo parcial para evitar estas horas extra (7 em
24). Apenas 3 professores com menos de 57 anos (dois homens e uma mulher)
aceitaram fazer horas extraordinárias, e têm, respetivamente 51 e 52 anos: são
jovens quinquagenários. Do ponto de vista da atividade coletiva, dizem-se mais
relutantes em colaborar com colegas (10 em 24), a elaborar projetos
interdisciplinares que são grandes consumidores de coordenação e, portanto, de
tempo. Nota-se, também, uma reorientação no que acontece nas salas de aula.
Acontece ainda que, durante a carreira, alguns professores desenvolveram, para
além do seu trabalho de "base", uma atividade de ensino fora do
estabelecimento, muitas vezes orientada para o público adulto (formação
contínua, cursos em universidades) (8 participantes, maioritariamente homens);
essas aulas suplementares são consideradas "espaços de respiração" e de
desenvolvimento pessoal. Devido ao aumento do custo da atividade e à
necessidade de reequilibrar a sua carga de trabalho em fim de carreira, muitas
vezes os professores resignam-se a não as manter; renúncia que nem sempre é
fácil. Estas estratégias encontram-se tanto nos homens como nas mulheres.
As possibilidades de regulação dentro dos estabelecimentos escolares não são,
portanto, as mesmas em função do sexo, dos professores e dos níveis de ensino;
são menos importantes no nível primário do que no secundário. Esta é também uma
razão pela qual há mais saídas antecipadas e horários a tempo parcial no
primeiro grau do que no segundo. Continuar a exercer a sua atividade de
trabalho até ao fim da carreira irá influenciar gradualmente, mas em
profundidade, o estilo de vida dos professores, tanto no trabalho como fora
dele, os equilíbrios que se estabelecem entre as esferas de vida. É em torno
desta avaliação cognitiva das necessidades e das possibilidades de reajustes da
atividade nas diferentes esferas da vida que se vão tomar as decisões de saída
antecipada: muita renúncia, desequilíbrios, reconfigurações que podem levar a
um sentimento de não conseguir realizar o seu trabalho com saúde. E as
arbitragens em termos de escolha de sair ou permanecer integram esta dimensão
do estilo de vida: até onde se está disposto a reconfigurar o estilo de vida
para aguentar o trabalho?
4. DISCUSSÃO
A análise das entrevistas revelou as especificidades do trabalho docente em
função dos níveis de ensino e das disciplinas. Se certas formas de sofrimento
são relativamente comuns, outras são mais específicas, estando relacionadas com
as formas de organização do trabalho, com as margens de manobra possíveis nos
estabelecimentos e fortemente dependentes dos diretores das escolas no
secundário. Tentámos resumir e colocar em paralelo na Tabela_2 os principais
problemas encontrados em função dos níveis escolares e das regulações
praticadas no campo do trabalho e na esfera privada.
___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
| |Problemas encontrados |Regulações possíveis |Regulações nas outras esferas da vida |
|_____________|em_fim_de_carreira__________________________________________________________|no_domínio_do_trabalho_____________________________________________________|___________________________________________________________________________|
|Pré-Escolar |Sensação de esgotamento |Escolha de níveis que permitam limitar as solicitações |Prática de atividades recuperadoras, abandonar atividade em associações |
|(Mulheres) |Sentimento de ter menos recursos para fazer face à atividade |Alternância de atividades pedagógicas para gerir o ruído |Trabalhar menos à noite |
| |Penosidade vivida mais significativa quando os exercícios implicam o |Arranjo da sala de aula para se poder sentar mais frequentemente |Períodos de repouso mais numerosos e mais longos: menos saídas familiares|
| |envolvimento do corpo |Fazer fazer os exercícios de motricidade, expondo-se menos |Toma de medicamentos / analgésicos |
| |Maior sensibilidade ao ruído |Menos saídas escolares |Redistribuição das atividades domésticas com o cônjuge |
| |Maior tensão nervosa, menos paciência para os alunos |Maior necessidade da presença de um assistente na sala (ATSEM) |Cessação precoce da atividade |
| |Problemas de recuperação | | |
| |Problemas de saúde geradores de dores na atividade (costas, varizes) | | |
| |Cada vez mais dissonâncias / evolução da profissão | | |
|_____________|Maior_intolerância_à_intrusão_na_vida_fora_do_trabalho___________________|____________________________________________________________________________|___________________________________________________________________________|
