A Didática psicológica. Aplicação à didática da psicologia de Jean Piaget de
Aebli: uma abordagem e um autor esquecidos
TEXTOS HISTÓRICOS
A “Didática psicológica. Aplicação à didática da psicologia de Jean Piaget” de
Aebli: uma abordagem e um autor esquecidos
La “Didáctica psicológica. Aplicación a la didáctica de la psicología de Jean
Piaget” de Aebli, un enfoque y un autor olvidados
La "Didactique psychologique. Application à la didactique de la psychologie de
Jean Piaget" de Aebli, une approche et un auteur oubliés
The “Psychological didactics. Application of the Jean Piaget psychology to the
didactics”, by Aebli; the forgotten approach of a forgotten author
Janine Rogalski*
*Directeur de recherche CNRS honoraire, associée au Groupe de Recherche et
d’Etude sur l’Histoire du Travail et de L’Orientation (GRESHTO) Centre de
Recherche sur le Travail et le Développement (CRTD), Conservatoire National des
Arts et Métiers (CNAM), 41, Rue Gay Lussac 75005, Paris, France
janine.rogalski@univ-paris8.fr
As didáticas disciplinares e profissionais participam em conjunto com a
ergonomia, a sociologia e a psicologia do trabalho, no desenvolvimento dos
conhecimentos respeitantes à análise da actividade real em situação, na escola
e no trabalho. Os investigadores nesse domínio, talvez por a constituição do
seu campo de investigação ser recente explicitam mito raramente a origem das
suas fontes. Neste artigo procuraremos reconstituir aquilo que devem a um
investigador cujos trabalhos percursores são ignorados ou pouco conhecidos:
Hans Aebli (1923-1990).
Hans Aebli publica em 1951 a obra "Didactique psychologique.Application à la
didactique de la psychologie de Jean Piaget"[1], no mesmo ano da defesa da sua
tese sob a orientação de Piaget. Trata-se do seu primeiro livro e do único
disponível em francês [2]. A característica original desta publicação é não só
a de deduzir, da teoria psicológica de Piaget, uma didática mas também a de
demostrar experimentalmente a eficácia dessa abordagem aplicada a um objecto de
ensino da matemática.
Todavia, como sublinham Régis Ouvrier-Bonnaz e Marianne Lacomblez (2014),
“quando os didactas vieram a interessar-se por Piaget, é a dimensão
epistemológica que privilegiarão, sem (relayer) retomar os trabalhos de Aebli”.
O termo “relayer”parece-nos importante se compreendido como constatando que a
obra de Aebli é na verdade muito citada em trabalhos franceses, tanto na
pedagogia como na didática das matemáticas, contudo, o conteúdo propriamente
dito da obra, é ignorado – com poucas exceções [3]. Daí que procuraremos
compreender porque é que esta proposta, visando sustentar cada didática através
da contribuição da teoria piagetiana, não teve uma influência imediata. A
questão coloca-se particularmente na didática das matemáticas; pelo menos um
debate crítico teria podido ter sido iniciado a partir daí.
Para tratar dessa questão situaremos, em primeiro lugar, e rapidamente, a
"Didactique psychologique" na vida profissional de Aebli. Por um
lado, voltaremos ao que é para ele a “didática” e como ele a situa em relação
às ciências da educação e, por outro, teremos em vista o seu significado
ulterior na didática das matemáticas. Após um balanço da sua crítica dos
pressupostos psicológicos da “didática tradicional” e da sua crítica da
"escola activa", apresentaremos de seguida a démarche da
elaboração, por Aebli, de um método didáctico a partir do quadro teórico de
Piaget e as linhas de experimentação que apresenta para apoiar as suas
propostas. Concluiremos com um ensaio de explicação para o facto do balanço que
Aebli quis elaborar não ter desempenhado o papel de precursor que poderia ter
sido o seu.