|Elementar |Fadiga mais acentuada / jornada de trabalho (física e psicológica) |Para evitar baixar-se nas mesas de trabalho, convencer os alunos a vir à |Trabalhar menos ou nada à noite |
|Primeiro grau|Sentimento de redução dos recursos para enfrentar a atividade e os alunos |secretária |Prática de atividades recuperadoras, abandonar atividade em associações |
|(Homens e |mais difíceis |Menos saídas escolares / menos envolvimento nas atividades nas saídas | |
|Mulheres) |Maior intolerância à intrusão do trabalho na vida privada |Desejo de não mudar de nível escolar, sobretudo para o pré-escolar, mais | |
| |Maior sensibilidade ao ruído |exigente do ponto de vista físico | |
| |Maior tensão nervosa, menos paciência |Aceitar funções de direção para ter menos funções de ensino | |
| |Maior dificuldade nos exercícios desportivos |No desporto, fazer fazer os alunos | |
| |Dificuldades de recuperação | | |
| |Problemas de saúde relacionados com a altura das mesas de trabalho e de | | |
| |escrever no quadro (cirurgia a um ombro e uma costela) | | |
| |Menos entusiasmo, menos energia para realizar a atividade | | |
| |Cada vez mais dissonâncias / evolução da profissão | | |
| |Sentimento de que certos pais reparam na idade; impacto parte positivo | | |
| |(sinal de experiência), parte negativo (falta de dinamismo) | | |
| |Necessidade de gerir a visão dos alunos sobre a problemática do | | |
|_____________|envelhecimento_na_atividade_(avô-_avó)____________________________________|____________________________________________________________________________|___________________________________________________________________________|
|Secundário |Fadiga / esgotamento |Recusa em fazer horas extraordinárias, escolhendo horários a tempo parcial|Parar com atividades de ensino fora do estabelecimento escolar |
|Segundo grau |Maior sensibilidade ao ruido |para as poder recusar |Períodos de repouso mais numerosos e mais longos: menos saídas familiares|
|(Homens e |Menos paciência / comportamento dos alunos, o seu não envolvimento na aula|Renúncia ao cargo de diretor de turma |Trabalhar menos à noite |
|Mulheres) |Problemas de saúde geradores de dores na atividade (profs de EFD) |Redirecionar os projetos das turmas em que lecionam |Redistribuição das atividades domésticas com o cônjuge |
| |Sentimento de ter menos recursos para enfrentar a atividade e os aluno cada |Negociação calma na sala de aula com os alunos perturbadores |Prática de atividades recuperadoras, abandonar atividade em associações |
| |vez mais difíceis |Solicitar ter menos horas de aulas por dia, espaçando-as pela semana | |
| |Sentimento de diferença geracional que se cruza e perturba a atividade: |Limitação do numero de níveis de turmas por ano | |
| |menor controlo |Menos participação nos projetos interdisciplinares | |
| |Cada vez mais dissonâncias / evolução da profissão |Passagem para tempo parcial | |
|_____________|Maior_intolerância_à_interferência_do_trabalho_na_vida_privada___________|____________________________________________________________________________|___________________________________________________________________________|
Tabela 2: Síntese dos diferentes tipos de dificuldades encontradas e dos modos
de regulação no trabalho e fora do trabalho mencionados pelos professores em
fim de carreira do nosso estudo
Parece que a problemática do fim de carreira será mais aguda nos professores/as
do primeiro grau, especialmente na Pré-Escola, devido à impossibilidade de
evitar, mesmo que temporariamente, o face a face com os alunos sob a sua
responsabilidade 24 por semana e durante todo o dia. A dependência dos jovens
alunos também é um fator de envolvimento físico na atividade podendo criar um
desgaste prematuro do corpo. Isto ajuda a explicar que, apesar de alterações
recentes terem mudado a idade de reforma para os 60 anos, certos/as
professores/as estão a retirar-se por volta dos 55 ou 57 anos, apesar de seu
amor à profissão e da penalização financeira que tal decisão implica.
4.1 Uma atividade de ensino mais custosa em fim de carreira
A partir dos 50 anos, alguns anos antes para alguns, os professores tendem a
perceber um aumento das dificuldades sentidas no exercício da sua profissão,
independentemente do grau escolar; isto é, um aumento do custo do trabalho e a
sensação de ter que mobilizar mais recursos do que antes para aguentar as
exigências profissionais, que não param de aumentar.
Nesta profissão, que os professores, na maioria dos casos, praticaram ao longo
de toda a sua carreira, encontra-se a ideia desenvolvida por alguns autores de
que a idade, sinónimo de uso prolongado de seu corpo e de desgaste de si
(Lapeyre & Thébaud, 2006), pode estar associada a fenómenos de esgotamento
profissional (burnout) no ensino secundário (Burke, Greenglass & Schwarze,
1996), de vulnerabilidade da saúde especificamente em primeiro grau (Cau-
Bareille, 2009) e de dificuldades "em aguentar" até à reforma em todos os
graus. Os problemas de saúde, especialmente no primeiro grau, estão mais
presentes. Este termo desgaste, no sentido mais amplo, refere-se à ideia de um
comprometimento da saúde global, não se reduzindo necessariamente aos danos
físicos, mas combinando os efeitos do avanço da idade e os vestígios de toda a
vida profissional. Ora, "A maioria dos problemas de saúde contribuem para o
desejo de "sair mais cedo": é o caso das patologias, mas de forma mais
significativa, dos problemas difusos como "ficar cansado rapidamente"" explica
Molinié (2012, p. 322, tradução livre); o que é o caso de muitos dos
professores que conhecemos. Com a idade, o corpo regista as mudanças físicas e
psicológicas que necessitam de ajustes no local de trabalho; medidas que são
inexistentes na Educação Nacional, devido à ausência de medicina do trabalho e
de uma reflexão interna sobre as condições de trabalho para o desenvolvimento
de ações preventivas.
4.2 Um desgaste do corpo e um desgaste psíquico acentuados por um desgaste
organizacional
Encontramos nos testemunhos dos professores as constatações feitas por Lapeyre
e Thebaud (2006, p 8, tradução livre) com seniores do sector hospitalar e da
indústria aeronáutica: "o desgaste organizacional é produzido por uma forma de
organização que se usa, que se rigidifica, que carece de flexibilidade, que
está em crise. O desenvolvimento de fenómenos de desgaste organizacional
relaciona-se com a difusão de novas formas de organização do trabalho nas
últimas duas décadas".
As mudanças nas profissões docentes inscrevem-se numa lógica política de
alinhamento do funcionamento das instituições da função pública com o
funcionamento das empresas privadas. Na verdade, com as novas formas de gestão
da Educação Nacional, chegaram os imperativos da rentabilidade, da gestão pelos
números através de avaliações que não só perturbam o conteúdo do trabalho, os
objetivos pedagógicos e o sentido da profissão, mas também o levar pouco em
conta as competências construídas ao longo de anos de experiência. Os
professores em fim de carreira encontram-se cada vez mais em dissonância entre,
por um lado, o que eles querem fazer na sua atividade e que parece relevante à
luz do seu conhecimento da profissão, dos alunos e das suas dificuldades e, por
outro, as injunções da hierarquia que muitas vezes não entendem, às quais não
se querem necessariamente juntar, arriscando mesmo a "desobedecer", nas suas
palavras (Cau-Bareille, 2012) ou a recusar inspeções (Cau-Bareille, 2009). Os
professores sentem-se negados nas suas competências e forçados a concretizar
reformas que vão contra a sua ética profissional. Ora, de acordo com Molinié
(2012, p. 332, tradução livre), "o sentimento de não ser reconhecido pelo seu
valor justo é acompanhado por um aumento da probabilidade de que os problemas
de saúde sejam vistos como indesejáveis na atividade de trabalho". Assim, como
já vimos, é o desejo de alguns "abandonar o navio o mais rápido possível, antes
que o barco afunde" (H, 1º grau, 52 anos).
Podemos ver claramente que as dificuldades dos fins de carreira não estão
apenas relacionadas com o processo de envelhecimento, mas também com o contexto
de trabalho, as condições de atividade, as mudanças que afetam as profissões.
Refletir nos fins de carreira supõe, pois, pôr no centro da reflexão "o sistema
de trabalho" na sua totalidade.
Os professores/as são ativos na gestão dos seus fins de carreira: eles
desenvolvem estratégias alternativas contra causas de sofrimento ou de
dificuldades, de compensação para ter que concretizar uma tarefa apesar de tudo
(Molinié, 2012); demos vários exemplos. Estes desenvolvimentos serão a fonte de
modos de regulação que assumem formas muito diferentes, dependendo do nível de
ensino em que atuam. De facto, se as formas de organização do trabalho não são
semelhantes, as possibilidades de regular as dificuldades vividas são
diferentes, como já vimos.