A “didática psicológica” na trajectória de Hans Aebli
O conteúdo desta primeira obra de Aebli é inicialmente apoiado (escorado) pelas
experiências conduzidas em contexto piagetiano. Apoia-se igualmente em
conhecimentos experienciais de Aebli, professor primário. Piaget sublinha, no
seu prefácio, a importância desta dupla qualificação de psicólogo e de educador
para (daí) deduzir uma utilização didática dos trabalhos psicológicos. Acresce
que no decurso do seu período de estudo em Minneapolis, no fim dos anos 40,
Aebli “foi confrontado com a abordagem do pragmatismo americano por intermédio
do filósofo da educação John Dewey” (documento web da fundação Nåf Aebli :
http://www.ans.ch/fr/). Os trabalhos ulteriores de Aebli virão a ser marcados
por diversas características. Por um lado afastar-se-á do estrito quadro
construtivista piagetiano (Aebli, 1978) na análise do desenvolvimento do
pensamento da criança, particularmente ao introduzir a dimensão da
interiorização dos conhecimentos, já conhecida do mestre. Assim, abrirá
amplamente os seus trabalhos em direcção da análise do ensino e da formação dos
docentes. Por outro lado publicará essencialmente em alemão (dada a sua
pertença institucional [4]), e – infelizmente – nenhuma das suas obras terá
sido traduzida para francês. A sua obra inicial tornar-se-á assim em França um
“ponto isolado” da didática desenvolvida por Aebli, enquanto ela viria a ter
uma posteridade bem estabelecida na Alemanha e na Suíça de língua alemã.
A didática: ciência e método de ensino das disciplinas escolares
Aebli definiu a didática como “uma ciência auxiliar da pedagogia na qual esta
última delega para a realização de pormenor, as tarefas educativas mais gerais”
(introdução, p.1). Define-lhe os alvos (os problemas): “qualquer didática deve
definir […] não apenas como os alunos “conhecem” determinada matéria [primeiro
problema didáctico] mas também como a aprendem[segundo problema didáctico] […].
À didática incumbe além disso estudar as condições mais favoráveis a estes
processos de formação[terceiro problema didáctico]
Insiste (Aebli) na dimensão psicológica da didática e na sua ligação com uma
psicologia: “qualquer método de ensino é solidário com uma psicologia da
criança e do seu pensamento, frequentemente não explicitada”, enquanto “a
didática científica atribui-se como tarefa deduzir do conhecimento psicológico
dos processos de formação intelectual as medidas metodológicas mais aptas a
provocá-la"(p. 2). Como lembra no preâmbulo: “só uma psicologia como a de Jean
Piaget […] pode fornecer os conceitos necessários para a solução de semelhantes
problemas didácticos”.
O singular do termo “didática” indica o caracter genérico do princípio
piagetiano no cerne de " Didactique psychologique ": “pensar é
operar”. Todavia Aebli especifica que este princípio deve ser declinado segundo
as diferentes disciplinas escolares e desenvolve-o para o caso das matemáticas
(da escola primária).
Da insuficiência da “didática tradicional” e do lugar da "psicologia
tradicional" nos princípios da “escola activa” à psicologia piagetiana
fundadora da “didática científica”
A parte histórica da obra de Aebli (pp. 5-37) defende desde do início que a
“didática tradicional” se fundamenta no “princípio da intuição”. Esta conceção
“sensualista-empirista” [5] é sustentada por uma psicologia tradicional
empirista, incapaz de dar conta mesmo da aquisição das imagens mentais. A
“didática da escola ativa” é analisada através de obras de teorizadores“cujos
trabalhos deram lugar a realizações práticas e que expuseram explicitamente a
psicologia sobre a qual assenta a sua pedagogia”.
À de W.A. Lay [6] falta uma conceção da natureza activa do pensamento, ainda
que ele considere justamente a criança como “membro duma comunidade da qual
sofre acções e sobre a qual reage” (p. 21). Uma longa secção é dedicada a Dewey
para discutir as didáticas baseadas numa “interpretação instrumentalista do
pensamento” [7]. O pensamento é aí, decerto um utensílio, mas – critica Aebli –
para além da análise da função do pensamento falta-lhe a questão da sua
natureza intrínseca que a torna operatória.
Nos fundamentos da didática de Aebli: a psicologia piagetiana
O cerne da obra (pp. 39-106) é consagrado a explicitar como a didática pode/
deve alimentar-se com a psicologia piagetiana. Nesta Parte psicológica (pp. 39-
71), Aebli começa pela interpretação, por Piaget, da imagem mental como
interiorização da acção, a qual se opõe à concepção da psicologia tradicional;
examina a seguir a actividade intelectual do aluno na escola tradicional do
ponto de vista desta teoria da interiorização (L'image et l'opération, pp. 40-
48). Continua desenvolvendo os conceitos de hábitos tais como podem ser
adquiridos na escola tradicional inclusive quando relativos ao manuseamento dos
símbolos e de operações (mentais), a (um) campo de aplicação mais amplo,
formando sistemas de conjunto e cuja mobilidade – ligada à sua reversibilidade
– se opõe à estereotipia do desenrolar dos hábitos (L'habitude et l'opération,
pp. 49-60). Aebli consagra a seguir uma secção à relação entre a noção de
operação e a cooperação dos alunos (p. 57 e seguintes). Desenvolve, com
referência a Piaget, em que é que a cooperação social é um dos principais
agentes formadores na génese espontânea do pensamento infantil e conclui pela
“necessidade imperativa de o ensino moderno tirar partido desse facto
destinando, nos programas escolares, um lugar importante às actividades
socializadas”.