4.3 Os limites das regulações do modo de vida
Mas as regulações podem encontrar os seus limites: "Eu estou preocupada. E eu
não posso melhorar a minha vida todos os dias: eu estou ao máximo a fazer tudo
o que posso para não me cansar, eu pus em prática tudo o que eu poderia fazer"
(F, 1º grau, 52 anos). Vemos aqui, que da satisfação encontrada na
concretização de regulações depende o sentimento de eficácia profissional em
torno do qual se elabora a decisão de deixar a atividade prematuramente.
Conforme destacam Almudever, Croity-Belz, Hajjar e Fraccaroli (2006, p. 152,
tradução livre), "os indivíduos não podem desenvolver ou manter as razões de
agir e de perseverar quando confrontados com dificuldades, se eles não
acreditam que podem conseguir os resultados que desejam através das suas
ações". Deste ponto de vista, os nossos resultados corroboram os resultados
destes pesquisadores, segundo os quais "há um grau mediano de interdependência
entre as áreas da vida que corresponde a um sentimento de eficácia pessoal
geral satisfatório" (op. cit., p. 156, tradução livre). Se, para aguentar as
exigências de trabalho, os assalariados são constrangidos a mais e mais
regulações fora da esfera do trabalho, "a perturbação profissional transmite
então os seus efeitos negativos para além da esfera profissional para alcançar
o bem-estar psicológico global dos indivíduos" (op. cit., p.164, tradução
livre). Podemos ver claramente a passagem de "sentir-se capaz de trabalhar" até
à reforma até "aguentar até à reforma, numa profissão onde a pessoa se
reconhece cada vez menos". Daqui surgem as preocupações com os últimos anos de
atividade profissional.
As saídas antecipadas advêm, pois, frequentemente, de deliberações difíceis.
Trata-se mais de soluções de último recurso para preservar a sua saúde do que
uma estratégia de saída para investir em outras atividades, especialmente entre
as mulheres. Os professores colocam no centro da decisão os aspetos subjetivos
da saúde, do bem-estar no trabalho, o "sentido do trabalho". E é esta tensão
entre experiência e avanço da idade ao longo do tempo, este equilíbrio almejado
no trabalho e nas suas vidas pessoais, que estão no coração das escolhas em fim
de carreira. Quanto mais os professores se sentem em dificuldades, mais
procuram ajustes no trabalho e fora do trabalho; quanto menos esses ajustes
resultam, mais o seu desejo de antecipar a saída é notório. Para retomar Curie,
referindo-se a Malrieu (1979 in 2002, p. 30, tradução livre): "O sujeito regula
os seus comportamentos numa área da vida através do sentido que lhes dá em
outras áreas da vida". Segundo o autor, "o percurso profissional não é
redutível nem a forças externas que atuam sobre o indivíduo nem a uma estrutura
interna que pré-existiria às mutações profissionais, mas vai depender de como o
indivíduo combina, numa estratégia pessoal, umas e outras" (op. cit, p. 26,
tradução livre). Isto remete para o conceito de "sentimento de eficácia
pessoal", desenvolvido por Bandura & Locke (2003) e retomado por Almudever
e colaboradores (2006), que corresponde à avaliação pessoal que uma pessoa faz
da sua capacidade para gerir e dar continuidade ao curso de ação necessário.
Esta avaliação não está apenas relacionada com as competências a exercer na
atividade, mas sim com o sentimento individual que se desenvolve quanto à sua
capacidade de lidar com a situação. Assim, o desejo de continuar a trabalhar
parte de uma avaliação global, que não se limita ao que é vivido somente na
esfera profissional, mas incorpora o sentimento de controlo em cada uma das
áreas da vida.