Após o capítulo centrado nas relações entre operações e cooperação dos alunos,
um outro centra-se em A pesquisa, o problema e a construção da operação (pp.
61-65). Aebli analisa ai em que é que a pesquisa, pelo aluno, de um verdadeiro
problema dá lugar à construção da operação e em quê o problema e as questões
que coloca orienta essa pesquisa e “contém um esquema antecipador” da operação
intelectual a efectuar (classificar, ordenar, explicar, etc.). Quando este
esquema antecipador não constitui senão um projecto global e a operação global
deva diferenciar-se e estruturar-se no decurso da pesquisa, esta dá lugar a uma
progressão do pensamento, com a construção de um novo esquema ultrapassando
pela sua estrutura os esquemas anteriores.
O último capítulo (pp. 66-71) da Parte psicológica é consagrado à assimilação
na teoria de Piaget como uma “concepção totalmente nova da apreensão da
experiência” para tratar o problema da relação entre o sujeito assimilador e o
objecto assimilado. Aebli remete extensamente para Piaget (1936, 1947) e
limita-se a indicar a evolução deste processo que vai dos esquemas sensório-
motores “até à análise matemática dos fenómenos e dos objectos”.
A aplicação da didática
As análises sobre a pesquisa, o problema e a construção das operações mentais
são retomados nos dois primeiros capítulos da Parte didática: A construção das
operações pela pesquisa do aluno(pp. 73-80) e O problema como projecto de acção
(pp. 81-85), no qual Aebli discute o problema como projecto de acção efectiva,
prático mas também fictício. Ele introduz o que pode ser o desenrolar de uma
unidade didática com pesquisa pessoal dos alunos relevando nesse caso a
necessidade de que o problema seja colocado com “um máximo cuidado”. Pode
pensar-se aqui na noção de devolução do problema ao aluno, que mais tarde será
introduzida por Guy Brousseau (1986). Aebli salienta também a importância dos
acertos colectivos – contudo, os trabalhos em didática mostrarão mais tarde que
tais acertos constituem uma particular dificuldade para o docente. Esta
abordagem do estatuto da pesquisa de problema(s) constitui uma achega
significativa de Aebli sobre a qual poderiam ter-se então desenvolvido as
pesquisas, nomeadamente as relativas ao ensino das matemáticas.
A importância da dimensão colectiva introduzida na Parte psicológica tem o seu
equivalente nos desenvolvimentos do último capítulo da Parte didática: A
cooperação dos alunos e o “exercício operatório” (pp. 92-106). Aí, Aebli
distingue primeiro dois casos extremos de problemas: aqueles cuja resolução
requer a construção de uma noção ou operação nova – a discussão em comum está-
lhe adaptada – e aqueles que apelam à simples aplicação de operações conhecidas
a situações novas – que se prestam ao trabalho em equipas.
As secções seguintes explicitam o trabalho didáctico que deve ainda ser
efectuado. A elaboração de uma nova noção ou operação a partir da pesquisa deve
ser seguida de uma implementação que deve “fazer estalar os quadros rígidos de
um hábito que terá podido formar-se sem consciência do aluno” e “depurar a
operação e torná-la móvel”. É o que Aebli designa por“exercício operatório”. As
condições de produtividade deste exercício operatório são, a seguir,
analisadas: trabalhar a ligação entre operação directa e operação inversa (a
reversibilidade operatória), estabelecer a relação das operações associativas e
também a das operações e noções a distinguir: na didática psicológica trata-se,
para o docente, de fazer trabalhar o sistema das operações. Enfim, a
interiorização progressiva das operações deve ser organizada via representação
gráfica das mesmas. A implementação das operações interiorizadas deve também
ser suscitada pelo pedido de repensar a operação executada e a seguir o de a
antecipar.