4.4 Situações de desequilíbrios mais pronunciadas nas mulheres?
As tentativas de equilibrar as esferas da vida são frequentemente bem
diferentes entre homens e mulheres. Embora os modelos sociais tenham evoluído,
as mulheres hoje investem ainda muito mais na família do que os homens
(Cacouault-Bitaud, 2003; Ponthieux & Schreiber, 2006; Jarty, 2009): as
tarefas diárias, cuidar das crianças, dos idosos, são tarefas sempre mais
garantidas pelas mulheres do que pelos homens. Isto parece trazer várias
consequências, que se articulam e reforçam: um trabalho de articulação das
diferentes esferas da vida mais intenso para as mulheres do que para os homens,
dificuldades em aguentar todas as esferas e a impressão de estar a "fazer tudo
mal" que é geradora de insatisfação a curto e a longo prazo, um sentimento de
estar despedaçado, fonte de esgotamento, uma sobrecarga global de trabalho e um
alto nível de stress. Estas dificuldades de articulação têm consequências não
só sobre a forma como os professores vão viver a sua atividade de trabalho, mas
fundamentalmente no seu estilo de vida e na sua saúde a longo prazo. Uma
situação que pode pesar ao longo dos anos e criar um fenómeno de desgaste
prematuro. Subscrevemos neste ponto de vista as conclusões de Messing e Östlin
(2006) de acordo com as quais não se pode compreender a saúde das mulheres
associada ao trabalho sem se acrescentar outras estruturas relacionadas aos
papéis dos homens e das mulheres e ao trabalho das mulheres no meio familiar.
De forma mais ampla, pode-se pensar que o género é uma dimensão importante a
ter em conta na análise dos fins de carreira e dos fenómenos de desgaste
prematuro.
5. PISTAS DE REFLEXÃO PARA CRIAR CONDIÇÕES PARA O BEM-ESTAR NO FIM DA CARREIRA?
Tendo em vista estes diferentes elementos, vários tipos de planos podem ser
propostos para criar as condições de um "envelhecer bem no trabalho".
5.1 A gestão do tempo de trabalho
5.1.1. O tempo parcial
A gestão do tempo de trabalho sob a forma de tempo parcial é muitas vezes
considerada pelos/as professores/as como um possível contributo para a redução
da carga de trabalho, no sentido de melhor gerir a fadiga ligada ao exercício
da profissão em fim de carreira, para criar as condições para aguentar com
saúde e para "redescobrir o prazer de trabalhar com os alunos". É mais comum
nas mulheres do que nos homens que entrevistamos. Trata-se de uma estratégia de
preservação para evitar as ruturas, para as antecipar. "Eu comecei a tempo
parcial aos 50 anos, porque eu estava esgotada! Eu vi-me num impasse em
continuar desta forma. Ter o meu meio tempo permite-me redescobrir o prazer do
trabalho. Eu não tenho problemas de saúde. Quando se está esgotado, o prazer
não existe! Eu senti que estava a prejudicar a minha atividade de tão cansada
que estava, eu não estava a ouvi-los, porque eu estava completamente em
colapso, mesmo!" (F, 1º grau, 52 anos). O trabalho a tempo parcial é muitas
vezes visto como um compromisso aceitável para viver os últimos anos de uma
profissão que muitos professores/as consideram ser "uma das mais belas
profissões do mundo". A possibilidade de trabalhar a tempo parcial também é
considerada pelos políticos como condição para a extensão do período de
atividade profissional: "A redução do tempo de trabalho em fim de carreira pode
ajudar a incentivar os trabalhadores a permanecer no mercado de trabalho, a
atrasar a reforma, ou mesmo a acumular trabalho e reforma" (Jolivet, 2003,
p.12, tradução livre).
No primeiro grau, se as mulheres, em particular, consideram por vezes esta
possibilidade, elas hesitam nessa opção para preservar a qualidade do trabalho,
para o bem dos alunos: algumas acreditam que dois meios tempos numa turma pode
ser um problema para as crianças, que procuram estabilidade. O problema é
diferente para os professores do ensino secundário, que são especialistas da
disciplina e não são a única referência dos alunos: aqui, eles vêm o número de
aulas em que atuam diminuir. Mas pode-se pensar que, no contexto do
prolongamento das carreiras e de um aumento das situações de divórcio, as
mulheres hesitam em escolher esta opção, mesmo que sintam a necessidade, devido
ao impacto que isso poderia ter sobre a sua remuneração na reforma. Este
fenómeno já é percetível nos últimos anos.
5.1.2. Dar a possibilidade aos seniores de recusar as horas extraordinárias
Uma nova medida de prevenção primária poderia consistir na promulgação de uma
lei que proibisse os empregadores de impor horas extraordinárias aos
assalariados com mais de 50 anos, ao mesmo tempo, tendo em conta o aumento do
custo do trabalho em fim de carreira e como estratégia de prevenção da saúde
dos seniores (privilegiar o voluntariado). Encontrámos no nosso estudo dois
professores que deixaram a profissão por não poder assumir as horas
extraordinárias [9], impostas pelo diretor do estabelecimento por razões de
serviço (Cau-Bareille, 2009).
5.2 Restabelecer as CPA (Cessação Progressiva da Atividade)
Embora a redução do tempo de trabalho pareça uma ideia interessante para criar
as condições de atividade dos seniores, as alterações em matéria de reformas
reduzem essas oportunidades. De facto, o artigo 54 da Lei n º 2010-1330, de 9
de Novembro de 2010, sobre a alteração das reformas retira o acesso ao
dispositivo CPA, com efeitos desde 1 de Janeiro de 2011, para os assalariados
em fim de carreira. A Lei deu a oportunidade de trabalhar a tempo parcial
recebendo uma remuneração maior do que a correspondente à duração efetiva do
tempo de trabalho (trabalhar 50% do horário é retribuído a 80%); este
dispositivo está disponível a partir de 55 anos de idade. Os professores
encontram-se, portanto, numa situação paradoxal: as medidas de acompanhamento
dos fins de carreira desaparecem, precisamente quando são mais necessárias no
contexto do prolongamento das carreiras. Os resultados do nosso estudo
questionam, pois, a relevância das medidas legislativas sobre as CPA; medidas
que só podem levar a mais absentismo e mais situações de ruturas.
5.3 Instaurar uma real medicina do trabalho
Os professores franceses não têm medicina do trabalho: 67 médicos ditos "de
prevenção" asseguram todo o território francês, tanto para o pessoal docente
como para o técnico que trabalha nos estabelecimentos escolares. Isto significa
que os professores não beneficiam de um acompanhamento médico regular que possa
identificar as pessoas em dificuldade, especialmente para a prevenção (ao longo
da carreira, a maioria dos professores tem apenas uma visita ao médico, no
momento de entrada na profissão). Por falta de recursos humanos, as consultas
médicas ocorrem apenas a pedido dos funcionários, portanto já com queixas, com
um tempo de espera de várias semanas. Num fórum sindical FSU em maio de 2011, o
Dr. Maitrot (médico de prevenção da Educação Nacional), explicou que "os que
têm mais de 50 anos representam 47,5% das consultas médicas, 56% dentro de
psiquiatria", resultados que corroboram as observações de Papart (2003). A
autora aponta ainda problemas de saúde significativos entre professores em fim
de carreira, como incapacidades, que aparecem de pouco a pouco, sublinhando a
falta de meios para realmente tomar conta desse problema e criar
reclassificações.
A extensão da atividade profissional exige, portanto, uma maior vigilância
médica dos assalariados, para evitar situações de rutura, uma vez que,
demasiadas vezes, vivem na solidão, origem de vários casos de suicídios que
hoje lamentamos [10].
5.4 Introduzir os planos seniores [11] na Educação Nacional
A Educação Nacional aproveita pouco os planos seniores para resolver o problema
dos fins de carreira: nenhum recrutamento de seniores, nenhuma ação para
melhorar as condições de trabalho nem medidas preventivas, desaparecimento das
medidas CPA (Cessação Progressiva da Atividade) que permitiam anteriormente que
os funcionários previamente autorizados reduzissem o seu tempo de trabalho,
nenhuma implementação de um sistema de tutoria que permita libertar os seniores
do seu tempo de ensino. Atualmente, só as entrevistas de segunda carreira [12]
são realizadas, mas ainda há muito pouco feito. Dada a atividade dos
professores, coloca-se o problema dos postos adequados para as pessoas com
grandes dificuldades: adaptados em torno de que critérios? Existem poucos
recursos para modificar a atividade de trabalho no face a face com os alunos.
Da mesma forma, as oportunidades de planeamento da carreira, pouco numerosas no
ensino primário, são altamente dependentes do modo de gestão das escolas e dos
diretores, que não são formados nesta problemática do envelhecimento.