Na "Didática Psicológica" está-se longe da ilusão dum
construtivismo estrito por vezes censurado a Aebli: o sistema de actividades
cognitivas pedido ao aluno pelo docente tem pleno lugar. Todavia, um ponto
fraco da ligação entre psicologia e didática que Aebli propõe é a menorização
do processo de acomodação, em jogo quando a aplicação dos esquemas a objectos
novos arrasta a modificação daqueles. Assinala apenas de passagem a sua
existência e considera que uma “psicologia didática deverá insistir sobretudo
na relação de assimilação” (p. 67). Ora, numerosos objectos de ensino que serão
novidade para o aluno necessitarão de uma alteração conceptual no próprio
aluno, com ou sem rotura, que deverá ser organizada pelo docente. A noção
subjacente de obstáculo epistemológico foi retomada de Bachelard (1938) no
desenvolvimento da teoria das situações didáticas de Brousseau (1986, 2006) e
por numerosos didactas da matemática e das ciências experimentais.
De facto, a dimensão epistemológica em jogo na didática não é introduzida
enquanto tal por Aebli, ainda que uma epistemologia implícita acerca das
medidas espaciais de perímetro e de superfície suporte a experiência com que
ele encerra a obra.
Uma experiência de implementação da didática psicológica
A Parte Experimental que encerra a obra (pp. 107-153) apresenta uma experiência
didática conduzida pelo próprio Aebli no 6º ano do ensino primário. Diz
respeito ao cálculo do perímetro e da área do retângulo bem como às operações
inversas. A base é a da comparação de lições organizadas em aulas normais
segundo os princípios da “didática tradicional” ou segundo os princípios da
“didática ativa”, pelo mesmo docente. Os mesmos tipos de exercícios são os
colocados em ambos os casos. Os efeitos são avaliados por uma comparação dos
sucessos numa prova inicial e depois numa prova final (em que os alunos têm 100
minutos para resolver 30 problemas sem dificuldades aritméticas). Para um nível
inicial idêntico, os alunos do grupo “moderno” que beneficiaram de uma
"didática ativa" obtém mais sucesso na prova final. Os alunos dos
subgrupos “inferiores” (8-21 pontos na prova inicial, mais numerosos no grupo
“moderno”) apesar dos seus resultados que se mantêm débeis, manifestam
nitidamente menor confusão nas operações – o que traduz uma melhor distinção do
caracter unidimensional do perímetro e bidimensional da superfície. Os alunos
dos subgrupos “superiores” (22 a 30 pontos na prova inicial, mais numerosos no
grupo “tradicional”) têm a mesma qualidade (muito elevada) de respostas na
prova final.
Aebli discute precisamente a interpretação que a experiência pode proporcionar.
Salienta, em particular, que a avaliação não apanha senão “o rendimento
intelectual sob a sua forma mais ‘em bruto’”, numa“ prova incapaz de revelar as
influências mais profundas do ensino” e que a experiência deste tipo de ensino
foi muito curta. Responde igualmente à crítica possível sobre a duração do
ensinamento de acordo com a sua didática psicológica: a investigação pelos
alunos toma mais tempo e em particular as manipulações concretas. Para Aebli
essas não têm valor em si próprias senão para preparar a representação
interiorizada das operações e não se justificam senão para os alunos que ele
qualifica de “menos dotados”. Ele responde ao dilema que daí resulta relativo à
organização da turma, com uma proposta de “individualização parcial”.
A inexistência de uma continuidade da " Didática Psicológica" na
pedagogia e na didática das matemáticas na Europa francófona: algumas hipóteses
As propostas teóricas e pragmáticas de Aebli não constituíram um campo fértil
para a pesquisa em educação, nem no ensino das matemáticas: nunca foram
discutidas a fundo, nem em relação ao que continham de produtivo, nem
relativamente ao limite epistemológico precedentemente realçado. Podem
adiantar-se diversas razões, algumas específicas do contexto francês. Têm a
ver, segundo pensamos, com a existência de dois grandes movimentos nos anos 50,
respeitantes, por um lado, ao ensino das matemáticas e, por outro, à pedagogia.
O movimento das “matemáticas modernas”, com o "colectivo Bourbaki",
traduziu-se por um debate internacional sobre uma renovação do ensino das
matemáticas do secundário, envolvendo matemáticos de renome. Gustave Choquet
será o primeiro presidente da CIEAM (Comissão internacional para o estudo e
melhoramento do ensino da matemática) formalmente criada em 1951. É
significativo que dela tenham feito parte, por um lado psicólogos (entre os
quais Piaget e Gonseth) e, por outro, matemáticos (entre os quais Dieudonné,
Choquet, Lichnérowicz).
Em França os debates desembocarão, em 1968, na criação dos primeiros IREM
(Institutos de pesquisa sobre o ensino das matemáticas) no âmbito do ensino das
matemáticas na Faculdade de Ciências de Paris. Este será o terreno fértil das
matemáticas. Uma abordagem, como a de Aebli, não apoiada numa análise dos
saberes matemáticos em causa não tinha aqui lugar.
Pelo lado da pedagogia é um outro tipo de movimento epistemológico que
aparecerá. Em França, o seu chefe de fila é Gaston Mialaret: após ter criado em
1946 um laboratório de psicopedagogia, participará em 1953 numa primeira
reunião, por iniciativa de Robert Dottrens, de investigadores que defenderão a
cientificidade do seu domínio, isto é, uma pedagogia experimental [8]. A etapa
seguinte é a da separação da psicologia das novas “Ciências da educação” em
três universidades. Assim, em 1967, surgirá enquanto disciplina universitária
autónoma em Bordeaux, Caen e Paris, concluindo deste modo a acção de Gaston
Mialare, Jean Château e Maurice Debesse.
A defesa, por Aebli, de uma didática como instrumento de uma pedagogia baseada
na teoria psicológica de Piaget ia tanto mais em contra-corrente deste
movimento quanto os autores centrais se situavam numa linhagem totalmente
diferente (quer epistemológica, quer politicamente): a de Wallon. Em Piaget a
abordagem do desenvolvimento e da construção de conhecimentos é, antes de tudo,
cognitiva; essa abordagem é em Wallon mais unitária e o papel do Outro e do
social é, nela, valorizado.
Maurice Debesse creditou realmente a Aebli o ter aberto a via do estudo dos
efeitos dos métodos de ensino das matemáticas, mas só a dimensão da didática
como método é sublinhada (195, pp. 802-803). Antoine Léon, que integra, em
1957, a Sorbonne [9]por iniciativa de Debesse, discutirá mais tarde “a
psicologia como fundamento de qualquer acção educativa” sintetiza essa primeira
obra de Aebli que se inspira nas concepções de J. Piaget para implementar uma
pedagogia em que a formação das noções é considerada como uma construção
psicológica solicitando actividade investigativa e desaguando em operações
móbeis, integradas em sistemas de conjunto
” (Léon, 1966, p. 464) – mas cita a seguir Vinh Bang e Morf, próximos
colaboradores de Piaget – para limitar o alcance da influência da psicologia no
desenvolvimento da pedagogia.
Em contrapartida, na sua apologia “Pour une éducation scientifique”, publicado
no primeiro número da novíssima Revue Française de Pédagogie (1967), Jean
Château lamenta que “a psicologia da educação se mantenha muito embrionária”,
sem mencionar de todo Aebli. No mesmo período não haverá qualquer referência a
Aebli na obra dirigida por Mialaret “ L´apprentissage des mathématiques”,
apesar do seu subtítulo “Essai de psycho-pédagogie”.
Matemáticos que reivindicam a iniciativa epistemológica no ensino da sua
disciplina, pedagogos que afirmam a sua autonomia em relação à psicologia serão
também acompanhados por um psicólogo como Gréco, próximo colaborador de Piaget
– que retomou o seu curso na Sorbonne – e interlocutor de Lichnérowicz [10]: “A
ideia de uma pedagogia que seria uma psicologia aplicada à educação parece-me o
exemplo tipo de uma aberração epistemológica […] Sobre a natureza do saber
matemático a transmitir é primordialmente o matemático que tem a sua palavra a
dizer.”
Decididamente a conjuntura, em França, não deixava, de todo, lugar a uma
"Didática Psicológica".
Com a constituição da didática das matemáticas em França na década seguinte as
relações com a psicologia serão redesenhadas. Professor primário e depois
matemático, Guy Brousseau apresenta um panorama muito claro do histórico da sua
teoria, com a sua origem matemática e as suas fontes psicológicas, num artigo
recente: “Des dispositifs piagétians … aux situations didactiques” (2012).
Psicólogo, tendo também realizado a sua tese com Piaget, Gérard Vergnaud é, com
Brousseau, um dos actores da criação da comunidade da didática das matemáticas.
A sua teoria dos campos conceptuais (1990), proporciona, no quadro da
aprendizagem, simultaneamente o seu devido lugar aos objectos matemáticos e ao
desenvolvimento do aluno – voltará a seguir ao papel central dos esquemas.
Trata-se do desenrolar de uma outra história que verá também advir no virar do
século uma nova articulação da didática das matemáticas com a psicologia [11]
dando o seu devido lugar à atividade do aluno e à do docente. Mas Aebli e a sua
"Didactique psychologique”foram – injustamente – esquecidas no debate
epistemológico sobre a didática.