Segundo o Dr. Maitrot (citado acima), a medida com maior probabilidade de se
generalizar na Educação Nacional é a entrevista da segunda parte da carreira
que permite que os professores com dificuldades mudem a sua trajetória
profissional. No entanto, desde 2010, o sindicato UNSA relatou que, no caso dos
professores, as "segundas carreiras", prometidas na alteração das reformas,
chegaram a apenas algumas dezenas de professores: uma gota de água no universo
da população considerada. Além disso, no contexto da redução de postos de
trabalho do ensino, as restrições têm-se centrado principalmente nos postos
ligeiros ou ditos "leves"; daí a escassez de oportunidades de "abrigo" para os
assalariados em dificuldade.
Podemos ver aqui um desafio a trabalhar-se mais, fundamentalmente, sobre as
condições de trabalho docentes, e não só em fim de carreira, a fim de se
antecipar os problemas e a, como diz Obéniche (2011), se empenhar na qualidade
dos percursos profissionais.
6. CONCLUSÃO
Os resultados da nossa investigação exploratória levantam, por fim, um
questionar que vai para além da problemática dos professores. Alterações para
prolongar as carreiras e adiar a idade de reforma dificilmente levantam a
questão da saúde dos assalariados e do vivido do trabalho. Não se integram na
reflexão elementos essenciais, tais como a relação subjetiva no trabalho, a
saúde no trabalho, os efeitos do desgaste, que determinam a relação com o
trabalho em fim de carreira, podendo provocar as saídas precoces, o absentismo,
os problemas de saúde. Zonas de sombra que tornam urgentes as pesquisas sobre
os seniores e suas condições de trabalho. De facto, apesar dos incentivos para
manter os professores seniores no emprego, os fenómenos de exclusão existem,
por iniciativa de empregadores e de assalariados, e os próprios trabalhadores
mais velhos podem sentir-se vulneráveis na sua saúde, na sua relação com o
trabalho, com o sentido do trabalho.
O nosso estudo fornece evidências que precisam de ser aprofundadas, colocando o
problema de "envelhecer bem no trabalho" com uma nuance adicional: envelhece-se
a trabalhar da mesma forma, conforme se é homem ou mulher? Embora o ponto de
entrada do nosso estudo não tenha sido a problemática do género, esta dimensão
emergiu como tão rica, interessante e diferenciada como podendo revelar o
vivido do trabalho dos professores/as. Os nossos primeiros resultados indicam
um efeito de desgaste prematuro nas mulheres professoras ligado quer às
condições de trabalho (elas que estão sobre representadas nos níveis em que as
crianças são mais novas, mais dependentes dos adultos e mais solicitantes
física, mental e emocionalmente), à difusão do trabalho fora do trabalho numa
profissão onde a porosidade entre as esferas da vida é importante, a um
trabalho de articulação das esferas de vida que parece bastante complicado ao
contrário das representações que podem existir sobre este tipo de profissão.
Esta tem um impacto sobre a sua saúde, sobre o vivido do trabalho, sobre as
estratégias de gestão dos últimos anos de atividade profissional, tanto no
campo do trabalho como fora dele. Esta abordagem permite ir um pouco mais longe
do que os trabalhos de Hansez e colaboradores (2005) para compreender os
desejos de reforma antecipada. Este estudo exploratório permitiu sobretudo
compreender que não podemos pensar sobre o problema do fim de carreira sem
integrar a dimensão do género.
Deste ponto de vista, percebemos que há um verdadeiro vazio em torno das
condições para "envelhecer bem no trabalho". Os acordos de emprego dos
seniores, a prevenção das situações de penosidade, serão suficientes para criar
as condições para a manutenção da atividade até a data especificada pelas
políticas? Quais são as condições de um trabalho em fim de carreira
facilitadoras de eficiência, de desenvolvimento, garantindo a saúde física,
mental, psicológica, dos assalariados, tanto no trabalho como em outras áreas
da vida? Fundamentalmente, coloca-se a questão da sustentabilidade das
condições de trabalho ao longo do tempo. Isto não pode ser feito sem uma
análise detalhada das formas de penosidade do trabalho específicas de cada
profissão; penosidade, não só do ponto de vista físico (é a única levada em
conta nas políticas atuais), mas também mental e psíquica. Parece ser essencial
nas profissões de relações de serviço, onde as formas de sofrimento muitas
vezes permanecem invisíveis.
A problemática do emprego dos seniores leva-nos, pois, a pensar de outra forma
o trabalho: pensar o emprego "durável", "o trabalho sustentável" (Jolivet,
2011, p.7, tradução livre), viável em todas as idades da vida, para as mulheres
como para os homens; um desafio urgente a empreender, para o bem-estar dos
assalariados.